GARANTIA DA QUALIDADE DOS CUIDADOS DE SAÚDE DO DOADOR DE ÓRGÃO PELA ENFERMAGEM

 

QUALITY ASSURANCE OF ORGAN DONOR CARE BY NURSING

 

ASEGURAMIENTO DE LA CALIDAD DE LA ATENCIÓN DE LA SALUD DEL DONANTE DE ÓRGANOS POR PARTE DE ENFERMERÍA


 

Vanessa Silva e SilvaI

Bartira Aguiar RozaII

Priscilla Caroliny de OliveiraIII

Amina Regina SilvaIV

 

I Brock University, Ontario, Canada. ORCID: 0000-0002-0717-2011

 

II Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, São Paulo, Brasil. ORCID: 0000-0002-6445-6846

IIIHospital Moriah. São Paulo, São Paulo, Brasil. ORCID: 0000-0002-5511-1547

 

IVQueen’s University, Kingston, Ontario, Canada. ORCID: 0000-0002-0972-8212

 

 

Autor correspondente

Vanessa Silva e Silva

Endereço: 1812 Sir Isaac Brock Way, EA-3 room 304-B, St. Catharines, ON L2S 3A1

E-mail: vsilvaesilva@brocku.ca

 

Fomento e Agradecimento: Esta pesquisa não foi financiada.

 

 

Submissão: 20-10-2022

Aprovado: 03-03-2023

 

RESUMO

Objetivo: descrever um relato de experiência sobre a análise de uma inconformidade no processo de doação de órgãos e desenvolvimento de uma ferramenta de controle de qualidade das etapas do processo de doação de órgãos. Métodos: estudo descritivo exploratório do tipo relato de experiência. Resultados: A revisão do processo de doação de órgãos identificou que falhas de comunicação verbal e escrita foram a principal causa da inconformidade no processo de doação de órgãos. Como resultado da análise, foi elaborado um documento do tipo um checklist para inclusão no prontuário de futuros potenciais doadores. Conclusões: Este estudo possibilitou a criação de ferramenta de qualidade para controle de falhas no processo de doação de órgãos e tecidos. A disponibilização pública de tal ferramenta possibilitará futuros estudos de implementação e avaliação da eficiência do checklist para prevenir falhas no processo de doação de órgãos no Brasil. 

Palavras-chave: Obtenção de Tecidos e Órgãos; Relações Profissional-Família; Garantia da Qualidade dos Cuidados de Saúde; Enfermagem; Doador de Órgão.  

 

ABSTRACT

Aim: to describe an experience report on the analysis of a nonconformity in the organ donation process and development of a quality improvement tool for the stages of the organ donation process. Methods: exploratory descriptive study with a experience report approach. Results: The review of the organ donation process identified that verbal and written communication failures were the main cause of non-compliance in the organ donation process. As a result of the analysis, a checklist document was createdd for inclusion in the medical records of future potential donors. Conclusions: This study enabled the creation of a quality improvement tool to control failures in the organ and tissue donation process. The public availability of such a tool will enable future implementation studies and evaluation of the checklist's efficiency to prevent failures in the organ donation process in Brazil.

Keywords: Tissue and Organ Procurement; Professional-Family Relations; Quality Assurance; Health Care; Nursing; Organ Donors.

 

RESUMEN

Objetivo: describir un relato de experiencia sobre el análisis de una no conformidad en el proceso de donación de órganos y desarrollo de una herramienta de control de calidad de las etapas del proceso de donación de órganos. Métodos: estudio descriptivo exploratorio del tipo relato de experiencia. Resultados: La revisión del proceso de donación de órganos identificó que las fallas en la comunicación verbal y escrita fueron la principal causa de incumplimiento en el proceso de donación de órganos. Como resultado del análisis se elaboró ​​un documento tipo check-list para su inclusión en la historia clínica de futuros potenciales donantes. Conclusiones: Este estudio permitió la creación de una herramienta de calidad para el control de fallas en el proceso de donación de órganos y tejidos. La disponibilidad pública de tal herramienta permitirá futuros estudios de implementación y evaluación de la eficiencia de la lista de verificación para prevenir fallas en el proceso de donación de órganos en Brasil.

Palabras clave: Obtención de Tejidos Y Órganos; Relaciones Profesional-Familia; Garantía de la Calidad de Atención de Salud; Enfermeria; Donante de Organod.


 

INTRODUÇÃO

A escassez de órgãos é um problema mundial, que afeta diversos países independente do nível econômico e sociocultural(1). Apesar de grandes avanços na área de doação e transplante de órgãos, ainda é possível verificar inúmeras oportunidades de melhorias nos processos. Existem diferentes alternativas para melhorar processos e atender às oportunidades de doação de órgãos que vem despertando o interesse de estudiosos e profissionais. Porém, no sentido de buscar identificar as causas relacionadas a erros e eventos adversos na área da saúde, é recomendado a análise de práticas através do uso de ferramentas de melhoria da qualidade, para assim culminar com aumento da eficácia e eficiência dos processos(2,3).

A utilização de ferramentas da qualidade para melhoria de processos na área da saúde é considerada uma prática consolidada(4). Porém, em alguns nichos emergentes, como nos programas de doação de órgãos, tal prática ainda se encontra em processo de desenvolvimento. A despeito do Brasil ter destaque no cenário nesta área, com o maior programa público de transplantes no mundo, poucas iniciativas têm sido implementadas com o foco na melhoria contínua do processo de doação de órgãos para transplantes(5).

Adicionalmente, estudos conduzidos em diferentes serviços de doação de órgãos demonstraram que uma das causas da escassez de órgãos para transplante é a recusa familiar à doação de órgãos e tecidos(6). As intervenções que visam reduzir as taxas de recusa são complexas e muitas vezes envolvem questões culturais e religiosas, com poucos resultados visíveis em curto e médio prazo.  No entanto, pesquisas recentes relatam uma causa na qual os profissionais de saúde podem intervir: inconformidades no processo de doação de órgãos(6).  Entende-se por inconformidades no processo de doação de órgãos intercorrências relacionadas ao tempo do processo, qualidade do atendimento prestado e competência técnica da equipe de saúde. Portanto, coordenadores de doação de órgãos devem estar atentos à todas as etapas do processo para redução de falhas, atrasos, ou danos diretos e indiretos aos envolvidos no processo, respeitando sempre os princípios legais e éticos preconizados em nossa sociedade no tangente à doação de órgãos e tecidos para transplante.

Quando inevitáveis, as falhas e erros na área da saúde devem ser estudados para identificação de melhorias a serem implementadas no sistema/programa de saúde em questão, para assim assegurar a redução da probabilidade de ocorrência de eventos similares no futuro. Portanto, ferramentas de qualidade podem auxiliar na intervenção efetiva dos processos faltosos. Ferramentas de qualidade podem ser definidas como ferramentas ou estratégias simples e autônomas para aprimorar processos, reduzir o risco de erros, diminuir custos e melhorar os resultados e a segurança do paciente(2,3). Exemplos de ferramentas de qualidade incluem Método PDCA, Diagrama de Pareto, Fluxograma, Diagrama de controle, Folha de verificação, Checklists, Histograma, Brainstorming e outros. Tais ferramentas são empregadas na implantação e consolidação do processo de gestão de qualidade e produtividade no setor da saúde e são utilizadas com a finalidade de definir, avaliar, mensurar, e propor soluções para as questões que interferem no bom desempenho dos processos de trabalho.

 

OBJETIVO

Descrever um relato de experiência sobre a análise de uma inconformidade no processo de doação de órgãos e desenvolvimento de uma ferramenta de controle de qualidade das etapas do processo de doação de órgãos.

 

MÉTODOS

Estudo descritivo exploratório do tipo relato de experiência onde utilizou-se o estudo de caso instrumental proposto por Robert Yin, assim como o diagrama de Ishikawa e a técnica de brainstorming, para analisar uma inconformidade na doação de órgãos e propor uma ferramenta de qualidade na melhoria do processo(7). O estudo de caso proposto por Robert Yin permite uma visão geral sobre determinado fato, sendo uma análise empírica de acontecimentos do presente no contexto da realidade vivida. Adicionalmente, dentre as categorias de estudo de caso, nós focamos especificamente no modelo de estudo de caso instrumental, isto devido ao fato de que neste modelo existe um interesse voltado ao caso não como uma situação concreta, mas com a visão de que este pode auxiliar na compreensão de um assunto mais amplo. O que pode servir de intermédio para fornecer conhecimentos que podem modificar um campo, área ou processo(7).

Complementar a utilização do estudo de caso, também utilizamos o diagrama de Ishikawa e o brainstorming para analisar a inconformidade. O diagrama de Ishikawa ou diagrama de causa e efeito, foi escolhido pois este tem como objetivo identificar possíveis causas do problema e determinar a relação entre as causas e seus respectivos efeitos. Enquanto o brainstorming é uma técnica que tem como intuito a criação de ideias advindas de um grupo de pessoas para resolver em um problema específico. Após as análises serem completadas, os resultados obtidos no processo de problematização, juntamente com a experiência das pesquisadoras, informaram o desenvolvimento do checklist como uma ferramenta de qualidade para a melhoria do processo de doação de órgãos.

 

RESULTADOS

Os resultados deste relato de experiência serão divididos em: descrição da inconformidade, análise da inconformidade, e desenvolvimento da checklist para melhoria do processo. Por meio destas três categorias descrevemos as diferentes etapas da análise do caso e do desenvolvimento do checklist. Adicionalmente, algumas das informações descritas a seguir foram alteradas visando preservar a identidade dos participantes envolvidos.

 

 

Descrição da Inconformidade

Paciente do sexo masculino de meia idade foi admitido em um pronto-socorro do sistema público de saúde com diagnóstico de síndrome coronariana aguda (SCA), onde ele evoluiu com rebaixamento do nível de consciência (nível 3 na escala de coma de Glasgow-ECG) e foi transferido para a unidade de terapia intensiva onde ele foi monitorado pela equipe intensiva e pelo coordenador de doação de órgãos (CDO) da Comissão Intra-hospitalar de Transplante (CIHDOTT), uma vez que o CDO acompanha todos os pacientes em ECG 3 para monitoramento de sua evolução clínica (CIHDOTT – portaria GM n° 2.600). Após todos os requeridos exames e testes no paciente, foi evidenciado ausência de função circulatória, metabólica e elétrica encefálica, sendo assim confirmado o óbito do paciente. Foi realizado acolhimento familiar pelo CDO onde após todas as orientações sobre o processo de doação de órgãos e consulta a outros familiares a doação foi formalmente consentida. Sendo assim, a Organização de Procura de Órgãos (OPO) foi notificada, fez o processo de avaliação clínica e laboratorial concluindo que o paciente estava apto para doação e agendou a cirurgia de retirada dos órgãos.

O CDO sempre acompanhava todos os casos de doadores de órgãos do hospital de perto desde a abertura do protocolo de morte encefálica até a finalização da cirurgia com a entrega do corpo à família. Porém, o CDO estava acompanhando dois processos de doação simultâneos por 30 horas ininterruptas, e necessitava descansar. O CDO contatou a OPO que garantiu estar presente durante as etapas restantes do processo de doação (retirada de órgãos e entrega de corpo para a família). A cirurgia de retirada de múltiplos órgãos transcorreu sem intercorrências e ao final do procedimento a equipe da OPO e os cirurgiões deixaram o hospital, e a OPO informou os familiares sobre o término da cirurgia por telefone, mas não os encontrou após o ato cirúrgico. O circulante de sala presente ao término da cirurgia não validou a informação quanto ao tipo de encaminhamento do falecido (IML/funerária) e concluiu que o mesmo iria para o IML não realizando, portanto, os procedimentos relativos ao preparo do corpo (higienização e tamponamento), apenas fixou a mandíbula com atadura de crepe e encaminhou o doador ao necrotério do hospital.

A família que havia sido comunicada pela OPO para comparecer ao hospital e proceder com a liberação do corpo, assim o fez. No momento do reconhecimento do corpo notaram que seu familiar apresentava péssimas condições de higiene, e que não houve o preparo adequado do corpo parra o enterro. Infelizmente, os familiares apenas contataram o CDO após o enterro do doador e contaram que pagaram a preparação de corpo para a funerária e prosseguiram com o enterro, pois o processo todo havia sido muito longo. O CDO buscou acolher a queixa fundamentada da família da melhor maneira possível oferecendo apoio psicológico e procurou recursos no hospital para evitar futuros erros.

Análise da Inconformidade

Para análise da inconformidade no processo de doação de órgãos utilizamos o modelo estudo de caso, descrito por Robert Yin e ferramentas de controle de qualidade para o processo de problematização (Diagrama de Ishikawa e o Brainstorming).

Sendo assim, a partir da notificação do evento, a CIHDOTT convocou uma reunião extraordinária para discutir entre os membros da comissão a sequência de eventos que culminou com a falha no preparo do corpo do doador após a extração dos órgãos. Os membros da CIHDOTT eram os profissionais envolvidos com as etapas do processo de doação, desde a identificação do possível doador até a cirurgia de retirada de órgãos. Nesse primeiro encontro, foi possível construir a cadeia de valor interna baseada nas principais etapas que constituem o processo de doação na instituição relacionadas aos respectivos responsáveis por cada etapa.

A partir dessa reunião, profissionais responsáveis pela da Unidade de Terapia Intensiva, Centro Cirúrgico, CIHDOTT e do necrotério foram consultados. Buscou-se compreender a comunicação formal e informal relacionada ao processo de doação para a construção do fluxo do processo de doação no hospital com foco na comunicação entre as diferentes áreas envolvidas e que de alguma forma exerciam um papel relevante durante a jornada do doador na instituição. Concomitantemente, foram analisados os documentos do processo de doação na instituição (prontuário e outros dos documentos de registro da UTI, Centro Cirúrgico e da CIHDOTT). O objetivo dessa investigação foi identificar as evidências registradas em documentos oficiais e correlacionar ao relato dos profissionais envolvidos.

Baseados nos relatos dos profissionais e na análise dos registros disponíveis, foi possível construir o diagrama de causa e efeito (figura 1).  Essa avaliação revelou incongruências entre o processo descrito e o executado e também evidenciou possíveis pontos de melhoria que poderiam ser trabalhados para que falhas semelhantes fossem evitadas no futuro. De uma maneira geral, identificou-se que os processos de comunicação, seja verbal ou documental, entre os diversos atores do processo de doação estavam enfraquecidos e ocasionaram o problema descrito.

Os membros da CIHDOTT juntamente com o CDO analisaram o diagrama de causa e efeito e como o maior problema foi a falha de comunicação entre as etapas dos processos, foi proposta a elaboração de um instrumento de verificação do processo de doação (checklist) com o objetivo de mitigar a reincidência de falhas no processo dessa natureza.


 

Figura 1 – Diagrama de causa e efeito – São Paulo, Brasil, 2022.

 

Diagram

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Desenvolvimento do Checklist para Melhoria do Processo

Os resultados obtidos no processo de problematização informaram o desenvolvimento do checklist do processo de doação de órgãos (Tabela 1). Tal instrumento baseou-se na experiência dos pesquisadores e as partes envolvidas, na legislação brasileira em doação de órgãos e determinação de morte encefálica, e em protocolos de manutenção do potencial doador baseados em evidência. O checklist foi submetido à avaliação de um grupo de enfermeiros especialistas no processo de doação de órgãos e tecidos e que exerciam a função de CDOs intra-hospitalares em suas instituições de origem. Após análise de conteúdo do instrumento, não foram propostas alterações. O instrumento foi então aplicado durante um processo real de doação de órgãos e tecidos para verificar a funcionalidade e efetividade do instrumento em mitigar possíveis falhas no processo analisado. Após sua aprovação no teste piloto, o checklist foi então aplicado a todos os processos de doação e incorporado no prontuário de todos os potenciais doadores.


 

Tabela 1 – Checklist do Processo de Doação de Órgãos e Tecidos, São Paulo, Brasil, 2022.

Paciente:

Idade:

 

RH:

 

Checklist do processo de doação de órgãos/tecidos (marque com X)

Fase do Processo

itens

Realizado?

 

Notificação de ME

Responsável

Sim

Não

Observações

Convocar os familiares para notícia de gravidade

Equipe Hospital

 

 

 

Conversar com familiar sobre gravidade e teste de ME

Médico

 

 

 

Realizar 1° teste ME

Médico

 

 

 

Comunicar OPO

CIHDOTT

 

 

 

Solicitar exame complementar

OPO

 

 

 

Realizar teste de apneia

Médico

 

 

 

Convocar familiar para exame complementar

Equipe Hospital

 

 

 

Verificar protocolo de ME devidamente preenchido (2 médicos, 2 exames clínicos e exame complementar no tempo proposto)

CIHDOTT, OPO

 

 

 

Preencher encaminhamento de cadáver (Declaração de óbito (DO) ou guia IML)

Médico

 

 

 

Informar familiares sobre o óbito

Médico

 

 

 

Realizar entrevista familiar após notícia de óbito

CIHDOTT, OPO

 

 

 

Doação positiva

Solicitar Tipagem Sanguínea (LOCAL)

Médico

 

 

 

Agendamento de centro cirúrgico/reserva de materiais

Equipe Hospital

 

 

 

Avaliação clínica (dados para OPO)

Dados da Coleta

Coleta de exames conforme as particularidades dos órgãos a serem transplantados

Órgão

Sim

Não

Observações

Coração

 

 

 

Fígado

 

 

 

Rim

 

 

 

Pâncreas

 

 

 

Pulmão

 

 

 

DVA

_________________________ml/h

Hemocultura 2 amostras

_____________ Data: ___/___/___

Urocultura

_____________ Data: ___/___/___

Urina I

_____________ Data: ___/___/___

HMC

_____________ Data: ___/___/___

ATB

_____________ Início: ___/___/___

Débito Urinário e Balanço Hídrico 24h

DU________ml        BH________ml     Data:___/___/____

RX TÓRAX

_____________ Data: ___/___/___

ECG

_____________ Data: ___/___/___

GASOMETRIA FIO2 A 100%

_____________ Data: ___/___/___

Obs:

Prontuário do Paciente para encaminhar ao CC

Responsável

Sim

Não

Observações

Protocolo de ME assinado e carimbado (original) +Gasometrias

CIHDOTT

 

 

 

Termo de doação (original)

CIHDOTT

 

 

 

Termo de entrevista familiar carimbado pelo entrevistador (original)

CIHDOTT

 

 

 

Encaminhamento de cadáver (guia de IML ou atestado de óbito) devidamente preenchido

CIHDOTT

 

 

 

Aviso cirúrgico

Equipe Enfermagem

 

 

 

Encaminhamento do corpo ao necrotério

Responsável

Sim

Não

Observações

Tipo de encaminhamento de óbito

Enfermeiro Hospital

 

 

IML (  )
D.O. (  )

Preparo do corpo: CC= Retirada de todos os dispositivos, higienização do corpo, tamponamento, curativo fechado da incisão cirúrgica

Equipe Enfermagem CC

 

 

 

Acompanhamento da entrega do corpo à família

CIHDOTT, Equipe Hospital

 

 

 

Documentos para encaminhar para internação

Responsável

Sim

Não

Observações

Encaminhamento de cadáver (guia de IML ou atestado de óbito)

Equipe Hospital

 

 

 

Gratuidade funeral carimbado pelo enfermeiro

 OPO,CIHDOTT

 

 

 

 


DISCUSSÃO

Erros e inconformidades na área de saúde não são incomuns, porém muitas vezes elas podem ser evitáveis por meio do uso de ferramentas de qualidade. Ainda assim, quando erros acontecem, os mesmos devem ser analisados de forma a prevenir ocorrências futuras. Portanto, neste relato de experiência, a ocorrência de uma inconformidade no processo de doação de órgãos foi utilizada de forma construtiva gerando melhorias no processo de doação de órgãos e tecidos, com o intuito de evitar ocorrências similares no futuro.

Apesar da previsão da responsabilidade legal da equipe de procura de órgãos sobre a reconstituição condigna do cadáver para devolução aos familiares para que se cumpram as cerimônias fúnebres de acordo com a Lei 9.434 e Decreto 9.175, uma falha no processo culminou em seu não cumprimento no caso apresentado. Tal tipo de falha pode apresentar consequências psicológicas negativas tanto aos familiares que se sentem desrespeitados, quanto aos profissionais que coordenam o processo e se sentem responsáveis pelo ocorrido mesmo não estando diretamente envolvidos na falha(8), além de poderem ser penalizados com detenção de seis meses a dois anos pela falha na reconstituição do corpo conforme na Lei 9.434.

Apesar da irreversibilidade da falha apresentada, há a possibilidade de implementação de medidas de segurança e qualidade para que futuros erros sejam extintos ou minimizados ao máximo. Neste relato de experiência, o caso analisado resultou na identificação de falhas nos registros de enfermagem e na comunicação interprofissional, visto que não foram localizadas nos registros de prontuário informações pertinentes ao processo como verificação de documentos de prontuário. O registro de enfermagem é destacado na literatura como uma ferramenta essencial para a gestão da qualidade dos serviços de saúde, e o mesmo, quando executado corretamente e de maneira completa, pode ajudar a prevenir, avaliar e intervir em eventos adversos e inconformidades na assistência a saúde(9,10).

Para assistência de saúde de qualidade, se faz necessário que haja um entrosamento adequado entre a equipe interprofissional envolvida com o paciente, por meio de comunicação objetiva, específica e contínua de todos os fatos relacionados às atitudes/reações que garantam a manutenção desse elo. Quando a comunicação não ocorre de maneira efetiva e com estabelecimento de respeito mutuo, isso pode gerar barreiras e comportamentos destrutivos que tem um efeito direto e negativo na segurança do paciente(11). O profissional de enfermagem, por sua característica de integralidade na assistência, tem papel fundamental no processo de doação e suas anotações são indispensáveis, como parte da documentação hospitalar prevista na legislação brasileira(12).

O processo de comunicação interprofissional é complexo e pode envolver diferentes aspectos, porém, a comunicação efetiva é apontada como uma ferramenta de qualidade para melhorar não somente a comunicação entre equipes de saúde, mas também a segurança do paciente(13). Assim como pesquisas que adotaram estratégias similares a estratégia exposta neste estudo trouxe resultados positivos referente ao uso de ferramentas de qualidade para melhorar a comunicação entre equipes, qualidade dos processos, segurança do paciente, e diminuir as chances de erros e custos do sistema de saúde(14).

Limitações do Estudo

Uma limitação deste estudo é o fato de que o instrumento foi desenvolvido baseado nos processos de uma instituição especifica que possui um coordenador de doação de órgãos local e experiência das pesquisadoras. O instrumento foi avaliado para funcionalidade e efetividade, porém outras medidas de validação de instrumento não foram aplicadas como a confiabilidade do instrumento pela medida de consistência interna (cronbach alfa), a validade de conteúdo, medidas de estabilidade (ex. teste-reteste) e outras medidas de validade de conteúdo não foram executadas (ex. validade de construto). Portanto para generalização do uso do instrumento se faz necessário revisão e validação do conteúdo de acordo com as necessidades das demais instituições e consideração da presença ou não de coordenador de doação de órgãos localmente.

 

Contribuições para a Área da Saúde

A disponibilização pública da experiência das autoras nesta vivência possibilitará que futuros profissionais e estudiosos possam usar a nossa experiência para auxiliá-los na avaliação construtivas de inconformidades e implementação de ferramentas de qualidades para prevenir falhas e melhorar a assistência de saúde e segurança do paciente. Da mesma forma, a disponibilização da ferramenta criada pode ser utilizada e testada por outros profissionais para melhorar e prevenir erros no processo de doação de órgãos no Brasil. 

 

CONCLUSÕES

Neste relato de experiência, descrevemos uma inconformidade no processo de doação de órgãos e tecidos, e como esse evento foi analisado usando ferramentas e estratégias buscando entender as causas que acabaram por gerar tal acontecimento. Os resultados obtidos no processo de problematização informaram o desenvolvimento de um checklist, como uma ferramenta de qualidade, para melhorar o processo e evitar que futuras falhas ocorram no processo de doação de órgãos e tecidos.

A comunicação é peça chave na condução dos processos de doação e transplante, e assegurar que todas as partes envolvidas no processo estão cientes de suas responsabilidades é de suma importância. Longos processos de doação de órgãos exigem muito da capacidade mental, emocional e física dos CDOs e de todos os profissionais e familiares envolvidos no processo, principalmente por se tratar de algo que exige uma certa agilidade para sua conclusão para que os órgãos doados estejam em boas condições para o transplante. Portanto a utilização de uma ferramenta que auxilie no gerenciamento das etapas necessárias para a conclusão do processo de doação de órgãos é de suma importância, pois auxilia na prevenção de erros devido à potencial falhas humanas. Sugestões para futuros estudos incluem a implementação e do checklist em outras organizações de doação de órgãos do país com mensuração não somente de funcionalidade e efetividade, mas também para validação do instrumento identificando a confiabilidade do instrumento, a validade de conteúdo, medidas de estabilidade. Além disso, a implementação de prontuário digital para gerenciamento de potenciais doadores nas OPOs com integração nos sistemas informatizados dos hospitais facilitaria o gerenciamento de informações e comunicação durante os processos de doação de órgãos e  implementação de ferramentas de qualidade que assegurariam a segurança dos pacientes e familiares durante todo o processo.

Inconformidades na assistência de saúde são acontecimentos rotineiros, ainda assim, muitos poderiam ser evitados através de melhorias no processo. Por isso, se faz importante que quando erros aconteçam, os mesmos sejam analisados de forma construtiva para gerar melhorias na qualidade da assistência, e não devem ser tratados com ações punitivas que possam impactar de forma negativas as partes envolvidas no processo.

 

REFERÊNCIAS

 

1.         Sunjaya AF, Sunjaya AP. Combating donor organ shortage: organ care system prolonging organ storage time and improving the outcome of heart transplantations. Cardiovasc ther [Internet]. 2019 [cited 2021 Jul 02]; (4) 1-7. https://doi.org/10.1155/2019/9482797.

2.         Kramer HS, Drews FA. Checking the lists: A systematic review of electronic checklist use in health care. J Biomed Inform [Internet]. 2017 [cited 2021 Jul 03];71s:S6-s12. https://doi.org/ 10.1016/j.jbi.2016.09.006

3.         Cunha M, Maccarini Tereza D, Souza R, Santos C. Parto Seguro: A percepção de uma equipe de enfermagem no uso do checklist. Rev Interdisciplin Estud em Saúde [Internet]. 2018 [cited 2021 Jul 02];7:303-318. Available from: https://periodicos.uniarp.edu.br/index.php/ries/article/view/1340

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5.         Magalhães ALP, Lanzoni GMM, Knihs NS, Silva EL, AL E. Patient safety in the process of organ and tissue donation and transplant. Cogitare Enferm [Internet]. 2017 [cited 2021 Jul 05];22(2):e4562. 1-5. https://doi.org/10.5380/ce.v22i1.45621

6.         Molina MI, Toro PA, Manzi E, Dávalos D, Torres K, Aristizábal AM, et al. Main causes of family refusal to organ and tissue donation: 10 years of experience in a Latin American centre. Nefrología [Internet]. 2018 [cited 2021 Jul 02];38(2):225-7. https://doi.org/10.1016/j.nefro.2017.05.004

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8.         Mira JJ, Lorenzo S, Carrillo I, Ferrús L, Silvestre C, Astier P, et al. Lessons learned for reducing the negative impact of adverse events on patients, health professionals and healthcare organizations. Int J Qual Health Care [Internet]. 2017 [cited 2021 Jul 04];29(4):450-60. https://doi.org/10.1093/intqhc/mzx056.

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14.       Galdino SV, Reis ÉMB, Santos CB, Soares FP, Lima FS, Caldas JG, et al. Ferramentas de qualidade na gestão dos serviços de saúde: revisão integrativa de literatura. Gestão e Saúde [Internet]. 2016 [cited 2021 Jul 01];(supl.): 1023-57. Available from: https://periodicos.unb.br/index.php/rgs/article/view/22005/15713

 

Contribuição dos autores

Vanessa Silva e Silva. Concepção ou desenho do estudo/pesquisa; análise e/ou interpretação dos dados; revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.

Bartira Aguiar Roza. Análise e/ou interpretação dos dados; revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.

Priscilla Caroliny de Oliveira. Concepção ou desenho do estudo/pesquisa; análise e/ou interpretação dos dados; revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.

Amina Regina Silva. Análise e/ou interpretação dos dados; revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.