COMPETÊNCIAS EM PROMOÇÃO DA SAÚDE MOBILIZADAS POR ENFERMEIROS EM AMBULATÓRIOS DE HEMOFILIA

 

HEALTH PROMOTION SKILLS MOBILIZED BY NURSES IN HEMOPHILIA AMBULATORIES

 

HABILIDADES DE PROMOCIÓN DE LA SALUD MOVILIZADAS POR ENFERMEROS EN AMBULATORIOS DE HEMOFILIA

 


1Olga Feitosa Braga Teixeira

2Lucas Dias Soares Machado

3Maria Rosilene Cândido Moreira

4Caroline Antero Machado Mesquita

5Karla Corrêa Lima Miranda

6Maria de Fátima Antero Sousa Machado

 

1Universidade Federal de Campina Grande, Cajazeiras-PB, Brasil, https://orcid.org/0000-0001-7086-411X

 

2Universidade Regional do Cariri, Crato-CE, Brasil, https://orcid.org/0000-0003-4450-3796

 

3Universidade Federal do Cariri, Juazeiro do Norte-CE, Brasil, https://orcid.org/0000-0002-9821-1935

 

4Centro Universitário Maurício de Nassau, Fortaleza-CE, Brasil, https://orcid.org/0000-0001-8650-6528

 

5Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza-CE, Brasil, https://orcid.org/0000-0001-6738-473X

 

6Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-Ceará), Fortaleza-CE, Brasil, https://orcid.org/0000-0002-2541-8441

 

Autor correspondente

Lucas Dias Soares Machado

Rua José Carvalho, n 63, Centro, Crato, CE, CEP 63100-020

lucasdsmachado@hotmail.com

 

Critérios de autoria

Contribuiu substancialmente na concepção e/ou planejamento do estudo: Teixeira OFB; Machado MFAS

Contribuiu na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados: Teixeira OFB; Machado MFAS

Contribuiu com a redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada: Teixeira OFB; Machado LDS; Moreira MRC; Mesquita CAM; Miranda KCL; Machado MFAS.

 

 

RESUMO

Objetivo: reconhecer os domínios das competências de promoção da saúde nas atividades desenvolvidas pelos enfermeiros em ambulatórios de hemofilia. Métodos: estudo qualitativo, com dez enfermeiros de ambulatórios de hemofilia. Os dados foram coletados por entrevistas semiestruturadas utilizando como referencial para a análise o documento intitulado Competences in Health Promotion. Resultados: identificou-se que os domínios favorecimento de mudanças, advocacia em saúde, parceria, comunicação, liderança e implementação estavam presentes nas práticas dos enfermeiros. Entretanto os domínios, diagnóstico, planejamento, avaliação e pesquisa não foram evidenciados. Conclusão: reconhece-se, que a adoção do Competences in Health Promotion como referencial para o desenvolvimento de competências em promoção da saúde possui relevância no atendimento aos pacientes hemofílicos, por agrupar competências necessárias para a efetividade da promoção da saúde e preenchimento de lacunas profissionais, fundamentais a um bom atendimento.

Palavras-chave: Papel do Profissional de Enfermagem; Cuidados de Enfermagem; Hemofilia A; Hemofilia B; Promoção da Saúde. 

ABSTRACT

Objective: to recognize the domains of health promotion skills in the activities carried out by nurses in hemophilia ambulatories. Methods: qualitative study, with ten nurses from coagulopathies outpatient clinics. Data were collected through semi-structured interviews using the document entitled Competences in Health Promotion as a reference for analysis. Results: it was identified that the domains favoring change, health advocacy, partnership, communication, leadership and implementation were present in nurses' practices. However, the domains, diagnosis, planning, evaluation and research were not evidenced. Conclusion: it is recognized that the adoption of Competences in Health Promotion as a reference for the development of competences in health promotion is relevant in the care of hemophiliac patients, as it brings together the necessary competences for the effectiveness of health promotion and filling professional gaps, fundamental to good service.

Keywords: Nurse's Role; Nursing Care; Hemophilia A; Hemophilia B; Health Promotion.

 

RESUMEN

Objetivo: reconocer los dominios de las habilidades de promoción de la salud en las actividades realizadas por enfermeros en ambulatorios de hemofilia. Métodos: estudio cualitativo, con diez enfermeros de ambulatorios de coagulopatías. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semiestructuradas utilizando como referencia para el análisis el documento Competencias en Promoción de la Salud. Resultados: se identificó que los dominios que favorecen el cambio, la defensa de la salud, la colaboración, la comunicación, el liderazgo y la implementación estaban presentes en las prácticas de los enfermeros. Sin embargo, no se evidenciaron los dominios diagnóstico, planificación, evaluación e investigación. Conclusión: se reconoce que la adopción de las Competencias en Promoción de la Salud como referencia para el desarrollo de competencias en promoción de la salud es relevante en el cuidado de los pacientes hemofílicos, ya que reúne las competencias necesarias para la efectividad de la promoción de la salud y el llenado de vacíos profesionales , fundamental para un buen servicio.

Palabras clave: Rol del Profesional de Enfermería; Atención de Enfermería; Hemofilia A; Hemofilia B; Promoción de la Salud.


 


INTRODUÇÃO

Hemofilia é uma doença hereditária decorrente de alterações genéticas, as quais levam à deficiência dos fatores VIII ou IX da coagulação, de forma a prejudicar o processo de hemostasia. A apresentação clínica da doença é caracterizada por sangramentos intra-articulares (hemartroses), hemorragias musculares ou em outros tecidos ou cavidades(1). Trata-se de uma doença crônica, na qual a pessoa com hemofilia será submetida à administração de fatores de coagulação, além da exposição a procedimentos invasivos desagradáveis, que podem repercutir de formas diversas na adaptação deste e da família ao seu quadro clínico(2).

A equipe de saúde envolvida no atendimento das pessoas com hemofilia necessita transpor o modelo de atenção biomédico e atuar na promoção da saúde, desenvolvendo capacidade para mobilizarem competências neste campo. Pensar e atuar na promoção da saúde impõe a incorporação de novos saberes e práticas com a finalidade de transformar o olhar individualista do campo da saúde, para dimensões mais coletivas, motivando mudanças sanitárias e sociais. A efetivação da promoção da saúde requer o desenvolvimento de competências na perspectiva da atenção integral aos pacientes em suas necessidades. As competências, no campo da promoção da saúde, são definidas como a combinação de conhecimentos, habilidades e atitudes, a qual possibilita que um indivíduo desempenhe tarefas de acordo com um padrão(3).

Em 2009, um conjunto de competências essenciais em promoção da saúde começou a ser desenvolvido, organizado e estruturado pelo projeto europeu Competences in Health Promotion (CompHP). No CompHP o conjunto de competências necessárias para desenvolver ações eficazes em promoção da saúde abrange valores, habilidades e conhecimentos, que são listados em 47 competências e 9 domínios, que especificam os conhecimentos, habilidades e critérios de desempenho exigidos para demonstrar a aquisição das competências essenciais no referido domínio(4).

Proporcionar saúde às pessoas com hemofilia significa, além de administrar fatores de coagulação e evitar complicações, assegurar uma melhor qualidade de vida, aumentando sua autonomia e bem-estar. A realização deste estudo se justifica pela necessidade de verificar se os domínios das competências em promoção da saúde estão presentes nas práticas dos enfermeiros no atendimento a pessoas com hemofilia, visto que contribuirá na melhoria do atendimento a essa clientela, modificando o atual modelo de saúde ainda focado na doença, adotando um modelo que tenha abordagem na pessoa.

Sob este prisma, objetivou-se reconhecer os domínios das competências de promoção da saúde nas atividades desenvolvidas pelos enfermeiros em ambulatórios de hemofilia.

 

MÉTODOS

Estudo exploratório, descritivo, de natureza qualitativa. A abordagem qualitativa de pesquisa permite exprimir as singularidades e os significados dos fenômenos para aqueles que o vivenciam.

Adotou-se os domínios de competências em promoção da saúde do documento Competences in Health Promotion (CompHP) como referencial teórico do estudo(4), a saber: favorecimento de mudanças, advocacia, liderança, comunicação, parceria, diagnóstico, planejamento, implementação e avaliação e pesquisa.

A pesquisa foi realizada na Hemorrede Pública do Estado do Ceará, que contém cinco ambulatórios de hemofilia, sendo o Hemocentro Coordenador situado na cidade de Fortaleza, e quatro hemocentros regionais (Crato, Iguatu, Quixadá e Sobral). A Hemorrede está estruturada e organizada para atender a população cearense em todo o território estadual.

Os participantes da pesquisa foram dez enfermeiros, selecionados intencionalmente para fins de representação da totalidade de enfermeiros atuantes em ambulatórios de coagulopatias do Ceará. Os critérios de inclusão foram: ser enfermeiro com atuação em ambulatório de hemofilia da rede estadual do Ceará; e como critério de exclusão: estar afastado de suas atividades, por quaisquer motivos, durante o período de coleta de dados. Todos os profissionais convidados participaram do estudo.

Para coleta de dados optou-se pela utilização de uma entrevista semiestruturada, que aconteceu no segundo semestre de 2017. A entrevista foi conduzida conforme roteiro que versava sobre promoção da saúde, competências em promoção da saúde e elementos característicos dos domínios de competências em promoção da saúde, utilizando-se de questões do tipo “fale-me sobre”, tais como: fale-me sobre sua compreensão a respeito de promoção da saúde; [...] fale-me sobre as parcerias estabelecidas como forma de promover a saúde de pessoas com hemofilia [...] e fale-me sobre como se dá o levantamento de necessidades das pessoas com hemofilia.

A operacionalização das entrevistas deu-se inicialmente por solicitação de anuência dos hemocentros regionais. A posteriori realizou-se contato inicial via telefone com os potenciais participantes, com o intuito de apresentar a finalidade da pesquisa, relevância e ressaltar a necessidade de sua colaboração. As entrevistas foram agendadas com aqueles que atendiam aos critérios de inclusão e exclusão, em momento, condição e local apropriado, conforme disponibilidade dos profissionais. Estas foram gravadas e transcritas na íntegra, sendo garantido o anonimato dos participantes.

Os dados foram organizados segundo técnica de Análise de Conteúdo Temática(5). Após a transcrição das entrevistas na íntegra, a análise seguiu as três etapas sugeridas pela técnica: na pré-análise, realizou-se a leitura flutuante do material retomando aos objetivos da pesquisa e levantamento de hipóteses sobre o objeto em estudo. Na etapa de exploração do material, objetivou-se alcançar o núcleo de compreensão do texto, buscando encontrar categorias. Por fim, na etapa de tratamento dos dados e interpretação, por meio de intuição, análise reflexiva e crítica, realizou-se a interpretação inferencial, especialmente buscando o conteúdo latente nos depoimentos(5).

Do processo de análise, emergiram nove categorias temáticas, as quais estão orientadas pelos domínios de competências de promoção da saúde. Os enfermeiros foram identificados como (Enf. 01, Enf. 02, ..., Enf. 10).

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Campina Grande, Centro de Formação de Professores, e cumpriu todas as exigências formais dispostas na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde/MS que dispõe sobre pesquisas envolvendo seres humanos, sendo aprovado com o parecer nº 2.012.376/2017.

 

RESULTADOS

Participaram do estudo, dez enfermeiras responsáveis pelo atendimento das coagulopatias do estado do Ceará. Destas, duas eram do município de Iguatu, uma de Quixadá, três de Fortaleza, três de Sobral e uma do Crato. A idade das enfermeiras variou de 29 a 60 anos de idade. Com relação ao tempo de atuação destas profissionais na Hemorrede, variou de 03 a 23 anos, e no setor de coagulopatias, o tempo de atuação das enfermeiras variou de 05 meses a 08 anos. Quanto ao vínculo empregatício, cinco eram funcionárias efetivas da Secretaria de Saúde do Estado, e cinco eram terceirizadas. No que se refere à pós-graduação destas profissionais, oito enfermeiras eram especialistas, uma mestra e uma doutora.

Os domínios de competências em promoção da saúde, sob a ótica do CompHP, emergiram das falas das participantes e estão exemplificados no Quadro 1 e especificados nas categorias que seguem.


 

Quadro 1 – Representação das expressões dos domínios de competências em promoção da saúde nas falas de enfermeiras da Hemorrede. Crato, CE, Brasil, 2017

Domínio

Expressão do domínio na fala das enfermeiras

Favorecimento de mudanças

Uma vez fomos à escola de um paciente, porque lá existia a história, um mito de que a hemofilia era uma doença transmissível. Então fomos conversar com a diretora e com a professora, orientar sobre a hemofilia (Enf. 02).

Eu estou com um paciente que mudou de escola e ela exige que ele faça atividades que não são compatíveis com a patologia dele. Eu e o médico fomos lá fazer uma atividade que se encaixa nas condições clínicas dessa criança (Enf. 03)

Advocacia em Saúde

Entramos em contato com o município, e tentamos resolver os problemas com as instituições do município e com a policlínica, ...para que possamos dar esta qualidade de vida e esta rapidez no atendimento [referindo-se a serviços necessários ao tratamento adequado] (Enf. 03).

Falamos com o secretário de saúde e isso foi resolvido [ referindo-se a adequação no transporte dos fatores de coagulação] (Enf. 07)

Parceria

Temos parceria com as faculdades, com o curso de fisioterapia, psicologia. Tem parcerias com o Centro de Especialidades Odontológicas regional para o atendimento odontológicos dos pacientes. E parceria também com os próprios municípios que têm hemofílicos (Enf. 08).

Sempre que a gente precisa de um serviço especializado, psicólogo,

dentista, fisioterapeuta, o paciente é encaminhado à secretaria de

saúde dos municípios para marcação de atendimento (Enf. 01)

Comunicação

Atualmente acabamos utilizando muito as redes sociais, os pacientes utilizam bem este recurso e tem muito efeito..., e as informações hoje em dia têm sido muito rápida e muito efetiva (Enf. 04).

Também têm os cartazes, os folders, panfletos. Estamos também tentando melhorar a comunicação com os municípios que têm hemofílicos, através de palestras para as equipes de saúde, sobre o que é hemofilia (Enf. 09).

Liderança

Explicamos: olha a autoinfusão é importante que você faça, porque é sua independência, você pode viajar, isso possibilita você não depender de mais ninguém, nem da gente, nem de sua família (Enf. 02).

A gente estimula esta independência, esta autonomia. E tem sido bem positivo, quando nós conseguimos (Enf. 07)


Diagnóstico

Domínio não reconhecido nas falas das participantes

É só sob demanda. Não existe nenhum trabalho que levante necessidades não. Só quando ele nos procura (Enf. 04).

Planejamento

Domínio não reconhecido nas falas das participantes

As ações são executadas sob demanda. (Enf. 03).

Não planejamos atendimento. Tudo é de acordo com a rotina de

Demandas (Enf. 08).

Implementação

Fazemos com que o paciente entenda muito da sua doença, para que ele seja um agente ativo quando estiver na rede do Sistema Único de Saúde (Enf. 05).

Avaliação e Pesquisa

Domínio não reconhecido nas falas das participantes

Não sei se chega a ser uma avaliação, nada padrão, com

questionário ou comparações, é mais algo visível (Enf. 10)

Não existe um instrumento de avaliação. O que nos é cobrado aqui é

a prestação de informações sobre o número de pacientes, pacientes

em profilaxia (Enf. 06)

Fonte: Elaboração própria.

 


Domínio favorecimento de mudanças

Atuar na perspectiva de mudanças a partir do desenvolvimento de capacidades de indivíduos, grupos e coletividades para a ação em promoção da saúde, e deste modo potencializar melhorias de saúde e redução de iniquidades, fundamenta este domínio.

O domínio de favorecimento de mudanças foi identificado nas falas das enfermeiras a partir da busca por soluções que minimizem as vulnerabilidades, os riscos de comprometimento no tratamento, bem como por meio de suas ações, tais como educação em saúde e visita a escolas, com finalidade de inserção dos indivíduos com hemofilia no meio social.

 

Domínio advocacia em saúde

O domínio advocacia diz respeito a atuar reivindicando com e a favor da comunidade na busca de melhores condições de vida e saúde, bem-estar e capacitação para ação em promoção da saúde.

Este domínio torna-se evidente na prática das enfermeiras nas unidades da Hemorrede frente as múltiplas estratégias utilizadas como forma de garantir o direito à saúde, defesa do acesso integral e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação dos pacientes com hemofilia. Dentre estas estratégias pode-se pontuar articulação com gestores e personalidades políticas, reivindicação por cuidados multiprofissionais e busca por adequações no transporte dos fatores de coagulação.

 

Domínio parceria

O trabalho em parcerias envolve a colaboração com conhecimentos, disciplinas, setores, dispositivos de saúde e áreas afins, indivíduos e comunidade para ampliar as ações de promoção da saúde, aumentando o impacto e tornando-as sustentáveis.

Existe uma busca constante das enfermeiras em proporcionar melhorias, avanços e conquistas para a vida e para a saúde dos pacientes. As parcerias mais citadas como forma de garantir uma melhoria na assistência prestada, foram: policlínicas, Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) e instituições de ensino superior.

 

Domínio comunicação

A comunicação constitui o processo de estabelecimento de troca de mensagens, por meio de linguagem verbal e não-verbal, essencial à uma assistência de qualidade, pois envolve, além dos seus aspectos intrínsecos, a escuta de forma acolhedora.

As enfermeiras referiram-se às redes sociais como importante ferramenta de comunicação entre profissionais-serviço-pacientes, além do site oficial on line do hemocentro coordenador e o acesso telefônico. A maioria das entrevistadas considera a comunicação eficiente, porque afirmam conseguir atingir os objetivos propostos, de contato com e orientação aos pacientes.

 

Domínio liderança

Compreende a empregabilidade do diálogo, empreendedorismo, da crítica e reflexão sobre a realidade, comprometendo-se com a equipe e pensando junto a esta em propósitos e métodos de promoção da saúde, compreendendo e conhecendo as necessidades singulares de cada pessoa, comunidade, território, e buscando soluções cabíveis para estas.

Foi evidenciado nas práticas das enfermeiras através da motivação de pacientes no exercício do autocuidado, oferecendo formação aos pacientes e familiares para a infusão dos fatores de coagulação, permitindo assim uma maior autonomia destes.

 

Domínio diagnóstico

Trata do reconhecimento das realidades contextuais de um território, identificando necessidades e potencialidades para atuação nas dimensões política, econômica, social, cultural, ambiental, comportamental e biológica, implicadas na promoção ou comprometimento da díade saúde-cuidado.

Este domínio não foi identificado nas falas das enfermeiras. Não existe um levantamento de necessidades de saúde das pessoas com hemofilia, feita pelas enfermeiras. Todas as necessidades dos pacientes, são avaliadas de acordo com a demanda, ou seja, quando os mesmos procuram o serviço seja para consulta, seja para receber os fatores de coagulação.

 

Domínio planejamento

Visa garantir a organização das ações dos serviços para satisfazer as necessidades de saúde da população. Este domínio não foi identificado nas práticas das enfermeiras. Todas as ações executadas estão baseadas nos protocolos do Ministério da Saúde e evidencia-se uma prática voltada para a resolução das demandas.

 

Domínio implementação

A implementação refere-se ao ato de concretização das ações de promoção da saúde, mais palpáveis e perceptíveis aos olhos dos profissionais, gestão e comunidade. Reflete o resultado do embate de diversas forças de diferentes atores que tentam fazer valer suas intenções e anseios. Este domínio configura-se quando as profissionais fizeram referência a ações no campo da intersetorialidade, interdisciplinaridade, no empoderamento e desenvolvimento da autonomia dos pacientes, tais como estratégias de acesso a serviços de saúde, de educação em saúde e autocuidado. Todas estas ações estão voltadas para a promoção da saúde e melhoria da qualidade de vida dos pacientes com hemofilia.

 

Domínio avaliação e pesquisa

Remete ao uso de métodos de avaliação e pesquisa de modo apropriado para verificar a efetividade, o monitoramento, o alcance, o impacto e a adequação das ações de promoção da saúde, sempre com o apoio de parceiros.

As enfermeiras referem que não consideram que aconteça uma avaliação de fato, das atividades executadas pelas mesmas e por tanto este domínio não foi evidenciado em suas falas.

 

DISCUSSÃO

Destaca-se a escassez de publicações relacionadas à hemofilia e competências em promoção da saúde, visto que as publicações sobre a hemofilia presentes na literatura nacional e internacional abordam aspectos biológicos desta, tais como o tratamento, fatores de coagulação e incapacidades, estando limitada no que tange a cuidados de enfermagem e promoção da saúde das pessoas com hemofilia. Pode-se pontuar ainda como recente no Brasil a aplicação do CompHP enquanto referencial teórico e metodológico nos estudos com profissionais da saúde, reduzindo o espectro de possibilidades para comparação com contextos semelhantes ao do estudo.

Este estudo instiga a necessidade de desenvolver pesquisas e, consequentemente, cuidados efetivos às pessoas com hemofilia, concernentes com uma promoção da saúde emancipadora, efetiva, eficaz e adequada a realidade. Demonstra ainda o potencial do CompHP para análise de práticas de promoção da saúde, possibilitando identificar dimensões a serem aperfeiçoadas, de acordo com seus domínios.

A atuação profissional a partir de um padrão de competências em promoção da saúde busca atender as necessidades da população, estando essas explícitas ou não, sendo potente para clarear expectativas e determinar futuras demandas da prática(6). Tratando-se especificamente da promoção da saúde de pessoas com hemofilia, é relevante considerar a mobilização de todos os domínios de competências para assegurar uma atenção integral e holística a esse público, inviabilizando as possíveis iniquidades e ampliando qualidade no viver.

A promoção da saúde materializa-se então como possibilidade para o desenvolvimento de ações sociais, políticas, econômicas e ambientais capazes de transformar o meio social positivamente. Para tanto, propõe mudanças no modo de pensar e agir dos indivíduos e suas coletividades, partindo do processo de empoderamento, onde se promove uma capacitação para compreender e solucionar problemas que afetam negativamente uma vida saudável(7).

Como forma de minimizar iniquidades e empoderar pessoas com hemofilia e pessoas do seu convívio, as enfermeiras atuaram nas escolas, favorecendo mudanças e promovendo atitudes inclusivas, frente ao reconhecimento de atitudes discriminatórias com crianças com hemofilia no ambiente escolar, por desconhecimento da patologia pelos educadores, pelos pais de colegas, pela sociedade de uma forma geral.

Entende-se como espaços de promoção da saúde, todos os locais onde se desenvolvem atividades de cuidado humano, sejam unidades de saúde ou espaços coletivos, a exemplo das escolas, onde há a possibilidade de se realizar atividades educativas. Desse modo, as intervenções em saúde ampliam seu escopo por meio de parcerias, tomando como objeto os problemas e necessidades de saúde, seus determinantes e condicionantes, e ao mesmo tempo, desenvolvendo ações e serviços que operem para além dos muros das unidades de saúde(8).

O estabelecimento de parcerias compreende o planejamento de ações em conjunto com equipamento sociais; diálogo e atuação de modo integrado com outros serviços e setores fundamentada na corresponsabilidade e não apenas na divisão de ações e objetivos; e redução de barreiras setoriais desnecessárias e que dificultam o alcance de objetivos(9).

Em termos de ações, o papel das enfermeiras na advocacia em saúde, tem sido definido como a voz dos pacientes, com o propósito de auxiliá-los a obter cuidados de saúde essenciais, defender seus direitos, garantir a qualidade do cuidado e servir como um elo entre o paciente e o ambiente de saúde. Exercendo a advocacia em saúde, os enfermeiros orientam pacientes sobre seus direitos, tornando-os sujeitos ativos no seu processo saúde-doença(8).

Atuar em prol de direitos com e para indivíduos e coletividades envolve uma processo de mobilização social com outros serviços e setores que precisa de organização e direcionamento, traduzidos na forma de parceria e liderança, respectivamente(10).

Já a liderança engloba o estimulo a adoção de um direcionamento inclusivo, baseado em negociações e participação, adequado a realidade em questão(11). Sob este prisma, o profissional de enfermagem exerce um papel de líder na elaboração e acompanhamento do plano de cuidados a pessoa com hemofilia, atuando diretamente na adesão do plano terapêutico que inclui a profilaxia e autoinfusão, em harmonia e parceria com os pais e/ou responsáveis neste processo.

No que tange ao domínio comunicação, compreende-se que a comunicação efetiva e eficaz diária pode ajudar às enfermeiras e assegurar possibilidades terapêuticas na sua atuação, bem como, desempenho humanista e direcionado ao bem-estar daqueles que estão sob seus cuidados. Nesta conjuntura, as redes sociais têm sido utilizadas com grande frequência na área da saúde com o objetivo de difundir conhecimentos, pois elas permitem que as informações sejam publicadas e compartilhadas com maior facilidade, bem como proporcionam um ambiente apropriado de interação, permitindo através do contato e da interação, que os pacientes entendam mais sobre sua enfermidade, esclareçam dúvidas, troquem experiências e compartilhem angústias e sofrimentos(12).

O processo de promover saúde, compreendido como ações contínuas e bem estruturadas, exige organização por parte dos promotores da saúde, envolvendo os indivíduos na tomada de decisão, diagnóstico, planejamento e implementação de suas ações, devendo, portanto, ser pautada na realidade dos pacientes e integrar as iniciativas e recursos existentes(13).

Na prática de profissionais enfermeiros no cuidado de pessoas com hemofilia pode ser valiosa a adoção e realização do processo de enfermagem para direcionar as ações concernentes com as competências dos domínios diagnóstico, planejamento, implementação e avaliação e pesquisa, frente a congruência existente entre as finalidades deste processo em relação a estes domínios de competências em promoção da saúde.

O diagnóstico, etapa inicial da prestação de cuidados e promoção da saúde, materializa-se como etapa essencial ao cuidado adequado a pessoa com hemofilia, por estruturar-se como um momento de aproximação com as realidades, necessidades e compreensão dos determinantes do processo saúde-doença-cuidado manifestado em cada situação, singular.

Diagnosticar para planejar adequadamente é essencial às boas práticas de promoção da saúde. A fragilidade reconhecida pela não identificação destes domínios de competência demonstra a relevância de investir-se em processos formativos de educação permanente orientados pelo desenvolvimento de competências em promoção da saúde, de modo a identificar essa carência formativa e saná-la.

No processo de planejar, faz-se necessário o envolvimento de diversos atores na produção de saúde-cuidado, de modo que as decisões sejam tomadas a partir de um consenso e de forma horizontal. Esse direcionamento é coerente com a efetividade do planejamento na produção de mudanças, pois dá voz aos profissionais e promove participação social e integração intra e intersetorial, descentralizando as tomadas de decisão e aproximando-se das demandas e necessidades sociais(13).

A postura das enfermeiras no atendimento as pessoas com hemofilia é enfatizada frente às demandas que emergem e tornam o cotidiano dinâmico, requerendo destas profissionais agilidade nas respostas e condutas. Nesse contexto, entende-se que essa posição está relacionada às exigências do próprio serviço, uma vez que são valorizadas as respostas rápidas em detrimento daquelas que demandam tempo, como é o caso do diagnóstico e do planejamento.

A avaliação, enquanto processo sistemático de acompanhamento da relevância, efetividade, eficiência e impacto das ações de saúde, que colabora com o planejamento, programação e tomada de decisão(14-17), não foi reconhecida nos discursos das enfermeiras, demonstrando distanciamento das possibilidades de delineamento de soluções para as problemáticas existentes e reorganização das atividades e serviços, vislumbrando caminhos alternativos, com o intuito de maximizar a utilização de recursos disponíveis.

Destaca-se a relevância do processo avaliativo, tal como no processo de enfermagem, para possibilitar um espaço de reconstrução, contribuindo para que, no movimento e dinâmica do serviço, a avaliação sirva como um dos mecanismos que direcione, de modo mais qualificado, a ação.

É perceptível a conexão entre os domínios de diagnóstico, planejamento, implementação e avaliação e pesquisa, de modo sequencial e cíclico, demonstrando a relevância da manifestação de cada um destes domínios para o sucesso das ações, visto que, quando desarticulados, as ações tornam-se incoerentes com as demandas dos territórios e serviços(18-20).

A dimensão da pesquisa também não esteve presente nas práticas das enfermeiras. Neste contexto cabe a reflexão sobre o distanciamento da realização de pesquisas e os serviços de saúde, estando estas concentradas no ambiente acadêmico, fazendo uso das ações e serviços de saúde para coleta de dados e produção científica, sem, no entanto, retornar para estes de modo a embasar a prática baseada em evidências(15-16).

Sob este prisma, para    que os profissionais de enfermagem avancem em direção a efetividade da promoção da saúde, é imprescindível que estes se apropriem das evoluções teóricas e metodológicas do campo, de modo a estar sincronizado com os avanços e discussões internacionais. Para tanto, a educação permanente manifesta-se como possibilidade de estímulo para o desenvolvimento de competências, modificação das práticas e transformação do modelo assistencial ainda hegemônico na área da saúde, pautado na valorização biomédica, assistencialista e hospitalocêntrico.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Foram identificadas evidências condizentes com os domínios de competências de promoção da saúde de favorecimento de mudanças, advocacia em saúde, parceria, comunicação, liderança e implementação, nas atividades desenvolvidas pelas enfermeiras em ambulatórios de coagulopatias. Reconhece-se a necessidade de mobilização de todos os domínios para efetividade das ações de promoção da saúde, sendo relevante o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes condizentes com os domínios diagnóstico, planejamento, avaliação e pesquisa.

O referencial do Competences in Health Promotion mostra-se potente para nortear o desenovlvimento de competências em promoção da saúde, apontando quais domínios são essenciais. Entretanto, não há na literatura instrumentos de mensuração destas competências, utilizando-se do referencial para análise de evidências que apontem para a presença dos domínios de competências. Este tipo de análise não possibilita afirmar que os profissionais apresentam as competências, mas sim indícios do seu desenvolvimento, o que pode ser uma limitação do estudo.

Discutir sobre competências em promoção da saúde de pessoas com hemofilia reconhece o campo como relevante para produção e gestão do cuidado destes indivíduos, considerando a baixa da contemplação deste cuidado em estudos científicos para além da atenção aos fatores biológicos e que consideram os aspectos singulares deste público. Implica-se, deste modo, a necessidade de realização de novos estudos sobre competências em promoção da saúde, cuidado a pessoa com hemofilia e a articulação destes objetos.

 

REFERÊNCIAS

1. Gutiérrez MG, Mingot-Castellano ME, López-Fernández MF, Álvarez-Román MT, Ovagüez I. Prophylaxis therapy with bypassing agents in patients with haemophilia A and inhibitors undergoing surgery: a cost analysis in Spain. Eur J Haematol. 2020; 105(1):94-100. doi: https://doi.org/10.1111/ejh.13414

2. Araújo MB, Albuquerque IMN, Pires EV, Ribeiro MA, Silva MAM. Implications in labor activities of people with hemophilia assisted by regional blood center of Ceará. Essentia [Internet]. 2019 [cited Feb 12, 2021];20(1)35-40. Available from: http://essentia.uvanet.br/index.php/ESSENTIA/article/view/219/185

3. Xavier SPL, Pereira AP, Moreira MRC, Martins AKL, Ferreira HS, Machado MFAS. Competencies in promoting health in the light of the project Competencies Health Promotion (CompHP): an integrative review. Ciênc., Cuid. Saúde. 2019;18(1):1-8 doi: https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v18i1.43421

4. Battel-Kirk B, Barry MM. Evaluating progress in the uptake and impact of Health Promotion competencies in Europe. Health Promot Int. 2020; 35:779-89. doi: https://doi.org/10.1093/heapro/daz068

5. Minayo MCS. Sampling and saturation in qualitative research: consensuses and controversies. Rev Pesq Qual [Internet]. 2017 [cited Feb 12, 2021];5(7):1-12. Available from:http://rpq.revista.sepq.org.br/index.php/rpq/article/view/82/59

6. Machado MFAS, Machado LDS, Xavier SPL, Lima LA, Moreira MRC, Ferreira HS. Competências em promoção da saúde: o domínio parceria na residência multiprofissional em saúde. Rev Bras Promoç Saúde. 2018, 31(4):1-7. doi: https://doi.org/10.5020/18061230.2018.8761

7. Buss PM, Hartz ZMA, Pinto LF, Rocha CMF. Health promotion and quality of life: a historical perspectiva of the last two 40 years (1980-2020). Ciênc Saúde Colet. 2020; 25(12):4723-35. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320202512.15902020

8. Santana KFS, Machado LDS, Machado MFAS, Dias MSA, Silva LMS, Lopes MSV. Competences in health promotion in the environmental education practices of community health agents. Rev Gaúcha Enferm. 2021; 42:e20200053. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200053

9. Escalda P, Parreira CMSF. Dimensions of interprofessional work ando f collaborative practices developed at a primary care unit by a Family Health team. Interface (Botucatu). 2018; 22(Supl.2):1717-27. doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0818

10. Netto L, Silva KL, Rua MS. Competency building for health promotion and change in the care model. Texto Contexto Enferm. 2016; 25(2):e2150015. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072016002150015

11. Soranz D, Pisco LAC. Primary Health Care Reform in the cities of Lisbon and Rio de Janeiro: context, strategies, results, learning and challenges. Ciênc Saúde Colet. 2017; 22(3):679-86. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017223.33722016

12. Fernandes LS, Calado C, Araujo CAS. Social networks and health practices: influence of a diabetes online community on adherence to treatment. Ciênc Saúde Colet. 2018; 23(10):3357-68. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320182310.14122018

13. Machado CV, Lima LD, Bousquat A, Pereira-Silva MV, Fernandes DRA, Artmann E, et al. Production of knowledge on policy, planning, and management in Journal Ciência & Saúde Coletiva. Ciênc Saúde Colet. 2020; 25(12):4681-91. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320202512.18152020

14. Scharaiber LB. Desenvolvimento da avaliação em saúde: percursos e perspectivas. Cad Saúde Pública. 2020; 36(9):e00163820. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00163820

15. Battle-Kirk B, Barry MM. Has the Development of Health Promotion Competencies Made a Difference? A Scoping Review of the Literature. Health Education & Behavior. 2019; 46(5), 824–842. Doi: https://doi.org/10.1177/1090198119846935

16. Battel-Kirk B, Barry MM. Implementation of Health Promotion Competencies in Ireland and Italy: A Case Study. Int. J. Environ. Res. Public Health. 2019; 16, 4992. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph16244992

17. Buss PM, Hartz ZMA, Pinto LF, Rocha CMF. Promoção da saúde e qualidade de vida: uma perspectiva histórica ao longo dos últimos 40 anos (1980-2020). Ciênc Saúde Colet. 2020; 15 (12). doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320202512.15902020

18. Evangelista SC, Sampaio JV, Machado LDS, Tamboril ACR, Moreira MRC, Viana MCA, et al. Course of health promotion actions on multiprofessional residency: analysis in the light of a European reference. Tempus Actas Saúde Coletiva. 2017; 10(4):69-82. doi: https://doi.org/10.18569/tempus.v11i1.2291

19. Carmo TRG, Santos RL, Magalhães BC, Silva RA, Dantas MB, Silva VM. Competencies in health promotion by nurses for adolescents. Rev Bras Enferm, 2020; 74(Suppl 4):e20200118. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0118

20. Carvalho PO, Andrade LS, Oliveira, WA, Masson L, Silva JL, Silva MA. Essential health promotion competencies in nursing training: an integrative review. Acta Paul Enferm. 2021; 34:eAPE02753. doi: http://dx.doi.org/10.37689/acta-ape/2021AR02753

Submissão: 2021-03-15

Aprovado: 2022-05-16