FATORES RELACIONADOS À DOAÇÃO DE ÓRGÃOS EM PACIENTES COM MORTE ENCEFÁLICA

 

FACTORS RELATED TO ORGAN DONATION IN BRAIN DEATH PATIENTS

 

FACTORES RELACIONADOS CON LA DONACIÓN DE ÓRGANOS EN PACIENTES CON MUERTE CEREBRAL

 


 

Maria da Conceição Lima Paiva1

Sara Cordeiro Eloia2

Alciné Lima Paiva3

Francisca Geisa Silva Martiniano4

Maria Andréia Ximenes Matos5

Edimilson Correia Timbó6

Maraci Rodrigues Soares Passos7

Anailda Fontenele Vasconcelos8

 

1Mestranda Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Sobral, CE, Brasil: ORCID: http://orcid.org/0000-0003-1825-6904

2Doutoranda em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Sobral, CE, Brasil: ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9292-7281

3Graduanda em Psicologia pelo Centro Universitário UNINTA, Sobral, CE, Brasil: ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4677-8611

4 Mestranda Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Sobral, CE, Brasil: ORCID:  https://orcid.org/0000-0001-5176-7939

5Especialista em Gestão em Saúde e Auditoria pela Faculdade Padre Dourado, Sobral, CE, Brasil: ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5183-84906Especialista em Saúde da Família pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, Sobral, CE, Brasil: ORCID: https://orcid.org/0000-0001-58874032

7Especialista em Saúde da Família pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, Sobral, CE, Brasil: ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4664-7742

8Mestranda Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Sobral, CE, Brasil: ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2846-0936

 

Autor correspondente

Maria da Conceição Lima Paiva

Avenida Pimentel Gomes, nº 1305, Bairro: Recanto Novo. Brasil. CEP: 62045050. Sobral, CE, Brasil. E-mail: conceicaolima1990@gmail.com

 

 

Submissão: 03-01-2023

Aprovado: 14-10-2023

 

 

RESUMO

Objetivo: Analisar os fatores relacionados à notificação de morte encefálica. Métodos: Trata-se de um estudo retrospectivo, realizado em um hospital filantrópico da Zona Norte do estado do Ceará. A coleta de dados ocorreu através dos prontuários de pacientes que evoluíram para morte encefálica. As variáveis analisadas foram: dados sociodemográficos dos pacientes em morte encefálica, entrevista familiar, motivo da negativa e tecidos doados. A coleta de dados aconteceu no período de maio a junho de 2018.  Resultados: Foram analisados 126 prontuários. Houve um predomínio de atendimentos de pacientes do gênero masculino 69,8%, solteiro 80,2% com uma faixa etária média 32 anos. A causa da morte encefálica principal foi o traumatismo cranioencefálico 52%. Notou-se a realização da entrevista familiar em 100% dos prontuários analisados, sendo os pais o grau de parentesco predominante 56,3%. A recusa familiar se apresentou em 60,4% dos prontuários, destacando pelos seguintes motivos: 63,8% os familiares desejam corpo integro, 17,2% os familiares não aceitaram a doação, 10,3% os familiares tinham esperança que seu entrequerido sobrevivesse, 7,0% os pacientes manifestaram quando estavam vivos por não ser doadores e 1,7% desconheciam o desejo do doador. Em todos os 35 100% doadores, foram captados para transplantes os rins, fígado e córneas. Considerações finais: Evidenciou-se uma necessidade do desenvolvimento de um processo educativo baseado em campanhas de conscientização, incentivando à população a discutir com sua família acerca da decisão da doação de órgão.

Palavras-chave:  Morte Encefálica; Família; Lesões Encefálicas Traumáticas; Obtenção de tecidos e Órgãos.

 

ABSTRACT

Objective: To analyze the factors related to the notification of brain death. Methods: This is a retrospective study, carried out in a philanthropic hospital in the North Zone of the state of Ceará. Data collection occurred through the medical records of patients who progressed to brain death. The variables analyzed were: sociodemographic data of patients with brain death, family interview, reason for denial and donated tissues. Data collection took place from May to June 2018. Results: 126 medical records were analyzed. There was a predominance of male patients, 69.8%, single 80.2%, with an average age of 32 years. The main cause of brain death was traumatic brain injury 52%. It was noted that family interviews were carried out in 100% of the records analyzed, with parents being the predominant degree of kinship in 56.3%. Family refusal was present in 60.4% of the medical records, highlighting the following reasons: 63.8% of family members wanted an intact body, 17.2% of family members did not accept the donation, 10.3% of family members hoped that their loved one would survived, 7.0% of the patients stated when they were alive that they were not donors and 1.7% were unaware of the donor's desire. In all 35 100% donors, kidneys, liver and corneas were obtained for transplants. Final considerations: There was a need to develop an educational process based on awareness campaigns, encouraging the population to discuss the decision to donate an organ with their families.

Keywords: Brain Death; Family; Traumatic Brain Injuries; Procurement of Tissues and Organs.

 

RESUMEN

Objetivo: Analizar los factores relacionados con la notificación de muerte encefálica. Métodos: Se trata de un estudio retrospectivo, realizado en un hospital filantrópico de la Zona Norte del estado de Ceará. La recolección de datos ocurrió a través de las histórias clínicas de pacientes que evolucionaron a muerte cerebral. Las variables analizadas fueron: datos sociodemográficos de pacientes con muerte encefálica, entrevista familiar, motivo de negativa y tejidos donados. La recolección de datos se realizó de mayo a junio de 2018. Resultados: se analizaron 126 histórias clínicas. Hubo predominio de pacientes del sexo masculino, 69,8%, solteros 80,2%, con edad promedio de 32 años. La principal causa de muerte encefálica fue el traumatismo craneoencefálico 52%. Se observó que se realizaron entrevistas familiares en el 100% de los registros analizados, siendo los padres el grado de parentesco predominante en el 56,3%. El rechazo familiar estuvo presente en el 60,4% de las historias clínicas, destacándose los siguientes motivos: el 63,8% de los familiares deseaba un cuerpo intacto, el 17,2% de los familiares no aceptó la donación, el 10,3% de los familiares esperaba que su ser querido sobreviviera , el 7,0% de los pacientes declararon en vida no ser donantes y el 1,7% desconocían el deseo del donante. En total, se obtuvieron 35 donantes 100%, riñones, hígado y córneas para trasplantes. Consideraciones finales: Fue necesario desarrollar un proceso educativo basado en campañas de concientización, incentivando a la población a discutir la decisión de donar un órgano con sus familiares.

Palabras clave: Muerte Encefálica; Familia; Lesiones Cerebrales Traumáticas; Obtención de Tejidos y Órganos.


 


INTRODUÇÃO

A Morte encefálica (ME) é entendida como a destruição completa e irreversível do funcionamento do tronco encefálico(1). Após estabelecido a parada total e irreversível das funções cerebrais só é possível manter as funções cardíacas e respiratórias por meios artificiais com auxílio de aparelhos, o que tornou possível a prática da doação de órgãos(2). O contexto apresentado possibilita ao familiar responsável do paciente optar pela doação de órgãos e tecidos para fins dos transplantes(3).

Partindo-se dessa premissa, a notificação de ME é obrigatória pela resolução no 1.480, do ano de 1992, na qual define que para ser realizado o diagnóstico de ME são necessários dois testes clínicos e um exame complementar de acordo com a faixa etária. Desta forma o processo tem a duração em torno de 12 a 36 horas da suspeita até a confirmação(4).

Com efeito, os dois exames clínicos necessários para o diagnóstico devem ser realizados pelo médico, especificamente capacitado que tenha no mínimo um ano de capacitação com paciente em coma. Para que se comprove a ausência da atividade motora supra espinal e apneia, realiza-se o exame complementar que comprova a ausência de fluxo sanguíneo cerebral, atividade elétrica ou metabólica do cérebro(5).

Ademais, no sentido de viabilizar este processo, organizou-se nos serviços de saúde, a Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT) pela Portaria nº 1.752 de 23 de setembro de 2005, na qual deve tomar ciência e promover o registro de todos os casos dos possíveis doadores de órgãos e tecidos com diagnóstico de ME ou de parada cardiorrespiratória, mesmo que a doação não seja efetivada(6).

Contudo, as principais causas atreladas à ocorrência de ME se relacionam aos Acidentes Vasculares Cerebrais (AVC), responsável por 48% das mortes, o trauma crânio encefálico (TCE), 38% e 14% das mortes foram por outras causas(7).

Pelo exposto, considerando a importância de um conhecimento acerca dos fatores relacionados à ME, como estratégia para discussão e reflexão crítica dos principais problemas de saúde pública, realizou-se esse estudo cujo objetivo foi analisar os fatores relacionados à notificação de ME.

 

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa documental, de caráter retrospectivo e abordagem quantitativa, realizada em hospital da zona norte do Ceará.  

A coleta de dados foi realizada através dos prontuários de pacientes que evoluíram para ME, armazenados no Serviço de Atendimento Médico Especializado dessa instituição.

As variáveis exploradas no estudo foram: dados sociodemográficos dos pacientes em ME, dados do diagnóstico e avaliação de ME, dados da entrevista familiar, motivo da negativa e tecidos doados.

A coleta de dados aconteceu no período de maio a junho de 2018, onde foram selecionados os prontuários de pacientes que evoluíram para ME, dentre os anos de 2014 a 2017, cujas informações estiverem devidamente preenchidas. Foram excluídos 30 prontuários cujos pacientes evoluíram com Parada Cardiorrespiratória (PCR) antes da realização do segundo exame. Portanto compuseram a amostra 96 prontuários.

Os dados coletados foram organizados por meio do software Excel 2013, e em seguida, processados com a utilização do programa estatístico software R, versão 3.4.1. A análise descritiva incluiu o cálculo de frequências absolutas e relativas. Para as proporções de variáveis categóricas foram calculados os intervalos de confiança de 95%.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com parecer nº 2.596.694.  Ressalta-se que foram respeitados todos os aspectos éticos e legais, conforme preconizado pelas Resoluções 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

 

RESULTADOS

Entre os anos de 2014 a 2017, foram analisados 126 prontuários de Potencial Doador (PD). Destes, 96 fecharam protocolo de ME e os outros 30 não o concluíram em virtude do PD evoluir em Parada Cardiorrespiratória (PCR) antes da realização do 2º exame clínico. Dos 96 prontuários analisados, 34 (35,4%) foram do ano de 2015; 26 (27,1%) do ano de 2016; 20 (20,8%) do ano de 2014; 16 (16,7%) do ano de 2017.

Os dados revelaram a predominância do sexo masculino com 67 (69, 8%) pacientes e uma faixa etária média de 32,5 anos/ desvio padrão de 14,9 anos. Em relação ao estado civil, 77 (80,2%) eram solteiros. A raça predominante foi a parda com 94 (97,9%) pacientes. Quanto ao município de origem estudado, 79 (82,3%) eram de municípios circunvizinhos e 17 (17,7%) de Sobral.

Em relação à causa da ME, observou-se a predominância do TCE por acidente de motocicleta (52%), seguido do AVC Hemorrágico (21,9%) e TCE por ferimento de arma de fogo (FAF) (10,4%). A sumarização dos resultados pode ser vista na tabela 1.


 

Tabela 1 – Características Sociodemográficas de Pacientes com Diagnóstico de Morte Encefálica. Sobral, CE, Brasil, 2018. N=96

 

           VARIÁVEIS

       N (%)

          IC 95%*

Sexo

 

 

Feminino

29 (30,2)

21,47 - 40,55

Masculino

67 (69,8)

59,44 - 78,52

Estado civil

 

 

Solteiro

77 (80,2)

70,57 - 87,37

Casado

19 (19,8)

12,62 - 29,42

Raça

 

 

Branca

2 (2,1)

0,36 - 8,04

Parda

94 (97,9)

91,95 - 99,63

Município de origem

 

 

Sobral

17 (17,7)

10,94 - 27,12

Municípios circunvizinhos

79 (82,3)

72,87 - 89,05

Causas

 

 

TCE por acidente de moto

50 (52,1)

41,69-62,29

Queda da Própria Altura

3 (3,1)

0,81-9,51

AVC Isquêmico

3 (3,1)

0,81-9,51

AVC Hemorrágico

21 (21,9)

14,34-31,70

TCE FAF

10 (9,4)

4,64-17,49

Outras Causas

9 (9,4)

4,64-17,49

              Fonte: Santa Casa de Misericórdia de Sobral (2018).*IC- Intervalo de confiança; **DP- desvio padrão; ***IIQ- Intervalo Interquartil Valor de p <0,001 - Teste de Shapiro- W.

 


Em 100% da amostra realizou-se os dois exames clínicos. A especialidade médica de maior predomínio do primeiro exame foi o clínico geral em 88 (91,7%) casos; e no segundo, o neurologista com 86 (89,6%). O exame complementar utilizado foi o eletroencefalograma em toda a amostra (100%) e o intervalo entre os exames teve uma média de 26,5 horas e desvio padrão de 16,5 horas. Na tabela 2, apresentam-se, os resultados referentes aos exames realizados para diagnostico de ME, média e mediana dos anos dos pacientes, intervalos entre os exames e dias de internação por ME.


 

Tabela 2 – Variáveis Resultantes dos Exames para Diagnóstico de Morte Encefálica. Sobral, Ceará, Brasil, 2018.

 

Realização do 1º exame

 

 

Sim

96 (100,0)

95,20-100,00

Especialidade médica do 1º exame

 

 

Clínico geral

88 (91,7)

83,76-96,07

Neurologista

8 (8,3)

3,92-16,23

Realização do 2º exame

 

 

Sim

96 (100,0)

95,20-100,00

Especialidade do 2º exame

 

 

Clínico geral

10 (10,4)

5,38-18,74

Neurologista

86 (89,6)

81,25-94,61

Exame Complementar

 

 

Eletroencefalograma

96 (100,0)

95,20-100,00

 

 

       Média

        Mediana

         DP**

                        IIQ***

Idade (anos)

32,5

30,5

14,9

25

Intervalo entre exames (horas)

26,5

24

16,5

          11,5

Dias de internação da morte encefálica ao óbito                                           

5,5

 

 

4,5

 

 

4,0

 

 

          4

 

 

 

 

              Fonte: Santa Casa de Misericórdia de Sobral (2018).*IC- Intervalo de confiança; **DP- desvio padrão; ***IIQ- Intervalo Interquartil Valor de p <0,001 - Teste de Shapiro- W.

             


Na Tabela 3, ao analisar a entrevista familiar e motivos de recusa, notou-se que os 96 (100%) prontuários analisados realizaram entrevista familiar. Dentre estes, o grau de parentesco predominante foram os pais com 56,3%. Dos familiares entrevistados, 58 (60,4%) manifestaram recusa para a doação de órgãos. Entre os motivos de recusa, destacaram-se familiares desejam o corpo íntegro (63,8%), os próprios familiares não concordam com a doação (17,2%), e apresentava esperança de vida (10,3%).


 

Tabela 3 - Variáveis Resultantes da Entrevista Familiar. Sobral, Ceará, Brasil, 2018.

VARIÁVEIS

 

               N (%)

                        %

                IC 95%*

 

Entrevista familiar

 

 

 

 

 

Sim

96 (100,0)

100,0

95,20-100,00

 

 

Grau de parentesco

 

 

 

 

 

Pais

54 (56,3)

56,3

45,76-66,23

 

 

Irmão (a)

22 (22,9)

22,9

15,21-32,83

 

 

Esposo (a)

8 (8,3)

8,3

3,92-16,23

 

 

Filho (a)

10 (10,4)

10,4

5,38-18,74

 

 

Não consta

2 (2,1)

2,1

0,36-8,04

 

 

Recusa familiar

 

 

 

 

 

Sim

58 (60,4)

60,4

49,89-70,09

 

 

Não

35 (39,6)

39,6

29,90-50,10

 

 

Não se aplica**

3 (3,1)

3,1

0,81-9,51

 

 

Motivo da negativa

N=58

%

IC 95%*

 

 

Desconhecimento do desejo do doador

1

1,7

0,09- 10,46

 

 

Familiares desejam corpo íntegro

37

63,8

50,06-75,69

 

 

Esperança de vida

6

10,3

4.27-21,83

 

 

Paciente não doador

4

7,0

2,23-17,54

 

 

Familiares não concordam

10

 

17,2

9,01-29,88

 

     Fonte: Santa Casa de Misericórdia de Sobral (2018). *IC- Intervalo de confiança **Pacientes evoluíram com PCR após segundo exame

              


 Percebe-se a seguir, que em todos os 35 (100%) doadores, os órgãos captados para transplantes foram os rins, fígado e córneas como visto na (Tabela 4) que trata da distribuição dos tecidos doados.


 

Tabela 4- Distribuição dos Tecidos Doados. Sobral, Ceará, Brasil, 2018.

 

Tecidos doados*

N=35

%

IC 95%*

Fígado

35

100,0

87,68-100,00

Rim

35

100,0

87,68-100,00

Córneas

35

100,0

87,68-100,00

              Fonte: Santa Casa de Misericórdia de Sobral (2018). * Variável com múltiplas respostas **IC- Intervalo de confiança

 


DISCUSSÃO

A manutenção do PD de órgãos e tecidos deve ter início logo após que ocorram a suspeita de ME, essa condição clínica da irreversibilidade do quadro carece despertar no profissional a condição que o paciente pode ser um doador de órgão(8). Entretanto, são imprescindíveis ações dos profissionais na manutenção desse corpo para que aguarde, em condições hemodinâmicas adequadas, a decisão familiar com relação a doação de órgãos(6).

 Nessa premissa, a manutenção hemodinâmica é o principal desafio no tratamento do PD, devido ocorrer várias alterações fisiológicas ocasionadas na ME. Dentre elas, a hipotensão, que é um problema comumente ocasionado nesses pacientes, e, se não haver uma conduta adequada dos profissionais na estabilização dos sinais vitais leva à diminuição da perfusão de diversos órgãos, e consequentemente pode acarretar uma PCR antes da realização da entrevista familiar(9). Nesse sentido, é imprescindível que a equipe de saúde detenha conhecimentos e habilidades para reconhecer precocemente esses pacientes com critérios de instabilidade clínica(10).

Corroborando com outras pesquisas o perfil sociodemográfico dos pacientes com ME é semelhante, sendo o sexo masculino majoritariamente e uma faixa etária de adultos jovens, vítima de TCE por acidente automobilístico(9,11-12-13). Justifica-se esse fato devido à prevalência de homens em traumas violentos graves, tais como o acidente de trânsito e o ferimento por arma de fogo ou branca(10).

Dados de uma pesquisa de âmbito nacional(14), revela uma prevalência de 1,25 milhão de pessoas por ano morrem em decorrência do acidente de trânsito.  E cerca de 50 milhões de pessoas sofrem lesões não fatais. Nesse entendimento, o acidente de trânsito é apontado como a primeira causa de morte entre adultos jovens, com uma faixa etária entre 15 e 29 anos(15). Nesse sentido, dados refletem uma consequência do comportamento sociocultural dos jovens, tais como a exposição em situações de risco como condução de veículos, a inexperiência, alta velocidade, e a impulsividade, como a utilização de manobras e o uso de álcool(9).

 Sendo assim, o Brasil tem como medida de enfrentamento e controle dos acidentes de trânsito a legislação vigente e as políticas públicas direcionadas para esse agravo. Tais medidas devem investir em estratégias educacionais através das mídias sociais para a prevenção desse incidente(16).

Os exames clínicos realizados se assemelham a uma pesquisa realizada no banco de dados da Organização a Procura de órgãos (OPO) em Petrolina, município de Pernambuco, que reproduz que o eletroencefalograma foi o primeiro método usado para confirmar o diagnóstico de ME. Todavia, dados do presente estudo evidencia que o tempo transcorrido entre abertura e fechamento do protocolo foi menor do que observado na referida pesquisa, cujo tempo de constatação da foi de 32,20 horas(2).

Embora a média de tempo do intervalo entre os testes clínicos do presente estudo apresentou um aumento ao recomendado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), tais dados, demostram que foi inferior à uma pesquisa com 96 potenciais doadores, realizado em um hospital de referência de urgência e emergência em Portugal. Nesse último estudo, o tempo transcorrido entre os dois testes clínicos foi de 28 horas e em 25% passou de 39 horas(8).

Registra-se que houve recusa familiar da doação de órgãos e tecidos na maioria dos casos, e em relação aos motivos, os resultados deste estudo são semelhantes aos valores descritos na literatura(13,17). Vários são os aspectos que influenciam nessa decisão, dentre eles os mais prevalentes são: crenças, como manutenção da integridade corporal para a vida após a morte; familiares não concordam com doação de órgãos, esperança de vida do PD, a não confiança na equipe médica, e abordagem inadequada da comissão intra- hospitalar de transplantes(18-19).

No tocante a isso,(20), descreve que o assunto de doação de órgãos é bastante polêmico e gerador de muitas dúvidas, fazendo necessário várias formas de divulgar e orientar as pessoas sobre o assunto, para que não tenham ideias equivocadas. Para ele, este tema deve se tornar rotineiro entre as pessoas, trazendo de modo precoce o entendimento, para que no momento ideal seja usado de maneira benéfica.

Nesse entendimento, faz-se necessário destacar a importância de a esquipe multiprofissional envolver os familiares em uma abordagem humanizada, acolhendo-os de forma que consiga sanar suas dúvidas(21). Ademais, os familiares precisam ser acolhidos em um ambiente que traga mais tranquilidade, e que os profissionais devem repassar toadas as informações inerentes a situação clínica do paciente(22).

A educação em saúde é fundamental na propagação das informações relacionadas ao tema doação de órgãos, pois colabora para uma maior conscientização da população, uma vez que traz informações que podem transformar opiniões, favorecendo uma maior aceitação das famílias e consequentemente um aumento do índice de transplantes(23).

A quantidade de Órgãos doados foi avaliada, sendo que fígado, rim e córneas tiveram uma taxa de doação de 100%. Dados corrobora com um estudo realizado em um hospital das clinicas em Unicamp sobre o Perfil dos potenciais doadores de órgãos e fatores relacionados à doação e a não doação de órgãos de uma Organização de Procura de Órgãos(12).

Nessa perspectiva, o Brasil conta com um dos maiores programas públicos de doação e captação de órgãos, tecidos e células, com financiamento de mais 95% do Sistema Único de Saúde (SUS), subsidiando todos os medicamentos imunossupressores para os pacientes transplantados. Em função disso, é considerado um dos países que mais se destaca no mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos em números absolutos(24).

Sendo assim, cabe mencionar a importância do desenvolvimento de um processo educativo baseado em campanhas de conscientização, incentivando a população a discutir com sua família acerca da decisão da doação de órgãos(25). Tal realidade exige dos órgãos públicos ações mais efetivas de políticas públicas que proporcionem uma melhor divulgação do processo de doação de órgãos e tecidos na sociedade, além de proporcionar incentivos adequados para a efetivação do processo.

 

CONCLUSÃO

Com os resultados obtidos nesse estudo, pode-se identificar que a maior parte dos casos de ME ocorreu devido ao TCE, em vítimas do sexo masculino, pertencentes ao grupo de adolescentes e jovens adultos, sendo os acidentes de motocicleta a principal causa.

Ressalta-se ainda que a recusa familiar teve predominância no estudo, apresentando como principal motivo o desejo do corpo íntegro do Potencial Doador. Diante desse contexto, torna-se necessário mais campanhas de sensibilização da população sobre os acidentes automobilísticos.

Nesse sentido, percebe-se também a necessidade do desenvolvimento de um processo educativo baseado em campanhas de conscientização, incentivando à população a discutir com sua família acerca da decisão da doação de órgão. Mediante essa magnitude, tais dados exige dos órgãos públicos ações mais efetivas de políticas públicas que proporcionem uma melhor divulgação do processo de doação de órgãos e tecidos na sociedade, além de proporcionar incentivos adequados para a efetivação do processo.

Acredita-se que estes dados sejam fonte de conhecimentos já que não se evidenciou estudos locais sobre a temática. Também se sugerem novos estudos para outras reflexões sobre os fatores associados à doação de órgãos e tecidos.

 

REFERÊNCIAS

 

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3. Gois RS, Galdino MJ, Pissinati PD, Pimentel RR, Carvalho MD, Haddad MD. Efetividade do processo de doação de órgãos para transplantes. Acta Paul Enferm. 2017;30(6):621-7. doi: https://doi.org/10.1590/1982-0194201700089

 

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6. Chehuen NJA, Ferreira RE, Assad IM, Santos IA, Santos JL, Paula LC, et al. Update of the diagnostic criteria of brain death: application and training of physicians. Rev Bras Terapia Intensiva. 2019;31(3). doi: https://doi.org/10.5935/0103-507x.20190055

 

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            Contribuição dos autores

PAIVA MCL e ELOIA SC contribuíram na concepção do estudo, análise e interpretação dos dados e redação do artigo. PAIVA AL, MARTINIANO FGS, MATOS MAX, TIMBO EC, PASSOS MRS e VASCONCELOS AF contribuíram para revisão crítica relevante do conteúdo intelectual.  To­dos os autores contribuíram para a aprovação final da versão a ser publicada.