ESTRESSE OCUPACIONAL DA ENFERMAGEM EM UMA EMERGÊNCIA OBSTÉTRICA NA PANDEMIA DE COVID-19

 

NURSING JOB STRESS IN AN OBSTETRIC EMERGENCY IN THE COVID-19 PANDEMIC

 

ESTRÉS LABORAL DE ENFERMERÍA EN UNA EMERGENCIA OBSTÉTRICA EN LA PANDEMIA DE COVID-19

 


1Luana Silva de Sousa

2Bruna Karen Cavalcante Fernandes

3Nayara Santana Brito3

4Germana Pinheiro Correia Lima

5Raissa Emanuelle Medeiros Souto

6Dafne Paiva Rodrigues

 

1Doutoranda em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde. Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6203-0024

2Doutora em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde. Docente do Curso de Graduação em Enfermagem. Universidade Federal do Piauí. Floriano, Piauí, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2808-7526

 

3Doutoranda em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde. Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Regional do Cariri. Fortaleza, Ceará, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9782-5513

 

4Enfermeira. Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6550-1231

 

5Mestre em Enfermagem. Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira. Redenção, CE, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-59952784

 

6Doutora em Enfermagem. Docente da Graduação e Pós-Graduação do Curso de Enfermagem. Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, Ceará,
 

RESUMO

Objetivo: Relatar a vivência do estresse ocupacional da enfermagem no fluxo de atendimento em uma emergência obstétrica na pandemia de COVID-19. Método: Relato de experiência de enfermeiros acerca do estresse ocupacional, vivenciado durante a pandemia por COVID-19, no fluxo de atendimento da emergência obstétrica de uma maternidade terciária de Fortaleza, Ceará. Resultados: Os profissionais de saúde alocados para atendimento de emergência às gestantes suspeitas e/ou confirmadas de COVID-19 enfrentaram maior estresse no trabalho devido à exposição direta e prolongada durante o monitoramento do trabalho de parto e parto, à exaustão física e emocional e ao trabalho em ambiente não ajustado. Conclusão: O estresse ocupacional em emergência obstétrica esteve diretamente relacionado ao desenvolvimento de morbidade psicológica nos profissionais de saúde da linha de frente, especialmente nos trabalhadores de enfermagem.

Palavras-chave:  Estresse Ocupacional; Infecções por Coronavírus; Emergência; Obstetrícia; Saúde do Trabalhador.

 

ABSTRACT

 Objective: To report the experience of occupational stress in nursing in the flow of care in an obstetric emergency in the COVID-19 pandemic. Method: Experience report of nurses about occupational stress, experienced during the COVID-19 pandemic, in the flow of obstetric emergency care at a tertiary maternity hospital in Fortaleza, Ceará. Results: Health professionals allocated to emergency care for suspected and/or confirmed COVID-19 pregnant women faced greater work stress due to direct and prolonged exposure during labor and delivery monitoring, physical and emotional exhaustion, and work in unadjusted environment. Conclusion: Occupational stress in obstetric emergencies was directly related to the development of psychological morbidity in frontline health professionals, especially in nursing workers.

Keywords: Occupational Stress; Coronavirus Infections; Emergency; Obstetrics; Occupational Health.

 

RESUMEN

Objetivo: Relatar la experiencia del estrés ocupacional en enfermería en el flujo de atención en una emergencia obstétrica en la pandemia de COVID-19. Método: Relato de experiencia de enfermeros sobre el estrés ocupacional, experimentado durante la pandemia de COVID-19, en el flujo de atención de emergencia obstétrica en una maternidad de tercer nivel en Fortaleza, Ceará. Resultados: Los profesionales de la salud destinados a la atención de emergencia de gestantes con sospecha y/o confirmación de COVID-19 enfrentaron mayor estrés laboral debido a la exposición directa y prolongada durante el trabajo de parto y el seguimiento del parto, el agotamiento físico y emocional y el trabajo en un ambiente no adaptado. Conclusión: El estrés laboral en emergencias obstétricas se relacionó directamente con el desarrollo de morbilidad psicológica en los profesionales de salud de primera línea, especialmente en los trabajadores de enfermería.

Palabras clave: Estrés Laboral; Infecciones por Coronavirus; Emergencia; Obstetricia; Salud Laboral.


Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-

8686-3496

 

Autor correspondente

Bruna Karen Cavalcante Fernandes

Rua Michele, 30, Passaré.

CEP: 60861-444. Fortaleza, CE, Brasil.

Telefone: +55(085) 999439075

Email: brunacavalcanteff@gmail.com

 

 


INTRODUÇÃO

O mundo enfrenta o maior desafio sanitário do século XXI – a pandemia por COVID-19(1), infecção por coronavírus transmitida de modo rápido entre seres humanos. A incerteza frente à nova doença pode gerar inúmeros fatores estressores, levando ao estresse psicológico em toda a população, incluindo os profissionais de saúde(2).

Os profissionais de saúde são descritos como a categoria populacional mais afetada psicologicamente, tendo em vista que estão na linha de frente e assim mais expostos a riscos físicos, além de: sobrecarga de trabalho, medo de contaminar os familiares e, também, de se contaminar, informações desencontradas, descontentamento com o governo e os sistemas de saúde. O grande número de doentes e mortes gera um alto risco psicossocial e ocupacional para as equipes que atuam na linha de frente(3,4).

No cenário da assistência ao parto e nascimento não é diferente, pois neste momento crítico da pandemia de COVID‐19, além de todos os fatores mencionados acima, os profissionais de saúde ainda precisam entender o espectro de apresentações e resultados dessa infecção durante a gravidez, parto e puerpério, já que gestantes, parturientes e puérperas podem apresentar complicações relacionadas à COVID-19(5).

O estresse no trabalho em Obstetrícia envolve incertezas relacionadas à nova doença, como formas de transmissão, tempo de incubação do vírus, letalidade, tratamento, diagnóstico seguro, uso correto, adequado e racional de equipamentos de proteção individual (EPI), boas práticas na condução do processo de parturição, treinamentos constantes e contínuos.

Ademais, todos os profissionais de saúde tornam-se indispensáveis no acompanhamento da gestante, mas vale ressaltar o papel da Enfermagem Obstétrica, pois ela estimula a mulher a assumir seu papel de protagonista, sendo capaz de utilizar estratégias transformadoras do ambiente em que atua, traduzindo a ciência que aprendeu em moldes humanistas, levando em conta os direitos da mulher à maternidade segura e prazerosa também no contexto da pandemia(6,7).

Destaca-se, ainda, o protagonismo dos enfermeiros em todas as interfaces na pandemia da COVID-19, pois assumem papel fundamental desde a composição das comissões, perpassando pelo planejamento e funcionamento da estrutura física, gestão de recurso físicos, humanos e materiais, além do desenvolvimento de fluxos e protocolos com foco na qualidade da assistência(8). Assim, o estudo objetivou relatar a vivência do estresse no trabalho da Enfermagem em uma emergência obstétrica na pandemia de COVID-19.

 

MÉTODOS
     
Trata-se de um relato de experiência de natureza descritiva e abordagem qualitativa com recorte temporal transversal, acerca do estresse ocupacional da enfermagem, durante a pandemia de COVID-19, em emergência obstétrica de uma maternidade terciária de Fortaleza, no Ceará.

O local do estudo refere-se a um hospital que oferece atendimento tanto público como privado, por meio de convênios e contratos com o Sistema Único de Saúde (SUS), sendo um hospital referência do Estado e acreditado com excelência, nível 3, pela Organização Nacional de Acreditação (ONA). Esta metodologia é a única, no Brasil, que acredita em diferentes níveis, o que fomenta as organizações de saúde na acurácia da segurança dos processos, na gestão integrada e na maturidade institucional(9).

A maternidade possui a seguinte estrutura: Acolhimento com Classificação de Risco em Obstetrícia (ACCRO), dois consultórios médicos, Centro Obstétrico contendo três Salas de Operações (SO) e uma Sala de Recuperação Pós-Anestésica (SRPA) com três leitos, cinco leitos de Pré-Parto, Parto e Pós-Parto (PPP), vinte o oito leitos de Alojamento Conjunto (AC), dez leitos compondo a Unidade de Cuidados Intermediários Neonatal (UCINCO) e dez leitos da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN).

A experiência foi relatada por enfermeiros que atuaram na assistência direta e indireta às gestantes na referida maternidade, no período de 01 de maio de 2020 a 01 de maio de 2021.

A descrição do relato foi baseada nas experiências dos enfermeiros lotados na emergência obstétrica, setor considerado de elevada tensão, por ser unidade de cuidado crítico, em que existe maior possibilidade de evidências do fenômeno em estudo. Segundo dados da instituição, aproximadamente 115 trabalhadores compõem a equipe de enfermagem do Bloco Materno-Neonatal, todos com vínculo empregatício formal e, em relação aos enfermeiros, apresentavam titulação mínima de especialista na área de interesse.

 As reflexões aqui destacadas representam o compartilhamento de saberes e práticas que emergiram de observações, relatos, estudos e discussões, durante os plantões, entre os trabalhadores de Enfermagem da instituição em que foram desenvolvidas as atividades de trabalho.

O presente estudo, embora realizado a partir da vivência de trabalhadores de enfermagem, não precisou ser aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa, por se tratar de um relato de experiência. Em contrapartida, respeitou todos os princípios éticos preconizados pelas normativas do Conselho Nacional de Saúde, que leva em consideração o respeito mútuo entre pesquisador e participantes, bem como os direitos e deveres, obedecendo aspectos da autonomia, não-maleficência, beneficência e justiça.

 

RESULTADOS

Devido ao grande número de gestantes atendidas diariamente no cenário do estudo, os processos de trabalho foram reorganizados durante a pandemia de COVID-19 a fim de garantir medidas de proteção, qualidade da assistência e segurança aos colaboradores, gestantes e acompanhantes. 

Foi estabelecido um fluxo de atendimento de COVID-19 (Figura 1) em que a porta de entrada era o pronto atendimento obstétrico, composto por: hall de entrada, recepção, Acolhimento com Classificação de Risco em Obstetrícia (ACCRO), sala de espera de suspeitas/confirmadas de COVID-19 e acompanhantes, e dois consultórios médicos, um destinado ao atendimento de gestantes não-COVID (consultório 1) e outro ao atendimento de gestantes suspeitas/confirmadas de COVID-19 (consultório 2).


 

Diagrama

Descrição gerada automaticamenteFigura 1 - Fluxo de atendimento de COVID-19 na emergência obstétrica de uma maternidade terciária. Fortaleza, Ceará, 2021.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Autoras.


Inicialmente, era feita a triagem na entrada da recepção, realizada por um técnico de enfermagem, que investigava sinais e/ou sintomas gripais de todas as pacientes e acompanhantes norteado por um instrumento de coleta de dados contendo o seguinte questionamento: “você ou o acompanhante apresenta ou apresentou, há pelo menos duas semanas, febre, calafrio, tosse, falta de ar, fadiga, cefaléia, congestão nasal, dor de garganta, mialgia, anosmia, ageusia, disgeusia e/ou diarreia”. Era realizada, também, a aferição da temperatura com termômetro infravermelho na testa, tanto nas gestantes como nos acompanhantes.

Em seguida, ofertava-se uma máscara cirúrgica para cada paciente e acompanhante, independentemente de ter ou não sinais e/ou sintomas gripais (era solicitada a substituição da máscara que a paciente e o acompanhante estavam utilizando pela máscara cirúrgica fornecida pela instituição).

Se a paciente tivesse sinais e/ou sintomas gripais e queixas obstétricas, ela era encaminhada ao consultório 2, aberto pelo técnico de enfermagem que, imediatamente após ter acomodado paciente e acompanhante, comunicava o enfermeiro obstetra do ACCRO. Este informava o médico obstetra, a fim de otimizar o atendimento; já se a paciente tivesse sinais e/ou sintomas gripais e apenas queixas clínicas, ela era orientada a procurar o prontoatendimento clínico, quando tivesse convênio parceiro do hospital ou uma Unidade de Prontoatendimento (UPA), quando não possuísse.

Caso aparecesse mais de uma paciente suspeita/confirmada de COVID-19, elas eram direcionadas a aguardar a classificação de risco na sala de espera destinada apenas para esse público-alvo, enquanto era finalizado o protocolo ACCRO da paciente anterior, levando em consideração os riscos à saúde materno-fetal para reorganização da fila de espera.

O enfermeiro se paramentava para atendimento no consultório 2 (gorro, luva, máscara N95, óculos de proteção e/ou protetor facial e avental descartável). Após feito o acolhimento com classificação de risco, o enfermeiro comunicava o recepcionista (via telefone) que fazia a ficha de atendimento enquanto a paciente aguardava atendimento médico, junto com o enfermeiro, para tomada de decisão sobre o desfecho: alta, realização de exames ou internamento hospitalar.

Em relação ao uso de EPI, houve um treinamento virtual acerca da paramentação e desparamentação dos profissionais de saúde em tempos de pandemia de COVID-19 segundo o que preconizava o Ministério da Saúde em suas diversas normas técnicas publicadas e atualizadas.

Na instituição em questão, eram ofertadas máscaras N95 a todos os trabalhadores de saúde, com possibilidade de troca a cada 72 horas, para todos os atendimentos; no atendimento a suspeitas/confirmadas de COVID-19 eram disponibilizados: gorro, luvas de procedimento, máscara N95, óculos de proteção e/ou protetor facial e avental descartável. No atendimento às pacientes não-COVID, o técnico de enfermagem, o enfermeiro e o médico utilizavam somente gorro, N95, protetor facial e/ou óculos de proteção.

Após atendimento médico, caso fossem solicitados exames laboratoriais e/ou de imagem, o enfermeiro do ACCRO comunicava o setor responsável e acionava transporte em isolamento. Após realização dos exames, paciente e acompanhante retornavam ao consultório 2 para reavaliação médica. O enfermeiro do ACCRO informava o médico obstetra acerca do retorno da paciente e, então, novamente se paramentava e concluía o atendimento à gestante.

Após desfecho, caso fosse motivo de internamento hospitalar para resolução do parto, o enfermeiro do ACCRO acionava a central de regulação de leitos acerca da necessidade de quarto privativo para COVID-19; após, comunicava o enfermeiro do Centro Obstétrico sobre a necessidade de disponibilizar o leito COVID, em caso de parto vaginal ou cirurgia cesariana - existia um leito pré-parto, parto e pós-parto (PPP) e uma sala de operação reservados para suspeitas/confirmadas; se fosse internamento clínico, acionava o enfermeiro do alojamento conjunto acerca da necessidade de disponibilizar um leito com precaução para contato e gotículas.

Após, eram realizadas orientações à paciente e ao acompanhante e solicitada a assinatura do Termo de Acompanhante COVID disponibilizado pela instituição, em que constavam informações relevantes: o acompanhante deveria ser o mesmo da admissão à alta hospitalar, permanecer junto à paciente 24 horas por dia e impedido de transitar nas dependências da instituição. Ademais, não poderia ter nenhum sinal e/ou sintoma gripal.

O enfermeiro do ACCRO transferia a paciente de setor mediante o plano de comunicação fundamentado na ferramenta SBAR (Situação/Breve Histórico/Avaliação/Recomendação) com o objetivo de reduzir chances de erros e omissões(10).

 

DISCUSSÃO

Os serviços de emergência são espaços dinâmicos que efetuam assistência a pacientes de alta complexidade. O panorama mundial pandêmico de superlotação, prolongamento da permanência em unidades devido à falta de leitos de retaguarda e tempo prolongado de atendimento são situações que podem comprometer a qualidade assistencial, em que a comunicação, cooperação e coordenação são habilidades essenciais para melhoria e efetividade do cuidado(11, 12).

Em meio às incertezas frente à atual pandemia, além do sofrimento psicológico, do desgaste físico e mental, há cada vez mais exigências e sobrecargas aos trabalhadores de enfermagem para a melhoria da gestão de cuidados e o gerenciamento da equipe de saúde atuante no enfrentamento da COVID-19(11,12).

Na Rede de Atenção às Urgências, o acolhimento é uma das principais diretrizes que norteiam a reorganização dos processos de trabalho nos serviços de emergência obstétrica. Quando associado à classificação de risco, leva à tomada de decisão do profissional de saúde a partir de uma escuta qualificada, associada ao julgamento clínico embasado em protocolo fundamentado cientificamente. Inicia-se no momento da chegada da mulher, com a identificação do motivo da procura ao serviço de saúde, o que também indicará o fluxograma de classificação de risco a ser utilizado e as ações a serem realizadas(13, 14).

A utilização do protocolo de ACCRO é regido pelo princípio da equidade do SUS, favorecendo a organização das portas de entrada dos serviços de urgência em Obstetrícia por meio da escuta qualificada. Representa um processo de trabalho de apoio à decisão clínica para a identificação, o mais precoce possível, da gestante crítica ou mais grave, priorizando o seu atendimento(14).

 Contudo, sua aplicação de modo efetivo, no atual contexto, torna-se um entrave quando não existe separação dos profissionais em área COVID e não-COVID, visto que, enquanto o enfermeiro está isolado atendendo uma suspeita/confirmada de COVID-19, outras pacientes sem sinais e/ou sintomas de COVID-19 ficam aguardando atendimento. Além disso, não há possibilidade de controle da chegada das mulheres no prontoatendimento obstétrico e da fila de espera até que os profissionais finalizem o atendimento e direcionem o desfecho. Isto demonstra a importância a revisão constante e contínua dos protocolos e fluxogramas, além da necessidade do desenvolvimento de novas estratégias que orientem as ações.

O primeiro contato do técnico de enfermagem com a paciente e o acompanhante pode gerar desconforto tanto para o trabalhador como para a paciente, pois, diversas vezes, o receptor não aceita bem os questionamentos feitos em relação aos sintomas gripais, podendo sentir-se intimidado e excluído, principalmente quando é convidado a dirigir-se ao consultório utilizado para isolamento. Por outro lado, esse fluxo de atendimento gera satisfação e segurança para as pacientes que não tem nenhuma queixa suspeita/confirmada de COVID-19, pois permanecem em um espaço físico separado daquelas que apresentam.

Vale ressaltar que muitas pacientes omitem sinais e/ou sintomas suspeitos/confirmados de COVID-19 e, quando chegam à consulta de enfermagem no ACCRO, afirmam a presença de um ou outro sinal/sintoma. Esse comportamento pode ser adotado por várias razões, como preconceito, medo, ansiedade, insegurança, fata de confiança, desespero(16). Destarte, essa atitude também gera desconforto, ansiedade, raiva, abuso, incompreensão nos profissionais envolvidos, tanto o enfermeiro, como o técnico, que se sente, muitas vezes, incompetente por não ter “barrado” a entrada da paciente suspeita/confirmada no espaço não-COVID.

A falta de informação e de orientação das pacientes e acompanhantes é um fator estressor, principalmente quando não aceitam que tem algum sinal e/ou sintoma suspeito de COVID-19 e negam aguardar atendimento em isolamento. Este fato pode desencadear comportamentos destrutivos no ambiente de prática profissional devido à alta tensão no setor emergência obstétrica aliado a problemas pessoais de relação, fadiga, falta de empatia, desrespeito(16, 17).

Tudo isso gera insatisfação, desmotivação, angústia, medo de retaliação por parte da organização e dos outros pacientes e acompanhantes do setor não-COVID que, muitas vezes, percebem o que está acontecendo, pois quando uma paciente suspeita/confirmada revela o que verdadeiramente sente já no ACCRO, imediatamente o espaço é isolado e o enfermeiro solicita gentilmente que todos saiam daquele local e se dirijam ao hall de entrada da emergência obstétrica, isolada do ACCRO por uma porta de vidro.

Após, o enfermeiro se paramenta e dirige-se com a paciente e seu acompanhante ao consultório 2. Lá, informa o médico acerca do atendimento em isolamento e solicita a equipe de higienização para a limpeza terminal na recepção e na sala do ACCRO.

Enquanto isso, as pacientes e acompanhantes seguem aguardando no hall, assim como aquelas que chegam para atendimento na emergência obstétrica até que seja concluída a higienização do setor. Após desfecho médico, o enfermeiro e o médico se desparamentam no próprio consultório 2, seguem para o banheiro dos funcionários, tomam banho e trocam as vestimentas e os equipamentos de proteção individual para dar seguimento aos atendimentos pendentes a fim de minimizar risco de contaminação para os colegas e para as outras pacientes.

Esse fluxo gera uma longa fila de espera, pois só existe um enfermeiro e um médico no prontoatendimento obstétrico para atender a demanda tanto na área COVID como na área não-COVID, pois não há pessoal de saúde suficiente para dividir o processo de trabalho. Logo, os profissionais que atendem os dois públicos são os mesmos, o que acarreta relações conflituosas no ambiente de trabalho, entretanto exige-se comunicação assertiva e avaliação contínua dos riscos e vulnerabilidades para elencar prioridades de atendimento às pacientes COVID e não-COVID em tempo oportuno.

Ademais, o enfermeiro classifica o risco e aguarda a recepcionista gerar a ficha de atendimento (às vezes demanda algum tempo, pois geralmente já existem outras fichas sendo geradas das pacientes atendidas anteriormente à que está no consultório 2 e, só após, o médico obstetra recebe a paciente na tela, em sua fila de atendimento). Enquanto tudo isso acontece, o enfermeiro do ACCRO permanece ao lado da paciente até finalizar a consulta médica, o que eleva ainda mais o risco de contaminação por aumento da exposição ao vírus.

Em meio a isso, podem chegar duas ou mais pacientes suspeitas/confirmadas, o que demanda grande esforço e inteligência emocional da equipe de enfermagem para reorganizar contínua e constantemente a fila de espera. Temos uma sala de espera para esses casos, porém o atendimento deve ser regido pelos sinais e sintomas clínico-obstétricos relacionados ao processo saúde-doença.

Profissionais que trabalham em equipe podem estabelecer uma assistência inovadora para uma análise crítica da situação. Nesse contexto, a organização dos recursos disponíveis e a avaliação dos cuidados garantem a qualidade dos serviços de saúde(18).

Por outro lado, isso tem exigido maior tempo dedicado a estudos domiciliares, novos treinamentos e modificação dos protocolos de atendimento, em uma situação de desgaste mental intensa, o que amplia o estresse no trabalho desses trabalhadores(19).

Outro ponto que se relaciona com o estresse ocupacional na maternidade é a existência de dois grandes fluxos fundamentados pelas queixas das pacientes: se forem queixas clínicas, elas devem ser direcionadas ao prontoatendimento clínico, quando tem convênio; se forem queixas obstétricas, inicialmente ela é avaliada pelo obstetra e, após, dependendo da necessidade, ele solicita um parecer do clínico geral; se forem queixas clínicas, apenas, e a paciente não tiver convênio, ela é orientada pelo médico a procurar atendimento em emergências clínicas, Unidades de Prontoatendimento (UPA), postos de saúde via Sistema Único de Saúde (SUS).

Tudo isso gera insatisfação por parte das pacientes, pois elas não são orientadas sobre o que é queixa clínica e o que é queixa obstétrica no pré-natal, principalmente porque esse fluxo foi recentemente modificado devido à COVID-19 e, portanto, pode não ser compreendido e aplicado a outras realidades que englobam os pré-natalistas. A maternidade em questão tem convênio com o SUS apenas para parto e nascimento, não englobando internamento clínico.

Estudo afirma que os profissionais de saúde alocados para atendimento de emergência em isolamento às gestantes suspeitas e/ou confirmadas de COVID-19 enfrentam mais desafios devido à exposição direta prolongada durante o monitoramento do trabalho de parto e parto, exposição à contaminação potencialmente fatal, exaustão física por longas horas de trabalho com EPI e trabalho em um ambiente não ajustado(20).

Podemos observar que, entre os profissionais de saúde, os enfermeiros estão entre os mais envolvidos no combate à COVID-19. Na verdade, eles estão regularmente em contato direto com os pacientes desde a admissão até a alta. Logo, eles estão altamente expostos ao estresse em comparação com outros profissionais de saúde durante a pandemia(21).

Dentre os fatores preditores vivenciados pelas autoras como predisponentes ou relacionados ao estresse ocupacional em Obstetrícia no contexto da pandemia de COVID- 19 destacaram-se: medo de infecção, do local de trabalho, da transmissão de infecção para a família, dimensionamento de pessoal inadequado, conflitos interpessoais e falta de apoio da equipe. Treinamento para COVID-19, disponibilidade de EPI, nível de escolaridade e atenção da administração hospitalar foram fatores preditores negativos para o estresse dos enfermeiros.

Em tempos de pandemia, os sistemas de saúde são expostos a cenários críticos. Assim, é necessário reconhecer e compreender a crise, assumindo uma atitude construtiva e elaborar um plano estratégico com ações a curto prazo. É fundamental reconhecer os desafios e diagnosticar as limitações para poder fazer mais com os mesmos recursos e fazer diferente com criatividade, responsabilidade, raciocínio, adaptação e ações igualmente rápidas, inovadoras e eficientes(22).

Para lidar com tal situação, é necessário o preparo contínuo dos processos de trabalho em saúde nos hospitais. Ademais, os gerentes de enfermagem precisam prestar muito mais atenção ao profissional de saúde e projetar estratégias de enfrentamento, com planos preventivos, redução do trabalho por turnos, busca das fontes de estresse e das estratégias de mitigação do esgotamento profissional(23).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de trabalho em Obstetrícia é psicologicamente exigente devido à necessidade de atenção imediata, decisões cruciais rápidas em relação ao bem-estar materno e fetal e às situações emergenciais. Essas condições repercutem em estresse ocupacional e constituem fator de risco para o desenvolvimento de morbidade psicológica nos profissionais de saúde da linha de frente, especialmente os trabalhadores de enfermagem.

Em contrapartida, deve-se levar em consideração a humanização da assistência em detrimento da precarização do trabalho neste cenário que envolve estresse emocional e ocupacional, altos índices de absenteísmo, elevada rotatividade, processos de demissão, afastamentos, mudanças de função, inadequação de pessoal, bem como inúmeras consequências indesejáveis para profissionais, pacientes e organizações de saúde.

 

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Submissão: 2022-02-15

Aprovado: 2022-05-11