ARTIGO DE REVISÃO
COVID-19 E REPERCUSSÕES EXTRA-PULMONARES: MANIFESTAÇÕES CARDIOVASCULARES E NEUROLÓGICAS EM PACIENTES DE ZERO A 19 ANOS
COVID-19 AND EXTRA-PULMONARY REPERCUSSIONS: CARDIOVASCULAR AND NEUROLOGICAL MANIFESTATIONS IN PATIENTS FROM ZERO TO 19 YEARS
COVID-19 Y REPERCUSIONES EXTRAPULMONAR: MANIFESTACIONES CARDIOVASCULARES Y NEUROLÓGICAS EN PACIENTES DE CERO A 19 AÑOS
https://doi.org/10.31011/reaid-2023-v.97-n.1-art.1509
Brena Shellem Bessa de Oliveira1
Rhaiany Kelly Lopes de Oliveira2
Francisca Elisângela Teixeira Lima3
Nila Larisse Silva de Albuquerque4
Maria Vera Lúcia Moreira Leitão Cardoso5
Nirla Gomes Guedes6
1 Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil. https://orcid.org/0000-0001-6142-1421
2 Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-5404-2287
3 Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-7543-6947
4 Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-9060-2296
5 Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-0481-6440
6 Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil. https://orcid.org/0000-0003-0405-7517
Autor correspondente
Brena Shellem Bessa de Oliveira
Rua Érico Mota, nº 241, Apto 201, Parquelândia, Fortaleza, Ceará, Brasil. CEP: 60450-175. E-mail: brenashellem@alu.ufc.br.
Submissão: 19-09-2022
Aprovado: 15-03-2023
RESUMO
Objetivo: Identificar na literatura científica as manifestações cardiovasculares e neurológicas em crianças e adolescentes com COVID-19. Método: Revisão integrativa da literatura realizada nas bases de dados Medline/PubMed, LILACS, Web of Science, Scopus; Cochrane e Cinahl. A seleção dos estudos foi feita de forma independente por dois pesquisadores. A coleta de informações baseou-se em um instrumento criado pelos autores contendo informações sobre a caracterização do estudo, método utilizado pelos autores, principais resultados e conclusões. A apresentação dos resultados foi feita de forma descritiva. Resultados: Foram identificadas 4431 produções, dessas 75 compuseram esta revisão. As manifestações cardiovasculares mais relatadas nos artigos foram: insuficiência cardíaca (37,5%) dilatação/ectasia de artérias coronárias ou aneurisma (27,5%) e taquicardia (27,5%); e as principais manifestações neurológicas foram: convulsões (45,2%), cefaleia (40,3%), encefalite/encefalopatia (30,6%) e Hemorragias/AVC (30,6%). Conclusão: Os profissionais de saúde que atuam na linha de frente na pandemia da COVID-19 precisam conhecer estas manifestações cardiovasculares e neurológicas e suas possíveis complicações para que medidas precoces sejam tomadas de forma efetiva.
Palavras-chave: COVID-19; Doenças Cardiovasculares; Doenças do Sistema Nervoso; Criança; Adolescente.
ABSTRACT
Objective: To identify in the scientific literature the cardiovascular and neurological manifestations in children and adolescents with COVID-19. Method: Integrative literature review carried out in Medline/PubMed, LILACS, Web of Science, Scopus databases; Cochrane and Cinahl. The selection of studies was carried out independently by two researchers. The collection of information was based on an instrument created by the authors containing information on the characterization of the study, method used by the authors, main results and conclusions. The presentation of the results was done in a descriptive way. Results: 4431 productions were identified, of these 75 composed this review. The most reported cardiovascular manifestations in the articles were: heart failure (37.5%) dilation/ectasia of coronary arteries or aneurysm (27.5%) and tachycardia (27.5%); and the main neurological manifestations were: seizures (45.2%), headache (40.3%), encephalitis/encephalopathy (30.6%) and Hemorrhages/stroke (30.6%). Conclusion: Health professionals working on the front lines of the COVID-19 pandemic need to know these cardiovascular and neurological manifestations and their possible complications so that early measures can be taken effectively.
Keywords: COVID-19; Cardiovascular Diseases; Nervous System Diseases; Child; Adolescent.
RESUMEN
Objetivo: Identificar en la literatura científica las manifestaciones cardiovasculares y neurológicas en niños y adolescentes con COVID-19. Método: Revisión integrativa de la literatura realizada en las bases de datos Medline/PubMed, LILACS, Web of Science, Scopus; Cochrane y Cinahl. La selección de los estudios fue realizada de forma independiente por dos investigadores. La recolección de información se basó en un instrumento creado por los autores que contiene información sobre la caracterización del estudio, método utilizado por los autores, principales resultados y conclusiones. La presentación de los resultados se hizo de forma descriptiva. Resultados: se identificaron 4431 producciones, de estas 75 componían esta reseña. Las manifestaciones cardiovasculares más relatadas en los artículos fueron: insuficiencia cardíaca (37,5%), dilatación/ectasia de arterias coronarias o aneurisma (27,5%) y taquicardia (27,5%); y las principales manifestaciones neurológicas fueron: convulsiones (45,2%), cefalea (40,3%), encefalitis/encefalopatía (30,6%) y hemorragias/ictus (30,6%). Conclusión: Los profesionales de la salud que trabajan en la primera línea de la pandemia de COVID-19 necesitan conocer estas manifestaciones cardiovasculares y neurológicas y sus posibles complicaciones para poder tomar medidas tempranas de manera efectiva.
Palabras clave: COVID-19; Enfermedades Cardiovasculares; Enfermedades del Sistema Nervioso; Niño; Adolescente.
INTRODUÇÃO
A doença Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), causada pelo Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2), tem sido considerada, nos últimos três anos (2020-2022), com um dos principais problemas de saúde pública1. Além de ocasionar manifestações semelhantes às infecções pulmonares (tosse, dor de garganta, febre, rinorreia dispneia, fadiga, mal-estar), também têm sido descritas na literatura a ocorrência de sinais e sintomas multissistêmicos, os quais merecem atenção da equipe de saúde e da gestão pública2-3.
Em adultos estão sendo relatadas manifestações cardíacas na COVID-19, como lesão miocárdica e miocardite grave com disfunção sistólica ventricular esquerda. Em uma coorte clínica de COVID-19 desenvolvida em 2019, foi observada lesão cardíaca aguda em 7,2% e arritmia em 16,7% dos adultos e foi relacionada ao pior prognóstico4. Pacientes adultos que tiveram lesão cardíaca aguda (troponinas cardíacas elevadas) tiveram maior incidência de complicações, como arritmias com risco de morte, disfunção de múltiplos órgãos, síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), coagulopatia sistêmica e maior mortalidade2.
Mais de um terço (36,4%) dos pacientes internados para COVID-19 podem apresentar manifestações neurológicas centrais e periféricas. Dentre as primeiras, estão tonturas e cefaleias e, entre as últimas, alterações no paladar e no olfato. As manifestações neurológicas são mais comuns em pacientes com pneumonia grave, incluindo acidente vascular cerebral e hemorragias cerebrais. Nesse contexto, também podem ocorrer crises epilépticas focais5.
No público pediátrico são descritas uma variedade de manifestações clínicas da COVID-19, uma vez que a doença pode acometer quaisquer aparelhos e sistemas. São relatados desde quadros assintomáticos até quadros mais graves que evoluem para óbitos, cujos sintomas mais comumente relatados são os respiratórios e gastrointestinais. Entretanto, recentemente foram descritas as síndromes inflamatórias associadas à COVID-196.
Embora em menor proporção, casos graves ou críticos da COVID-19 podem ocorrer em pacientes pediátricos e resultar em morte. Manifestações neurovasculares foram detectadas como fortes marcadores de prognóstico de mau resultado7. Diante disso, urge a necessidade de desenvolvimento de estudos que visem compilar e compreender as manifestações cardiovasculares e neurológicas associadas à COVID-19 presentes em pacientes pediátricos, bem como suas prevalências, fisiopatologias, fenótipos e implicações prognósticas.
Assim, acredita-se que uma revisão da literatura, com foco nos aspectos neurológicos e cardíacos associados à COVID-19, pode contribuir para o acesso mais rápido e fácil ao que tem sido relatado pela comunidade científica e facilitar a compreensão, bem os profissionais da saúde na tomada de decisão clínica durante esse período de pandemia, uma vez que o SARS-CoV-2 é um vírus recém-descoberto e o conhecimento sobre ele está em constante evolução. Isto posto, tem-se como objetivo: identificar na literatura científica as manifestações cardiovasculares e neurológicas em crianças e adolescentes com COVID-19.
MÉTODO
Trata-se de uma revisão integrativa, estruturada a partir do tema manifestações clínicas cardiovasculares e neurológicas na COVID-19 em crianças e adolescentes (zero a 19 anos). Para tanto, foram seguidas as seguintes etapas: elaboração da questão de pesquisa, amostragem ou busca na literatura dos estudos primários, extração de dados, avaliação dos estudos primários incluídos, interpretação dos resultados, apresentação da revisão8.
A elaboração da pergunta norteadora baseou-se na estratégia TQO, composta por três categorias que correspondem respectivamente ao: Tema - assunto principal da pesquisa; Qualificador - características ou situações associadas à temática ou objeto do estudo; e Objeto - indivíduo, população, instituição, dentre outros9.
Dessa forma, conferiu-se ao elemento T manifestações cardiovasculares e/ou neurológicas; para o Q infecção por SARS-CoV-2 com confirmação obtida por meio da reação em cadeia da polimerase de transcrição reversa (RT-PCR) de amostras de nasofaringe, garganta, sangue ou fezes, ou teste de anticorpos (IgM, IgG); e para o O crianças e adolescentes Assim, chegou-se a seguinte questão norteadora: quais as manifestações cardiovasculares e neurológicas podem estar presentes em crianças e adolescentes com COVID-19 descritas na literatura científica?
Como critérios de inclusão adotaram-se: estudos publicados em inglês, português ou espanhol nas fontes de dados selecionadas no estudo e que abordaram as manifestações cardiovasculares e neurológicas da COVID-19 em pacientes menores de 19 anos. Já como critérios de exclusão selecionaram-se: publicações indisponíveis na íntegra ou duplicadas, artigos de revisão, resumos de conferências, artigo de opinião e editorial.
A coleta de dados foi realizada nas seguintes bases de dados: National Library of Medicine National Institutes of Health (Medline/PubMed); Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS); Web of Science; Scopus; Índice Cumulativo de Enfermagem e Literatura Aliada em Saúde (Cinahl). Enfatiza-se que foi realizada a busca manual de referências de estudos primários que compuseram este estudo para minimizar o risco de viés de seleção, ou seja, todas as referências listadas ao final dos artigos foram avaliadas a fim de identificar publicações pertinentes à temática do estudo que, por algum motivo, não foram recrutadas na busca inicial realizada nas bases de dados selecionadas.
Para identificação dos estudos foi elaborada uma estratégia de busca, cuja sequência e cruzamentos foram padronizados previamente por dois pesquisadores, os quais realizaram a busca de forma simultânea e independente. Para a interação dos termos foram utilizados os operadores lógicos booleanos “AND” e “OR”, conforme descrito no Quadro 1.
Quadro 1 - Estratégias de busca utilizadas conforme cada base de dados e manifestações clínicas.
BASE |
Manifestações Neurológicas |
SCOPUS |
("Nervous System Diseases" OR "neurological symptoms" OR "also seizure" OR "encephalopathy" OR "encephalitis" OR "convulsion" OR "confusion" OR "stroke" OR "neuropsychiatric") AND ("2019 nov" OR "also SARS-CoV-2" OR "coronavirus") AND (children OR pediatric OR infant OR adolescent OR child) |
MEDLINE/ PUBMED |
("Nervous System Diseases") AND (COVID-19 OR SARS-CoV-2) AND (CHILDREN OR Adolescent) |
CINAHL / WEB OF SCIENCE |
("Nervous System Diseases" OR "neurological symptoms" OR "also seizure" OR "encephalopathy" OR "encephalitis" OR "convulsion" OR "confusion" OR "stroke" OR "neuropsychiatric") AND (COVID-19 OR SARS-CoV-2 OR 2019-nCoV) AND (children OR pediatric OR infant OR adolescent OR child) |
LILACS |
(“Doenças do sistema nervoso”) AND (Criança OR Adolescente) AND (COVID-19 OR SARS-CoV-2) |
|
Manifestações Cardiovasculares |
SCOPUS |
(“Cardiovascular diseases”) AND ("2019 nov" OR "also SARS-CoV-2" OR "coronavirus") AND (children OR pediatric OR infant OR adolescent OR child) |
MEDLINE/ PUBMED |
(“Cardiovascular Diseases”) AND (COVID-19) AND (Child OR Adolescent) |
CINAHL/ WEB OF SCIENCE |
(“Cardiovascular Diseases” OR "myocardial dysfunction" OR "pericarditis" OR "valvulitis" OR "coronary abnormalities" OR "evidence of coagulopathy") AND (COVID-19 OR SARS-CoV-2 OR 2019-nCoV) AND (Children OR pediatric OR infant OR adolescent OR child) |
LILACS |
(“Doenças cardiovasculares”) AND (COVID-19 OR SARS-CoV-2) AND (Criança OR adolescente). |
Fonte: Autoria Própria.
Após a identificação dos estudos, as produções repetidas foram identificadas pelo software Rayyan. Enfatiza-se que a exportação dos estudos para este gerenciador de referências e a remoção de duplicatas priorizou as bases específicas de enfermagem (CINAHL) e saúde (Medline/Pubmed e LILACS), seguidas das inespecíficas (Web of Science; Scopus).
Após exclusão das publicações duplicadas, foi feita a leitura de título e resumo dos estudos remanescentes buscando incluir na revisão aqueles que atendiam aos critérios de elegibilidade. Ressalta-se que essa etapa também foi realizada por dois pesquisadores de forma independente, sendo que casos de divergências foram resolvidos pelo consenso dos pesquisadores.
Depois da etapa de pré-análise, leitura de títulos e resumos, as produções incluídas passaram por um processo de leitura na íntegra para extração das seguintes informações: base de dados, característica da amostra, tipo de publicação, nível de evidência, data de publicação, manifestações cardiovasculares e neurológicas presentes em crianças e adolescentes com COVID-19.
Para determinar o nível de evidência das produções foi utilizada a seguinte classificação: nível I - metanálises de estudos controlados e randomizados; nível II - estudos experimentais; nível III - estudos quase experimentais; nível IV - estudos descritivos, não experimentais ou de abordagem qualitativa; nível V - relatos de casos ou experiência; nível VI - consenso e opinião de especialistas10.
Não houve necessidade de submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa, pois trata-se de uma revisão de literatura. Todavia, ressalta-se que foram mantidas as ideias originais dos autores no processo de síntese de suas pesquisas, com citação da autoria.
RESULTADOS
Identificaram-se um total de 4.431 produções, das quais 4.426 foram provenientes das fontes de dados selecionadas previamente (SCOPUS= 1.246; CINAHL= 137; Medline/PubMed= 2.477; Web of Science= 555; LILACS= 11) e cinco foram identificadas mediante leitura das referências das produções primárias. Desses, 2.558 atenderam aos critérios de elegibilidade propostos neste estudo. Ressalta-se que 144 trabalhos foram excluídos por duplicação nas bases de dados, enquanto que os demais passaram pelo processo de leitura de título e resumo que resultou na exclusão de 2.162 produções por não responderem à pergunta norteadora. Os 252 estudos remanescentes foram submetidos a etapa de leitura integral, resultando na inclusão de 75 artigos, como descrito na Figura 1.
Figura 1 – Fluxograma do processo de seleção dos estudos primários, adaptado do PRISMA
Das 75 produções incluídas, a maioria dos estudos estava escrito em língua inglesa (n= 74; 98,7%), foi desenvolvida nos Estados Unidos (n= 20; 26,7%), tratava-se de relatos de caso (n= 42; 56,0%), com nível de evidência V (n= 64; 85,3%). Na Tabela 1 é feita a apresentação da análise descritiva das publicações que compuseram a revisão.
Tabela 1 – Análise descritiva dos artigos incluídos na revisão, segundo ano de publicação, amostra, público-alvo, tipo de estudo, nível de evidência, país e idioma, Fortaleza, CE, Brasil, 2022. (n= 75)
Categoria |
N |
% |
Média (±Desvio Padrão) |
Ano |
|
|
|
2022 |
7 |
9,3 |
|
2021 |
48 |
64,0 |
|
2020 |
20 |
26,7 |
|
Amostra |
|
|
58,41(±31,56) |
Público |
|
|
|
Criança |
40 |
53,3 |
|
Adolescente |
15 |
20,0 |
|
Criança e adolescente |
20 |
26,7 |
|
Tipo de Estudo |
|
|
|
Relato de Caso |
42 |
56,0 |
|
Série de casos |
22 |
29,3 |
|
Coorte |
8 |
10,7 |
|
Descritivo |
3 |
4,0 |
|
Nível de Evidência |
|
|
|
III |
8 |
10,7 |
|
IV |
3 |
4,0 |
|
V |
64 |
85,3 |
|
País |
|
|
|
Estados Unidos |
19 |
25,3 |
|
Reino Unido |
8 |
10,7 |
|
Itália |
6 |
8,0 |
|
Outros |
42 |
56,0 |
|
Idioma |
|
|
|
Inglês |
74 |
98,7 |
|
Espanhol |
1 |
1,3 |
|
Fonte: Autoria Própria.
Com base na Tabela 2, verifica-se que as manifestações cardiovasculares que mais se repetiram nos estudos desta revisão foram: insuficiência cardíaca (n= 15; 37,5%) dilatação/ectasia de artérias coronárias ou aneurisma (n= 11; 27,5%) e taquicardia (n= 11; 27,5%). Ressalta-se que o quantitativo total e as porcentagens excederam o total de 40 e 100%, respectivamente, pois em um único artigo pôde-se identificar mais de uma manifestação cardiovascular, as quais são apresentadas a seguir. O mesmo ocorreu com a variável prognóstico, no qual em um mesmo estudo foram identificadas evoluções e desfechos distintos.
Tabela 2 – Análise descritiva das manifestações cardiovasculares e desfechos referidos nos artigos que compuseram a revisão. Fortaleza, CE, Brasil, 2022. (n= 40)
Variável |
N |
% |
Manifestações Cardiovasculares |
|
|
Insuficiência cardíaca |
15 |
37,5 |
Dilatação/ectasia de artérias coronárias ou aneurisma |
11 |
27,5 |
Taquicardia |
11 |
27,5 |
Insuficiência valvar |
9 |
22,5 |
Derrame seroso |
8 |
20,0 |
Choque |
7 |
17,5 |
Hipotensão |
7 |
17,5 |
Disfunção ventricular esquerda grave |
5 |
12,5 |
Arritmias |
4 |
10,0 |
Bradicardia |
4 |
10,0 |
Cardiomegalia |
4 |
10,0 |
Miocardite |
3 |
7,5 |
Função do miocárdio prejudicada |
3 |
7,5 |
Lesão miocárdica |
3 |
7,5 |
Redução da função sistólica |
3 |
7,5 |
Hipertensão |
3 |
7,5 |
Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) |
2 |
5,0 |
Dor torácica |
2 |
5,0 |
Pericardite |
1 |
2,5 |
Dilatação do Ventrículo esquerdo |
1 |
2,5 |
Edema de miocárdio |
1 |
2,5 |
Sopro sistólico |
1 |
2,5 |
Parada cardíaca |
1 |
2,5 |
Trombo intracardíaco |
1 |
2,5 |
Bloqueio atrioventricular transitório |
1 |
2,5 |
Prognóstico |
|
|
Alta hospitalar |
27 |
67,5 |
Internamento |
02 |
5,0 |
Óbito |
13 |
32,5 |
Não Informado |
06 |
15,0 |
Fonte: Autoria Própria.
Dentre as principais manifestações neurológicas, destacaram-se: convulsões (n= 28; 45,2%), cefaleia (n= 25; 40,3%), encefalite/encefalopatia (n= 19; 30,6%) e Hemorragias/AVC (n= 19; 30,6%) (Tabela 3). Ressalta-se que o quantitativo total e as porcentagens excederam o total de 62 e 100%, respectivamente, pois em um único artigo pôde-se identificar mais de uma manifestação cardiovascular, as quais são apresentadas a seguir. O mesmo ocorreu com a variável prognóstico, no qual em um mesmo estudo foram identificadas evoluções e desfechos distintos.
Tabela 3 – Análise descritiva das manifestações cardiovasculares e desfechos referidos nos artigos que compuseram a revisão. Fortaleza, CE, Brasil, 2022. (n= 62)
Variável |
N |
% |
Manifestações Neurológicas |
|
|
Convulsões |
28 |
45,2 |
Cefaleia |
25 |
40,3 |
Encefalite/Encefalopatia |
19 |
30,6 |
Hemorragias/AVC |
19 |
30,6 |
Alteração de consciência/estado mental |
14 |
22,6 |
Alteração na fala |
12 |
19,4 |
Hipotonia/fraqueza |
9 |
14,5 |
Instabilidade da marcha/Ataxia |
8 |
12,9 |
Sonolência/Letargia |
7 |
11,3 |
Hemiparesia |
6 |
9,7 |
Distúrbio do movimento |
5 |
8,1 |
Disfunção VII par craniano (nervo facial) / Paralisia facial |
5 |
8,1 |
Irritação meníngea/Menigismo |
4 |
6,5 |
Movimentos involuntários |
4 |
6,5 |
Edema cerebral |
4 |
6,5 |
Alteração pupilar |
4 |
6,5 |
Distorção facial |
4 |
6,5 |
Confusão |
4 |
6,5 |
Irritabilidade |
4 |
6,5 |
Alteração ocular/visual |
3 |
4,8 |
Hiporreatividade/Redução de reflexos |
3 |
4,8 |
Agitação/Inquietação |
3 |
4,8 |
Alteração de olfato e paladar |
3 |
4,8 |
Encefalomielite |
2 |
3,2 |
Cerebelite |
2 |
3,2 |
Hipertonia |
2 |
3,2 |
Hemiplegia completa |
2 |
3,2 |
Tontura |
2 |
3,2 |
Morte encefálica |
2 |
3,2 |
Nistagmo |
2 |
3,2 |
Diplopia |
2 |
3,2 |
Paralisia do VI par craniano |
2 |
3,2 |
Alteração psiquiátrica |
2 |
3,2 |
Choro paroxístico |
2 |
3,2 |
Disfagia |
2 |
3,2 |
Meningoencefalite |
1 |
1,6 |
Encefalomalácia |
1 |
1,6 |
Dilatação dos ventrículos laterais |
1 |
1,6 |
Alargamentos dos sulcos |
1 |
1,6 |
Lesão cerebral citotóxica |
1 |
1,6 |
Má sucção |
1 |
1,6 |
Tetraplegia |
1 |
1,6 |
Parestesia |
1 |
1,6 |
Paralisia de Todd |
1 |
1,6 |
Quadriparesia |
1 |
1,6 |
Incapacidade de fechar completamente o olho direito |
1 |
1,6 |
Papiledema |
1 |
1,6 |
Fala incoerente |
1 |
1,6 |
Déficit neurológico |
1 |
1,6 |
Prognóstico |
|
|
Alta hospitalar |
45 |
72,6 |
Internamento |
03 |
4,8 |
Óbito |
12 |
19,4 |
Não Informado |
07 |
11,3 |
Fonte: Autoria Própria.
DISCUSSÃO
Desde o início da pandemia de COVID-19 pacientes infectados pelo SARS-CoV-2 começaram a apresentar sintomatologias clínicas extra-pulmonares, estas trouxeram implicações que interferiram diretamente na assistência e nos cuidados promovidos aos pacientes. Haja vista, o SARS-CoV-2 pode acometer outros órgãos, além dos pulmões, o que se configura como um fator de risco para alta mortalidade86.
A ocorrência dessas manifestações parece estar diretamente associada ao fato de a enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2), que funciona como um receptor de entrada utilizado pelo vírus para infectar as células ser expresso em muitos tecidos. Assim, possibilitando a este microorganismo ocasionar dano tecidual direto, além de dano endotelial, tromboinflamação e alteração de resposta imune, resultando na lesão de diversos órgãos5.
O SARS-CoV-2, assim como o SARS-CoV, reconhece a ACE2 como um receptor de entrada na célula hospedeira. A ACE2 é uma enzima metabólica importante no sistema renina-angiotensina que desempenha um papel central na manutenção da homeostase do coração e do cérebro87.
Em crianças e adolescentes a COVID-19 demonstra ser menos agressiva e desencadear sintomas mais leves quando comparados aos adultos.88 Isso pode ocorrer devido a fatores como: função reduzida dos receptores da ACE 2 neste público; citocinas menos ativas; e mutações no próprio vírus durante a transmissão poderem reduzir sua virulência2. No entanto, nesta revisão verificou-se que, assim como nos adultos o acometimento cardíaco e neurológico também se fez presente no público pediátrico e hebiátrico.
A fisiopatologia associada às manifestações cardiovasculares possivelmente é multifatorial. A lesão cardíaca pode ser secundária à hipóxia causada pela alteração nas trocas gasosas provenientes da pneumonia ocasionada pelo SARS-CoV-2. Essa hipóxia por sua vez tende a promover o metabolismo anaeróbio, acidose metabólica, produção de radicais livres e destruição da bicamada fosfolipídica das membranas miocárdicas89. Além disso, o vírus pode promover absorção de íons cálcio pelos cardiomiócitos e consequente apoptose90.
Essas alterações e complicações no coração também podem ser ocasionadas diretamente pelo vírus no tecido ou no endotélio, as quais podem ser verificadas pelo aumento de mediadores e marcadores inflamatórios, sendo demonstrado em pacientes que apresentam a doença em sua forma gravidade91. A tempestade de citocinas ou síndrome da resposta inflamatória sistêmica consiste em outro mecanismo provável de lesão no miocárdio90.
Outras possíveis causas de lesão cardíaca que não são restritas à COVID-19 consistem em cardiomiopatia induzida por taquicardia após hipotensão prolongada5. Ambas as manifestações (taquicardia e/ou hipotensão) foram referidas em estudos incluídos nesta revisão.
Dentre as manifestações cardiovasculares mais prevalentes nos estudos, destacam-se as arritmias, que são eventos apresentados por crianças na fase aguda da doença grave de COVID-19. Estima-se que essas arritmias sejam resultado da hipóxia e desequilíbrio eletrolítico, os quais têm sido apresentados por crianças infectadas. No entanto, o mecanismo exato desta manifestação ainda não está claro e é incerto92.
É necessário ressaltar que alguns medicamentos antivirais e outros utilizados para combater a resposta imunológica excessiva também podem ocasionar danos cardíacos como arritmias e insuficiência cardíaca, fazendo-se premente o monitoramento e a avaliação destes possíveis efeitos colaterais91.
Também foi relatado nesta revisão o desenvolvimento de infarto e outros distúrbios de coagulação. O risco aumentado para hipercoagulabilidade tem demonstrado ser maior em pacientes com COVID-19, fato que levaria a um provável aumento destas manifestações5. Alterações em marcadores de coagulação foram relatados em diversas produções incluídas nessa revisão11-14,17-19,23,28,30, o que ratifica tais associações.
Nesse contexto, um marcador importante de ser avaliado são as enzimas cardíacas como troponina e creatina quinase, que podem contribuir para o diagnóstico de complicações no coração, tendo em vista que pacientes têm apresentado aumento nestas, principalmente, quando apresentam infecção grave93. Assim como em adultos a troponina I tem sido considerada um marcador de lesão miocárdica também em crianças, mesmo seu papel sendo menos definido neste público90.
Além disso, algumas crianças podem apresentar o aumento das enzimas miocárdicas como a creatina quinase MB, mesmo sem apresentar indícios de doença cardíaca14. A correlação entre níveis de d-dímero e o aumento de proteínas cardíacas e maior gravidade da COVID-19 foram descritas na literatura94. Dessa maneira, ratifica-se a importância de estes marcadores serem mensurados durante a assistência prestada ao paciente.
Níveis elevados de d-dímero e fibrinogênio no sangue consistem em uma resposta aos processos inflamatórios excessivos e têm se apresentado em estágios iniciais da COVID-19, enquanto que a coagulação intravascular disseminada se desenvolve em estágios mais avançados da infecção95. Em virtude disso, a Sociedade Internacional de Hemostasia e Trombose tem recomendado a avaliação rotineira do hemograma completo, com diferencial de leucócitos, d-dímero, tempo de protrombina e fibrinogênio em pacientes hospitalizados com COVID-1996.
Acredita-se que a COVID-19 grave apresenta-se em duas fases, a primeira inicia-se com uma disfunção orgânica com posterior descompensação aguda e depois apresenta um período de convalescença na qual as manifestações extrapulmonares se tornam mais visíveis (fase aguda e pós-aguda)86. Outra repercussão não pulmonar que tem ganhado destaque à medida que a COVID-19 avança são as manifestações neurológicas.
A literatura aponta que o SARS‐CoV‐2 ganha entrada no SNC por duas maneiras: em primeiro lugar, por disseminação vascular sistêmica e, em segundo lugar, mais localmente através da lâmina cribriforme do osso etmóide, o que pode ou não ter implicações em relação a anosmia muito relatada por pacientes com COVID-1997.
Um estudo desenvolvido em fevereiro de 2020 com 214 pacientes hospitalizados com SARS‐CoV‐2 da cidade de Wuhan, China, relatou que mais de um terço (36,4%) dos pacientes tinham algum grau de comprometimento neurológico, sugerindo que este poderia ser um componente subnotificado e negligenciado nos primeiros meses de disseminação da doença. Eles observaram que cefaleia e tontura foram as duas manifestações do SNC mais relatadas com 17% e 13%, respectivamente, apresentaram ainda, comprometimento da consciência, doença cerebrovascular aguda, ataxia e convulsões3. Contatou-se uma repetição dessas manifestações nos estudos incluídos.
As convulsões consistem em eventos que podem acometer crianças e, muitas vezes, estão associadas a quadros de infecções agudas, tais como infecções respiratórias e gastroenterites87,98. Dentre os agentes etiológicos envolvidos no desenvolvimento de convulsões estão os coronavírus humanos, que ocasionam, em vias de regra, infecções sazonais. O tropismo destes microorganismos pelo sistema nervoso já foi descrito na literatura99.
Complicações neurológicas mais significativas e potencialmente duradouras da SARS‐CoV‐2 foram destacadas em um estudo com 221 pacientes, dos quais 6% desenvolveram doença neurológica grave como: acidente vascular cerebral isquêmico, hemorragia de trombose venosa cerebral, das quais uma significativa proporção teve como desfecho o óbito90.
A diminuição do nível de consciência é uma manifestação neurológica indicativa de um prognóstico de COVID-19 grave. As causas podem variar de encefalopatia metabólica associada à hipóxia grave, ao estado pós-ictal após convulsões, à doença cerebrovascular aguda causada por endotelite e às alterações hematológicas subsequentes ou uma tempestade de citocinas resultando em encefalopatia necrosante hemorrágica (AHNE)100.
Acredita-se que os sintomas neurológicos podem fazer parte da doença autoinflamatória sistêmica de acordo com os marcadores inflamatórios sistêmicos elevados. Sintomas neurológicos secundários às tempestades de citocinas foram relatados em 23 de 51 pacientes pediátricos e adultos jovens (45,1%) recebendo terapia com células T modificadas por receptor de antígeno quimérico101.
Os médicos do Hospital Wuhan Zhongnan, na China, observaram que os níveis sanguíneos de IL2, IL7, IL10, fator estimulador de colônias de granulócitos (GSCF), MCP1, proteína inflamatória de macrófagos (MIP) -1α e TNF-α em doentes críticos com COVID-19 aumentaram significativamente, sugerindo que a tempestade de citocinas estava associada à gravidade da doença. A cascata de citocinas agrava o dano cerebral isquêmico e aumenta o risco de hemorragia intracerebral após o tratamento com ativador do plasminogênio tecidual102.
Se as manifestações neurológicas do SARS-CoV-2 são resultado direto das propriedades neuroinvasivas do vírus ou como consequência indireta da disfunção de múltiplos órgãos a jusante e bioquímica aberrante, ainda não foi totalmente compreendido, no entanto, muito provavelmente, é uma combinação de ambos.
Este estudo tem por limitação a inclusão de artigos com baixo nível de evidência, uma vez que a produção científica dessa doença nova está em permanente evolução e pela escassez de estudos envolvendo crianças e adolescentes. Além disso, a informação contida na maioria dos estudos desta revisão foi coletada de prontuários de crianças e adolescentes que estavam sintomáticos e hospitalizados, sendo essas informações passíveis de vieses.
CONCLUSÃO
Nesta revisão foi possível identificar as complicações cardiovasculares e neurológicas no público pediátrico e hebiátrico relatadas até o momento, apesar de as manifestações respiratórias serem mais frequentes na COVID-19. As manifestações cardiovasculares mais relatadas foram: insuficiência cardíaca, dilatação/ectasia de artérias coronárias ou aneurisma e taquicardia; e as principais manifestações neurológicas foram: convulsões, cefaleia, encefalite/encefalopatia e hemorragias/AVC (n= 19; 30,6%). Frente a essa realidade apresentada, os profissionais de saúde de combate a linha de frente precisam estar cientes das manifestações extrapulmonares e suas possíveis complicações para que medidas precoces sejam tomadas em tempo oportuno.
Diante disso, são necessários estudos epidemiológicos com informações sólidas sobre caracteres clínicos e de manejo, com rigor metodológico que busquem descrever de forma completa como o SARS-CoV-2 afeta órgãos nobres de crianças e adolescentes.
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Contribuição dos autores
Brena Shellem Bessa de Oliveira: Concepção do estudo; Coleta de dados; Análise e interpretação dos dados; Discussão dos resultados; Redação e/ou revisão crítica do conteúdo; Revisão e aprovação final da versão final
Rhaiany Kelly Lopes de Oliveira: Concepção do estudo; Coleta de dados; Análise e interpretação dos dados; Discussão dos resultados; Redação e/ou revisão crítica do conteúdo; Revisão e aprovação final da versão final
Francisca Elisângela Teixeira Lima: Concepção do estudo; Discussão dos resultados; Redação e/ou revisão crítica do conteúdo; Revisão e aprovação final da versão final
Nila Larisse Silva de Albuquerque: Redação e/ou revisão crítica do conteúdo; Revisão e aprovação final da versão final
Maria Vera Lúcia Moreira Leitão Cardoso: Redação e/ou revisão crítica do conteúdo; Revisão e aprovação final da versão final
Nirla Gomes Guedes: Redação e/ou revisão crítica do conteúdo; Revisão e aprovação final da versão final
Fomento e Agradecimento: À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES
Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519
Editor Associado: Edirlei Machado dos-Santos. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1221-0377