LESÕES POR PRESSÃO E OS DESAFIOS FRENTE À PANDEMIA DE COVID-19

 

PRESSURE INJURIES AND THE CHALLENGES AGAINST THE COVID-19 PANDEMIC

 

LAS LESIONES POR PRESIÓN Y LOS RETOS ANTE LA PANDEMIA DEL COVID-19

 


1Paula de Souza Silva Freitas

2Lucas Dalvi Armond Rezende

3Kelly Eduarda de Jesus Silva

4Davi de Souza Catabriga

5Ramon Araújo dos Santos

6Paula Cristina Nogueira

7Candida Caniçali Primo

8Aline de Oliveira Ramalho

 

1Universidade Federal do Espírito Santo, Programa de Pós-graduação em Enfermagem (PPGENF). Vitória, Espírito Santo, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9066-3286

 

2Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento de Enfermagem. Vitória, Espírito Santo, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3313-852X

 

3Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento de Enfermagem. Vitória, Espírito Santo, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2539-1207

 

4Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM). Vitória, Espírito Santo, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2937-9731

 

5Universidade Federal do Espírito Santo, Programa de Pós-graduação em Enfermagem (PPGENF). Vitória, Espírito Santo, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8239-862X

 

6Universidade de São Paulo, Programa de Pós-graduação em Enfermagem na Saúde do Adulto. São Paulo, São Paulo, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5200-1281

 

7Universidade Federal do Espírito Santo, Programa de Pós-graduação em Enfermagem (PPGENF). Vitória, Espírito Santo, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5141-2898

 

8Universidade de São Paulo, Programa de Pós-graduação em Enfermagem na Saúde do Adulto. São Paulo, São Paulo, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6065-5488

 

Autor correspondente

Lucas Dalvi Armond Rezende

Av. Mal. Campos, 1468 - Maruípe, Vitória - ES, Brasil CEP: 29047-105

Telefone: +55 (27) 995734999

E-mail: lucas.dalviar@gmail.com

 

 

RESUMO

Objetivo: Analisar na literatura científica as evidências sobre lesão por pressão em pacientes adultos internados com COVID-19. Método: Revisão integrativa de artigos nas bases Medical Literature Analysis and Retrieval System Online, Literatura latino-americana e do caribe de informações em ciências da saúde, base de dados de Enfermagem, Biblioteca virtual em saúde e cumulative index to nursing and Allied Health Literature, nos idiomas português, inglês e espanhol. Resultados: Identificou-se 76 artigos, 13 atenderam aos critérios de inclusão. Agrupou-se os artigos em lesão por pressão em posição prona, lesão por pressão relacionado a dispositivo médico e lesão por pressão em região glútea/sacral. As recomendações para lesão por pressão prona foram: avaliação frequente das principais áreas submetidas a pressão; manutenção da pele limpa e hidratada, descarga de pressão facial, mudanças de decúbito com rodiziamento dos membros e uso de coberturas protetivas. Os achados de lesão por pressão sacral e glútea evidenciam uma relação entre as alterações trombogênicas e a ocorrência de lesão por pressão, identificadas geralmente região sacral/glútea e demonstraram aspectos isquêmicos. Considerações Finais: Acredita-se que as recomendações aqui delineadas possam contribuir para a melhora da assistência aos pacientes com COVID-19 em risco de desenvolvimento de lesão por pressão.

Palavras-chave: COVID-19; Lesão por Pressão; Dermatologia.

 

ABSTRACT

Objective: To analyze the evidence in the scientific literature about pressure injuries in adult patients hospitalized with COVID-19. Method: Integrative review of articles published in the Medical Literature Analysis and Retrieval System Online, Latin American and Caribbean literature of information on health sciences, Nursing database, Virtual health library and cumulative index to nursing and Allied Health Literature, in Portuguese, English and Spanish. Results: 76 articles were identified, of which 13 met the inclusion criteria. The articles were grouped into pressure injury in the prone position, pressure injury related to medical device and pressure injury in the gluteal/sacral region. The recommendations for prone pressure injuries were: frequent assessment of the main areas subjected to pressure; maintenance of clean and hydrated skin, facial pressure relief, decubitus changes with limb rotation and use of protective coverings. The findings of sacral and gluteal pressure injury show a relationship between thrombogenic alterations and the occurrence of pressure injury in these patients, usually identified in the sacral/gluteal region and showing ischemic aspects. Final Considerations: It is believed that the synthesis of evidence and recommendations outlined here can contribute to the improvement of care for patients with COVID-19 at risk of developing pressure injury.

Keywords: COVID-19; Pressure Ulcer; Dermatology.

 

RESUMEN

Objetivo: Analizar la evidencia en la literatura científica sobre lesiones por presión en pacientes adultos hospitalizados con COVID-19. Método: Revisión integrativa de artículos en el Medical Literature Analysis and Retrieval System Online, Latin American and Caribbean literature of information on health sciences, Nursing database, Virtual health library and cumulative index to nursing and Allied Health Literature, en portugués, inglés y español. Resultados: Se identificaron 76 artículos, 13 cumplieron los criterios de inclusión. Los artículos se agruparon en lesiones por presión en decúbito prono, lesiones por presión relacionadas con dispositivos médicos y lesiones por presión en la región glútea / sacra. Las recomendaciones para las lesiones por presión en decúbito prono fueron: evaluación frecuente de las principales áreas sometidas a presión; mantenimiento de la piel limpia e hidratada, alivio de la presión facial, cambios de decúbito con rotación de extremidades y uso de cubiertas protectoras. Los hallazgos de lesión por presión sacra y glútea muestran una relación entre las alteraciones trombogénicas y la ocurrencia de lesión por presión en estos pacientes, generalmente identificados en la región sacra / glútea y que muestran aspectos isquémicos. Consideraciones Finales: Las recomendaciones descritas aquí pueden contribuir a mejorar la atención de los pacientes con COVID-19 en riesgo de desarrollar lesiones por presión.

Palabras clave: COVID-19; Úlcera de Presión; Dermatología.         


 


INTRODUÇÃO

A lesão por pressão (LP) é um problema antigo relacionado aos cuidados em saúde, especialmente para a prática de enfermagem. Trechos extraídos da carta da Florence Nightingale, datado de 1860, já traziam reflexões sobre a necessidade de intervenções preventivas para ocorrência deste evento adverso(1).

O National Pressure Injury Advisory Panel (NPIAP) define que LP é um dano localizado na pele e nos tecidos subjacentes, comumente desenvolvida em uma proeminência óssea, podendo também estar relacionada ao uso de dispositivos médicos. Aspectos fisiopatológicos atuais relacionam a LP não somente com forças de pressão, mas também com a fricção e o cisalhamento(²).

Os dados de prevalência e incidência de LP são de análise comparativa complexa, pois há vasta heterogeneidade, devido a diferentes medidas de prevenção implementadas, bem como a forma de coleta dos dados, além de subnotificação abissal(3-4-5). No Brasil, um estudo revelou a prevalência geral de 19,5% de LP em pacientes hospitalizados em decorrência da COVID-19 admitidos nas unidades de clínica médica, cirurgia e de terapia intensiva de um Hospital Universitário localizado na cidade de São Paulo(5). Esses dados demonstram a importância da prevenção deste evento adverso, visto que o tratamento de LP e suas implicações resultam em um elevado custo financeiro ao sistema de saúde, além de repercussão significativa na qualidade de vida, impacto social e emocional para o paciente(6-7-8-9).

Sabe-se que o enfermeiro possui papel fundamental na prevenção e tratamento da LP, considerado um pilar no desenvolvimento de estratégias de prevenção de LP nos setores de qualidade e segurança do paciente no mundo. Este é o responsável pela avaliação criteriosa do paciente, estratificação de risco de LP e elaboração de plano de cuidados individualizados, baseado nas melhores evidências científicas(8).

A prevenção e o tratamento da LP é um grande desafio, que ganhou contornos mais expressivos com o advento da pandemia da COVID-19, decorrentes não somente da gravidade e dos aspectos fisiopatológicos desta infecção, mas também de fatores externos, como a sobrecarga e exaustão profissional, além de limitação de recursos humanos e materiais, fatores que, quando combinados, podem afetar drasticamente a ocorrência deste evento(9-10).

Portanto, este artigo teve como objetivo analisar na literatura científica as evidências sobre lesão por pressão em pacientes adultos internados com COVID-19.

 

MÉTODOS

Realizou-se uma revisão integrativa de literatura seguindo as recomendações dos autores(11), a qual deve ser realizada em seis etapas diferentes, sendo a elaboração de uma questão norteadora, elaboração da temática estudada, síntese dos critérios de inclusão e exclusão, identificação dos estudos, sumarização e síntese da revisão com a interpretação dos resultados(11).

Foram selecionados estudos nas bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE/PubMed), Literatura LatinoAmericana e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (LILACS), Base de Dados de Enfermagem (BDENF) e Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL). A estratégia de busca foi conduzida por dois autores experientes, de modo independente. Foram utilizados os seguintes Descritores de Ciência em Saúde (DeCS) e traduzidos no Medical Subject Headings (MeSH): “COVID-19” (“COVID-19”), “Lesão por pressão” (“Pressure ulcer”), separados por meio dos operadores Booleanos “AND”.  

Esse estudo buscou identificar as produções sobre a relação da COVID-19 e lesão por pressão por meio de uma questão norteadora, a qual obteve-se através da estratégia PICo, resumindo-se em: P - População (Pacientes internados), I – Fenômeno de interesse (Pacientes instáveis hemodinamicamente com COVID-19), Co – Contexto (Formação da LP). Sendo, portanto: “Quais as evidencias na literatura de formação de LP em pacientes internados e instáveis hemodinamicamente com COVID-19?”

Dentre os critérios de inclusão, contava-se: publicações de 2020 a 2021, sendo nos idiomas inglês, espanhol e português, texto completo gratuito ou pago, além disso, foram incluídos: relatos de casos, estudo clínico, ensaio clínico, meta-análise, ensaio randomizado controlado, revisão sistemática, revisão integrativa e revisão de escopo. A seguir, foi realizada a identificação dos estudos por meio da seleção por título, resumo e leitura completa, após a aplicação dos filtros descritos, que foi realizada por três juízes independentes. As divergências resolvidas em consenso.

Foram excluídos os artigos preprints, artigos duplicados e produções que abarcam LP relacionados a dispositivos médicos em profissionais da saúde. Além disso, classificou-se os níveis de evidência conforme a escala Níveis de Evidência do OCEBM (Oxford Scale).

 

RESULTADOS

As etapas de seleção de artigos por meio da declaração de Itens de Relatório Preferenciais para Revisão Sistemática e Meta-análises (PRISMA) está apresentada na Figura A(12).


 

 

 

 

 

 

Figura A – Sistematização do modelo de seleção de produções

Fonte: Autores (2021)

 


Como demonstrado acima, a seleção culminou em 13 publicações inseridas nesta revisão. De acordo com a metodologia dos artigos, observa-se que 6 produções (n=46,1%) eram revisões de literatura, sendo 2 séries de casos (n=15,3%), 2 relatos de casos (n=15,3%), 1 estudo de caso-controle (n=7,7%), 1 carta ao editor (n=7,7%) e 1 estudo observacional (n=7,7%).

No que tange às subtemáticas, didaticamente, agrupou-se a produção de artigos em três eixos, a saber: lesão por pressão em posição prona, perfazendo 6 artigos (n=46,1%), lesão por pressão relacionado a dispositivo médico totalizando 4 artigos (n=30,8%) e lesão por pressão em região sacra e glútea, com 3 artigos (n=23,1%).

As informações foram sumarizadas no quadro A sendo representada abaixo.


Quadro A – Sistematização das produções com título, autor, metodologia, classificação didática, base de dados e breve conclusão. Espírito Santo, Brasil - 2021

Tipo de LP

Título

Autor e ano

Metodologia e base de dados

Principais resultados e nível de evidência

LP Sacral/glútea

Large sacral/buttocks ulcerations in the setting of coagulopathy: A case series establishing the skin as a target organ of significant damage and potential morbidity in patients with severe COVID-19

YOUNG et al., - 202022

Série de casos / MEDLINE

As LP nos três pacientes relatados sugerem que essas grandes ulcerações são provavelmente causadas por isquemia cutânea combinada com pressão e coagulopatia associada a COVID-19. Como os eventos trombolíticos são desfechos desfavoráveis, sugere-se que a anticoagulação pode ajudar a prevenir lesões cutâneas em pacientes quando for identificado eritema sacral ou glúteo – NE C4

LP Sacral/glútea

Purpuric Ulcers Associated with COVID-19 Infection: A Case-Series.

CHAND et al., - 202120

 

Série de casos / MEDLINE

 

Os resultados das análises histopatológicas das LP e as características purpúricas são menos indicativos de patologia resultante da infecção por COVID-19 e representam hemorragia secundária devido a lesão superficial do vaso cutâneo no contexto de pressão prolongada. A necrose de pressão purpúrica sem vasculopatia trombótica parece ser uma complicação comum da COVID-19. – NE C4

LP Sacral/glútea

COVID-19: pressure ulcers, pain and the cytokine storm.

 

GEFEN et al., - 202015

Revisão de literatura / MEDLINE

O artigo descreveu e apresentou esquema ilustrativo com as ligações importantes entre a fisiopatologia sistêmica da COVID-19 e a etiologia das lesões por pressão. A cascata de ocitocina, acidose metabólica e microtrombos são sintomas que contribuem para o risco de LP. – NE 3A

LP Prona

 Prevention of pressure ulcers among individuals cared for in the prone position: lessons for the COVID-19 emergency.

MOORE et al., - 2020 36

 

Revisão de literatura / MEDLINE

O estudo sintetizou as recomendações para prevenção de LP relacionada a posição prona em pacientes com COVID-19. As recomendações foram categorizadas em avaliação e cuidados com a pele; uso de superfície de suporte e dispositivos de posicionamento; prevenção de LPRDM. – NE 3A

LP Prona

Facial pressure ulcers in COVID-19 patients undergoing prone positioning: How to prevent an underestimated epidemic?

PERILLATE et al., - 2020 34

Relato de caso / MEDLINE

Os resultados dos relatos de 2 casos de lesão por pressão facial relacionado a posição prona apontam para o risco de aumento de LP facial relacionado ao posicionamento prona. São sintetizadas recomendações para prevenção e para tratamento destas lesões, com ênfase em superfície de suporte, reposicionadores, interfaces de proteção da pele e treinamento robusto das equipes que realizam a pronação. – NE C4

LP Prona

A multidisciplinary approach to prevent and treat pressure sores in proned COVID-19 patients at a quaternary university hospital.

BUSNARDO et al., - 202037

Relato de experiência / LILACS

Diante da alta incidência de LP relacionada a posição prona a equipe de cirurgia plástica reuniu grupo multidisciplinar para produção de material didático instrução para prevenção deste dano. – NE C4

LP Prona

Prone position pressure sores in the COVID-19 pandemic: The Madrid experience.

 

IBARRA et al., - 202033

Estudo de caso-controle / MEDLINE

Os resultados demonstraram associação estatisticamente significativa em dois fatores de risco para LP: Tempo em posição prona e baixa taxa de albumina sérica estão associados a maior risco de desenvolver LP. – NE C4

LP Prona

Prone positioning as an emerging tool in the care provided to patients infected with COVID-19: a scoping review.

DE ARAÚJO et al., - 202131

Revisão de escopo / MEDLINE

As melhores evidências relacionam a PP com duração de 12 a 16 horas como importante intervenção para manejo dos pacientes com COVID, porém esta terapêutica envolve riscos como extubação acidental, LP e edema facial. – NE C4

LP Prona

Pressure injury prevention for COVID-19 patients in a prone position.

 

BARAKAT-JOHNSON et al., - 2021 29

Revisão / CINAHL

O artigo resume as melhores práticas atuais e a literatura sobre intervenções para reduzir lesões de pele e outras complicações associadas ao posicionamento prona, que em suma são: posicionamento cuidadoso, avaliação diligente de pele, uso eficiente de terapias auxiliares de acordo com um programa de prevenção de LP pode ajudar a reduzir a incidência de complicações do PP. – NE 3A

LPRDM

Skin and Mucosal Damage in Patients Diagnosed With COVID-19: A Case Report

 

SINGH, TAY & SHOQIRAT – 202041

Relato de caso / MEDLINE

O relato de caso de 4 pacientes com COVID-19 em PP na UTI demonstrou que mesmo utilizando as melhores práticas para prevenção de LP por PP os pacientes desenvolveram graves lesões por pressão tissular profunda.  Os autores acreditam que esses desfechos desfavoráveis foram causados por uma combinação de redução da perfusão, isquemia e pressão. – NE C4

LPRDM

Medical device related pressure ulcer of the lip in a patient with COVID-19: Case report and review of the literature.

SIOTOS et al., - 202040

Relato de caso/ revisão de literatura / MEDLINE

Com base na experiência dos autores no manejo do caso de LP em membrana mucosa por uso de tubo orotraqueal e revisão da literatura as seguintes recomendações foram sintetizadas: períodos intermitentes de PP quando possível, o uso de fixadores em vez de fita para proteger e fixar os tubos, curativos de espuma ou almofada em áreas de pressão, educação de equipe médica e de enfermagem para prevenção de lesões faciais e labiais, bem como envolvimento de cirurgiões orofaciais no início do processo para monitoramento adequado e tratamento adequado. - NE C4

LPRDM

Medical Device-Related Pressure Injuries During the COVID-19 Pandemic.

MARTEL & ORGILL – 202038

 

 

 

 

Estudo observacional / MEDLINE

Uma revisão na incidência de lesão por pressão por dispositivo médico no serviço de saúde onde atuam os autores demonstrou a etiologia e os fatores de risco para pacientes com COVID-19 que requerem intubação e PP. Foi identificado áreas potenciais de melhoria, e necessidade de implantação de programa que inclui avaliação das necessidades de aprendizagem da equipe, uso de curativos preventivos, dispositivos de fixação endotraqueal, superfícies de redistribuição de pressão. – NE 2B

Todos

Reflections on recommendations for the prevention of pressure injuries during the COVID-19 pandemic.

 

RAMALHO et al., - 20209

Revisão do tipo reflexão teórica / CINAHL

Foram categorizadas três eixos temáticos: fatores de risco específicos para LP no paciente com COVID-19, recomendações internacionais sobre prevenção e desafios para implementação das recomendações frente à pandemia no cenário brasileiro. Concluem que para promover a prevenção de LP é fundamental que os profissionais de saúde sejam capazes de implementar intervenções avançadas. – NE C4

Legenda: LP: Lesão por pressão; LPRDM: Lesão por pressão relacionado à dispositivo médico; PP: Posição prona; NE: Nível de Evidência

Fonte: Autores (2021)

 


DISCUSSÃO

Sabe-se que a infecção por Sars-CoV-2, promove disfunção cardiopulmonar e inflamação generalizada, decorrente de uma tempestade de citocinas pró-inflamatórias e redução da proteção multiorgânica, devido a depleção da enzima conversora de angiotensina (ECA-2) após a infecção da célula hospedeira(13). A ECA-2 está presente em células epiteliais nasais, alvéolos pulmonares, intestino delgado, rins e também é expressa no endotélio de leitos vasculares em órgãos por todo o corpo. A ampla distribuição dos receptores da ECA-2 por todo o corpo provavelmente explica os efeitos da COVID-19 em múltiplos órgãos(14).

Outrossim, o aumento de interleucina-6 (IL-6) e fatores de necrose tumoral-α (TNF-α) decorrentes da infecção viral, promovem a formação de microtrombos, que por sua vez, obstruem os vasos e influenciam na deformidade celular sustentada e aumentando os riscos de surgimento de lesão por pressão, seja em proeminência óssea, por dispositivo médico ou relacionada ao posicionamento prona(15).

Os mecanismos fisiopatológicos acima descritos servem como pano de fundo para a compreensão dos efeitos desta infecção na ocorrência das lesões por pressão. Sabidamente, as LPs podem ser desenvolvidas por duas grandes vias, a isquemia, e que diz respeito a morte celular decorrente da hipóxia tecidual na área submetida à pressão e o segundo, ainda pouco discutido na literatura, refere-se à deformação tecidual, decorrente principalmente das forças de cisalhamento, na qual a ruptura do citoesqueleto leva a perda da homeostase, inflamação, liberação de radicais livres e morte tecidual(16-17).

Tais mecanismos fisiopatológicos, podem ser observados na ilustração A.


 

Ilustração A - Representação gráfica do processo fisiopatológico do COVID-19 e sua relação com o risco de LP

Legenda: IL-6: interleucina-6; TNF-alfa: Fator de necrose tumoral-alfa; LP - Lesão por pressão; ECA-2 - Enzima Conversora de Angiotensina 2.

Fonte: Autores (2021)

 


Além dos danos celulares acima descritos, fatores relacionados ao manejo do paciente com COVID-19 na forma grave, tais como tempo de internação prolongada, uso de múltiplos dispositivos invasivos, instabilidade hemodinâmica e limitação no reposicionamento, são fatores que podem contribuir com o surgimento das LP(9).

No Brasil, os enfermeiros são responsáveis pela avaliação de risco de LP, bem como pela prescrição de cuidados de prevenção e tratamento. Por estarem na linha de frente do enfrentamento à pandemia, estes profissionais têm sofrido sobrecarga, que somado ao subdimensionamento de enfermagem pode incidir em cuidados negligenciados e a segurança do paciente pode ser afetada, com maior risco de LP(9-18).

Um recente artigo, publicado na revista The Lancet, comparou indicadores de qualidade da assistência dos serviços de saúde antes e depois de implantação de dimensionamento de enfermagem adequado. A maioria das mudanças ocorreu em hospitais que adequaram seu dimensionamento de profissionais de enfermagem, com redução na mortalidade, nas readmissões e nos custos(19).

É importante reforçar que a prevenção das lesões por pressão é multimodal, tendo abrangência de aspectos não somente relacionados à assistência de enfermagem, mas refletindo todo o cuidado multiprofissional e a qualidade da assistência do serviço de saúde(19).

Nesse contexto, esta revisão da literatura revelou indícios de que as LP durante a pandemia da COVID-19, aumentou consideravelmente. A fim de agrupar a discussão didaticamente, os achados foram organizados de acordo com sua especificidade: LP em região glútea e sacral, LP em posição prona e LP relacionado à dispositivo médico.

 

LP glútea e sacral em pacientes com COVID-19

 

As lesões por pressão em proeminências ósseas mais prevalentes são as na região sacra e glútea, e vêm sendo discutidas ao longo dos anos, com crescente volume de evidências no que tange sua ocorrência, fisiopatologia e estratégias preventivas(5-15-16). Acredita-se que o fato da maioria das publicações sintetizadas se tratarem de LP nesta região pode estar associada à necessidade da cabeceira acima de 30° em pacientes com quadros respiratórios congêneres ao da COVID-19, o que aumenta a pressão sobre esta área.

Em uma série de casos de pacientes com COVID-19 que desenvolveram Lesão por pressão tissular profunda (LPTP) em região sacral, foram identificados fatores associados a esta ocorrência que já são conhecidos na literatura, como obesidade e incontinência urinária/fecal. No entanto, foram exploradas também alterações laboratoriais que relacionam a própria fisiopatologia do vírus com o desenvolvimento da LP, sendo as principais o aumento do D-dímero e da proteína C reativa (PCR)(20).

Outro estudo, avaliou lesão microvascular associada ao sistema complemento e trombose na patogênese da infecção COVID-19 grave por meio de relato de cinco casos. Trazendo como um de seus casos a LPTP como complicação da lesão microvascular e trombose, e em uma análise anatomopatológica da LPTP, mostrou-se a presença de vasculopatias trombogênicas pauci-inflamatórias(21).

Um estudo feito pelos autores(22) relatou 3 casos de pacientes que desenvolveram LP em região sacral. Todos os pacientes apresentavam alteração no sistema de coagulação, tendo aumento significativo do dímero-D e presença de comorbidades, como hipertensão arterial sistêmica (HAS) e obesidade. As lesões apresentadas foram categorizadas como lesão por pressão tissular profunda e LP não classificável. No entanto, apenas um destes pacientes foi submetido à biópsia da LP, a qual identificou vasculopatia trombótica(22).

Os achados parecem evidenciar uma relação entre as alterações trombogênicas e a ocorrência de LP nestes pacientes, identificadas geralmente região sacral/glútea e apresentavam aspectos isquêmicos e/ou necrose tecidual(9-20-21).

Associado a esta possível vasculopatia, temos também a incidência de forças de pressão e cisalhamento em uma área já em sofrimento circulatório, o que favorece o desenvolvimento das LP(9). Tendo posto, os achados dos autores(20) sugerem que as características purpúricas dessas LP são menos indicativas de patologia oculta resultante da infecção por COVID-19 e, em vez disso, representam hemorragia secundária devido à lesão superficial dos vasos cutâneos no contexto de pressão prolongada(20).

A complexidade do paciente acometido pela COVID-19 e as evidências incipientes do impacto da fisiopatologia do vírus na ocorrência das LP, não deixam claro sua influência no surgimento dessas lesões. Entretanto, é fundamental considerarmos o cenário de assistência à saúde no mundo, com aumento expressivo no tempo médio de internação hospitalar, sendo de aproximadamente 22 dias para pacientes em unidades de terapia intensiva, além de maior tempo de ventilação mecânica e uso de drogas vasoativas, fatores já previamente conhecidos como incremento para risco de desenvolvimento de LP(23-24).

Outro fator que chama atenção, é o relato de intolerância do paciente ao reposicionamento, como os autores(20,9) trazem em suas publicações. Tal fato pode ser minimizado através de estratégias específicas direcionadas ao paciente com instabilidade hemodinâmica, que inclui a escolha adequada de uma superfície de suporte, bem como alívio de pressão e mudança de decúbito lento e progressivo(9-20-25).

Considerando os inúmeros fatores de risco apresentados, a NPIAP recomenda que as medidas de prevenção de LP sejam reforçadas(17), destacando os seguintes pilares: manejo da umidade, manutenção da pele íntegra, manejo da incontinência, seja fecal ou urinária, mudança de decúbito, manejo nutricional, escolha adequada da superfície de suporte correta e uso de coberturas profiláticas, que permitem a avaliação diária do tecido(9-17).

 

LP em posição prona

Utilizado amplamente para manejo da síndrome do desconforto respiratório agudo grave (SDRAG)(26,27), o posicionamento em prona (PP) proporciona melhora no recrutamento alveolar e aumento da expansividade pulmonar, sendo uma das estratégias mais utilizadas para gerenciamento do paciente com COVID-19. No entanto, tal posicionamento deve ser mantido por um tempo prolongado, geralmente entre 12 e 16h(19-29).

Apesar das evidências de sucesso do PP para manejo do paciente com COVID, a literatura evidencia as LP como uma das principais complicações deste posicionamento, com incidência de até 50%(29-31).

No PP a incidência de LP acomete frequentemente a região facial, inframamária, crista ilíaca, joelhos e dorso dos pés. Além disso, existem riscos importantes de desenvolvimento de lesão por pressão relacionado a dispositivo médico (LPRDM) decorrente a este posicionamento(9-32).

            Os autores(33) desenvolveram um estudo de caso-controle com 74 pacientes, com COVID-19, com maioria de casos de pacientes do sexo masculino, dos quais 100% apresentaram um alto risco para o desenvolvimento de LP relacionado à PP de acordo com a escala preditiva de risco de LP de Braden.   
             Além disso, realizou-se uma distribuição topográfica de todas as LP presentes, tendo maior predisposição e acometimento nas asas nasais, mandíbula, e lábios, sendo seguidos de bochechas e joelhos(33).

Já a pesquisa dos autores(34) relatou dois casos dos quais, os pacientes evoluíram com SDRAG, com necessidade de PP, onde desenvolveram LP facial, a qual acometeu região craniana frontal, protuberância zigomática, bochechas e masseter, além disso, relatou-se também lesão na comissura labial(34).

Embora os dados acima mencionados denotem predominância de lesões de menor complexidade, sabe-se que o processo cicatricial de lesões por pressão pode ser responsável pela formação de cicatrizes inestéticas ou cicatrizes queloides(34,35), as quais podem afetar a vida do paciente no que se refere à autoestima, conforto, deambulação e dor(36).

Importante salientar, dentre os estudos selecionados, uma revisão clínica apresentou recomendações baseadas em evidências, com objetivo de facilitar a seleção e intervenção preventiva para reduzir o aparecimento de LP relacionadas à PP(32,32), os quais apontou recomendações como: avaliação frequente das principais áreas submetidas a pressão; manutenção da pele limpa e hidratada, com uso de pH balanceado; descarga de pressão na região facial, bem como posicionamento da cabeça; mudanças de decúbito com finalidade de minimizar pressão e cisalhamento utilizando a técnica de rodiziamento dos membros (nadador) e uso regular de coberturas protetivas como espumas multicamadas e hidrocolóides(17-32).

Além disso, os autores outorgam que o posicionamento cuidadoso, a avaliação da pele e o uso eficiente de terapias auxiliares baseadas em um programa de prevenção de LP em PP, podem reduzir a incidência de complicações deste posicionamento(32,37,38).

 

LP relacionado à dispositivos médicos (LPRDM)

Além das LP atinentes ao posicionamento do paciente, deve-se direcionar atenção especializada às áreas de dispositivos, que são susceptíveis de desenvolvimento de LP. Em pacientes críticos, o uso de diversos dispositivos, invasivos e não invasivos, são necessários para sobrevivência do paciente, contudo, os expõem a um maior risco de LPRDM(32).

A problemática LPRDM já vem sendo amplamente estudada no período pré pandêmico, no contexto de cuidados críticos, e o manejo do paciente com COVID-19 reforçou a carência de estratégias de prevenção direcionadas a este tipo de LP(39).

Os autores(40) descreveram um caso de uma paciente com 82 anos, hipertensa e dislipidemia, entubada por 16 dias e manejada em PP por 10 dias, que desenvolveu uma LP labial, que após extubação foi submetida à consulta com serviço de plástica para posterior reparo labial(40).

Outro estudo descreveu 4 relatos de casos de pacientes que desenvolveram lesões cutâneas ou mucosas dentro de alguns dias após sua admissão na UTI durante o mês de março de 2020(41). Os autores avaliaram criticamente a pele dos pacientes e revisaram os prontuários médicos. Os quatro pacientes possuíam HAS, e dois eram portadores de diabetes mellitus tipo II, sendo 2 mulheres e 2 homens.  Os autores apontaram que não há clareza quanto a influência fisiopatológica da infecção por SARS-CoV-2 e o surgimento de LP, o que vai de contraponto aos estudos de Gefen & Ousey (2020), que descreveram o processo fisiopatológico influenciado pela COVID-19(15).

É indubitável que pacientes com doença respiratória aguda que requerem terapêuticas complexas, como PP, intubação prolongada, oxigenoterapia e múltiplos dispositivos para garantir a sobrevivência, tem um risco exponencial de desenvolver LPRDM (38).

É importante evidenciar como uma limitação desta revisão, que a maior parte dos estudos analisados aqui são de nível de evidência baixo, demonstrando a necessidade de estudos na área com desenho metodológico robusto e níveis de evidências que elucidem em que medida a COVID-19 potencializa os riscos das LP. Contudo, acredita-se que a síntese das evidências e recomendações aqui delineadas podem contribuir para a melhoria da assistência aos pacientes com COVID-19 em risco de desenvolvimento de LP.

 

CONCLUSÃO

Os achados desta revisão demonstraram que a reação inflamatória causada pela COVID-19 influencia na deformidade celular sustentada e aumentando os riscos de surgimento de lesão por pressão, seja em proeminência óssea, por dispositivo médico ou relacionada ao posicionamento prona. Além disso, o cenário de gravidade dos pacientes com tempo de internação prolongada, uso de múltiplos dispositivos invasivos, instabilidade hemodinâmica e limitação no reposicionamento, são fatores que podem contribuir com o surgimento das LP. Somado aos fatores de risco já conhecidos para incidência de LP, adiciona-se na COVID-19 o aumento do D-dímero e da proteína C reativa (PCR).

Os estudos evidenciaram que pacientes com COVID-19 que apresentaram LP exibiam alteração no sistema de coagulação, ratificando uma relação entre as alterações trombogênicas e a ocorrência de LP. A pandemia também nos fez enfrentar LP relacionadas à PP, que até então eram pouco mencionadas na literatura cientifica e um aumento exponencial de LPRDM, diante múltiplos dispositivos para garantir a sobrevivência dos pacientes.

Todos esse cenário revela a urgência da temática na atualidade, reunindo evidências e reflexões no Brasil e no mundo. Reforçando a necessidade de implementação de medidas avançadas para prevenção de LP neste período pandêmico, como inspeção frequente da pele, reposicionamento de rotina como permitido para descarga de pressão em locais dependentes e utilização de coberturas profiláticas em áreas de alto risco em pacientes suscetíveis. Tais cuidados devem ser implementados meticulosamente em pacientes graves hospitalizados com COVID-19.

Importante ressaltar que os artigos identificados apontam que diante da magnitude da pandemia por COVID-19 e das consequências das LPs, há urgência de implementação de estratégias baseadas em evidências, bem como dimensionamento adequado de profissionais da saúde, a fim de garantir adequado gerenciamento dos riscos e promoção da segurança do paciente e qualidade dos serviços de saúde.

 

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Fomento e Agradecimento: Não houveram auxílios financeiros para tal produção

 

Contribuição dos autores:

Concepção do estudo: Freitas PSS, Rezende LD, Ramalho AO. Coleta de dados: Freitas PSS, Rezende LD, Ramalho AO, Catabriga DS

Análise e interpretação dos dados: Freitas PSS, Rezende LD, Ramalho AO, Santos RA, Silva KEJ, Catabriga DS.

Discussão dos resultados: Freitas PSS, Rezende LD, Ramalho AO, Silva KEJ, Catabriga DS, Primo CC.

Redação e/ou revisão crítica do conteúdo: Nogueira PC, Ramalho AO, Freitas PSS, Santos RA, Primo CC.

Revisão e aprovação final da versão final: Nogueira PC, Ramalho AO, Freitas PSS, Santos RA, Rezende LDA, Primo CC.

 

Submissão: 2022-02-25

Aprovado: 2022-05-19