ARTIGO ORIGINAL
ACIDENTE COM MATERIAL BIOLÓGICO EM UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO NO RIO DE JANEIRO: SÉRIE HISTÓRICA 2016-2020
ACCIDENT WITH BIOLOGICAL MATERIAL AT A UNIVERSITY HOSPITAL IN RIO DE JANEIRO: HISTORICAL SERIES 2016-2020
ACCIDENTE CON MATERIAL BIOLÓGICO EN UN HOSPITAL UNIVERSITARIO DE RÍO DE JANEIRO: SERIE HISTÓRICA 2016-2020
1Alexmália Fiorini da Costa Balonecker
2Wiliam César Alves Machado
3Hilmara Ferreira da Silva
4Carmen Fernandes Alves
5Karla Regina Oliveira de Moura Ronchini
6Raiane Moreira dos Santos
7Rosilene Alves Ferreira
1Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3758-3513
E-mail: alexmalia.balonecker@unirio.br
2Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4325-7143
E-mail: wily.machado@gmail.com
3Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5442-8561 E-mail: silvahilmara@id.uff.br
4Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9475-1037
E-mail: carmem.hrm@gmail.com
5Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, Brasil. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5301-5765 Email: karlaronchini@id.uff.br
6Universidade Federal da Bahia. Bahia, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7045-4380. E-mail: raianemoreira10@hotmail.com
7Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7274-8753
E-mail: rosilene_alves@ymail.com
Autor correspondente
Alexmália Fiorini da Costa Balonecker
Endereço: Av. Pasteur, 296 – Urca, Rio de Janeiro, CEP 22290-250, telefone: +55(21) 2542-4306. E-mail: alexmalia.balonecker@unirio.br.
Submissão: 17-01-2023
Aprovado: 29-05-2023
RESUMO
Objetivo: identificar e caracterizar os acidentes de trabalho com exposição a material biológico ocorridos em um hospital universitário do Rio de Janeiro no período de 2016 a 2020. Método: trata-se de uma pesquisa documental, retrospectiva, descritiva, com abordagem quantitativa e análise de dados secundários coletados nos documentos da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do referido hospital. Resultados: no período estabelecido, ocorreram 229 acidentes de trabalho com exposição a material biológico envolvendo a equipe de saúde. Com relação ao perfil das vítimas dos acidentes, houve prevalência do sexo feminino, registrando-se 175 casos (76,4%). Do total dos casos, 62 (27,1%) ocorreram com técnicos de enfermagem e 61 (26,6%), com residentes de medicina. O procedimento cirúrgico foi a principal circunstância do acidente, com 76 registros (33,2%). Verificou-se que a exposição percutânea foi a mais frequente, sendo registrada em 179 casos (78,2%), tendo a agulha com lúmen como principal dispositvo, sendo registrada em 107 das ocorrências (46,7%). Conclusão: conhecer a incidência dos acidentes de trabalho com exposição a material biológico em hospitais universitários permite desenvolver protocolos eficazes no gerenciamento da assistência a estudantes e profissionais da saúde.
Palavras-chave: Centros Cirúrgicos; Equipe de Assistência ao Paciente; Prevenção de Acidentes; Resíduos de Serviços de Saúde; Acidentes de Trabalho
ABSTRACT
Objective: to identify and characterize occupational accidents with exposure to biological material that occurred in a University Hospital in Rio de Janeiro, from 2016 to 2020. Method: This is a documental, retrospective, descriptive research with a quantitative approach and analysis of secondary data collected from the documents of the Hospital Infection Control Commission of the aforementioned university hospital. Results: in the established period, there were 229 accidents at work with exposure to biological material involving the health team. There was a prevalence of females, 175 (76.4%) as the main victims of accidents. Of the total number of cases, 62 (27.1%) occurred among nursing technicians and 61 (26.6%) among medical residents. The surgical procedure was the main circumstance of the accident in 76 (33.2%) cases. It was found that percutaneous exposure was the most frequent 179 (78.2%), using a needle with a lumen as a device, 107 (46.7%). Conclusion: knowing the incidence of accidents at work with exposure to biological material in University Hospitals allows the development of effective protocols in the management of assistance to students and health professionals.
Keywords: Surgicenters; Patient Care Team; Accident Prevention; Medical Waste; Occupational Accidents
RESUMEN
Objetivo: identificar y caracterizar los accidentes de trabajo con exposición a material biológico ocurridos en un Hospital Universitario de Río de Janeiro, de 2016 a 2020. Método: Se trata de una investigación documental, retrospectiva, descriptiva, con abordaje cuantitativo y análisis de datos secundarios. recogidos de los documentos de la Comisión de Control de Infecciones Hospitalarias del mencionado hospital universitario. Resultados: en el período establecido, ocurrieron 229 accidentes de trabajo con exposición a material biológico involucrando al equipo de salud. Hubo predominio del sexo femenino, 175 (76,4%) como principales víctimas de accidentes. Del total de casos, 62 (27,1%) ocurrieron entre técnicos de enfermería y 61 (26,6%) entre médicos residentes. El procedimiento quirúrgico fue la principal circunstancia del accidente en 76 (33,2%) casos. Se encontró que la exposición percutánea fue la más frecuente 179 (78,2%), utilizando como dispositivo una aguja con lumen, 107 (46,7%). Conclusión: conocer la incidencia de accidentes de trabajo con exposición a material biológico en los Hospitales Universitarios permite desarrollar protocolos efectivos en la gestión de la asistencia a estudiantes y profesionales de la salud.
Palabras clave: Centros Quirúrgicos; Grupo de Atención al Paciente; Prevención de Acidentes; Resíduos Sanitários; Accidentes Ocupacionales.
INTRODUÇÃO
Segundo estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o acidente de trabalho (AT) é considerado um importante problema de saúde em virtude da repercussão na morbimortalidade da população. Em todo o mundo, registram-se cerca de 2,78 milhões de mortes e 374 milhões de pessoas feridas por ano em acidentes laborais (1); no Brasil, ocorre uma morte a cada 3 horas e 38 minutos. De acordo com o Anuário Estatístico da Previdência Social, em 2019 foram registrados 582.507 acidentes, incluindo 9.352 doenças relacionadas ao trabalho (1).
Com base nos dados disponíveis no Anuário da Saúde do Trabalhador, houve um aumento de 200% das notificações de acidentes de trabalho com exposição a material biológico, passando de 15.735 casos, em 2007, para 47.292, em 2014, evidenciando o elevado número de trabalhadores acidentados. O aumento se deu pela melhoria do Sistema de Informação de Agravos e Notificação (Sinan) e pelo crescimento no número de trabalhadores da área de saúde praticando a profissão, principalmente médicos e técnicos de enfermagem(2).
Entre os acidentes de trabalho, os casos com material biológico são considerados alguns dos mais relevantes riscos laborais aos quais estão expostos os profissionais de saúde. Tal situação justifica-se, principalmente, pelo impacto na vida do trabalhador diante da transmissão de doenças incuráveis, o que pode ser devastador (3).
Entre 2014 e 2018, 1.266 profissionais foram expostos a material biológico no Rio Grande do Sul. Embora se tenha conhecimento de um expressivo número de acidentes, a subnotificação também representa um problema no país, uma vez que muitos profissionais não consideram necessária a notificação do acidente(4). Isso acarreta falhas na construção de indicadores epidemiológicos para retratar a situação de saúde dos trabalhadores diante do agravo.
Embora diversas medidas de biossegurança estejam disponíveis, observa-se que ainda existe um número preocupante de exposições ocupacionais envolvendo várias categorias da saúde. As evidências científicas apontam a equipe de enfermagem como a categoria mais atingida(5-7).
Os profissionais devem reconhecer a importância da segurança no trabalho, bem como da sua própria segurança. A precaução é, portanto, um elemento fundamental na prevenção do acidente, pois sua maioria está diretamente relacionada ao modo como as atividades são executadas no decorrer dos procedimentos laborais (8).
Conhecer a incidência e a prevalência da exposição a material biológico nas unidades de saúde permite que sejam desenvolvidos protocolos eficazes no gerenciamento da assistência aos profissionais desses locais.
Diante do exposto, o conhecimento dos dados sobre acidentes de trabalho revela as fragilidades da segurança ocupacional existentes em todos os cenários, possibilitando o preenchimento de lacunas existentes em normas e protocolos pré-estabelecidos.
Ao se considerarem os argumentos apresentados e a relevância da temática, acredita- se que esta pesquisa possa colaborar com o conhecimento do perfil dos acidentes de trabalho com exposição a material biológico em hospitais universitários. Buscou-se, assim, identificar e caracterizar os acidentes de trabalho com exposição a material biológico ocorridos em um hospital universitário do Rio de Janeiro no período de 2016 a 2020. A partir dessas considerações, a questão norteadora nomeada para este estudo foi: em um hospital universitário, qual é a principal causa de acidentes com material biológico?
MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa documental, retrospectiva, descritiva com abordagem quantitativa e análise de dados secundários. Tais dados foram coletados em documentos da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), cujos conteúdos se referem a acidentes de trabalho com exposição a material biológico ocorridos entre 2016 e 2020.
A coleta ocorreu de forma presencial com a colaboração da CCIH de um hospital universitário localizado no Rio de Janeiro. Os dados foram coletados no anonimato, preservando, assim, a identidade do acidentado. As variáveis de interesse para a pesquisa foram sexo, ocupação, tipo de exposição, circunstância do acidente, agente e uso de equipamento de proteção individual (EPI).
A análise dos dados documentais foi realizada com recurso da análise estatística descritiva. Os dados coletados foram tabulados em planilhas formatadas no software Microsoft Office Excel 2019 para verificação da consistência da digitação e, depois, transportados para análise no software IBM SPSS Statistic – versão 25.
Sendo assim, foram utilizadas duas ferramentas do software SPSS: a análise de frequência, que permite a observação de cada variável isoladamente, como o ano de ocorrência do acidente, e a tabela cruzada, que permite a observação do cruzamento entre duas variáveis, como circunstância do acidente e agente, entre outras.
O estudo, realizado na segunda quinzena do mês de novembro de 2021, teve como limite alguns meses do ano de 2020, pois os dados estavam disponíveis até o dia 13 de outubro do referido ano. Vale ressaltar que, na etapa de coleta, a CCIH tinha disponível em planilhas apenas o período contemplado no presente estudo. Justifica-se, assim, o recorte temporal estudado.
A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa e aprovada pelo Parecer Consubstanciado n.° 5.103.715, CAAE 51926621.3.0000.5285. Foram obedecidos os preceitos éticos conforme a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, que trata de pesquisas envolvendo seres humanos.
RESULTADOS
No período compreendido entre 2016 e 13 de outubro de 2020, foram notificados 229 acidentes de trabalho com exposição a material biológico. Em relação ao número de notificações no intervalo de tempo selecionado, o maior número ocorreu em 2019, período em que foram registrados 57 casos (24,9%), seguido pelo ano 2018, com 52 (22,7%) casos, conforme representado na Tabela 1.
Tabela 1 - Frequência de acidentes de trabalho com exposição a material biológico classificada por ano de ocorrência. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2021.
Ano |
Frequência n (%) |
2016 |
44 (19,2) |
2017 |
43 (18,8) |
2018 |
52 (22,7) |
2019 |
57 (24, 9) |
2020 |
33 (14,4) |
Total |
229 |
n = número de participantes
% = percentual em relação ao período da pesquisa
Fonte: dados da pesquisa, 2021.
No que se refere ao sexo, os resultados indicam que 175 (76,4%) eram profissionais do sexo feminino e 54 (23,6%), do sexo masculino. A categoria profissional mais exposta foi a dos técnicos(as) de enfermagem, seguindo-se a categoria dos(as) residentes de medicina e médicos(as) (Figura 1).
NP = não preenchido
Quanto à circunstância do acidente, 76 (33,2%) dos casos ocorreram em procedimentos cirúrgicos; 31 (13,5%), em outras situações; 27 (11,8%), em descarte inadequado do material (perfurocortante em cama, bancada), e 22 (9,2%) dos casos foram registrados em punção arterial não especificada. Nota-se que, em 107 (46,6%) dos casos, o principal agente causador do acidente foi a agulha com lúmen, seguido por outros causadores, com 50 (21,8%) casos, e lâmina/lanceta, com 24 (10,5%) casos, como destacado na Tabela 2.
Tabela 2 – Distribuição do Número de Acidentes Conforme Circunstância e Agente Causador, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2021.
Circunstância |
|
Total |
||||||
Agulha com Lúmen (Luz) n (%) |
Agulha sem Lúmen (Maciça) n (%) |
Vidro n (%) |
Lâmina/ Lanceta n (%) |
Outros n (%) |
IG** n(%) |
NP* n(%) |
||
Administração de Medicação Venosa |
2 (0,9) |
0 |
0 |
0 |
2 (0,9) |
0 |
0 |
4(1,7) |
Administração de Medicação Cutânea |
9 (3,9) |
0 |
0 |
0 |
1 (0,4) |
0 |
0 |
10(4,4) |
Administração de Medicação Intradérmica |
2 (0,9%) |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
2 (0,9) |
Punção Venosa/Arterial para Coleta de Sangue |
21 (9,2) |
0 |
0 |
0 |
2 (0,9) |
0 |
0 |
23 (10) |
17 (7,4) |
1 (0,4) |
0 |
0 |
3 (1,3) |
0 |
0 |
21(9,2) |
|
Descarte Inadequado de Material Perfurocortante em Saco de Lixo |
5 (2,2) |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
5 (2,2) |
Descarte Inadequado de Material Perfurocortante em Bancada, Cama, etc. |
22 (9,6) |
0 |
0 |
5 (2,2) |
0 |
0 |
0 |
27(11,8) |
Lavagem de Material |
1 (0,4) |
1 (0,4) |
0 |
2 (0,9) |
4 (1,7) |
0 |
0 |
8 (3,5) |
Manipulação de Caixa com Material Perfurocortante |
2 (0,9) |
1 (0,4) |
0 |
0 |
0 |
1(0,4) |
0 |
4 (1,7) |
Procedimento Cirúrgico |
12 (5,2) |
37 (16,2) |
0 |
8 (3,5) |
17(7,4) |
1(0,4) |
1(0,4) |
76(33,2) |
Procedimento Laboratorial |
1 (0,4%) |
0 |
0 |
2 (0,9) |
3 (1,3) |
0 |
0 |
6 (2,6) |
Hemoglicoteste (HGT) |
2 (0,9) |
2 (0,9) |
0 |
3 (1,3) |
0 |
0 |
0 |
7 (3,1) |
Reencape |
4 (1,7) |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
4 (1,7) |
Outros |
7 (3,1) |
1 (0,4) |
0 |
4 (1,7) |
18(7,9) |
1(0,4) |
0 |
31(13,5) |
Ignorado |
0 |
0 |
1(0,4) |
0 |
0 |
0 |
0 |
1 (0,4) |
TOTAL |
107(46,6) |
43 (18,8) |
1(0,4) |
24(10,5) |
50(21,8) |
3(1,3) |
1(0,4) |
229(100) |
*Não preenchido
**Ignorado
n = número de participantes
% = percentual em relação ao período da pesquisa
Tabela 3 – Distribuição do Tipo de Exposição e Agente. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2021.
Tipo de exposição |
Agulha com Lúmen (Luz) n (%) |
Agulha sem Lúmen (Maciça) n (%) |
Vidro n (%) |
Lâmina/ Lanceta n (%) |
Outros n (%) |
IG** n(%) |
NP* n(%) |
Total |
Mucosa Ocular |
0 |
0 |
0 |
0 |
9 (3,9) |
1 (0,4) |
0 |
10 (4,4) |
Mucosa Oral e Ocular |
6 (2,6) |
0 |
0 |
0 |
26 (11,4) |
0 |
1 (0,4) |
33 (14,4) |
Pele Íntegra |
0 |
0 |
0 |
0 |
4 (1,7) |
0 |
0 |
4 (1,7) |
Percutânea |
100 (43,7) |
42 (18,3) |
1 (0,4) |
24 (10,5) |
11 (4,8) |
1 (0,4) |
0 |
179 (78,2) |
NP* |
1 (0,4) |
1 (0,4) |
0 |
0 |
0 |
1 (0,4) |
0 |
3 (3,3) |
TOTAL |
107 (46,7) |
43 (18,8) |
1 (0,4) |
24 (10,5) |
50 (21,8) |
3 (1,3) |
1 (0,4) |
229 (100) |
*Não preenchido
**Ignorado
n = número de participantes
% = percentual em relação ao período da pesquisa
Fonte: dados da pesquisa, 2021.
Outros: Instrumentais cirúrgicos, espícula óssea
No que diz respeito ao uso de EPI, pôde-se observar que 128 (55,9%) profissionais estavam usando o equipamento; 37 (16,2%) deles não estavam usando; e 63 (27,5%) estavam utilizando algum tipo de equipamento de proteção. Do total de casos, 1 registro (0,4%) foi ignorado. Quanto ao tipo de exposição e uso de EPI, nota-se que os profissionais utilizaram EPI em 119 (52%) exposições percutâneas; 26 (11,4%) deles, todavia, não utilizaram, e 33 (14,4%) profissionais utilizaram os equipamentos de forma incompleta (Tabela 4).
Tabela 4 - Distribuição entre Tipo de Exposição e Uso de Equipamento de Proteção Individual. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2021.
Tipo de exposição |
USO DE EPI* |
TOTAL |
|||
Sim n (%) |
Não n (%) |
Incompleto n (%) |
Ignorado n (%) |
||
Mucosa Ocular |
1 (0,4) |
4 (1,7) |
5 (2,2) |
0
|
10 (4,4) |
Mucosa Oral e Ocular |
6 (2,6) |
5 (2,2) |
22 (9,6) |
0 |
33 (14,4) |
Pele Íntegra |
1 (0,4) |
1 (0,4) |
2 (0,9) |
0 |
4 (1,7) |
Percutânea |
119 (52,0) |
26 (11,4) |
33 (14,4) |
1 (0,4) |
179 (78,2) |
NP** |
1 (0,4) |
1 (0,4) |
1 (0,4) |
0 |
3 (1,3) |
TOTAL |
128 (55,9) |
37 (16,2) |
63 (27,5) |
1 (0,4) |
229 (100) |
*Equipamento de Proteção Individual
**Não preenchido
n = número de participantes
% = percentual em relação ao período da pesquisa
Fonte: dados da pesquisa, 2021
DISCUSSÃO
O estudo realizado permitiu conhecer a incidência da exposição a material biológico no período de 2016 a 2020. Observa-se que, no ano de 2019, registrou-se o maior número de notificações de agravo. Constatou-se que 33,2% dos profissionais foram expostos a material biológico durante procedimentos cirúrgicos, retratando, assim, a vulnerabilidade existente no trabalho no referido setor.
Corroborando com dados deste estudo, uma pesquisa mostrou que os acidentes com material biológico são mais frequentes, em ambos os sexos, entre trabalhadores de 30 a 49 anos de idade, com ensino médio completo ou superior incompleto, e da categoria da enfermagem (técnico de enfermagem, auxiliar de enfermagem e enfermeiro). A referida pesquisa foi realizada com base em informações de todos os municípios brasileiros referentes a acidentes de trabalho entre profissionais de saúde envolvendo material biológico, servindo-se de dados secundários de saúde obtidos por meio do Sinan, entre 2011 e 2015, disponibilizadas na página do Programa Integrado em Saúde Ambiental e do Trabalhador do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (9).
A literatura mostra que acidentes envolvendo material biológico ocorrem com frequência na unidade de centro cirúrgico. Nesse sentido, similar aos dados deste estudo, pesquisa epidemiológica e transversal realizada por meio da consulta do Sinan de 56 municípios do norte de Minas Gerais, no período de 2008 a 2012, identificou que, entre os municípios investigados, 28 notificaram 1.025 acidentes com material biológico, prevalecendo maior percentual dos registros entre técnicos e auxiliares de enfermagem, seguido por estudantes (14,7%) e pelos médicos, com 11,6% das ocorrências. Houve predomínio dos acidentes com profissionais de 30 a 39 anos, em procedimentos cirúrgicos, durante o descarte inadequado de materiais perfurocortantes e a administração de medicamentos. Verificou-se que a exposição percutânea, o sangue como material orgânico e as agulhas como agentes foram as variáveis mais presentes predisponentes dos acidentes com material biológico(8).
Com achados também consoantes com os evidenciados no presente estudo, outra pesquisa documental, retrospectiva, descritiva e quantitativa, na qual foram analisadas 1.260 notificações do Sistema de Informação de Agravos de Notificação entre 2014 e 2018 na Região dos Vales do estado do Rio Grande do Sul, identificou a prevalência de acidentes com material biológico em profissionais do sexo feminino, na faixa etária de 28 a 33 anos, com nível médio de escolaridade, registrando-se a maior parte entre técnicos de enfermagem, seguindo-se por enfermeiros e médicos. A maioria dos acidentes se deu com sangue e exposição percutânea(10).
Isso pode ser fundamentado devido à manipulação constante de material perfurocortante e de líquidos orgânicos. O centro cirúrgico (CC) apresenta vários desafios aos profissionais, visto que o conhecimento e a agilidade nos atendimentos são fundamentais para a realização e o sucesso dos procedimentos de alta complexidade(8-10).
Nesse cenário, o profissional é submetido a uma sobrecarga física e mental devido ao estresse ocasionado pelo próprio ato anestésico-cirúrgico, além do manuseio de materiais perigosos, como equipamentos, lâminas, serras, agulhas, entre outros. Esses e outros fatores podem contribuir com o aumento da exposição ocupacional.
Quanto ao sexo, os resultados apresentados mostram o predomínio do sexo feminino nos acidentes. Já em relação à categoria, os técnicos de enfermagem foram os profissionais que mais se acidentaram, o que reforça os achados da literatura nacional(5,8-11).
Quanto a esse aspecto, foi realizado um estudo transversal objetivando analisar os acidentes de trabalho ocorridos em uma maternidade pública de referência para o nordeste brasileiro, utilizando-se dados de registros de 102 profissionais acidentados no local. Os resultados apresentam características que coadunam com o presente estudo, considerando que indicam maior prevalência anual de acidentes de trabalho no ano de 2017 (2,44%), com predominância do sexo feminino (75,5%) e trabalhadores com 1 a 5 anos de tempo de serviço (32%). A categoria profissional mais acometida foi a de técnico(a) de enfermagem (38,6%), sendo mãos/dedos as partes do corpo mais afetadas (53,6%), e perfurocortantes como os agentes causadores mais mencionados (48,5%). O referido estudou recomendou a necessidade de maior investimento nas ações de educação permanente em relação à notificação e às medidas preventivas com vistas à diminuição da ocorrência dos agravos relacionados ao trabalho(12).
Ademais, visando quantificar a subnotificação e os motivos do não registro dos acidentes de trabalho com material biológico, um estudo com achados similares ao deste foi realizado de setembro a dezembro de 2017, com 275 técnicos de enfermagem que atuam em hospital universitário do interior de São Paulo. Seus resultados revelaram que 71% dos acidentes não foram notificados, o que implica fragilidade dos procedimentos de avaliação, diagnóstico e acompanhamento dos casos. As subnotificações dos acidentes foram 2,4 vezes maiores que as notificações, com predomínio da exposição mucocutânea como agente causador. Os principais motivos dos acidentes foram relacionados à pouca percepção sobre o risco ocupacional e à sobrecarga de trabalho(11).
Vale ressaltar que a enfermagem é vista como uma categoria feminina, pois as mulheres correspondem a 84,6% da equipe, enquanto os homens representam apenas 15% da categoria. Desse modo, o predomínio do sexo feminino nos achados da pesquisa se torna explícito, pautado em pesquisa realizada pela Fundação Osvaldo Cruz em parceria com o Conselho Federal de Enfermagem. O mais amplo levantamento sobre uma categoria profissional já realizado na América Latina é inédito e abrange um universo de 1,6 milhão de profissionais(13).
Os contextos nacional e internacional evidenciam que a exposição percutânea é a mais frequente(7,9,14-16). Focado em determinar o efeito de um programa de gerenciamento de exposição ocupacional a patógenos transmitidos pelo sangue, outro estudo com achados similares a este se destaca na literatura nacional. Realizada em um hospital privado de São Paulo com capacidade para 1.600 leitos, a pesquisa entrevistou 87 enfermeiras do centro cirúrgico, de fevereiro a julho de 2018. Itens de baixa pontuação para conhecimento, atitudes e comportamento de exposição laboral aos patógenos transmitidos pelo sangue foram identificados na avaliação inicial. Os resultados indicam a eficácia do programa de gerenciamento para melhorar o conhecimento, as atitudes e a adesão de comportamento à prevenção de exposição aos patógenos entre enfermeiras de centro cirúrgico(14).
Da mesma forma, evidencia-se outro estudo transversal, desta vez disponível na literatura internacional, para determinar a prevalência e os fatores de risco para picadas de agulha e ferimentos cortantes em quatro hospitais terciários em Vientiane, República Democrática Popular do Laos. Seis meses antes da pesquisa, 11,4% (106) dos 932 funcionários do hospital haviam sofrido picadas de agulha e ferimentos cortantes, enquanto 42,1% o fizeram em toda a sua carreira. O resultado mostrou que altas taxas de riscos de picadas de agulha e ferimentos cortantes persistem entre os profissionais de saúde. Os resultados dessa pesquisa exigem programas abrangentes de saúde e segurança de injeção para profissionais de saúde envolvidos na prática clínica(15).
Na mesma perspectiva de similaridade com os riscos apontados nesta pesquisa, chama a atenção uma revisão sistemática de literatura com 15 estudos, realizada em 2017, enfatizando que a alta carga de sangue e exposições a patógenos transmitidos pelo sangue aqui demonstrada indica um alto risco de contrair doenças transmitidas pelo sangue. A prevalência de acidentes com agulhas ao longo da vida variou de 22 a 95%, e a prevalência de um ano variou de 39 a 91%. Os estudos incluíram uma série de estatísticas descritivas de conhecimento, atitudes, práticas e fatores de acesso relacionados às exposições. Dois estudos relataram que 21 a 32% dos entrevistados vincularam conhecimento ou treinamento insuficiente à prevenção de acidentes com agulhas. As taxas de recapeamento de agulhas variaram de 12 a 57% em quatro estudos. As atitudes foram geralmente positivas em relação aos procedimentos de segurança ocupacional, enquanto o acesso a esses procedimentos era ruim(16).
Após um ferimento por agulha com sangue contaminado, existe o risco de soroconversão para os vírus da hepatite B e C, além do HIV, afirmativas dos autores de estudo realizado na Alemanha, entre 2006 e 2015, que corroboram com achados desta pesquisa. No total, foram identificados 566 casos de infecção por HBV, HCV ou HIV relacionada à ocupação, apresentando maior incidência entre enfermeiros, médicos e demais profissionais de saúde, seguidos do pessoal da limpeza(17). Nessa perspectiva e similar aos resultados desta pesquisa, outro estudo, realizado em hospital de grande porte de Amã, Jordânia, entre 2013 e 2018, teve como objetivo examinar a proporção de picadas de agulha e ferimentos cortantes. No estudo em tela, registrou-se ou maior número de acidentes entre os enfermeiros, seguido por faxineiros, médicos e outros profissionais, recomendando, assim, maior foco em políticas de segurança e treinamento das equipes(18). A pesquisa evidenciou que a adoção de medidas protetivas de acidentes com material biológico é primordial, tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento, sendo uma questão de saúde coletiva de âmbito internacional.
No que tange ao agente, a agulha com lúmen é o principal dispositivo envolvido nas exposições, dado este que está em consonância com outros estudos realizados(2,4,9,18-19). Estudo de corte com achados consoantes com esta pesquisa foi desenvolvido a partir de dados secundários relacionados aos profissionais inseridos direta ou indiretamente na prestação de serviços nos estabelecimentos de saúde, maiores de 18 anos, que sofreram acidente com material biológico e foram atendidos em Goiânia, no período de 2007 a 2016. Dos 8.596 acidentes notificados, foram analisadas 2.104 exposições, a maioria ocorrida entre pessoas do sexo feminino, com ensino médio completo e pertencente à equipe de enfermagem. Os acidentes ocorreram, predominantemente, por lesão percutânea envolvendo agulha com lúmen, durante administração de medicamentos ou acesso vascular. A taxa de abandono do acompanhamento foi de 41,5%. Os fatores preditores para a interrupção do seguimento clínico-laboratorial foram idade, ocupação, uso de equipamento de proteção individual (avental), objeto envolvido no acidente, situação no mercado de trabalho, circunstância da exposição e condutas profiláticas recomendadas(19).
Similaridade com os achados deste estudo pode ser observada também em pesquisa descritiva, transversal, realizada com 75 profissionais no pronto-socorro do Hospital Regional de Ceilândia, cidade de grande porte do Distrito Federal. O estudo foi realizado com 14 enfermeiros e 61 técnicos de enfermagem, escolhidos por amostragem aleatória simples entre um universo de 35 enfermeiros e 79 técnicos. Registrou-se alta taxa de profissionais acidentados, com maior prevalência entre aqueles de nível técnico. A vivência do acidente parece encontrar-se imageticamente ligada a momentos (antes, após e durante), causas, consequências e sentimentos(20).
Observa-se que, dos profissionais expostos, 128 (55,9%) estavam usando EPI, 37 (16,2%) não usavam, 63 (27,5%) utilizavam algum tipo de EPI, e um (0,4) foi ignorado. Tais dados diferem do estudo realizado por Pereira et al. (2021), que mostrou baixa adesão dos equipamentos, visto que menos da metade dos profissionais usavam EPI no momento do acidente. Algo ainda mais preocupante é o fato de muitos profissionais usarem EPI de forma incompleta, gerando uma falsa proteção(5,9,19).
Dessa forma, a questão comportamental é um dos desafios enfrentados para a redução desse agravo, uma vez que os resultados do estudo nos levam a observar que o autocuidado é algo que ainda precisa ser trabalhado com os profissionais. Além disso, demanda incentivo e persistência por parte da educação continuada. Embora o conhecimento prévio não impeça a exposição, o desenvolvimento periódico de atividades voltadas para a temática talvez seja uma forma de minimizar o problema.
Da mesma forma, consoante com achados desta pesquisa, foi realizado um estudo transversal visando traçar o perfil epidemiológico dos profissionais de saúde vítimas de acidentes com materiais biológicos em Canoas, Rio Grande do Sul, Brasil, em 2017, a partir das notificações de acidentes de trabalho com exposição a materiais biológicos constantes do banco de dados de vigilância epidemiológica da cidade De acordo com a pesquisa, ocorreram 121 acidentes de trabalho com exposição a materiais biológicos no referido período. Os acidentes prevaleceram entre pessoas do sexo feminino (93,4%), na raça branca (69,4%) e em trabalhadores de 20 a 30 anos (40,5%). A exposição percutânea esteve associada a 76,8% dos acidentes, sendo o sangue o material biológico envolvido mais prevalente (90%), e as agulhas ocas, o principal agente causador (64,5%). As luvas foram o equipamento de proteção individual (EPI) mais utilizado (75,2%). Cerca de 93,4% da amostra foi vacinada contra hepatite B(21).
No que se refere às atividades laborais das equipes hospitalares, vale mencionar que os hospitais universitários recebem muitos estudantes e profissionais recém-formados, estando estes, portanto, em fase de construção, consolidação e aprimoramento do conhecimento. O cenário, todavia, apresenta muitos riscos para os trabalhadores, sobretudo para os estudantes. Corroborando com os achados deste estudo, uma análise sistêmica dos acidentes de trabalho realizada no interior de São Paulo, no período de 2019 e 2020, em um complexo hospitalar universitário público com 21 residentes de medicina, confirmou que maioria dos acidentes com material biológico ocorrem com médicos e técnicos de enfermagem(2). Da mesma forma, similares aos dados deste estudo, pesquisa realizada em 2016, com 10 trabalhadores da área de saúde do interior do Rio Grande do Sul, apontou prevalência de profissionais do sexo feminino e técnicos de enfermagem(22).Os resultados de ambos os estudos mostram que a causa dos acidentes é multifatorial, englobando questão organizacional, divisão de tarefas, complexidade estrutural do sistema, dificuldades nas comunicações horizontais e verticais, movimentação do paciente, inexperiência na função, sobrecarga de trabalho, ausência de supervisão, entre outras(2,22).
Por outro lado, o hospital universitário é campo aberto para o conhecimento e deve ser explorado ao máximo pelos profissionais e, principalmente, por estudantes. Dessa forma, constitui-se em um dos melhores ambientes para investimento em educação preventiva, visando o coletivo e a prática do autocuidado.
Sendo assim, a educação preventiva é de extrema importância na grade curricular dos profissionais de saúde. Investir em programas para a prevenção de acidentes nas instituições hospitalares reforça o conhecimento adquirido na universidade e traz reflexões sobre um ambiente rico no saber o qual é cercado por riscos e desafios.
CONCLUSÕES
O presente estudo permitiu conhecer a categoria de profissionais mais exposta a acidentes com material biológico no hospital universitário, bem como a incidência e a prevalência do agravo. Avaliar os acidentes com material biológico em uma determinada unidade permite desenvolver um diagnóstico do problema, possibilitando intervenções baseadas em conhecimento e planejamento.
O estudo contribuiu significativamente para a reorganização do trabalho em saúde, uma vez que também traz um alerta para a importância da educação preventiva em hospitais universitários, os quais desenvolvem um papel importante na construção do conhecimento, na formação dos profissionais e na rotina dos trabalhadores.
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Contribuição dos autores
Alexmália Fiorini da Costa Balonecker; Wiliam César Alves Machado. Concepção e planejamento do estudo; Obtenção, análise e interpretação dos dados; Redação e revisão crítica; Aprovação final.
Hilmara Ferreira da Silva; Carmen Fernandes Alves; Karla Regina Oliveira de Moura Ronchini; Raiane Moreira dos Santos; Rosilene Alves Ferreira. Obtenção, e análise e interpretação dos dados: Revisão crítica; Aprovação final.
Fomento: não há instituição de fomento
Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519