CARACTERÍSTICAS DA ÚLCERA TERMINAL DE KENNEDY EM PACIENTES PALIATIVOS: UMA REVISÃO INTEGRATIVA
CHARACTERISTICS OF KENNEDY TERMINAL ULCER IN PALLIATIVE PATIENTS: AN INTEGRATIVE REVIEW
CARACTERÍSTICAS DE LA ÚLCERA TERMINAL DE KENNEDY EN PACIENTES PALIATIVOS: UNA REVISIÓN INTEGRADORA
1Brunna Francisca de Farias Aragão
2Maria do Socorro Alécio Barbosa
3Gerluce Araújo Silva de Souza Monteiro
4Tatiana Cristina Nascimento Ramos de Souza Araújo
5Jack Roberto Silva Fhon
6Fábia Maria de Lima
1Acadêmica do curso de bacharelado em Enfermagem pela Universidade de Pernambuco (UPE), Recife, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7186-3108
2Enfermeira. Mestre. Doutoranda pela Universidade de Pernambuco (UPE), Recife, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1891-2855
3Enfermeira Estomaterapeuta pelo Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC), Recife, Brasil.ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7725-8857?lang=pt
4Enfermeira Especialista em Cuidados Paliativos pelo Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), Recife, Brasil.
5Enfermeiro. Mestre. Doutor. Docente pela Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1880-4379
6Enfermeira. Mestre. Doutora. Docente pela Universidade de Pernambuco (UPE), Recife, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9992-6556
Autor correspondente
Brunna Francisca de Farias Aragão
Rua Abdon Batista, N 300, Cep: 50100-460, Bairro Santo Amaro, Recife, Pernambuco. Contato: +55 (81) 99759-5862 E-mail: brunnafrancisca1999@gmail.com
RESUMO
Objetivo: Identificar as principais características da Úlcera Terminal de Kennedy (UTK) em pacientes paliativos. Método: Revisão de literatura do tipo integrativa cuja pergunta norteadora foi “Quais são as características da Úlcera Terminal de Kennedy que possibilitam a sua identificação em pacientes em Cuidados Paliativos?”. As bases de dados utilizadas foram: PubMed, LILACS, BVS, Portal de Periódicos CAPES/MEC, Cochrane Library, Embase, Scopus e Google Scholar. Os critérios de inclusão adotados foram: artigos completos disponíveis; idioma português, espanhol e inglês; e aqueles que contribuírem para a temática. Os critérios de exclusão foram: editorias, carta ao editor, resenhas e revisões. Fizeram parte da amostra 10 artigos. Resultados: As principais características da UTK em pacientes paliativos são: se inicia em forma de abrasão ou flictena; apresenta bordas irregulares e posterior formato de pêra, borboleta ou ferradura; sua coloração varia desde vermelha, amarela, roxa até negra; quanto à localização é comum se desenvolver na região sacrococcígea, calcâneos e panturrilha; apresenta uma evolução rápida e muitas vezes súbita; e está associada à terminalidade. Considerações finais: Tornou-se notável a fragilidade de conteúdos acerca da temática. Foi possível traçar as principais características da UTK, que possibilitarão aos profissionais de saúde o direcionamento de um plano de cuidados individualizado, realista e humanístico aos pacientes que a desenvolvam.
Palavras-chave: Úlcera Terminal de Kennedy; Cuidados Paliativos; Revisão.
ABSTRACT
Objective: To identify the main features of Kennedy Terminal Ulcer (UTK) in palliative patients. Method: An integrative literature review whose guiding question was “What are the characteristics of Kennedy Terminal Ulcer that allow its identification in patients in Palliative Care?”. The databases used were: PubMed, LILACS, VHL, Portal de Periódicos CAPES/MEC, Cochrane Library, Embase, Scopus and Google Scholar. The inclusion criteria adopted were: full articles available; Portuguese, Spanish and English; and those who contribute to the theme. The exclusion criteria were: editorials, letter to the editor, reviews and reviews. The sample consisted of 10 articles. Results: The main characteristics of UTK in palliative patients are: it starts in the form of an abrasion or blister; has irregular edges and later pear, butterfly or horseshoe shape; its color varies from red, yellow, purple to black; in terms of location, it is common to develop in the sacrococcygeal region, calcaneus and calf; presents a rapid and often sudden evolution; and is associated with terminality. Final considerations: The fragility of content on the subject has become remarkable. It was possible to trace the main characteristics of UTK, which will enable health professionals to direct an individualized, realistic and humanistic care plan to patients who develop it.
Keywords: Kennedy Terminal Ulcer; Palliative Care; Revision.
RESUMEN
Objetivo: Identificar las principales características de la Úlcera Terminal de Kennedy (UTK) en pacientes paliativos. Método: Revisión integrativa de la literatura cuya pregunta orientadora fue “¿Cuáles son las características de la Úlcera Terminal de Kennedy que permiten su identificación en pacientes en Cuidados Paliativos?”. Las bases de datos utilizadas fueron: PubMed, LILACS, BVS, Portal de Periódicos CAPES/MEC, Cochrane Library, Embase, Scopus y Google Scholar. Los criterios de inclusión adoptados fueron: artículos completos disponibles; portugués, español e inglés; y los que contribuyen al tema. Los criterios de exclusión fueron: editoriales, carta al editor, reseñas y reseñas. La muestra estuvo compuesta por 10 artículos. Resultados: Las principales características de la UTK en pacientes paliativos son: comienza en forma de abrasión o ampolla; tiene bordes irregulares y luego forma de pera, mariposa o herradura; su color varía de rojo, amarillo, morado a negro; en cuanto a la localización, es frecuente que se desarrolle en la región sacrococcígea, calcáneo y pantorrilla; presenta una evolución rápida ya menudo repentina; y se asocia con la terminalidad. Consideraciones finales: La fragilidad de los contenidos sobre el tema se ha vuelto notable. Fue posible rastrear las principales características de la UTK, que permitirá a los profesionales de la salud dirigir un plan de atención individualizado, realista y humanista a los pacientes que la desarrollan.
Palabras clave: Úlcera Terminal de Kennedy; Cuidados Paliativos; Revisión.
INTRODUÇÃO
A perda da integridade da pele ocorrida nas últimas horas que antecedem a morte, foi notificada a primeira vez por Karen Kennedy em 1983, numa unidade de cuidados intermediários do Byron Health Center, Estados Unidos. Na qual, a lesão se desenvolvia apesar das medidas preventivas instituídas.¹
Nessa unidade foi constituída uma das primeiras Skin Care Team, com o objetivo de investigar lesões por pressão, através de indicadores como a prevalência, o estado, a progressão e a mortalidade de pacientes com estas feridas.²
O estudo liderado por Kennedy teve como principal objetivo avaliar por quanto tempo os clientes viviam após desenvolverem uma determinada lesão por pressão (LPP), os dados encontrados revelaram que a grande maioria das pessoas que faleceram com uma LPP (55,70%), a morte ocorreu até 6 semanas após a terem desenvolvido. Estes dados levaram à investigação da possibilidade de outro tipo de ferida que não uma LPP comum, ser um importante indicador de falência orgânica e, por isso, serem sinal de morte iminente ou de morbidade com rápida deterioração.²
Em 1989, este tipo de ferida passou a ser denominada "Lesão Terminal de Kennedy". Mais tarde, os médicos Stephen Glassley e Dolores Espino decidiram nomeá-la "Úlcera Terminal de Kennedy" (UTK), nomenclatura que perdura até hoje.²
Na UTK a deterioração da pele apresenta-se de progressão rápida, mesmo no decurso de um único dia. Segundo Kennedy, cuidadores e familiares são surpreendidos com o aparecimento súbito da úlcera e, através do seu estudo, observou-se que esse tipo de lesão anuncia quando a morte está mais próxima de ocorrer, caracterizando a necessidade da adequação do plano de cuidados para a realidade, baseando-se nos cuidados paliativos.¹
Sendo assim, definem-se Cuidados Paliativos (CP) como “a abordagem que promove a qualidade de vida de pacientes e seus familiares diante de doenças que ameaçam a continuidade da vida, através de prevenção e alívio de sofrimentos. Requer a identificação precoce, avaliação e tratamento impecável dos problemas”.³ Um programa de CP vai, portanto, ao encontro da necessidade de atender pessoas frente ao diagnóstico de doença de qualquer etiologia ameaçadora à vida em qualquer fase de sua evolução visando ao planejamento do cuidado adequado a cada momento.³
Visto que um paciente com UTK demanda uma assistência e cuidados realistas, esse planejamento precisa ser individualizado, tendo como objetivo identificar os problemas reais e potenciais do mesmo, que evolui de uma situação crítica para uma situação terminal, adequando-o à situação vivenciada por ele e sua família.4
Para que o plano de cuidados seja definido, discutem-se entre a equipe multiprofissional as propostas e condutas aventadas de forma a sempre considerar o risco e benefício ao paciente. Caso os resultados constituam maior risco comparativamente ao benefício, a proposta planejada não deve ser realizada.4
Ante o exposto, é notável que a identificação, diagnóstico e tratamento da UTK são bastante particulares e característicos, afirmando a necessidade de estudos que apontem as características da mesma, possibilitando ao profissional de saúde a capacidade de identificá-la e tratá-la adequadamente.
Diante disso, este estudo tem como questão norteadora “Quais são as características da Úlcera Terminal de Kennedy que possibilitam a sua identificação nos pacientes em Cuidados Paliativos?” e como objetivo identificar as principais características da Úlcera Terminal de Kennedy (UTK) em pacientes paliativos.
MÉTODOS
O presente estudo trata-se de uma revisão integrativa da literatura que percorreu as seguintes etapas: formulação da pergunta norteadora da revisão, estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão dos estudos, definição das informações a serem extraídos dos estudos selecionados, avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa, interpretação dos resultados, e apresentação da revisão.(5)
Para elaboração da questão norteadora empregou-se o acrônimo PEO(6), o qual foi estruturado da seguinte maneira: População (P) correspondente aos pacientes em fim de vida; Exposição (E) a características de UTK; e Desfecho (outcome) (O) à identificação da UTK, formulando-se a pergunta “Quais são as características da Úlcera Terminal de Kennedy que possibilitam a sua identificação em pacientes em fim de vida?”.
As bases de dados utilizadas para a busca dos artigos foram: PubMed; Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS); Biblioteca Virtual em Saúde (BVS); Portal de Periódicos CAPES/MEC; Scopus; Embase; Cochrane Library; e Google Scholar, exceto a literatura cinzenta; por meio do emprego do termo "Úlcera Terminal de Kennedy"; "Kennedy's Terminal Ulcer". O Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) foi utilizado para guiar a redação da revisão.
A seguir, na tabela 1, estão as estratégias de busca utilizadas na revisão integrativa.
Tabela 1- Estratégias de busca utilizadas na revisão integrativa
Base de dados |
Estratégia de busca |
Pubmed |
"Kennedy's Terminal Ulcer" |
LILACS |
"Úlcera Terminal de Kennedy" |
BVS |
"Úlcera Terminal de Kennedy" |
Scopus |
"Kennedy's Terminal Ulcer" |
Embase |
"Kennedy's Terminal Ulcer" |
Cochrane Library |
"Kennedy's Terminal Ulcer" |
Periódicos CAPES |
"Úlcera Terminal de Kennedy" |
Google Scholar |
"Úlcera Terminal de Kennedy" |
Fonte: Os autores
Os critérios de inclusão adotados foram: artigos completos; idioma português, espanhol e inglês; e aqueles que contribuírem para a temática. Os critérios de exclusão foram: editorias, carta ao editor, resenhas e revisões.
Durante a busca, foram encontrados 15 artigos na PubMed, 1 na LILACS, 6 na BVS, 19 no Portal de Periódicos CAPES/MEC, 0 na Cochrane Library, 19 na Embase, 22 na Scopus e 42 no Google Scholar, totalizando 124 artigos. Após a aplicação das etapas referidas anteriormente, fizeram parte da amostra 10 artigos, conforme a figura 1. Sendo eles, 5 relatos de caso, 2 estudos de coorte prospectivo, 1 estudo observacional, 1 investigação exploratória e 1 caso único de corte qualitativo com descrição de relato de caso.
Figura 1- Fluxograma de sistematização da busca dos artigos nas bases de dados baseado no modelo PRISMA 2021.
Fonte: Elaborado pelos
autores
Para a análise dos dados foi realizada a categorização dos resultados e apresentação dos mesmos em quadros e gráficos. Os estudos foram organizados quanto à referência, nível de evidência, ano do estudo e síntese do objetivo e desfecho.
A classificação do nível de evidência baseia-se no modelo de Melnyk e Fineout-Overholt (7), constituído por sete níveis: I – evidências oriundas de revisão sistemática ou meta-análise de ensaios clínicos randomizados controlados; II - evidências derivadas de pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado; III - ensaios clínicos bem delineados sem randomização; IV - estudos de coorte e de caso-controle; V - revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; VI - evidências derivadas de um único estudo descritivo ou qualitativo; VII - evidências oriundas de opinião de autoridades e/ou relatório de comitês de especialistas.
RESULTADOS
Os resultados deste estudo basearam-se no desdobramento dos conteúdos contidos nos estudos selecionados, com enfoque na pergunta norteadora, formulada previamente, para objetivar e guiar o desenvolvimento do mesmo. O quadro 1 traz informações acerca das literaturas obtidas nas buscas, especificando seus dados bibliográficos.
Quadro 1- Dados bibliográficos dos estudos selecionados nesta revisão.
Autores |
Ano |
Nível de evidência |
Periódicos |
População |
Tipo de estudo |
Objetivo |
Bachero e Vizcaino8 |
2014 |
VI |
Enferm. Dermatol. |
Paciente em CP |
Caso único de corte qualitativo com descrição de relato de caso |
-Relatar o caso de um paciente terminal com poliulceração e desenvolvimento de UTK; -Relatar a aplicação de um plano de cuidados paliativos voltado para as necessidades do paciente. |
Carvalho, et al.1 |
2021 |
IV |
Research, Society and Development. |
Pacientes oncológicos |
Estudo observacional |
-Descrever a importância da avaliação das lesões de pele do tipo lesão por pressão, ferida tumoral e UTK que ocorrem nos pacientes oncológicos em cuidados paliativos. |
Franck3 |
2016 |
IV |
Enferm na Saúde do Adulto. |
Pacientes em CP |
Estudo de coorte prospectivo |
-Identificar e analisar a incidência de alterações de pele e seus fatores preditivos em pacientes hospitalizados em cuidados paliativos, na terminalidade da doença e na fase final de vida. |
Jakobsen et al.13 |
2020 |
IV |
Int Wound J. |
Pacientes oncológicos |
Estudo de coorte prospectivo |
-Medir a incidência e prevalência de lesões por pressão em um ambiente de hospital psiquiátrico; -Avaliar os fatores de risco associados às úlceras por pressão; -Calcular a incidência de UTK’s. |
Maia2 |
2018 |
VI |
Medicina em Cuidados Paliativos |
Enfermeiros |
Investigação exploratória |
-Sistematizar a produção científica publicada sobre UTK, clarificando o conceito e identificando, em particular, o contributo dos enfermeiros; -Explorar o conhecimento dos enfermeiros sobre UTK. |
Miner9 |
2009 |
VI |
J Am Col Certif Wound Spec. |
Paciente oncológico |
Relato de caso |
-Relatar o caso de um paciente com glioblastoma multiforme que desenvolveu a UTK. |
Reitz e Schindler11 |
2016 |
VI |
Journal of Pediatric Health Care. |
Paciente pediátrico com disfunção de múltiplos órgãos |
Relato de caso |
-Relatar o caso de um paciente pediátrico com UTK; -Discutir acerca das características de uma UTK. |
R. N. Bernardo et al.10 |
2020 |
VI |
Hematol transfus cell ther. |
Paciente oncológico |
Relato de caso |
-Relatar o caso de um portador de mieloma múltiplo internado em unidade de terapia intensiva que desenvolveu a UTK. |
Roca-Biosca et al.4 |
2016 |
VI |
Enferm. Intensiva. |
Paciente com insuficiência respiratória grave |
Relato de caso |
-Adequar o plano de cuidados para identificação dos problemas de um paciente com UTK que evolui de uma situação crítica para uma situação terminal com base em uma abordagem realista. |
Schank12 |
2009 |
VI |
Moment and Diagnosis. Wound Management & Prevention. |
Pacientes em CP |
Relato de caso |
-Relatar o caso de residentes de uma instituição de longa permanência que desenvolveram repentinamente uma úlcera de espessura total. |
O mergulho na literatura escolhida possibilitou elencar as principais características das UTK’s apontadas pelos artigos (Figura 1) e a frequência de citação das mesmas entre eles. Quanto às possíveis colorações presentes na UTK temos: preta2,3,4,8,11,12,13, amarela 2,3,4,8,11,12, vermelha2,3,4,12,13, roxa2,4,8,13, azul4,8,11 e púrpura3,8. Quanto aos formatos que a UTK pode apresentar, 100% da literatura afirmou que ela pode adquirir a forma de pêra ou borboleta1,2,3,4,8,9,10,11,12,13, 80% afirmou que pode apresentar a forma de ferradura1,2,3,4,8,11,12,13 e 20% afirmou que pode apresentar um formato irregular3,12. Acerca dos locais que a UTK pode se desenvolver estão: o sacro2,4,9,11,12,13, o cóccix2,4,11,12, a panturrilha2,9,11,12 e os calcâneos2,9,12,13.
Além disso, 60% dos estudos descreveu que a UTK apresenta aparência inicial de abrasão ou flictena2,3,4,8,10,12 e que pode possuir bordas irregulares1,2,4,8,10,11. Outrossim, 50% da amostra afirmou que a mesma pode dispor de um tecido endurecido2,3,4,9,10 e 20% alegou que pode conter um tecido necrótico e/ou odor fétido4,11.
Além de tudo, 100 % da amostra associou a UTK à terminalidade e descreveu sua evolução como rápida e muitas vezes súbita1,2,3,4,8,9,10,11,12,13. Dentre os artigos que trouxeram relatos de caso, pudemos destacar algumas informações importantes acerca da condição terminal dos pacientes, período de diagnóstico da UTK e tempo até o óbito após esse diagnóstico. (Quadro 2) Esses dados reafirmam a relação direta da UTK com a terminalidade, visto que todos os casos progrediram para o óbito do paciente após o surgimento da mesma.
Quadro 2- Descrição dos pacientes quanto à patologia, diagnóstico de UTK e tempo até o óbito após o diagnóstico da UTK, através de artigos de relato de caso obtidos na revisão.
Artigo
|
Patologias presentes |
Diagnóstico da UTK |
Tempo até o óbito após o diagnóstico da UTK |
Bachero e Vizcaino, (2014)8 |
Pluripatologias com presença de poliulceração |
48 horas após o aparecimento da poliulceração. |
Paciente foi a óbito 5 horas após o diagnóstico da UTK. |
Miner, (2009)9 |
Glioblastoma multiforme |
Aproximadamente dois meses após o diagnóstico do glioblastoma. |
Paciente foi a óbito 24 horas após o diagnóstico da UTK. |
R. N. Bernardo et al., (2020)10 |
Mieloma múltiplo |
Cinco dias após internamento em UTI. |
Paciente foi a óbito quatro dias após o diagnóstico da UTK. |
Reitz; Schindler, (2016)11 |
Disfunção de múltiplos órgãos do sistema, incluindo os sistemas respiratório, cardíaco e renal |
Período exato do diagnóstico não informado. |
Paciente foi a óbito 24 horas após o diagnóstico da UTK. |
Roca-Biosca et al., (2016)4 |
Insuficiência respiratória grave |
56 horas após internamento em UTI. |
Paciente foi a óbito 16 horas após o diagnóstico da UTK. |
Schank, (2009) 12 |
Esclerose múltipla |
Período exato do diagnóstico não informado. |
Paciente foi a óbito cinco meses após o diagnóstico da UTK. |
Schank, (2009)12 |
Demência de Alzheimer Progressiva |
Período exato do diagnóstico não informado. |
Paciente foi a óbito seis semanas após o diagnóstico da UTK. |
DISCUSSÃO
A construção do presente estudo, bem como o mergulho na literatura, possibilitaram elencar as principais características da UTK, conforme a figura 1.
Figura 2- Principais características da UTK.
Fonte: Os autores
As UTK’s têm características peculiares desde o surgimento até sua evolução, pois segundo Bachero e Vizcaino (8), a etiopatogenia das UTK’s não é clara, no entanto, uma hipótese frequente é que ocorrem devido a um problema de perfusão sanguínea agravado pelo processo da morte. Sendo assim, a pele, como um órgão externo, diante da terminalidade, pode refletir externamente aquilo que está ocorrendo no interior do organismo humano, fortalecendo, ainda mais, a associação das UTK’s à terminalidade.
Diante do exposto, através de Karen Kennedy em sua descoberta da UTK, puderam-se elencar características recorrentes e marcantes nos pacientes avaliados. Podendo destacar a aparência inicial de abrasão ou flictena; formato de pêra, borboleta ou ferradura; cor que varia com o desenvolvimento da lesão (vermelha, amarela, azul, roxa ou preta); e localizações mais comuns a região sacrococcígea, calcâneos e panturrilha.²
O processo de terminalidade pode prosseguir sem patologia específica detectável; o único órgão que dará a voz de alarme será a pele que cobre as proeminências ósseas, pois vai nos mostrar o efeito prejudicial da pressão por um período de tempo muito mais curto. Nesses casos, mesmo com uma boa contribuição nutricional e frequência das mudanças posturais a cada duas horas, pode ser inevitável o desenvolvimento da lesão.8 Justificando a presença de tecido endurecido, bordas irregulares e rápida progressão.
Ademais, os autores11, afirmam que estudos retrospectivos levantaram hipóteses de que a insuficiência cutânea era o resultado de uma combinação de imobilidade e falência de múltiplos órgãos. Sendo assim, entre os pacientes em risco de sofrer uma UTK, pode-se incluir aqueles com insuficiência respiratória, diabetes mellitus, hipoalbuminemia , hipoxemia, doença renal ou insuficiência de dois ou mais sistemas de órgãos além da pele. Diante disso, a etiologia desta úlcera pode ser considerada intrínseca e atribuída à má perfusão como resultado de uma doença crítica.
Frente ao exposto, torna-se notável que a UTK é um indicativo de morte, e aparece quase que em concomitância com o estabelecimento de uma condição terminal, sendo o resultado da falência orgânica e evoluindo muito rapidamente conforme o óbito se aproxima.
Sabe-se que as UTK's pertencem ao conjunto de alterações da pele ocorridas na fase final de vida, conhecidas como SCALE (Skin Changes at the Life's End). Em abril de 2008, em Chicago ocorreu um painel internacional com 18 especialistas para discutir este tema, onde foi resolvido um consenso para avaliação e cuidado com esses tipos de lesões. O Consenso Scale aborda aspectos tais como: mudanças fisiológicas da pele no final da vida, cuidados centrados no paciente, comunicação com a equipe e cuidadores, entre outros.¹
Os princípios dos Cuidados Paliativos se aproximam dos posicionamentos preconizados pelo Consenso Scale. Por fim, o consenso além de estimular os esforços em manter cuidados que previnam lesões e até mesmo quando possível, melhorem as condições da pele, também visa considerar custos e benefícios, sejam estes econômicos, físicos ou sociais que sejam úteis nesta etapa da vida.1,14
Sendo assim, o estabelecimento de um plano de cuidados adequado e realista mostra-se essencial ao conforto do cliente nesta fase final. Os posicionamentos estabelecidos no Consenso Scale são de extrema relevância para a adequação deste plano de cuidados, bem como para o direcionamento da equipe de saúde, que deve agir de forma multiprofissional junto aos familiares do cliente.14
Posto isto, é notável que o reconhecimento desse tipo de ferida acarreta implicações diretas para as políticas públicas, pois à medida que um número crescente de pessoas atinge vidas mais longas, a UTK pode proliferar, exigindo uma melhor compreensão deste e de outros fenômenos do fim da vida.12 Apesar disso, foi perceptível a fragilidade de conteúdos acerca da mesma, caracterizando uma escassez surpreendente de estudos científicos disponíveis que abordem essa temática tão relevante. Fato que reafirma a imprescindibilidade deste estudo e de outros novos que elucidem sobre a UTK e disseminem o conhecimento acerca da mesma.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do estudo, foi possível identificar e descrever as principais características da UTK apontadas pela literatura que possibilitam a sua identificação: aparência inicial de abrasão ou flictena; formato de pêra, borboleta ou ferradura; cor que varia com o desenvolvimento da lesão; localização sacrococcígea ou outras regiões; presença de tecido endurecido; bordas irregulares; rápida progressão; e relação com a terminalidade.
Através dessa caracterização, é perceptível a significância de uma assistência multiprofissional sistematizada, em conjunto com os familiares dos pacientes, com embasamento direcionado por um plano de cuidados individualizado, humanístico, e que tenha como principais objetivos o alívio de desconfortos físicos, emocionais e a prevenção de novas lesões. Sugere-se a partir dessa contextualização, a construção de um instrumento de identificação da UTK, objeto de projeto de estudo em construção.
Como limitação para o desenvolvimento do estudo está a escassa e pouco atualizada literatura acerca da temática, o que reforça a relevância do mesmo para a prática da enfermagem. À medida que disponibiliza aos profissionais de saúde subsídios para a caracterização da UTK e consequente adequação das intervenções a ela direcionadas.
REFERÊNCIAS
1. Carvalho MMC et al. Lesões de pele nos cuidados paliativos oncológicos: Estudo observacional. Research, Society and Development. 2021 mai; 10(6): 1-21.
2. Maia MFS. Feridas em Cuidados Paliativos: Resultados de um Estudo sobre Úlceras Terminais de Kennedy. Medicina em Cuidados Paliativos; 2018.
3. Franck EM. Alterações de pele em pacientes em cuidados paliativos na terminalidade da doença e final da vida: Coorte prospectiva. Enferm na Saúde do Adulto. 2016.
4. Roca-Biosca A. et al. The adapting of a care plan after Kennedy terminal ulcer diagnosis. Enferm. Intensiva. 2016 dez; 27(4): 168-72.
5. Ganong LH. Integrative reviews of nursing research. Res Nurs Health. 1987 mar; 10(1):1-11.
6. Moola S, Munn Z, Tufanaru C, Aromataris E, Sears K, Sfetcu R, et al. Chapter 7: Systematic reviews of etiology and risk. In: Aromataris E, Munn Z. Joanna Briggs Institute Reviewer’s Manual. The Joanna Briggs Institute; 2017. Available from https://reviewersmanual.joannabriggs.org/.
7. Melnyk BM, Fineout-Overholt E. Making the case for evidence-based practice. Evidence based practice in nursing & healthcare. A guide to best practice. Philadelphia: Lippincot Williams & Wilkins. 2005; 3-24.
8. Bachero JG, Vizcaino TF. Poliulceración en paciente terminal: Úlceras de Kennedy. Plan de cuidados paliativos. Enferm. Dermatol. 2014 mar; 8(22): 32-40.
9. Miner KJ. Discharge to Hospice: A Kennedy Terminal Ulcer Case Report. J Am Col Certif Wound Spec. 2009 jul; 1(3): 84-5.
10. R. N. Bernardo et al. Úlcera terminal de kennedy em portador de mieloma múltiplo internado em unidade de terapia intensiva: relato de caso. Hematol transfus cell ther. 2020; 42(2): 278-9.
11. Reitz M, Schindler CA. Pediatric Kennedy Terminal Ulcer. Journal of Pediatric Health Care. 2016 jun; 30(3): 274-78.
12. Schank JE. Kennedy Terminal Ulcer: the "Ah-Ha!" Moment and Diagnosis. Wound Management & Prevention. 2009 set; 55.
13. Jakobsen TBT et al. Incidence and prevalence of pressure ulcers in cancer patients admitted to hospice: A multicentre prospective cohort study. Int Wound J. 2020 jun; 17(3): 641-9.
14. Novais RF, Kaizer UAO, Domingues EAR. Cuidados de enfermagem para pessoas com feridas neoplásicas malignas: Revisão integrativa. Rev Enferm Atual In Derme. 2021 nov 30; 96(37) 1-12.
Fomento e Agradecimento: Agradecemos à Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças da Universidade de Pernambuco (Fensg-UPE), à Universidade de Pernambuco como um todo e ao Hospital Universitário Oswaldo Cruz.
Submissão: 2022-03-14
Aprovado: 2022-05-16