ARTIGO ORIGINAL

 

VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA IDOSA E SUPORTE SOCIAL DE PROTEÇÃO E ENFRENTAMENTO

 

VIOLENCE AGAINST THE ELDERLY AND SOCIAL SUPPORT FOR PROTECTION AND COATING

 

VIOLENCIA CONTRA LOS MAYORES Y APOYO SOCIAL PARA PROTECCIÓN Y ABRIGO

 

https://doi.org/10.31011/reaid-2023-v.97-n.3-art.1558 


1José Lindemberg Bezerra da Costa

2Arthur Alexandrino

3Anne Jaquelyne Roque Barrêto

4Waleska de Brito Nunes

5Matheus Figueiredo Nogueira

 

1Enfermeiro, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Cuité - PB. Pós-graduado em Urgência e Emergência, Faculdade Venda Nova do Imigrante. Cuité – PB. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3705-2843

2Enfermeiro, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Cuité - PB. Doutorando em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal - RN. Residente em Saúde Indígena, Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Dourados - MS. Especialista em Enfermagem Gerontológica e Geriátrica, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo - SP. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5817-4335

3Enfermeira, Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva; Programa de Pós-graduação em Enfermagem; Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa – PB. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6852-8480

4Enfermeira, Universidade Federal de Campina Grande; Unidade cadêmica de Enfermagem. Cuité (PB - Brasil. Doutoranda em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3492-1380

5Enfermeiro, Doutor em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal -RN. Professor Adjunto IV do curso de Bacharelado em Enfermagem, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Cuité –PB. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5817-4335

 

Autor correspondente

José Lindemberg Bezerra da Costa

Rua Oswaldo Meuche, nº 119, apartamento n° 501, Bairro Salto do Norte, Blumenau, Santa Catarina - Brasil, CEP: 89.070-210. contato: +55(83) 99925-6675. E-mail: lindembergbcosta@gmail.com

 

RESUMO

Objetivos: Identificar os episódios de violência cometidas contra a pessoa idosa e conhecer as medidas de suporte social buscadas pelas pessoas idosas para o enfrentamento das situações de violência. Metodologia: Estudo exploratório-descritivo de desenho qualitativo realizado na cidade de Araruna, estado da Paraíba, com seis pessoas idosas vítimas de violência. Os dados foram obtidos por meio de entrevista semiestruturada e posteriormente submetidos à técnica da análise de conteúdo. Resultados: Foram    construídas    as    seguintes    categorias: Categoria 1 - Violências sofridas pelas pessoas idosas: evidenciaram-se episódios de violência física, psicológica e financeira, vivenciados principalmente no ambiente intrafamiliar e praticados por algum familiar próximo à vítima; Categoria 2 - O suporte sociofamiliar como mecanismo de proteção à violência: como medidas de suporte, observou-se que as pessoas idosas utilizaram o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) como a principal medida de apoio, a própria família e sociedade, em especial, o apoio dos vizinhos. Considerações finais: A fragilidade das medidas de proteção e controle da violência contra as pessoas idosas suscita o fortalecimento da vigilância à vida e aos seus direitos, integrado a processos de educação sobre as nuances da violência e instrução para denunciar e buscar mecanismos de proteção e suporte social.

Palavras-chave: Idoso. Violência. Violência doméstica. Abuso de Idosos.

 

ABSTRACT

Objectives: To identify the episodes of violence committed against the elderly person and to know the social support measures sought by the elderly to face situations of violence. Methodology: Exploratory-descriptive study of qualitative design carried out in the city of Araruna, state of Paraíba, with six elderly victims of violence. Data were obtained through semi-structured interviews and later submitted to the content analysis technique. Results: The following categories were constructed: Category 1 - Violence suffered by the elderly: episodes of physical, psychological and financial violence were evidenced, experienced mainly in the intra-family environment and practiced by a family member close to the victim; Category 2 - Socio-family support as a mechanism to protect against violence: as support measures, it was observed that the elderly used the Specialized Reference Center for Social Assistance (CREAS) as the main support measure, their own family and society, in particular, the support of neighbors. Final considerations: The fragility of measures to protect and control violence against the elderly raises the strengthening of surveillance of life and their rights, integrated with education processes on the nuances of violence and instruction to denounce and seek protection and support mechanisms social.

Keywords: Aged. Violence. Domestic violence. Elder Abuse.

 

RESUMEN

Objetivos: Identificar los episodios de violencia cometidos contra el anciano y conocer las medidas de apoyo social buscadas por el anciano para enfrentar situaciones de violencia. Metodología: Estudio exploratorio-descriptivo de diseño cualitativo realizado en la ciudad de Araruna, estado de Paraíba, con seis ancianos víctimas de violencia. Los datos fueron obtenidos a través de entrevistas semiestructuradas y posteriormente sometidos a la técnica de análisis de contenido. Resultados: Se construyeron las siguientes categorías: Categoría 1 - Violencia sufrida por el anciano: se evidenciaron episodios de violencia física, psicológica y económica, vividos principalmente en el ámbito intrafamiliar y practicados por un familiar cercano a la víctima; Categoría 2 - Apoyo sociofamiliar como mecanismo de protección contra la violencia: como medidas de apoyo se observó que los adultos mayores utilizaban como principal medida de apoyo el Centro de Referencia Especializado en Asistencia Social (CREAS), su propia familia y la sociedad, en particular , el apoyo de los vecinos. Consideraciones finales: La fragilidad de las medidas de protección y control de la violencia contra las personas mayores plantea el fortalecimiento de la vigilancia de la vida y sus derechos, integrada a procesos de educación sobre los matices de la violencia e instrucción para denunciar y buscar mecanismos de protección y apoyo social.

Palabras clave: Anciano. Violencia. Violencia doméstica. Abuso de Ancianos.


 

Submissão: 03-11-2022

Aprovado: 04-07-2023

 

 

 

 


INTRODUÇÃO

O envelhecimento populacional tornou-se uma realidade no Brasil e no mundo1. Esse cenário está associado ao declínio das taxas de mortalidade e natalidade e o aumento da expectativa de vida2. Os indivíduos envelhecem em meio a um processo contínuo e irreversível ao longo do tempo. Esse processo acarreta mudanças que desencadeiam em dificuldades, vulnerabilidades, declínios funcionais/cognitivos e dificuldades na realização das atividades diárias3.

Um importante agravante do estado de saúde do indivíduo é a violência, definida como qualquer ato que possa gerar sofrimento, lesão psicológica, déficit ou privação no desenvolvimento e até a morte4. Um estudo de revisão sistemática realizado com 14 banco de dados apontou que a taxa de prevalência geral de abuso aos idosos é de 15,7%. Este estudo apontou que ao especificar os tipos de violência, 11,6% delas correspondem aos abusos psicológicos, 6,8% ao financeiro, 4,2% as negligências, 2,6% para os abusos físicos e 0,9% as violências sexuais5. Compreende-se, portanto, que o abuso contra a pessoa idosa representa um problema de saúde pública de alta complexidade4.

A violência é compreendida como o uso intencional da força física ou do poder contra outros, mas também contra si, com grande possibilidade de resultar em danos psicológicos, deficiência no desenvolvimento, lesões físicas ou até mesmo a morte, podendo ser praticada dentro ou fora do ambiente doméstico por algum membro da família ou ainda por cuidadores6.

Como fatores contributivos para a maior vulnerabilidade dos idosos à violência, a literatura destaca os seguintes tipos de violência: negligência (fracasso do/a responsável no cuidado com o/a idoso/a), autonegligência (fracasso no cuidado consigo), abandono (ausência de assistência por quem caberia prover custódia), violência física, psicológica, emocional, financeira (recusa no fornecimento de recursos financeiros ou exploração imprópria dos mesmos), sexual (relação ou estímulo sexual não consentido) e verbal. Além disso, outros fatores também podem ter envolvimento com a violência contra a pessoa idosa, são elas: relação familiar, arranjo familiar, solidão, depressão, transtornos mentais, falta de suporte social, tentativa de suicídio, declínio cognitivo e capacidade para realização das atividades de vida diária (AVD), doenças crônicas, renda familiar, nível de escolaridade, sexo, idade e estado civil4,6.

A temática da violência contra a pessoa idosa ganhou destaque na década de 1990 com a promulgação e regulamentação da Política Nacional do Idoso (PNI) e, posteriormente, com a aprovação do Estatuto do Idoso (EI) e o Plano de Ação de Enfrentamento da Violência contra a Pessoa Idosa. Um dos aspectos que dificultam a prática de medidas assistenciais voltadas à prevenção e controle de episódios de violência contra a população idosa é a sua ocorrência, na maior parte das vezes, no âmbito familiar7.

O Ministério dos Direitos Humanos Brasileiro divulgou que no ano de 2018, houve mais de 37 mil denúncias de violações contra a pessoa idosa pelo Disque 100 (Disque Direitos Humanos), como negligência; abuso financeiro; violência psicológica, física e sexual. Estudo realizado em Unidades de Pronto Atendimento do interior da Paraíba identificou uma prevalência de 69,17% de risco de violência contra os idosos atendidos através do instrumento Hawlek-Sengstock Elder Abuse Screening Test (H-S/EAST)8.

No tocante ao idoso, a violência doméstica é um problema de saúde pública, pois pode provocar impactos graves em sua qualidade de vida. O sofrimento psíquico causado pela violência marcas profundas na vítima e em quem está próximo. Observa-se que 90,0% dos casos de maus-tratos e negligência contra idosos ocorrem nos lares ou em instituições asilares. A condição de dependência para as AVD é fator decisivo para agravamento do problema, principalmente dentro dos lares. Esse tipo de violência pode gerar sentimento de tristeza, raiva, medo, dor e sofrimento. Além disso, essas manifestações limitam a capacidade decisória dos idosos e reduzem sua confiança e autoestima9.

Um dos cenários favoráveis à identificação e acompanhamento de casos de violência contra a pessoa idosa são os Centros de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS). Devido ao vínculo criado entre os profissionais que integram os serviços da Rede de Atenção à Saúde (RAS) e as vítimas ou com pessoas do seu convívio, torna-se mais fácil o reconhecimento e manejo desses abusos10.

Nessa perspectiva, a necessidade em identificar os tipos de violência sofridos por essa população e o suporte social direcionado diante desse panorama emergiram como justificativa para a execução desta pesquisa. A sua relevância está na premissa de que a partir do conjunto de informações obtidas por meio dos depoimentos dos idosos e seus relatos, poderá ser identificado com clareza os problemas que esses idosos violentados passam e concomitantemente as sequelas que a violência trouxe para sua vida.

Com base no exposto, surgiram os seguintes questionamentos: quais os tipos de violência sofridos pela pessoa idosa? Quais medidas de suporte social foram buscadas pelas pessoas idosas para o enfrentamento das situações de violência? A partir destas indagações, esta pesquisa teve como objetivos identificar os episódios de violência cometidas contra a pessoa idosa e conhecer as medidas de suporte social buscadas pelas pessoas idosas para o enfrentamento das situações de violência.

 

METODOLOGIA

Consta de um estudo de campo do tipo exploratório-descritivo, com desenho qualitativo, realizado na cidade de Araruna (PB), especificamente no cenário do Centro de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS), unidade de prestação de serviços especializados e continuados a pessoas que tiveram seus direitos violados11.

Com base no universo populacional composto por 51 idosos com história de violência e acompanhados pela equipe multiprofissional do CREAS, participaram deste estudo um total de seis idosos. Para tal, foi considerado o princípio da saturação teórica para definir a composição dos sujeitos do estudo12.

O fechamento amostral por saturação leva à suspensão da inclusão de participantes quando os dados passam a apresentar, na avaliação do pesquisador, certa redundância ou repetição12. Diante desse contexto, foram considerados como critérios de inclusão da amostra: ter idade igual ou superior a 60 anos; ter sofrido qualquer tipo de violência; ter sido e/ou estar sendo atendido, cadastrado e acompanhado pela equipe profissional do CREAS. Como critério de exclusão, ficariam de fora do estudo aqueles idosos que apresentassem declínio cognitivo aferido pelo Mini-Exame do Estado Mental (MEEM). Contudo, nenhum apresentou declínio funcional.

O instrumento de coleta de dados utilizado na pesquisa foi um roteiro de entrevista semiestruturada, ferramenta que permite o alcance de informações acerca do que as pessoas sabem, creem, esperam, sentem ou desejam, pretendem fazer, fazem ou fizeram acerca das suas elucidações a respeito do questionamento13. Para alcançar as respostas esperadas, foram feitas as seguintes perguntas os entrevistados, a saber: O (A) Senhor (a) pode me contar como aconteceu? O (A) Senhor (a) sabe o motivo que o levou a ser violentado? O (A) Senhor (a) procurou algum tipo de ajuda? Quem? Onde? Como?

Para a viabilização das entrevistas, foi realizado um momento de socialização prévio com os participantes, de modo a deixá-los mais à vontade e esclarecer as dúvidas quanto ao estudo, sobretudo em relação as gravações das falas dos participantes em formato de áudio e posteriormente suas transcrições, respeitando a integridade da fala do entrevistado. Os participantes foram identificados pela letra “P” seguido do número de ordem da entrevista.

A coleta de dados ocorreu entre os meses de janeiro a março de 2019 por um pesquisador, somente após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Alcides Carneiro (HUAC), sob parecer nº 3.021.230. Inicialmente foram realizadas reuniões com a equipe profissional do CREAS para sensibilizá-los acerca dos objetivos do estudo bem como possibilitar o acesso às pessoas idosas a serem pesquisadas. A coleta de dados ocorreu por meio de visitas domiciliares, sem nenhuma pessoa presente, apenas o pesquisador, o participante e um profissional do CREAS, mediante concordância por parte do participante do estudo por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) após a apresentação do pesquisador e esclarecimentos acerca do estudo.

Após obtenção dos depoimentos dos participantes, os resultados foram submetidos à técnica da análise de conteúdo, conforme propõe Bardin14. Para realizar a operacionalização da técnica de análise, foi necessário executá-la seguindo três etapas fundamentais: a de pré-análise, que serviu para sistematizar e operacionalizar as ideias iniciais produzindo um plano de análise; a exploração do material, que consistiu essencialmente em examinar, investigar e analisar os documentos primários; e o tratamento dos resultados, com inferência e interpretação, onde os resultados dos dados brutos foram tratados de modo a se tornarem significativos e válidos14. Após o tratamento dos resultados, foram elencadas duas categorias de análise: I) A pluralidade de impressões e consequências da violência contra a pessoa idosa; e II) O suporte sociofamiliar como mecanismo de proteção à violência.

Todos os aspectos éticos para o desenvolvimento desse estudo foram respeitados e embasados na Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e na Resolução nº 564/2017 do Conselho Federal de Enfermagem que aborda o Código de Ética Profissional de Enfermagem15,16.

 

RESULTADOS

Participaram do estudo seis pessoas idosas acompanhadas pelo CREAS do município de Araruna - PB com história de violência, dos quais quatro eram do sexo masculino e dois do sexo feminino; todos aposentados e sem outra ocupação; com idade entre 66 e 84 anos (média de 72,3 anos, os quais representam idosos-jovens); sobre o estado civil, eram três idosos casados e três viúvos; para a variável cor/raça, quatro autodeclararam-se pardos e dois amarelos; quanto ao arranjo familiar, os idosos afirmaram: morar sozinho (um), somente com o cônjuge (dois), somente com os filhos (um) ou com cônjuge e filhos (dois); apresentaram renda familiar média de R$ 1.800,00; e escolaridade média de um ano de estudo.

As categorias de análise apresentadas a seguir foram estruturadas a partir dos depoimentos dos idosos, tendo por base o alinhamento dos fragmentos dos seus relatos.

 

Categoria I: Violências sofridas pelas pessoas idosas

Como exibido nos relatos a seguir, as pessoas idosas foram fisicamente violentadas por integrantes da própria família (esposo e filho), bem como observa-se a naturalização da violência por algumas pessoas idosas agredidas.

[...]Foi assim...eu bebi uma cachaça, daí meu marido deu muito em “neu”. Daí eu fui, botei gás na cabeça e toquei fogo, e daí ele acudiu (P1).

 

[...] O meu filho... eu sei que ele só queria fazer coisa errada. Quer tomar cana [bebida alcoólica], quer usar aquelas coisas que o povo novo tão usando agora [drogas], aí começou a chegar violento em casa, aí eu sozinho, o “caba” sozinho já de idade, acontece essas coisas mesmo (P2).

 

Também foi identificada nos discursos dos idosos a violência psicológica, como se observa nos recortes seguintes:

[...] era por causa da minha neta né, que ela é muito atrevida, muito agressiva. A gente só queria o bem dela, mas ela pensava que era o mal. Desmantelou-se muito nova, só queria viver na “bandaeira”. Até que enfim o promotor decidiu e tirou ela daqui de dentro de casa. Eu “tava” vendo a hora morrer, “tava” tomando até calmante já por causa dela (P3).

 

Ela [filha] não respeitava o que eu dizia, entendeu? Fazia coisa errada, eu dava conselho e ela fazia o contrário. Ela jurava mandar me matar, tudo ela falava né... (P5).

 

Outro tipo de violência identificado nos discursos das pessoas idosas foi a financeira, sendo esta a mais predominante no estudo, como pode ser observado nos próximos fragmentos:

É o dinheiro que minha filha recebe. Sobre isso aí. Ela tá recebendo e paga a conta da feira, paga a um e compra a outro, fez empréstimo (P5).

 

Quando minha esposa morreu eu fiquei com o salário dela, aí meu filho começou a querer o salário para ele e eu não queria dar. Começou a querer o dinheiro dela (P2).

 

A minha menina que cuidava de mim sabe, só que ela tirou um negócio do banco, aí foi sacar, tinha bem pouquinho, porque tinha feito um empréstimo de não sei quanto. Aí ficou assim. “Vieram” um povo aqui em casa. “Tô” vendo aí como fica, porque é difícil, filho é filho da pessoa. Eu vou dizer o que né? Às vezes “tava” precisando (P6).

 

Categoria II: O suporte sociofamiliar como mecanismo de proteção à violência

 

Como se esperava, o CREAS foi identificado nos depoimentos dos entrevistados por este estudo como o principal órgão de ajuda à proteção e enfrentamento das violências sofridas pelas pessoas idosas, como podemos observar nos fragmentos que seguem:

O CREAS que veio aqui, se eu pudesse andar pelo menos, mais não posso andar (P5).

Os meus filhos que foram atrás, foram no banco, pegaram e falaram com essas mulheres que vem aqui [CREAS], também foram na promotoria (P6).

 

Eu combinei com ele [filho] pra dar uma ajuda a ele, pra vê se ele melhorava né, me deixa ficar quieto em casa, porque eu tô indo pra esse canto que essas moças vêm me buscar [CREAS], a gente tá fazendo de tudo pra ver se tira ele dessa vida [das drogas] (P2).

 

Contudo, devido as entrevistas terem sido realizadas com os participantes e com a presença de um membro do CREAS, isso pode ter sido um fator tendencioso para a resposta dos participantes. Para além disso, segundo os participantes do estudo, os familiares e vizinhos foram de grande valia como o primeiro recurso na busca de ajuda diante da proteção e enfrentamento das violências sofridas, como pode ser observado nos recortes a seguir:

Os vizinhos escutavam muito as brigas, aí teve alguns vizinhos que me ajudaram, indicou umas pessoas aí, umas moças muito educadas, sei nem o nome da coisa [CREAS]. Elas me tratam muito bem graças a Deus, aí eu tô tentando superar essas coisas (P2).

 

[...] Os meninos [filhos] que vem aqui em casa, faz a minha comida, fome ninguém passa não, sabe!? (P6).

 

DISCUSSÃO

Dentre as formas de violências cometidas contra a pessoa idosa, entre os participantes do estudo foi possível observar a prevalência da violência física, psicológica e financeira. Como suporte social a estes idosos, destacou-se o CREAS, a família e alguns vizinhos. Diante desse cenário, destaca-se que a violência contra a pessoa idosa se manifesta por meio da prática intencional de um ato ofensivo ou de negligência contra esses indivíduos6.

O presente estudo apontou predominância de relatos acerca da violência financeira. Diferente do estudo em tela, pesquisa realizada com vários participantes no estado de Minas Gerais, Brasil, a análise das notificações indica que quase um terço das pessoas idosas (27,0%) foram vítima de mais de um tipo de violência, em que se predominou a violên­cia física, que vitimou 55,5% dos participantes, a violência psicológica com 13,5%, seguida da financeira com 12,8% e da negligência com 5,9% das notificações. Assim, a violência física foi a mais notificada, justificado por ser o tipo mais facilmente detectado pelos profissionais de saúde17.

Como exibido nos relatos dos idosos, a violência física partia de integrantes da própria família. Isso pode gerar consequências complexas à saúde desses indivíduos, como medo, raiva, humilhação, vergonha, tristeza, solidão, insônia, inapetência, infelicidade e isolamento social18. Estudo realizado com idosos e seus cuidadores apontou que o risco de maus tratos neste segmento populacional é aumentado quando seus cuidadores familiares apresentam poucos recursos para lidar com as dependências deste público19.

O estudo de Machado e Batista20 apontou a predominância da violência intrafamiliar, indicando que os agressores são membros da composição familiar e que a maioria dos que praticam a violência são os filhos das próprias pessoas idosas, totalizando 58%. Outro aspecto a destacar consiste nos maus tratos entre os casais de idosos, fazendo com que as idosas passem anos sofrendo com abusos cometidos pelo esposo, fruto da construção cultural machista21.

A violência psicológica na população idosa é entendida como atitudes que venham causar angústia mental através do preconceito, desprezo, menosprezo e discriminação contra a pessoa idosa18,22. Tal ato tem sido uma prática cada vez mais constante, sendo fruto da intolerância e do desrespeito ao próximo, especialmente, ao idoso. A violência psicológica contra a pessoa idosa é, sobretudo, doméstica. Por isso, torna-se difícil romper com o silêncio das famílias e dos próprios idosos, sendo que, geralmente, o agressor é um membro do próprio círculo familiar23.

Alguns idosos do estudo relataram sofrer o abuso financeiro, que consiste na exploração imprópria dos idosos ou uso não consentido por eles de seus recursos financeiros e patrimoniais. Como observado nos relatos, esse tipo de violência ocorre, sobretudo, no âmbito familiar. A violência financeira é uma ação de abuso cometida contra esse público por serem indivíduos vulneráveis, os colocando em uma situação de fragilidade, coagidos com medo das represálias por parte dos agressores. Esse tipo de violência muitas vezes é praticado por pessoas que já tem o hábito de furtar, favorecendo assim a não identificação desse ato24.

Quanto ao perfil do violador, ficou evidente que os filhos e netos são os principais denunciados, uma vez que o maior número de abusos ocorre no ambiente doméstico, confirmando dados que demonstram que a violência contra a pessoa idosa é, predominantemente, intrafamiliar20. Por depender muitas vezes de seus familiares para determinadas atividades, desde o cuidado com a saúde, questões financeiras ou relações sociais, as pessoas idosas apresentam maior vulnerabilidade e potencial de sofrer violência no contexto doméstico25

Quando a família não consegue dar suporte no cumprimento do seu legitimado papel do cuidado e da assistência aos seus idosos, cabe ao Estado atender as demandas dessa população e garantir proteção à vida, à saúde, um envelhecimento saudável e em condições de dignidade por meio da efetivação das políticas voltadas a este público26.

É possível que muitas pessoas idosas, devido a questões socioculturais, não identifiquem certos comportamentos como violentos. Além disso, o declínio cognitivo e físico típico da velhice pode dificultar a busca de ajuda por parte desses indivíduos. Dessa forma, devem-se levar em consideração os vínculos afetivos entre vítimas e agressores, uma vez que este público pode não revelar a violência temendo as consequências jurídicas direcionadas ao agressor6.

A atuação do CREAS funciona como um serviço de proteção e atendimento especializado a famílias e indivíduos que se encontram em situação de vulnerabilidade social e/ou com seus direitos violados. O Estado, por sua vez, tenta intervir e impor seu papel como garantidor de direitos, assumindo sua responsabilidade, oferecendo serviços de média complexidade que se destinam a pessoas e familiares cujos direitos estejam ameaçados ou violados em decorrência da existência de qualquer tipo de violência20.

Os serviços prestados pelo CREAS desempenham um trabalho essencial para o município, detectando a violência e demais situações, juntamente com a família, fortalecendo e orientando sobre a maneira mais fácil de lidar com o envelhecimento, com as formas de violências e maus tratos20.

O Estatuto da pessoa idosa prevê que os casos de suspeita ou confirmação de violência contra a pessoa idosa sejam objeto de notificação compulsó­ria em todos os serviços de saúde17,27. Pode-se dizer que muitos são os direitos fundamentais para esta população contidos no Estatuto da pessoa idosa. Esses direitos têm como proteção o Poder Público que organiza as políticas de atendimento e direcionamento, defendendo e garantindo a proteção deles27.

A família para muitos idosos representa um suporte vital, visto que é apontada como uma instituição social enquanto núcleo afetivo essencial para a sobrevivência dessas pessoas. Por outro lado, a família pode representar aspectos negativos para a população idosa em situações que seus membros familiares provocam preocupações e desentendimento entre si28. Por fim, a família também necessita de suporte de modo que esta tenha meios para garantir cuidados básicos a pessoa idosa29.

A atenção básica apresenta um enorme potencial para programar ações de prevenção, detecção precoce e acompanhamento desse idoso em situação de violência, uma vez que suas atividades tendem a estreitar as relações entre o serviço de saúde e a família, facilitar a identificação de idosos em situação de risco, possibilitar o levantamento das possíveis redes sociais de apoio disponíveis e permitir uma prática transdisciplinar satisfatória8.

Frente a esta realidade, ressalta-se à importância de favorecer um envelhecimento saudável e ativo a pessoa idosa, uma vez que este propicia a redução de risco como a violência, a institucionalização, autonegligência, exclusão social e agravos à saúde desta população30. Para além disso, ressalta-se a importância de ações voltadas a promoção da saúde mental e física, de terapias comportamentais e cuidados com o bem-estar no intuito de promover a regulação das emoções, a manutenção de um ambiente familiar saudável e com ausência de qualquer tipo de violência31.

A violência contra este público tem matriz complexa e multifatorial. Revisão sistemática apontou que fatores sociais e àqueles relacionados à saúde demonstraram impactos significativos quanto a violência contra o público idoso. Desta forma, torna-se necessário maiores investimentos destinados a melhoria da condição de vidas das pessoas, melhores níveis de educação e saúde e maior igualdade social para que assim a pessoa idosa possa apresentar uma melhor qualidade de vida e diminuição no número de prevalência acerca da violência contra a população idosa4.

O envelhecimento populacional requer do sistema de saúde uma organização assistencial contínua e multidisciplinar, assegurando a realização de ações e serviços de saúde que, por sua vez, promovam a qualidade de vida desses indivíduos, envolvendo a saúde física e o bem-estar social e psicológico8.

Como limitação do estudo, observou-se que alguns participantes demonstraram vergonha de expor alguns episódios de violência por eles sofridos e outros não se enxergavam ter sofrido atos de violência, mesmo sendo explicado os diversos tipos de violências para estes. Ademais, alguns idosos, mesmo identificando a violência sofrida, preferiram não mencionar a violência sofrida com medo de resultar em uma separação familiar ou de ser retirado do convívio da família, preferindo permanecer nesse ambiente mesmo que violento e inóspito.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De modo genérico, constatou através dessa pesquisa, a predominância da violência financeira entre os participantes, seguido da violência física e psicológica, as quais ocorreram principalmente no ambiente intrafamiliar, sendo praticada por um familiar próximo a vítima. Face às peculiaridades atreladas à invisibilidade e estigmatização da violência, o sentimento de medo, culpa, vergonha e, sobretudo, a não identificação do ato como uma violência ou a própria conformação com a situação vivida, são situações implacavelmente sobrepostas à subnotificação dos episódios e a ocultação das denúncias.

Como medidas de suporte, observou-se que as vítimas utilizaram o Centro de Referência Especializado de Assistência Social como a principal medida de apoio, da família e sociedade, em especial, o apoio de vizinhos. Essas entidades colaboram no enfrentamento das violências sofridas pelos idosos; dão apoio, informação e proteção; e mostram o melhor caminho na busca dos direitos que assistem esses indivíduos violentados. Na verdade, ainda há muito que se avançar na sensibilização da família, da sociedade e do Estado em proteger as pessoas idosas da violência, da violação dos seus direitos e, sobretudo, para a efetivação da garantia da sua dignidade e todos os direitos conferidos legalmente.

A nítida fragilidade nas medidas de vigilância das violências contra as pessoas idosas suscita urgentemente de ações mais eficazes, além de capacitações para os profissionais envolvidos na atenção a este público, especialmente àqueles da saúde, quanto ao reconhecimento dessas violências. Não menos importante, a população idosa precisa ser orientada de forma educativa e simples sobre todas as formas de violência e instruídas, por conseguinte, a denunciar e buscar mecanismos de proteção e suporte social, minimizando vulnerabilidades e possibilitando uma vida com qualidade, saúde, tranquilidade e dignidade.

 

REFERÊNCIAS

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Contribuições dos autores

José Lindemberg Bezerra da Costa

Redação do manuscrito; Obtenção de dados; Levantamento da literatura

Arthur Alexandrino

Redação do manuscrito; Obtenção de dados; Levantamento da literatura

Anne Jaquelyne Roque Barrêto

Redação do manuscrito; Planejamento do estudo

Waleska de Brito Nunes

Redação do manuscrito; Planejamento do estudo

Matheus Figueiredo Nogueira

Redação do manuscrito; Obtenção, análise e interpretação dos dados; Levantamento da literatura; Revisão crítica do manuscrito; Supervisão do manuscrito

 

Fomento e Agradecimento: O estudo foi realizado com recursos próprios dos autores. Por fim, os agradecimentos vão para o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Envelhecimento e Qualidade de Vida (NEPEQ), que contribuíram com o desenvolvimento do estudo.

Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519

 

 

Rev Enferm Atual In Derme v. 97;(3) 2023 e023121                                  

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