ARTIGO DE REVISÃO
VIOLÊNCIA POR PARCEIRO ÍNTIMO NA GESTAÇÃO E REPERCUSSÃO NA SAÚDE DA MULHER E DO CONCEPTO
VIOLENCE BY INTIMATE PARTNER IN PREGNANCY AND REPERCUSSION ON WOMEN'S AND CONCEPT HEALTH
VIOLENCIA POR PARTE DE LA PAREJA ÍNTIMA EN EL EMBARAZO Y REPERCUSIÓN EN LA SALUD DE LA MUJER Y DEL CONCEPT
https://doi.org/10.31011/reaid-2023-v.97-n.1-art.1514
1Glória Amorim de Araújo
2Hayla Nunes da Conceição
3Paula dos Santos Brito
4Mariana Rodrigues da Rocha
5Janayra Rodrigues Dantas
6Lucrécia Pereira Silva
1Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Imperatriz, Maranhão, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5745-6728.
2Universidade Federal do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil: ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6035-8280.
3Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Imperatriz, Maranhão, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4973-8693.
4Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina, Piauí, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4745-9690.
5Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), Coroatá, Maranhão, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1438-1292.
6Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Imperatriz, Maranhão, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1507-5043.
Autor correspondente
Hayla Nunes da Conceição
Gregory - Avenida Principal, 100- Residencial Dom Afonso Felipe, Imperatriz – MA. CEP: 65915-240
Telefone: +55(99) 98208-6669
E-mail: haylanunes_cx@hotmail.com
Submissão: 26-09-2022
Aprovado: 16-03-2023
RESUMO
Objetivo: Identificar as evidências científicas sobre as repercussões da Violência do Parceiro Íntimo (VPI) na gravidez sobre a saúde da mulher e do feto. Método: Trata-se de uma revisão integrativa da literatura. As buscas na literatura foram realizadas na Biblioteca Virtual de Saúde; Medline via Pubmed e Web of Science. Resultados: Foram incluídos 21 artigos. Os estudos demonstram que mulheres vítimas na gravidez apresentam maior vulnerabilidade a sofrimento psicológico, apresentando elevação nos níveis de estresse, tristeza, angústia, transtorno mental comum e ideação suicida. Elas são mais suscetíveis a baixa adesão ao pré-natal e a problemas ginecológicos e obstétricos, apresentando chances elevadas de infecção no trato urinário e vaginais, aumento do risco de internações pré-natais e maiores chances de evoluírem para morbidade materna aguda grave. Para a saúde do concepto, exposição a violência está relacionada a chance aumentada a ocorrência de aborto espontâneo, crescimento intrauterino restrito, parto prematuro, baixo peso ao nascer, morte perinatal, mortalidade infantil e na infância. Ainda foi demonstrado que a violência materna no período gestacional está associada a baixa adesão a imunização da criança, menor duração do aleitamento materno e com a necessidade de encaminhar a criança para o acompanhamento especializado para a triagem neonatal auditiva. Conclusão: O impacto da VPI em mulheres grávidas e em seus filhos evidencia a importância de uma maior atenção a essa problemática. No entanto, a desigualdade de gênero representa o cerne das possibilidades de romper o ciclo da VPI no período gestacional e suas consequências para saúde do binômio mãe-bebê.
Palavras-chave: Violência por Parceiro Íntimo; Maus-Tratos Conjugais; Saúde Materno-Infantil; Saúde da Mulher; Complicações na Gravidez.
ABSTRACT
Objective: To identify the scientific evidence on the repercussions of Intimate Partner Violence (IPV) in pregnancy on the health of the woman and the fetus. Method: This is an integrative literature review. Literature searches were performed in the Virtual Health Library; Medline via Pubmed and Web of Science. Results: 21 articles were included. Studies show that women victims of pregnancy are more vulnerable to psychological distress, with increased levels of stress, sadness, anguish, common mental disorder and suicidal ideation. They are more susceptible to poor adherence to prenatal care and to gynecological and obstetric problems, presenting high chances of urinary tract and vaginal infections, increased risk of prenatal hospitalizations and greater chances of progressing to severe acute maternal morbidity. For the health of the fetus, exposure to violence is related to an increased chance of spontaneous abortion, restricted intrauterine growth, premature birth, low birth weight, perinatal death, infant and childhood mortality. It has also been shown that maternal violence in the gestational period is associated with low adherence to the child's immunization, shorter duration of breastfeeding and the need to refer the child to specialized monitoring for neonatal hearing screening. Conclusion: The impact of IPV on pregnant women and their children highlights the importance of greater attention to this problem. However, gender inequality represents the core of the possibilities of breaking the cycle of IPV in the gestational period and its consequences for the health of the mother-baby binomial.
Keywords: Intimate Partner Violence; Marital Abuse; Maternal and Child Health; Women's Health; Complications in Pregnancy.
RESUMEN
Objetivo: Identificar la evidencia científica sobre las repercusiones de la Violencia de Pareja (VPI) en el embarazo sobre la salud de la mujer y el feto. Método: Esta es una revisión integradora de la literatura. Se realizaron búsquedas bibliográficas en la Biblioteca Virtual en Salud; Medline vía Pubmed y Web of Science. Resultados: se incluyeron 21 artículos. Los estudios muestran que las mujeres víctimas del embarazo son más vulnerables al malestar psicológico, con mayores niveles de estrés, tristeza, angustia, trastorno mental común e ideación suicida. Son más susceptibles a la mala adherencia al control prenatal ya los problemas ginecológicos y obstétricos, presentando altas posibilidades de infecciones urinarias y vaginales, mayor riesgo de hospitalizaciones prenatales y mayores posibilidades de progresar a morbilidad materna aguda severa. Para la salud del feto, la exposición a la violencia está relacionada con una mayor probabilidad de aborto espontáneo, crecimiento intrauterino restringido, parto prematuro, bajo peso al nacer, muerte perinatal, mortalidad infantil y en la niñez. También se ha demostrado que la violencia materna en el período gestacional está asociada con la baja adherencia a la vacunación del niño, la menor duración de la lactancia materna y la necesidad de derivar al niño a seguimiento especializado para el tamizaje auditivo neonatal. Conclusión: El impacto de la VPI en las mujeres embarazadas y sus hijos destaca la importancia de una mayor atención a este problema. Sin embargo, la desigualdad de género representa el núcleo de las posibilidades de romper el ciclo de la VPI en el período gestacional y sus consecuencias para la salud del binomio madre-bebé.
Palabras clave: La Violencia de Pareja; Abuso Marital; Salud Maternal e Infantil; La Salud de la Mujer; Complicaciones en el Embarazo.
INTRODUÇÃO
A Violência Contra a Mulher (VCM) pode ser definida como qualquer ato lesivo que resulte em dano físico, psicológico, sexual ou patrimonial e cuja principal motivação seja o gênero, isto é, cometido contra ela expressamente por ser mulher(1). Tendo como cenário de maior ocorrência o ambiente domiciliar das vítimas, a VCM tendo sido praticada na maior parte dos casos pelo parceiro íntimo, o que inclui parceiros de relacionamentos atuais ou anteriores em que a mulher tenha mantido um vínculo afetivo e/ou sexual com o agressor (2).
A Violência por Parceiro Íntimo (VPI) é umas das manifestações mais extremas e perversas da desigualdade de gênero, produto das dissimetrias de poder, da necessidade de submissão da mulher na sociedade patriarcal e da supremacia masculina. Representa um importante fenômeno social e exprime a violação dos direitos humanos que afeta seriamente o curso do processo saúde-doença e a perspectiva de vida das mulheres(3). É considerada um problema global de saúde pública em decorrência da sua incidência e impacto nas esferas individuais, familiar, social e na saúde da mulher(4).
A VPI embora represente um fenômeno da vida privada, é um importante problema de saúde pública. Nesse sentido, foi incorporado ao campo da saúde como um novo tema com impacto significativo na qualidade e humanidade da assistência à saúde(4).
Um aspecto preocupante da saúde da mulher no contexto da violência é a continuidade das agressões durante o período gravídico-puerperal, embora esta seja uma etapa do ciclo vital que requer mais proteção e cuidados, os episódios violentos são uma realidade(2). No mundo, a prevalência de VPI nas gestações foram observadas predominantemente em três tipologias, física, psicológica e sexual, variando de 3,2% a 43,1%, dependendo do método utilizado para a pesquisa e do país em que o estudo foi realizado, bem como se diferiu em decorrência de fatores culturais, socioeconômicos e demográficos(5,6). Na África do Sul, em Zimbábue, pesquisa conduzida com 2.042 puérperas, evidenciou que 63% haviam sido vítimas de VPI durante o período gestacional, sendo uma das mais altas taxas já relatadas globalmente(7).
No Brasil, a prevalência de VPI na gestação varia de 12% a 33% e ao contrário do observado em outros países, 50% das mulheres foram vítimas de violência física pela primeira vez na gestação(1). No Nordeste brasileiro observou que a violência física por parceiro íntimo na gestação esteve presente em 20,1% das mulheres, sendo que 49,8% referiram já ter sofrido a violência antes do período gestacional e 30,1% foram vítimas tanto antes como durante a gravidez (8). No Maranhão, um estudo na cidade de Caxias, mostrou a incidência de algum tipo de violência na gravidez foi de 33,0%, sendo a violência psicológica isolada a mais comum (18,9%), seguida da sobreposição de violência física e psicológica (5,2%) e (4,3%) respectivamente (9).
Algumas características da mulher estão associadas à maior probabilidade de ser vítima de VPI, tais como: baixa escolaridade, vivência de violência anterior, ter presenciado violência entre os pais e baixa condição social e econômica. Além disso, podem ser citadas a dominância do parceiro, conflitos no relacionamento, bem como ampla aceitação social da violência(5,10). Na gestação, somado a essas características, a VPI ocorre sobretudo em mulheres com gravidez não planejada, multíparas, naquelas que já sofreram aborto, que iniciaram o pré-natal tardiamente e com dificuldade de comparecerem às consultas, além das que são responsáveis pela família (11).
Na gravidez, a VPI por ser um evento estressor e traumático, pode desencadear desfechos negativos para a saúde materna e neonatal(5,12,13). Dessa forma, conhecer as consequências da exposição a violência na saúde da mãe e do bebê torna-se importante para que possam ser planejado estratégias de minimização da ocorrência desse agravo e dos impactos por ele gerado na saúde da mulher e do concepto(2). Os estudos que analisam a associação entre a VPI na gestação e seus impactos na saúde materno-fetal é abundante. Contudo, as informações consolidadas desses estudos de forma atualizada, ainda são escassas. Dessa forma, o presente estudo tem como objetivo identificar as evidências científicas sobre repercussões da VPI na gestação na saúde da mulher e do concepto.
MÉTODOS
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura. O referencial teórico adotado estabelece a construção desse tipo de estudo por meio de seis etapas: 1- Formulação da questão de pesquisa; 2 – Amostragem; 3 - Extração dos dados; 4 - Avaliação crítica; 5 - Análise e síntese dos resultados e 6 - Síntese do conhecimento(14).
Inicialmente foi elaborada a pergunta norteadora. Por se tratar de uma revisão integrativa, utilizou-se estratégia PICo para a elaboração dessa pergunta de pesquisa, acrônimo para P: problema ou população-alvo; I: intervenção ou fenômeno de interesse e Co: contexto(15), com base nessa definição foi estabelecido a seguinte pergunta norteadora: Quais as evidências científicas sobre as repercussões da VPI na gestação na saúde da mulher e do concepto? (Quadro 1).
Quadro 1- Estratégia PICo para o desenvolvimento da pergunta norteadora
Acrônimo |
Descritores |
P |
Saúde materno-infantil |
I |
Avaliação do Impacto na Saúde |
Co |
Violência por parceiro íntimo |
Fonte: Autores, 2022.
Para incluir uma maior variedade de estudos e amplitude de resultados, o acesso as bases e banco de dados foi realizado por meio do portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), sendo as buscas realizada no banco de dados da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e MEDLINE (National Library of Medicine, Estados Unidos) via PUBMED e na base Web of Science (Quadro 2).
A busca foi através das combinações entre os descritores encontrados nos Descritores em Saúde (DECs) e Medical Subject Headings (MESH): “Saúde materno-infantil”, “Avaliação do Impacto na Saúde”, “Violência por parceiro íntimo”, “Maternal and Child Health”, “Health Impact Assessment” e “Intimate Partner Violence” combinados entre si com os operadores booleanos OR e AND (Quadro 2).
Quadro 2 - Estratégia utilizada de busca no Banco de dados BVS, Imperatriz, Maranhão, 2022
BVS |
||
Acrônimo |
Descritores |
Descritores combinados com operador OR |
Saúde materno-infantil |
Saúde Materno-Infantil OR Maternal and Child Health OR Salud Materno-Infantil |
|
I |
Saúde da mulher Complicações na Gravidez |
Saúde da Mulher OR Saúde das Mulheres OR Saúde Feminina OR Women's Health OR OR Salud de la Mujer OR Complicações na Gravidez OR Pregnancy Complications |
Co |
Violência por parceiro íntimo |
Violência contra Parceiro Íntimo OR Violência contra a Parceira Íntima OR Violência entre Parceiros Íntimos OR Intimate Partner Violence OR Violencia de Pareja |
Chave de busca |
Saúde Materno-Infantil OR Maternal and Child Health OR Salud Materno-Infantil AND Saúde da Mulher OR Saúde das Mulheres OR Saúde Feminina OR Women's Health OR Salud de la Mujer OR Complicações na Gravidez OR Pregnancy Complications OR Complicaciones del Embarazo AND Violência contra Parceiro Íntimo OR Violência contra a Parceira Íntima OR Violência entre Parceiros Íntimos OR Intimate Partner Violence OR Violencia de Pareja |
MEDLINE/PUBMED |
||
Acrônimo |
Descritores |
Descritores combinados com operador OR |
P |
Saúde materna Saúde infantil |
Maternal Health OR Health, Maternal OR Health, Infant OR Baby Health OR Health, Baby OR Newborn Health OR Health, Newborn OR Neonatal Health OR Health, Neonatal OR Health of Newborn Infants OR Newborn Infant Health OR Health, Newborn Infant OR Infant Health, Newborn OR Health of the Newborn Infant OR Infant Health |
I |
Saúde da mulher Complicações na Gravidez
|
Women's Health OR Health, Women's OR Womens Health OR Health, Womens OR Woman's Health OR Health, Woman's OR Pregnancy Complications OR OR Complication, Pregnancy OR Pregnancy Complication OR Complications, Pregnancy OR Adverse Birth Outcomes OR Adverse Birth Outcome OR Birth Outcome, AdverseOR Outcome, Adverse Birth |
Co |
Violência por parceiro íntimo |
Intimate Partner Violence OR Partner Violence, Intimate OR Violence, Intimate Partner OR Intimate Partner Abuse OR Abuse, Intimate Partner OR Partner Abuse, Intimate OR Dating Violence OR Violence, Dating |
Chave de busca |
(("Maternal Health "[MeSH Terms]) OR (Health, Infant)) OR (Baby Health)) AND ((((((("Women's Health "[MeSH Terms]) OR ("Health, Women's "[All Fields])) OR ("Womens Health "[All Fields])) OR ("Health, Womens "[All Fields])) OR ("Pregnancy Complications"[MeSH Terms])) OR ("Adverse Birth Outcomes"[All Fields])) OR ("Birth Outcome, Adverse"[All Fields])) OR ("Outcome, Adverse Birth"[All Fields])) AND ((((((("Intimate Partner Violence "[MeSH Terms]) OR ("Partner Violence, Intimate "[All Fields])) OR ("Violence, Intimate Partner "[All Fields])) OR ("Intimate Partner Abuse "[All Fields])) OR ("Abuse, Intimate Partner "[All Fields])) OR ("Partner Abuse, Intimate "[All Fields])) OR ("Dating Violence "[All Fields]))OR ("Violence, Dating"[All Fields]) |
|
WEB OF SCIENCE |
||
Chave de busca |
((TS=(Maternal Health OR Health, Maternal OR Health, Infant OR Baby Health OR Health, Baby OR Newborn Health OR Health, Newborn OR Neonatal Health OR Health, Neonatal OR Health of Newborn Infants OR Newborn Infant Health OR Health, Newborn Infant OR Infant Health, Newborn OR Health of the Newborn Infant OR Infant Health)) AND TS=(Women's Health OR Health, Women's OR Womens Health OR Health, Womens OR Woman's Health OR Health, Woman's OR Pregnancy Complications OR Complication, Pregnancy OR Pregnancy Complication OR Complications, Pregnancy OR Adverse Birth Outcomes OR Adverse Birth Outcome OR Birth Outcome, Adverse OR Outcome, Adverse Birth)) AND TS=(Intimate Partner Violence OR Partner Violence, Intimate OR Violence, Intimate Partner OR Intimate Partner Abuse OR Abuse, Intimate Partner OR Partner Abuse, Intimate OR Dating Violence OR Violence, Dating) |
Fonte: Autores, 2022.
Foram incluídos os artigos indexados nas bases de dados e bibliotecas supramencionadas, publicados nos idiomas português, inglês e espanhol, no período de 2017 a 2022. Foram excluídos trabalhos para os quais o texto completo não foi fornecido; o tema central do estudo não estava relacionado ao tema da VPI na gravidez, publicações que são referentes a manuais técnicos, panfletos, editoriais, monografias, teses e dissertações.
Para auxiliar na identificação dos artigos duplicados, os resultados de cada base ou biblioteca de dados foi exportado e importado para o EndNote Web que detectou 66 duplicatas. Após a remoção das duplicadas, para auxiliar na triagem e seleção dos estudos foi utilizado o aplicativo Rayyan QCRI(16).
A extração dos dados dos estudos elegíveis, foi realizada mediante utilização de instrumentos de coleta de dados e contempla as seguintes informações: ano de publicação, país, tipo de estudo, nível de evidência, objetivo e principais resultados(17).
Para a classificação da qualidade metodológica foi realizada por meio da ferramenta AXIS para avaliação de estudos observacionais. Esta ferramenta foi desenvolvida pelos autores(18), uma ferramenta de avaliação de 20 itens que permite aos revisores avaliarem o rigor metodológico dos estudos. Após essa análise, os estudos foram classificados por nível de evidência será realizada por meio da classificação das evidências nos seguintes níveis: Nível I – revisão sistemática ou metanálise de ensaios clínicos randomizados controlados; Nível II – ensaios clínicos randomizados controlados bem delineados; Nível III – ensaios clínicos bem delineados sem randomização; Nível IV – estudos de coorte e de caso-controle bem delineados; Nível V – revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; Nível VI – estudo descritivo ou qualitativo e Nível VII – opinião de autoridades e/ou relatórios(19).
Os dados foram analisados de forma descritiva, empregando-se o critério de similaridade semântica para guiar a síntese dos resultados. A partir dessa análise, o conhecimento foi sintetizado em duas categorias: 1-repercussão da VPI na saúde da mulher e, 2-consequências da VPI na saúde do concepto.
Foi utilizado o fluxograma PRISMA(20) para nortear os artigos incluídos e excluídos diante das etapas, sendo os resultados dos artigos escolhidos para revisão integrativa apresentados em uma tabela com autor, ano de publicação, título, periódico, país de realização do estudo, métodos e resultados.
RESULTADOS
Foram identificados 321 artigos e, após a análise de título, resumo e aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram pré-selecionados 86 artigos para a leitura na íntegra. Entre os 86 artigos analisados, 21 foram incluídos na amostra final desta revisão, conforme explicita o fluxograma PRISMA(20) abaixo (Figura 1):
Figura 1 - Fluxograma do processo de seleção dos artigos da revisão integrativa. Imperatriz, MA, Brasil, 2022.
O quadro 3 apresenta a síntese dos artigos incluídos. Notou-se um predomínio de publicações no ano de 2020 (n=6; 28,57%), em sua totalidade estão no idioma inglês (n=21; 100%), com a maior parte das publicações realizadas na Etiópia (n=3;14,4%) e indexação na PUBMED (n=16; 76,19%). No que tange ao tipo de estudo, foi observado que a maior parte das publicações eram estudos transversais, mas também foi observado a presença de estudos de coorte e caso controle. Sobre o nível de evidência, concentrou-se estudos em nível VI.
Quadro 3 - Síntese dos artigos incluídos de acordo com título, autores, ano, metodologia, país e periódico, Imperatriz, Maranhão, 2022
TÍTULO |
ANO |
MÉTODOS |
NE* |
PAÍS |
BASE |
|
A1 (21) |
Utilization of maternal healthcare services in women experiencing spousal violence in Pakistan: A comparative analysis of 2012-13 and 2017-18 Pakistan Demographic Health Surveys |
2020 |
Transversal, quantitativa |
VI |
Paquistão |
Medline/PUBMED |
A2(22) |
Exploring the associations between intimate partner violence victimization during pregnancy and delayed entry into prenatal care: Evidence from a population-based study in Bangladesh
|
2017 |
Pesquisa transversal, exploratória. |
VI |
Bangladesh |
Medline/PUBMED |
A3(23) |
Intimate partner violence and utilization of reproductive and maternal health services in Cambodia
|
2019 |
Pesquisa documental, exploratória. |
IV |
Camboja |
Medline/PUBMED |
A4(24) |
Maternal outcomes associated to psychological and physical intimate partner violence during pregnancy: A cohort study and multivariate analysis
|
2019 |
Pesquisa documental. |
IV |
Espanha |
Web of Science |
A5(25) |
Intimate Partner Violence Around the Time of Pregnancy and Utilization of WIC Services
|
2019 |
Pesquisa transversal de uma coorte. |
IV |
Estados Unidos da América |
Medline/PUBMED |
A6(26) |
Intimate partner violence and health outcomes experienced by women who are pregnant: a cross-sectional survey in Sanma Province, Vanuatu
|
2021 |
Pesquisa qualitativa, exploratório. |
V |
Australia |
Web of Science |
A7(27) |
Emotional violence and maternal mental health: a qualitative study among women in northern Vietnam
|
2018 |
Pesquisa documental, exploratória. |
VI |
Vietnã |
Medline/PUBMED |
A8(28) |
Married women’s experiences of intimate partner violence and utilization of antenatal health care in Togo
|
2020 |
Pesquisa qualitativa, exploratória. |
VI |
Togo |
Medline/PUBMED |
A9(29) |
Pre-Pregnancy Intimate Partner Violence and Short Interbirth Interval: The Role of Insurance Status
|
2021 |
Estudo quantitativo, exploratório. |
VI |
Estados Unidos da América |
Medline/PUBMED |
A10(30) |
Intimate partner violence and severe acute maternal morbidity in the intensive care unit: A case-control study in Peru
|
2020 |
Caso-controle |
IV |
Peru |
Medline/PUBMED |
A11(31) |
Intimate partner violence during pregnancy and use of antenatal care among rural women in southern Terai of Nepal
|
2018 |
Pesquisa transversal, exploratório. |
VI |
Nepal |
Medline/PUBMED |
A12(32) |
Intimate partner violence during pregnancy and risk of still birth in hospitals of Tigray region Ethiopia |
2020 |
Estudo transversal |
VI |
Etiópia |
Web of Science |
A13(33) |
Verbal abuse during pregnancy increases frequency of newborn hearing screening referral: The Japan Environment and Children's Study |
2019 |
Coorte |
IV |
Japão |
Medline/PUBMED |
A14 (34) |
Association between intimate partner violence and child nutrition in India: Findings from recent National Family Health Survey |
Transversal |
VI |
Índia |
Web of Science |
|
A15(35) |
The association between intimate partner violence and low birth weight and preterm delivery in eastern Ethiopia: Findings from a facility-based study |
2021 |
Transversal |
VI |
Etiópia |
Medline/PUBMED |
A16(36) |
Maternal Exposure to Intimate Partner Violence and Child Immunisation: Insights from a Population-based Study in India |
2021 |
Transversal |
VI |
Índia |
Web of Science |
A17(37) |
Association between violence during pregnancy and preterm birth and low birth weight in Colombia: Analysis of the demographic and health survey |
|
Transversal |
VI |
Colômbia |
PUBMED |
A18(38) |
Effect of intimate partner violence on birth outcomes |
Transversal |
VI |
Etiópia |
Medline/PUBMED |
|
A19 (39) |
Psychologic intimate partner violence and the risk of intrauterine growth restriction in Rio de Janeiro |
|
Transversal |
VI |
Brasil |
Medline/PUBMED |
A20 (40) |
Neonatal, infant, and child mortality among women exposed to intimate partner violence in East Africa: a multi-country analysis |
|
Transversal |
VI |
Burundi, Quênia, Ruanda, Tanzânia e Uganda |
Medline/PUBMED |
A21(41) |
Recurrent Violence, Violence with Complications, and Intimate Partner Violence Against Pregnant Women and Breastfeeding Duration |
|
Coorte |
IV |
Brasil |
Medline/PUBMED |
Legenda: *EV- Nível de evidência
Os objetivos dos estudos permearam em explorar, comparar ou examinar associações entre VPI e aleitamento materno prejudicado, depressão pós-parto, ideias suicidas, parto prematuro, imunização, testes de triagem neonatal, pré-natal inadequado e a necessidade de suplementação do binômio mãe e filhos, isto é, em analisar o impacto da VPI na gestação para a saúde materna ou do bebê e ainda o impacto na relação desse binômio(21-41)(Quadro 4).
Quadro 4 - Artigos utilizados de acordo com objetivo e resultados. Imperatriz, Maranhão, 2022
OBJETIVOS |
RESULTADOS |
|
A1 (21) |
Comparar os dados das duas últimas pesquisas demográficas de saúde do Paquistão para identificar tendências na prevalência de várias formas de violência conjugal e utilização de cuidados de saúde maternos e determinar o papel preditivo da violência conjugal na saúde materna precária. |
Quase um quarto das mulheres sofreu violência física e emocional, conforme revelado por ambas as pesquisas. A análise binária revelou que todas as formas de violência conjugal se associam significativamente às variáveis de saúde materna. |
A2(22) |
Explorar a influência da vivência de VPI durante a gravidez no atraso da entrada no pré-natal; e se a autonomia decisória da mulher e o apoio aos papéis tradicionais de gênero atuam para mediar ou moderar a relação entre VPI e atraso na entrada no pré-natal. |
Quase 70% das mulheres pesquisadas relataram padrões compatíveis com atraso na entrada no pré-natal. Considerando a influência de outras covariáveis, as mulheres que sofreram VPI física durante a gravidez foram 2,61 vezes mais propensas (IC 95% [1,33, 5,09]) a ter entrada atrasada no pré-natal do que suas contrapartes que não relataram VPI física. Nem a vitimização sexual nem psicológica da VPI durante a gravidez foi associada à entrada tardia no pré-natal. Tanto as atitudes de gênero quanto os níveis de autonomia mediam o efeito da VPI no pré-natal. |
A3(23) |
Explorar uma associação entre mulheres que sofrem VPI ao longo da vida e a tomada de decisões das mulheres com a utilização de serviços de saúde reprodutiva e materna no Camboja. |
Os resultados evidenciam que a violência emocional teve impacto significativo no recebimento de cuidados pré-natais (ANC) suficientes (OR: 0,7, IC 95%: 0,43–0,86), enquanto a violência física teve associação significativa com parto com assistência qualificada ao parto (SBA) (OR: 0,5, IC 95%: 0,27-0,79). Além disso, a participação das mulheres na tomada de decisões domésticas desempenhou um fator importante para permitir que as mulheres vivessem Cuidado Pré-Natal suficiente (OR: 1,7, IC 95%: 1,19–2,29) e utilização de método anticoncepcional moderno (OR: 1,5, IC 95%: 1,09–1,97 ). |
A4(24) |
Avaliar se a experiência de violência psicológica e física por parceiro íntimo afeta negativamente os resultados da gravidez. |
A taxa de resposta foi de 92,2%. A VPI psicológica, relatada por 21,0% (n = 151), foi significativamente associada à infecção do trato urinário (127 (23%) vs 56 (37%); AOR = 1,9; IC 95% = 1,2-3,0), infecção vaginal (30 (5%) vs 20 (13%); AOR = 2,4; IC 95% = 1,2-4,7) e trabalho de parto prematuro espontâneo (32 (6%) vs 19 (13%); AOR = 2,2; IC 95% = 1,1- 4.5). A VPI física, relatada por 3,6% (n = 26), foi associada a internações pré-natais (134 (19%) vs 11 (42%); AOR = 2,6; IC 95% = 1,0-7,1). A falta de apoio familiar foi associada ao trabalho de parto prematuro espontâneo (AOR = 4,7; IC 95% = 1,7-12,8). Mães com VPI têm maiores chances de complicações, Obstetras, ginecologistas e parteiras. |
A5(25) |
Determinar se as participantes do women, infants, and children (WIC) são mais propensas do que as participantes não-WIC a terem relatado VPI antes ou durante a gravidez nos Estados Unidos. |
Quase metade da amostra do estudo recebeu WIC (48,1%), aproximadamente 4% das mulheres relataram abuso físico 12 meses antes da gravidez mais recente e 3% relataram abuso durante a gravidez. Após o ajuste para fatores de confusão, as mulheres que relataram VPI antes e durante a gravidez tiveram chances significativamente maiores de utilização de WIC em comparação com as mulheres que não relataram VPI. |
A6(26) |
Descrever a associação entre as experiências de violência perpetrada por seu parceiro íntimo (VPI) durante a gravidez de mulheres ni-Vanuatu e os resultados de saúde, incluindo saúde geral autorrelatada, atendimento pré-natal, sofrimento psicológico e pensamentos/comportamentos suicidas. |
192 mulheres contribuíram com dados, entre as quais 188 responderam às perguntas sobre VPI. Destas, 80 mulheres experimentaram alguma forma de VPI durante a gravidez atual. |
A7(27) |
Explorar as experiências de violência emocional por parte de mulheres vietnamitas e suas percepções das implicações de tal violência para sua saúde mental. |
As mulheres descreveram a violência emocional do parceiro como um grande estressor da vida. Seus relatos apontaram para três dimensões particularmente significativas da violência emocional: ser ignorada pelo marido; sendo negado apoio; e ser exposto a comportamentos controladores. Essas experiências afetaram profundamente a sensação de bem-estar das mulheres, causando tristeza e angústia. Os relatos das mulheres indicaram que as experiências de violência emocional foram significativamente moldadas por arranjos de parentesco dominantes: práticas de residência patrilocal e princípios de descendência patrilinear tendiam a agravar as vulnerabilidades das mulheres à violência conjugal. |
A8(28) |
Explorar a relação entre VPI e uso de cuidados pré-natais no contexto togolês |
No nível bivariado, as mulheres que sofreram alguma forma de VPI eram menos propensas a atender a todos os indicadores de utilização de cuidado pré-natais, exceto que a relação entre o momento da primeira consulta e a violência sexual não foi estatisticamente significativa. Algumas dessas associações foram atenuadas quando controlamos variáveis socioeconômicas como escolaridade e riqueza familiar. |
A9(29) |
Examina a relação entre VPI pré-gestacional e IBI curto, e se o status do seguro modera essa relação entre mulheres multíparas que responderam à pesquisa do Sistema de Monitoramento de Avaliação de Risco de Gravidez de 2009-2011 (N= 13.675). |
Os achados deste estudo reforçam a evidência de que as mulheres que sofrem VPI antes da gravidez são significativamente mais propensas a ter Intervalo curto entre partos curta em comparação com as mulheres que não sofreram VPI antes da gravidez. |
A10(30) |
Investigar a relação entre VPI e morbidade materna aguda grave em unidade de terapia intensiva (UTI) e desfechos neonatais. |
Houve uma taxa significativamente maior de VPI antes e durante a gravidez entre os casos (58,7%) do que os controles (27,5%). |
A11(31) |
Explorar o impacto da VPI na utilização de serviços de cuidados pré-natais no sul do Terai do Nepal. |
Entre 426 gestantes, quase três em cada dez mulheres (28,9%) foram expostas à VPI em algum momento da gravidez. |
A12(32) |
Avaliar a VPI durante a gravidez e sua associação com natimortos entre puérperas em hospitais na região de Tigray, na Etiópia. |
A prevalência de natimortos foi de 3,6% na população deste estudo. Houve associação estatisticamente significativa entre a exposição à VPI durante a gravidez e o parto. Gestantes que foram expostas à VPI durante a gravidez tiveram três vezes mais chances de dar à luz natimorto 3,3 (IC 95%: 1,1–9,7) em comparação com aquelas que não foram expostas. Outro fator importante associado ao natimorto foi o baixo peso ao nascer 16,7 (IC 95%,6–46). |
A13(33) |
Examinar a relação entre o abuso verbal do parceiro íntimo durante a gravidez e o encaminhamento da triagem auditiva neonatal , que indica função auditiva imatura ou prejudicada. |
Das 79.985 gestantes, 10.786 (13,5%) sofreram abuso verbal e 978 (1,2%) sofreram abuso físico. Dos 79.985 recém-nascidos, 787 (0,98%) receberam encaminhamento do serviço de triagem auditiva. O abuso verbal foi significativamente associado ao encaminhamento (razão de chances ajustada: 1,44; intervalo de confiança de 95%: 1,05–1,98). |
A14 (34) |
Examinar a associação entre a experiência materna de VPI e o estado nutricional infantil na Índia usando a última rodada da Pesquisa Nacional de Saúde da Família (2015–2016) |
A análise bruta revela que a experiência materna de violência foi associada a uma maior probabilidade de atraso no crescimento, baixo peso e emaciação em comparação com aquelas que não sofreram violência conjugal. As chances de atraso no crescimento, baixo peso e perda de peso permaneceram significativas, mesmo após o controle das variáveis de assistência à maternidade e resultado do parto. |
A15(35) |
Determinar as associações entre VPI durante a gravidez e baixo peso ao nascer e parto prematuro entre mulheres que deram à luz em hospitais públicos na região de Harari, leste da Etiópia. |
mulheres que sofreram alguma VPI durante a gravidez foram 1,62 vezes (AOR = 1,62, IC 95% = 1,22, 2,78) mais propensas a dar à luz prematuramente e 1,37 vezes (AOR = 1,37, IC 95% = 1,73), 2,57) mais propensas a ter um bebê com baixo peso ao nascer em relação às mulheres que não sofreram VPI durante a gravidez. |
A16(36) |
Examinar a associação entre a exposição materna à VPI e a imunização infantil na Índia |
A VPI emocional foi significativamente associada a uma menor probabilidade de imunização completa (razão de chances ajustada [AOR]: 0,74, intervalo de confiança de 95% [IC]: 0,61–0,90) entre as crianças. No entanto, a VPI física e sexual não teve associação significativa com o estado de imunização infantil na análise ajustada. |
A17(37) |
Explorar a associação entre baixo peso ao nascer e parto prematuro com violência durante a gravidez |
Não houve associação entre violência e baixo peso ao nascer. No entanto, observou-se associação com parto prematuro em mulheres com mais de 35 anos (OR 1,98, IC 95% 1,23, 3,17). O pré-natal mostrou-se fator de proteção para ambos os desfechos. |
A18(38) |
Determinar a associação entre VPI durante a gravidez e resultados adversos no parto. |
Indicou-se associação de VPI com baixo peso ao nascer do recém-nascido (AOR:14,3,95% IC: (5,03, 40,7).A VPI não foi associada a natimorto, parto prematuro e Apgar menor que 7 aos 5 minutos. |
A19 (39) |
Avaliar se a violência psicológica por parceiro íntimo durante a gravidez é um fator de risco para restrição de crescimento intrauterino |
A VPI psicológica durante a gravidez foi relatada por 665 mulheres (82,1%) e 126 recém-nascidos (15,6%) apresentaram restrição de crescimento. No modelo final, cada aumento de 1 unidade no escore psicológico de VPI durante a gravidez levou a um risco 15% maior de crescimento intrauterino restrito ao nascimento (razão de chances de 1,15; P <0,001). |
A20 (40) |
Examinar as associações entre VPI entre mulheres da África Oriental e risco de morte entre seus recém-nascidos, bebês e crianças, bem como variáveis relacionadas. |
Crianças nascidas de mulheres que sofreram VPI foram significativamente mais propensas a morrer como recém-nascidos (aOR = 1,3, intervalo de confiança de 95% [IC]: 1,4-2,2) e bebês (aOR = 1,9, 95% CI: 1,6-2,2), e eles eram mais propensos a morrer aos cinco anos de idade (aOR = 1,5, IC 95%: 1,01-1,55). |
A21(41) |
Verificar se a violência recorrente, a violência com complicações na gravidez e a VPI contra a gestante estão associadas à menor duração do aleitamento materno exclusivo até o 6º mês do bebê e do aleitamento materno até o 12º mês de vida. |
Risco de uma criança não ser amamentada nos primeiros 12 meses de vida aumentou em casos de violência antes/durante a gravidez (intervalo de confiança [IC] 95% =1,03-1,88), violência psicológica/física/sexual recorrente durante a gravidez (95% IC = 1,11-1,92), violência psicológica recorrente (IC 95% = 1,05-1,96) e violência física/sexual recorrente (IC 95% = 1,01-2,39). A violência com complicações na gravidez (IC 95% = 0,94-2,22) não esteve associada à interrupção da amamentação. Riscos semelhantes de interrupção do aleitamento materno foram observados para VPI (IC 95% = 0,96-1,87) e violência perpetrada por outros membros da família (IC 95% = 0,83-1,89). |
Fonte: Autores, 2022
DISCUSSÃO
Para um melhor entendimento dos resultados achados foram divididos em 2 subtópicos acerca da VPI repercussão na saúde da mulher e do concepto.
Repercussão da VPI na saúde da mulher
A literatura evidencia que mulheres expostas a VPI no período gestacional, apresenta impactos na saúde global, ginecológica e na saúde mental(26,27,30).
Depressão, transtorno de ansiedade generalizada, estresse pós-traumático, pensamentos e tentativas de suicídio e uso de substâncias psicoativas, principalmente o álcool, são os prejuízos emocionais mais comuns decorrentes da VPI para a saúde da mulher, quando esse evento acontece no período gestacional. Além disso, o esgotamento emocional e a dissociação de personalidade têm sido observados como forma de sobrevivência psicológica em episódios violentos frequentes ou situações prolongadas, levando a comportamentos "alienados" durante e após a agressão(25,29).
Mulheres que sofrem VPI na gravidez são mais propensas do que aquelas que não sofreram a relatar pior saúde geral (ORa: 2,97, IC 95%: 1,42- 6,22), apresentando 4,77 vezes mais chances de terem níveis mais altos de sofrimento psicológico e de apresentarem 3,78 vezes maiores chances de terem pensamentos e/ou comportamentos suicidas (ORa:1,98, IC95%:0,69–5,64)(26). Em Hanói, Vietnã, estudo realizado entre 2014 e 2015, com mulheres grávidas e puérperas, apontou que as experiências de violência emocional afetaram profundamente a sensação de bem-estar das mulheres, causando tristeza e angústia(27).
O impacto psicológico da VPI pode levar a dificuldades cognitivas na compreensão e reconhecimento de situações abusivas, por exemplo, quando ocorrem ao longo da vida. A falta de apoio do parceiro quando ele é o pai e agressor do bebê está associada a altos níveis de estresse e diferentes tipos de abuso nas gestantes, incluindo problemas emocionais como luto, isolamento, solidão e fraqueza(23,28,31).
A saúde ginecológica e obstétrica materna também é afetada pela exposição a VPI, conforme o evidenciado pela literatura(5,24). Uma coorte realizada em Andaluzia, Espanha, em 2009, com 779 mães, objetivando avaliar se a experiência de violência psicológica e física por parceiro íntimo afeta negativamente os resultados da gravidez, evidenciou que mulheres vítimas de VPI psicológica na gestação apresentaram 1,9 vezes mais chances de terem infecção no trato urinário, são 2,4 vezes mais suscetíveis a infecções vaginais e a parto prematuro espontâneo (ORa = 2,2; IC 95% = 1,1– 4.5) (24).
Por outro lado, as expostas a violência física foram 2,6 vezes mais vulneráveis a internações pré-natais(24). Além disso, estudo realizado em um hospital terciário em Lima no Peru, com 218 participantes, entre 2015 e 2016, constatou que a exposição a VPI aumentou em quatro vezes a probabilidade morbidade materna aguda(30).
A VCM parece caracterizar-se como um grave problema social, considerado um problema de saúde pública, com importantes implicações para o bem-estar, qualidade de vida e saúde global das mulheres e consequentemente dos seus filhos(26). Dessa forma, à medida que ocorra a mitigação dos episódios de violência nesse período do ciclo de vida reprodutivo da mulher, a qualidade de vida das mulheres e dos bebês serão impactadas positivamente(21).
A violência entre parceiros íntimos durante a gravidez ainda está associada à baixa utilização dos serviços de atenção pré-natal(21,22,28,30,31,42). Um estudo que buscou analisar a associação entre VPI e utilização de cuidados de saúde materna, usando um conjunto de dados compilando todas as Pesquisas Demográficas e de Saúde que relatam dados sobre VPI. Usando dados de 166.685 mulheres observadas em 36 países entre 2005 e 2016, observou que houve uma diminuição dos serviços de saúde materno com baixos percentuais de comparecimento as consultas pré-natais(42).
Estudo conduzido no Nepal, com 426 gestante no segundo trimestre, identificou que as gestantes que foram expostas à VPI apresentaram menor probabilidade de registrar-se no pré-natal (OR 0,31; IC 95% (0,08–0,50)(31). A baixa adesão as consultas pré-natais também foi observada no Peru, onde mulheres vítimas de VPI no período gravídico tiveram 2,78 vezes mais chances de comparecerem a oito consultas pré-natais ou menos(30). Resultados convergente foram observados no Togo, África Ocidental(28), em Bangladesh, no sul da Ásia(22) e no Paquistão, na Ásia Meridional(21). Divergindo desses resultados, um estudo conduzido na Provincial do Norte, Vanuatu, de maio a julho de 2019, constatou que o atendimento tardio de pré-natal em mulheres vítimas de VPI na gestação foi generalizado e não apresentou relação com a experiência de VPI nesse período(26).
Por outro lado, uma análise da VPI na época da gravidez e utilização dos serviços de nutrição suplementar para mulheres, bebês e crianças de baixa renda, nos Estados Unidos, evidenciou as mulheres que relataram VPI antes e durante a gravidez tiveram chances significativamente maiores de utilização do serviço de suplementação em comparação com as mulheres que não relataram VPI(25).
O não comparecimento das mulheres vítimas de violência nas consultas pré-natais está relacionado aos próprios episódios de violência com acontecimento cotidianos, vergonha das marcas dos traumas físicos, medo de represálias dos parceiros, baixa autoestima, depressão o que acaba colocando em situação de maior vulnerabilidade para problemas relacionado a saúde materna e no concepto(8,12,25,43,44).
Em contrapartida, o apoio social ofertado às mulheres para uma boa assistência pré-natal está associado à diminuição da probabilidade de sofrer VPI durante a gravidez, possivelmente por fornecer medidas de proteção e cuidados à mulher e ao feto, bem como a utilização de outros serviços de apoio a gestante(8,45,46).
Consequências da VPI na saúde do concepto
A VPI na gestação pode desencadear desfechos negativos para a saúde materna e neonatal. As principais consequências da VPI para o desenvolvimento do feto consistem em aborto espontâneo, crescimento intrauterino restrito, parto prematuro, baixo peso ao nascer e morte perinatal, decorrentes, sobretudo, de contusões localizadas na região abdominal(32,34).
Pesquisa conduzida no Paquistão entre 2012 e 2013, mostrou que a experiência de violência física menos grave (OR = 1,26; IC 95%, 1,08–1,47), violência física grave (OR = 1,41; IC 95%, 1,09–1,83), violência sexual (OR = 1,39; IC 95%, 1,02–1,89), violência física durante a gravidez (OR = 1,37; IC 95%, 1,07–1,76) aumentam o risco de interrupção da gravidez. A violência emocional diminui a probabilidade de parto institucional (OR = 0,64; IC 95%, 0,45–0,93) e acima de quatro consultas pré-natais (OR = 0,54; IC 95%, 0,37–0,79)(21). Na Etiópia, estudo conduzido no período entre 2017 e 2018, com 648 mulheres, evidenciou que gestantes expostas à VPI tiveram três vezes mais chances de dar à luz natimorto em comparação com aquelas que não foram expostas e entre essas, havia o risco 16,7 vezes maior de ser observado a associação entre a natimortalidade e o baixo peso ao nascer(32).
Resultados semelhantes foram observados na Índia e em outro estudo também realizado Etiópia, onde também foi verificado que a experiência materna de violência foi associada a uma maior probabilidade de atraso no crescimento e baixo peso em comparação com aquelas que não sofreram violência conjugal(34,35). Essa associação do baixo peso com a VPI gestacional também foi notada em outros estudos(37,38). De mesmo modo, o atraso no crescimento ou crescimento intrauterino restrito também foi observado em outros estudos nacionais e internacionais(37-39).
Além disso, estudo realizado na África Oriental chama a atenção para um dos impactos mais severos da VPI a mortalidade dos bebês. Realizado em 5 países, esse estudo evidenciou que crianças nascidas de mulheres que sofreram VPI foram significativamente mais propensas a morrer como recém-nascidos e bebês, bem como apresentam 1,5 vezes mais chances de morrerem aos cinco anos de idade(40
A literatura ainda evidencia que vitimização no período gestacional interferem nos resultados das triagens neonatais e imunização dos filhos das mulheres vitimadas. Estudos realizado com mulheres grávidas que vivem em 15 áreas do Japão, entre 2011 e 2014, constatou que o abuso verbal no período gestacional aumentou em 1,44 vezes as chances do encaminhamento dos bebês para o serviço de triagem auditiva neonatal por apresentar função auditiva imatura ou prejudicada(33).
Além disso, a exposição das mulheres à VPI emocional foi significativamente associada a uma menor probabilidade de imunização completa entre as crianças(36). Outro fator que é influenciado pela exposição a violência é o aleitamento materno. Estudo conduzido em São Luís, Maranhão, Brasil, constatou uma menor duração do aleitamento materno até os 12 meses de vida nos casos de violência recorrente(41).
Algumas limitações desta revisão precisam ser consideradas. Primeiro, mesmo levando em consideração que houve seleção de artigos em diferentes bases de dados e sem restrições de idiomas, ocorreu exclusão daqueles com menor qualidade metodológica e publicados antes de 2017, o que pode ter diminuído a amplitude de análise. Segundo análise da associação entre a VPI na gravidez e saúde materna de concepto para além dos impactos apresentando nessa pesquisa ainda são escassos, o que impossibilitou analisar uma gama maior de repercussões nesse binômio. Entretanto, espera-se que o estudo contribua para a compreensão dessas repercussões e para sinalizar os profissionais que realizam o atendimento pré-natal sobre a importância de investigar a exposição a violência no período gravídico e para sensibilizá-los da necessidade de acompanhamento de mães e bebês para a detecção de possíveis problemas de saúde relacionados a essa exposição.
CONCLUSÃO
Os resultados evidenciam que mulheres vítimas de VPI na gravidez apresentam maior vulnerabilidade a sofrimento psicológico, apresentando elevação nos níveis de estresse, tristeza, angústia, transtorno mental comum e ideação suicida. Além disso, são mais suscetíveis a problemas ginecológicos e obstétricos, possuindo maiores chances de apresentarem infecção no trato urinário e infecções vaginais, aumento do risco de internações pré-natais e maiores chances de evoluírem para morbidade materna aguda grave. As evidências ainda demonstram que mulheres vitimadas apresentam baixa adesão nos serviços de atenção pré-natal.
No que se refere a repercussão para o concepto, a exposição a violência está relacionada a chance aumentada de ocorrer aborto espontâneo, crescimento intrauterino restrito, parto prematuro, baixo peso ao nascer, morte perinatal, mortalidade infantil e na infância. Ainda, que a violência materna no período gestacional está associada a baixa adesão a imunização da criança, menor duração do aleitamento materno e com a necessidade de encaminhar a criança para o acompanhamento especializado na triagem neonatal auditiva.
O impacto da VPI em mulheres grávidas e em seus filhos evidencia a importância de uma maior atenção a VPI, pré-natal, parto e puerpério. No entanto, a desigualdade de gênero representa o cerne das possibilidades de romper o ciclo da VPI na gravidez e suas consequências para a saúde do binômio mãe-bebê. A resolução desse problema depende de um conjunto de reformulações sociais, de atuações intersetoriais para empoderar as mulheres, da disponibilidade e facilidade de acesso a condições seguras para que ocorra o rompimento de vínculos com os agressores e dos investimentos em políticas públicas para a atenção aos casos de gravidez em situação de violência durante não apenas o período do pré-natal, uma vez que as consequências da vitimização também serão repercutidas nos períodos após a gravidez.
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Fomento: não há instituição de fomento
Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519