INTERFACE ENTRE O CONTEÚDO DE INSTRUMENTOS PARA AVALIAÇÃO DO AUTOCUIDADO DE PESSOAS COM ESTOMIAS INTESTINAIS

 

INTERFACE BETWEEN THE CONTENT OF INSTRUMENTS FOR ASSESSING THE SELF-CARE OF PEOPLE WITH INTESTINAL STOMS

 

INTERFAZ ENTRE EL CONTENIDO DE LOS INSTRUMENTOS PARA EVALUAR EL AUTOCUIDADO DE LAS PERSONAS CON ESTOMAGO INTESTINAL

 


1Claudiomiro da Silva Alonso

2Eline Lima Borges

3Fernanda Esmério Pimentel

4Taysa de Fátima Garcia

 

1Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil – ORCID: 0000-0001-5868-1812

2Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil ORCID: 0000-0002-0623-5308

3Secretaria de Saúde de Barbacena, Barbacena, Brasil, ORCID: 0000-0002-6716-7214

4Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil ORCID: 0000-0001-5868-1812

 

Autor correspondente

Claudiomiro da Silva Alonso

Av. Prof. Alfredo Balena, 190 - Santa Efigênia, Belo Horizonte - MG, Brasil 30130-100, Tel: +55(31) 9 86606198, E-mail: claudiomiro.alonso2015@hotmail.com.

 

 

Submissão: 06-02-2023

Aprovado: 28-11-2023

 

 

RESUMO

Objetivo: descrever a interface entre o conteúdo de instrumentos para avaliação do autocuidado de pessoas com estomias intestinais. Métodos: trata-se de estudo descrito, qualitativo e de caráter documental. Seguiu-se as etapas de pré-análise, organização do material e análise dos dados. A coleta de dados ocorreu em repositórios de três universidades internacionais. Na análise, os dados foram confrontados, identificando-se os pontos de convergência entre o conteúdo dos instrumentos. Resultados: foram incluídos três instrumentos que avaliam o autocuidado de pessoas com estomias intestinais. Os formulários possuem conteúdo específicos e compartilham temas, sendo eles: aconselhamento profissional, tipos de equipamentos coletores, higiene do estoma e pele periestomia e troca do equipamento coletor. Considerações finais: os formulários possuem conteúdos comuns e específicos. Entretanto, apresentam concepções teóricas diferentes sobre o autocuidado, o que confere um conteúdo diversificado, que deve ser avaliado antes do uso do instrumento, com vistas a atender os objetivos dos profissionais de saúde e pessoas com estomias. Ratifica-se que na ausência de instrumentos nacionais, a busca por instrumentos internacionais torna-se alternativa, como já vem acontecendo com outras temáticas e ao conhecer as interfaces entre os instrumentos, a escolha torna-se mais assertiva para implementação de uma tecnologia para uso efetivo no Brasil.

Palavras-chave: Autocuidado; Avaliação de Processos em Cuidados de Saúde; Estomia; Estomaterapia; Populações Vulneráveis.

 

ABSTRACT

Objective: to describe the interface between the content of instruments for assessing self-care of people with intestinal stomas. Methods: this is a descriptive, qualitative and documental study. This was followed by the steps of pre-analysis, material organization and data analysis. Data collection took place in repositories of three international universities. In the analysis, the data were compared, identifying the points of convergence between the content of the instruments. Results: three instruments that assess the self-care of people with intestinal stomas were included. The forms have specific content and share themes, namely: professional advice, types of collection equipment, stoma and peristomal skin hygiene and exchange of collection equipment. Final considerations: the forms have common and specific contents. However, they have different theoretical conceptions about self-care, which gives a diversified content, which must be evaluated before using the instrument, with a view to meeting the objectives of health professionals and people with stomas. It confirms that in the absence of national instruments, the search for international instruments becomes an alternative, as has already been happening with other themes and when knowing the interfaces between the instruments, the choice becomes more assertive for the implementation of a technology for use effective in Brazil.

Keywords: Self-Care; Evaluation of Processes in Health Care; Ostomy; Stomatherapy; Vulnerable Populations.

 

RESUMEN

Objetivo: describir la interfaz entre el contenido de instrumentos para evaluar el autocuidado de personas con estomas intestinales. Métodos: se trata de un estudio descriptivo, cualitativo y documental. A esto le siguieron los pasos de preanálisis, organización de materiales y análisis de datos. La recolección de datos se llevó a cabo en repositorios de tres universidades internacionales. En el análisis, los datos fueron comparados, identificando los puntos de convergencia entre el contenido de los instrumentos. Resultados: se incluyeron tres instrumentos que evalúan el autocuidado de personas con estomas intestinales. Los formularios tienen contenidos específicos y comparten temas, a saber: asesoramiento profesional, tipos de equipos de recolección, higiene de estoma y piel periestomal e intercambio de equipos de recolección. Consideraciones finales: las formas tienen contenidos comunes y específicos. Sin embargo, tienen diferentes concepciones teóricas sobre el autocuidado, lo que da un contenido diversificado, que debe ser evaluado antes de utilizar el instrumento, con el fin de cumplir con los objetivos de los profesionales de la salud y las personas con estomas. Confirma que en ausencia de instrumentos nacionales, la búsqueda de instrumentos internacionales se convierte en una alternativa, como ya viene ocurriendo con otros temas y al conocer las interfaces entre los instrumentos, la elección se vuelve más asertiva por la implementación de una tecnología de uso efectivo en Brasil.

Palabras clave: Cuidados Personales; Evaluación de Procesos en la Atención de la Salud; Ostomía; Estomaterapia; Poblaciones Vulnerables.


 


INTRODUÇÃO

As estomias de eliminação intestinal consistem na construção cirúrgica de um orifício artificial para saída do conteúdo intestinal (efluente) e gases provenientes do intestino delgado, denominadas de ileostomia, ou do intestino grosso, chamadas de colostomia. A confecção de uma estomia intestinal é uma técnica terapêutica comumente usada para tratar diferentes doenças colorretais(1).

Embora essa intervenção cirúrgica tenha potencial para prolongar a vida do paciente, pode causar problemas em seu estilo de vida diário e afetar sua qualidade de vida, com impacto significativo em múltiplas perspectivas, incluindo aspectos físicos, psicológicos, sociais e espirituais(2).

Tais fatos estão relacionados com a complexidade da nova condição de vida, em que a pessoa com estomia é incluída no grupo de pessoas com deficiências e demandam o uso contínuo de um equipamento coletor (bolsa) aderido à pele na região abdominal para o recebimento do efluente intestinal e flatos(3). Essa conjuntura de alteração do trânsito intestinal, a necessidade do uso de uma tecnologia em saúde, a dependência de suporte profissional, social e familiar fomentam sentimentos conflituosos, uma vez que direitos são recorrentemente negligenciados(4).

Essa fragilidade cotidiana na garantia dos direitos às pessoas com estomias, alocam essa clientela no grupo de populações vulneráveis. Desta forma, a omissão do poder público na proteção dos direitos sociais banalizou importantes aspectos que permeiam a reabilitação, destacando-se o acesso a serviços de saúde, atendimento especializado e educação para o autocuidado(5). Nesta ótica, pessoas com estomias podem perder autonomia e postergam a adaptação e aceitação e desenvolvem dependência dos serviços de saúde(6).

A dependência dos serviços de saúde deixa de ser apoio e suporte e torna-se uma repercussão negativa quando o autocuidado não é realizado pelas pessoas com estomias, as quais apresentam mais complicações na estomia e pele periestomia e custo mais elevados(7). A experiência do autocuidado dessas pessoas é influenciada pelo apoio familiar, bem como pelo suporte especializado dos profissionais de saúde para o alcance da reabilitação e adaptação à sua nova condição. Apesar disso, o autocuidado, que é o início do processo de reabilitação, não é facilitado, pois as repercussões dessa deficiência na vida das pessoas constituem barreiras sociais na retomada do seu cotidiano(3).

 Assim, ratifica-se a importância da avaliação do autocuidado de pessoas com estomias intestinais e a implementação de intervenções educativas, uma vez que possuem impacto significativo em vários indicadores sensíveis à intervenção dos profissionais de enfermagem, nomeadamente estado funcional, segurança, impacto psicológico e redução de custos(8).

Apesar da relevância da temática, não há um panorama fiel sobre o autocuidado de pessoas com estomias, visto que no Brasil não existem ferramentas validadas e disseminadas na prática clínica que cumpram com esse objetivo. Diversamente, no cenário internacional, algumas ferramentas são citadas na literatura(9-11), mas o conteúdo integral desses instrumentos de avaliação do autocuidado está restrito aos repositórios internacionais, o que dificulta a tradução do conhecimento e sua interlocução para resolução deste problema no Brasil. Ademais, o desconhecimento do conteúdo desses instrumentos impede a escolha coerente e efetiva para um futuro processo de adaptação transcultural.

Neste sentido, destaca-se a seguinte questão norteadora: Qual a interface entre o conteúdo dos instrumentos de avaliação do autocuidado de pessoas com estomias intestinais?  Em face do exposto, este estudo objetivou descrever a interface entre o conteúdo de instrumentos para avaliação do autocuidado de pessoas com estomias intestinais. 

 

MÉTODOS

Trata-se de estudo descrito, qualitativo e de caráter documental. A definição metodológica fundamentou-se no conceito de pesquisa documental, a qual consiste num intenso e amplo exame de materiais que ainda não sofreram nenhum trabalho de análise, ou que podem ser reexaminados, buscando-se outras interpretações ou informações complementares(12).

Foi desenvolvido entre outubro e dezembro de 2022. Seguiu-se as três etapas fundamentais para realização da pesquisa documental: a pré-análise, a organização do material e análise dos dados coletados(13).

Previamente, foi realizada a seleção dos documentos após busca não sistematizada em bases de dados e gerenciadores de documentos (Google Acadêmico; bases de dados da Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Medical Lite-rature Analysis and Retrieval System Online (MEDLI-NE), Cumulative  Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e Web of Science, utilizando os descritores em ciências da saúde (DeCS) “Autocuidado” AND “Avaliação de Processos em Cuidados de Saúde” AND “Estomia” e suas respectivas traduções nas versões em inglês, espanhol, italiano e francês. Os critérios de direcionamento da busca foram: documentos com conteúdo integral disponível gratuitamente, escritos em português, inglês francês, italiano e espanhol e publicados a qualquer tempo, com vistas a identificar quais os instrumentos para avaliação do autocuidado de pessoas com estomias foram publicados.

Verificou-se que não havia instrumentos brasileiros e apenas três instrumentos internacionais ocidentais que foram citados em artigos. De posse dos títulos de cada instrumento, buscou-se os estudos primários. A coleta de dados foi realizada nos repositórios abertos da Università degli Studi di Roma Tor Vergata (Itália); Universidad Cardenal Herrera (Espanha) e Universidade do Porto (Portugal) e foram recuperados três relatórios de pesquisas primárias, no formato de teses ou dissertação. A escolha pelos relatórios de pesquisa em detrimento de artigos justificou-se pela complexidade de informações sobre a construção dos instrumentos, as quais por limitação de página não são detalhadamente descritas nos artigos.

A exploração do material ocorreu após extração de informações sobre o ano de publicação, objetivo, fundamentação teórica e conteúdo de cada instrumento. Posteriormente, os conteúdos dos instrumentos foram traduzidos por dois profissionais com habilitação em línguas estrangeiras.  Na análise, os dados foram confrontados por dois pesquisadores, identificando-se os pontos de convergência entre o conteúdo dos três formulários, além das especificidades que cercam cada formulário, desvendando o conteúdo latente que os documentos possuem.

Por se tratar de uma pesquisa documental cuja fonte de dados é de domínio público e de livre acesso, o presente estudo não necessitou de apreciação por parte do Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos.

 

RESULTADOS

Foram incluídos neste estudo três instrumentos internacionais de avaliação do autocuidado de pessoas com estomias intestinais. O primeiro, denominado Formulário de avaliação do desenvolvimento da competência de autocuidado de pessoas com ostomias de eliminação intestinal (CAO:EI-ESEP) foi desenvolvido no ano de 2011 por pesquisadores da Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal. Tem como objetivo avaliar a competência para o autocuidado de pessoas com estomias de eliminação intestinal. É composto de 59 itens subdivididos em duas partes: caracterização sociodemográfica e clínica e competência para o autocuidado. A segunda parte versa sobre a competência para o autocuidado, abordada em seis domínios, sendo eles: conhecimento, autovigilância, interpretação, tomada de decisão, execução, negociação e utilização dos recursos de saúde. O conteúdo do formulário foi desenvolvido com base nos fundamentos da Teoria do Déficit do Autocuidado e taxonomias universais da Nursing Outcomes Classification (NOC)(11).

O segundo instrumento, intitulado Ostomy Self-Care Index (OSCI) foi desenvolvido por pesquisadores italianos no ano de 2018. Tem como objetivo medir o autocuidado em pessoas com estomias de eliminação intestinal. É um índice autopreenchido pela pessoa com estomia e possui 32 itens, subdivididos em quatro domínios: manutenção do autocuidado, monitoramento do autocuidado com reconhecimento da estomia e pele periestomia, manejo do autocuidado com reconhecimento de problemas e comportamentos de resposta e confiança na capacidade de se envolver efetivamente no autocuidado. Utilizou a teoria de médio alcance de doença crônica de Riegel como referencial teórico(9).

O terceiro instrumento, nomeado Cuestionario específico de autocuidados en pacientes ostomizados (CAESPO) foi desenvolvido por pesquisadores da Espanha no ano de 2014. Tem como objetivo medir o nível de autocuidado de pessoas com estomias de eliminação intestinal. É um questionário preenchido pelo enfermeiro, composto de 58 itens divididos em três seções: dados sociodemográficos, clínicos e de autocuidado. O CAESPO foi projetado para ser usado no ambiente clínico por enfermeiros com treinamento ou especialização em estomaterapia. Utilizou como referencial a Teoria de Autoeficácia de Bandura(10).

Apesar de todos os instrumentos serem utilizados na avaliação do autocuidado de pessoas com estomias de eliminação, verifica-se que cada instrumento possui conteúdo específico (Figura 1).


 

Figura 1 – Conteúdo específico de cada instrumento. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2023

OSCI

CAESPO

CAO:EI-ESEP

Adesão as orientações para manejo da estomia

Aparência física

Aplicação de protetores cutâneos

Adesão as orientações para troca do equipamento coletor

Apoio do parceiro

Aprendizado ativo

Comunicação com profissionais de saúde

Atitude positiva e melhora da saúde

Avaliação do cuidado prestado por serviços de saúde

Fornecimento de equipamentos coletores

Atividade física

Características da estomia

Manutenção das boas condições da estomia e pele periestomia

Comunicação com o parceiro e familiares

Características e alterações no efluente

Monitoramento da capacidade da bolsa coletora

Conhecimento sobre problemas de saúde

Conceitos e finalidades da estomia de eliminação

Monitoramento da quantidade e alterações no efluente

Expectativa para o futuro

Condições para troca do equipamento coletor

Monitoramento das condições do estoma e pele periestomia

Funcionamento da estomia

Confirmação do ajuste do equipamento coletor

Monitoramento de vazamentos no equipamento coletor

Lazer e recreação

Conforto na execução de procedimentos

Monitoramento dos efeitos da dieta no efluente

Nível de aconselhamento ofertado por profissionais

Consequências das decisões

Persistência no cumprimento das orientações

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Observação da estomia pelo parceiro

Estética no resultado de procedimentos

Relação sexual

Gerenciamento de tempo na execução de procedimentos

Reorganização da vida

Liberação de gases contidos na bolsa coletora

Sustento da família

Necessidades de aprendizado

Tarefas domésticas

Prevenção de complicações na estomia e pele periestomia

Técnicas para melhoria do sono e relaxamento

Prioridades na tomada de decisão

Toque na região periestomia

Registro de ocorrências significativas

Trabalho

Resultados do autocuidado no bem-estar

Vestuário

Utilização de serviços de saúde

 


Sobre os pontos de convergência entre os instrumentos Ostomy Self-Care Index (OSCI) e Cuestionario específico de autocuidados en pacientes ostomizados (CAESPO), verifica-se três temas: dieta saudável; exposição de problemas e necessidades em saúde monitoramento do peso corporal.

Entre os instrumentos Ostomy Self-Care Index (OSCI) e Formulário de avaliação do desenvolvimento da competência de autocuidado de pessoas com ostomias de eliminação intestinal (CAO:EI-ESEP), apresenta-se 5 temas de convergência: adaptação dos equipamentos coletores; características e alterações no efluente intestinal; intervenções para minimizar complicações na estomia e pele periestomia. recorte da base adesiva; secagem da pele periestomia.

Entre os instrumentos Cuestionario específico de autocuidados en pacientes ostomizados (CAESPO) e Formulário de avaliação do desenvolvimento da competência de autocuidado de pessoas com ostomias de eliminação intestinal (CAO:EI-ESEP), apresenta-se 6 temas de convergência: complicações na estomia e pele periestomia; irrigação intestinal; medição do estoma; observação da estomia e pele periestomia; organização de materiais necessários para cuidar da estomia; recursos comunitários.

Ao relacionar o conteúdo dos instrumentos Ostomy Self-Care Index (OSCI), Cuestionario específico de autocuidados en pacientes ostomizados (CAESPO) e Formulário de avaliação do desenvolvimento da competência de autocuidado de pessoas com ostomias de eliminação intestinal (CAO:EI-ESEP), verifica-se 4 pontos de convergência (Figura 2).


Figura 2 – Pontos de convergência de conteúdo entre os instrumentos OSCI, CAESPO e CAO:EI-ESEP. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2023

Diagrama, Diagrama de Venn

Descrição gerada automaticamente

 


DISCUSSÃO

A avaliação de fenômenos em saúde é atividade comumente realizada por profissionais de saúde no Brasil e no mundo. Para tal, o uso de instrumentos exploratórios ou de medida na prática clínica é crucial e na ausência de uma tecnologia coerente e alinhada com os objetivos propostos, torna-se necessária a realização de adaptação transcultural ou a construção de novos instrumentos, os quais originam-se de revisão prévia das temáticas latentes(14).

Neste estudo, verificou-se que não havia instrumentos brasileiros para avaliação do autocuidado de pessoas com estomias intestinais. Entretanto, três instrumentos internacionais foram citados na literatura(9-11) e ao terem seus conteúdos confrontados, verificou-se pontos de convergência, os quais são amplamente recomendados na literatura nacional e internacional(15-16).

O aconselhamento profissional foi um ponto de convergência entre os instrumentos. É entendida como a busca por orientação de profissionais de saúde na tomada de decisão. Verifica-se que programas de educação desenvolvidos por enfermeiros que prestam aconselhamento profissional no pré e pós-operatório tem efeitos significativos para reduziu as complicações relacionadas à estomia e melhorar o nível de autoeficácia e a qualidade de vida relacionada à saúde (17-18).

Da mesma forma, as Diretrizes de Prática Clínica para Cirurgia de Estomia da Sociedade Americana de Cirurgiões de Colón e Reto ratificaram em um estudo randomizado e vários estudos observacionais o valor do aconselhamento profissional de enfermagem após a confecção de uma estomia intestinal, os quais podem ser prestados em casa, ambulatórios ou por telefone, resultando em menos problemas relacionados à estomia, melhor ajuste da ostomia e maior satisfação com os cuidados(19).

No contexto brasileiro, não foram verificados estudos que medissem o efeito do aconselhamento profissional na saúde de pessoas com estomias. Entretanto, estudo qualitativo, realizado com 21 profissionais de saúde brasileiros sinalizou dissonância entre o discurso dos profissionais e a prática, uma vez que evidenciou dimensões banalizadas no cotidiano laboral da enfermagem, em que o aconselhamento profissional no pós-operatório não é rotineiramente implementado sob a justificada pela insuficiência de tempo(20).

Em contrassenso com o que foi verificado no contexto nacional, o Consenso Brasileiro de Cuidado às Pessoas Adultas com Estomias de Eliminação recomenda que o aconselhamento e acompanhamento da pessoa com estomia seja realizado por enfermeiros estomaterapeutas no período perioperatório e que visitas domiciliares de forma regular e sistemática favorecem aumento de segurança, confiança, adaptação e qualidade de vida(15).

Sabe-se que viver com uma estomia promove uma série de mudanças na vida de uma pessoa e que a ausência de suporte profissional e outras omissões podem contribuir para o surgimento de complicações na estomia e sentimentos negativos como a vergonha, insegurança, vulnerabilidade e não aceitação da sua nova condição, o que dificulta a reabilitação(3). Ademais, entende-se que o equipamento coletor intensifica a vivência caótica da pessoa com estomia, pois trata-se de uma tecnologia em saúde que exige conhecimentos, habilidades e atitudes que permeiam desde a escolha do melhor equipamento até a sua substituição(21).

Nesta ótica, as principais dificuldades apontadas por pessoas com estomias residem na escolha do equipamento coletor, cuidado com a pele periestomal e manejo dos episódios de vazamento(22). Por isso, é de suma importância que os instrumento de avaliação do autocuidado de pessoas com estomias comtemplem temas que versem sobre as características dos equipamentos coletores e as melhores evidencias para cuidado com a estomia e troca do equipamento coletor(15-16).

Pautado em recomendações de instituições especializadas, entende-se que a seleção do equipamento coletor deve considerar fatores individuais, características da estomia, pele periestomia e formato do abdômen. O equipamento coletor deve proteger a pele do efluente; ser à prova de odor; ter sistema de fechamento seguro e proteger a estomia do trauma(15-16).

Essa situação de desconhecimento sobre as características dos equipamentos coletores é comum na prática clínica e está representada na literatura internacional. Estudo transversal português, realizado com 50 pessoas na fase pré-operatória de cirurgias para confecção de estomia sinalizou que 38% dos participantes desconheciam os dispositivos necessários ao cuidado ao estoma e 62% tinham conhecimento parcial(23).

Logo, é fundamental para o processo de readaptação da pessoa que viverá com uma estomia de eliminação intestinal receber aconselhamento e orientações sobre características dos equipamentos coletores(15), o que contribui para a minimização da ansiedade e do medo através do esclarecimento de dúvidas. Por isso, desconhecer a finalidade da própria estomia, os dispositivos estão disponíveis e necessários para cuidar do estoma e as mudanças decorrentes da presença do estoma no dia a dia, são temáticas que não podem ser negligenciadas nos planos de cuidados de enfermagem(23).

Dessa forma, receber aconselhamento, conhecer as características de equipamentos coletor e ações de manejo com a estomia são relevantes para a prevenção de complicações na estomia e pele periestomia. Um número significativo de pessoas com estomia possui uma ou mais complicações relacionadas com o estoma ao longo da sua vida. Tal fato dificulta a capacidade da pessoa para o autocuidado, gerando consequentemente, problemas psicossociais, aumento das morbidades e dos custos de saúde associados(24).

Sobre as dificuldades de manejo com a estomia, estudo realizado com 688 pessoas com estomias, identificou 116 desafios para o autocuidado, dos quais a maioria estavam relacionados com o manejo do equipamento coletor. Além disso, emergiram outros temas, como o sangramento, dor, vazamento, problemas de pele, tempo para cuidar da estomia,  soluções para higiene, baixa aderência do equipamento coletor, reações alérgicas a adesivos e dor ao redor da estomia. Esses desafios impactaram negativamente na participação em atividades sociais e na autoconfiança  de pessoas com estomias(25).

Sobre os fatores de risco que o desenvolvimento de complicações na estomia e pele periestomia, verificou-se que a maioria não são modificáveis. Dos fatores sensíveis à intervenção do enfermeiro evidenciaram o aconselhamento traduzidos em educação pré e pós-operatória, demarcação do local do estoma e acompanhamento após a alta hospitalar(21).

Nesta ótica, percebe-se que o desenvolvimento de complicações pode ser prevenido com o acompanhamento de enfermeiros no pós-operatório, os quais orientarão cuidados necessários a manutenção das condições adequadas na estomia e pele periestomia. Dentre as orientações que devem compor o plano de ensino para o autocuidado destaca-se a limpeza da estomia e pele periestomia com água e sabão neutro ou limpadores próprios, secagem suave e colocação do equipamento coletor e aplicação de adjuvantes quando necessários(15).

A atividade de higiene da estomia e pele periestomia está contida nos três instrumentos que compuseram a amostra deste estudo. Sabe-se que a limpeza tem relação direta com a prevenção da dermatite irritativa na pele periestomia. Sobre as causas para essa complicação, destaca-se: ausência de demarcação no pré-operatório; corte inadequado da bolsa coletora; tipo de equipamento coletor; alergias aos cremes-barreira e placa protetora; e em especial a ausência do conhecimento da pessoa submetida ao processo de estomia(26).

Recomenda-se que a higiene seja realizada com água e sabão, dando preferência para aquele com pH ligeiramente ácido ou neutro; evitar produtos que possam deixar resíduo alcoólico na pele periestomia; Não utilizar substâncias como álcool, mercúrio, tintura de benjoim, benzina, pomadas, óleos, cremes hidratantes e talco sobre a estomia e pele periestomia(15-16).

Sobre a troca do equipamento coletor, verifica-se que muitas pessoas com estomias não assumem essa atividade e criam dependência dos familiares e profissionais de saúde, o que diminui a autonomia, aceitação e reabilitação. Ademais, gera inquietação, medo, dúvidas e insegurança(27).Recomenda-se que na avaliação do autocuidado, o enfermeiro acompanhe as etapas do processo de troca do equipamento coletor realizado pela pessoa com estomia ou cuidador(15-16).

Apesar da importância das orientações para troca do equipamento coletor, estudo brasileiro sinalizou que as orientações no período pré-operatório são fundamentais, porém se observa que muitas vezes elas não ocorrem, Uma hipótese que se confirma na prática clínica é o desconhecimento dos enfermeiros sobre a técnica e pressupostos para a troca do equipamento coletor, uma vez que a assistência as pessoas com estomias não é realizada exclusivamente por estomaterapeutas(28).

Estudo desenvolvido para verificar o conhecimento do profissional de Enfermagem sobre o cuidado com pacientes com estomias intestinais de eliminação sinalizou baixo conhecimento sobre de troca do equipamento coletor, com scores menores que 50% em todas as ações(29). Complicações relacionadas às estomias podem ter ligação com a técnica e frequência do equipamento coletor. Desta forma, recomenda-se que a troca do equipamento coletor seja realizada com regularidade para evitar infiltrações e vazamentos do efluente. A rotina e a frequência da troca do equipamento coletor variam de acordo com o tipo e posição da estomia, presença de complicações, temperatura ambiente, atividades ao ar livre ou transpiração. Deve-se evitar a remoção frequente do equipamento coletor, pois minimiza o risco de lesões na pele periestomia. Além disso, nenhum equipamento coletor deve permanecer aderido à pele por período superior a sete dias(14-15).

Em síntese, apesar da convergência entre temáticas dos três instrumentos, o que forma a interface deste estudo, verificou-se que cada instrumento possui particularidades. O OSCI tem como caraterísticas marcante a avaliação do autocuidado com ações interdisciplinares, as quais permeiam dieta e adesão as orientações profissionais. O CAESPO possui em seu escopo temáticas mais subjetivas da vivência com a estomia que permeiam as relações familiares, contexto laboral, autoimagem, aceitação e expectativas para o futuro. O CAO:EI-ESEP tem como peculiaridade o empoderamento da pessoa com estomia, com ênfase nas consequências das próprias escolhas e ações objetivas de manejo da estomia.

Logo, o autocuidado é um fenômeno complexo e multidimensional e que os instrumentos possuem conteúdos variados que sob uma lente teórica, enxergam e priorizam seus conteúdos(11). Ademais, o conteúdo de um instrumento deve considerar os objetivos, público-alvo, contexto e cultura do país(14). Nesta ótica, entende-se que para o contexto brasileiro será necessário o desenvolvimento e análise de propriedades de um instrumento que incorpore o conteúdo dos três instrumentos citados, com vistas a obter um a tecnologia de avaliação completa e abrangente do fenômeno autocuidado.

Como limitações para estudo, apontamos que na busca pela interface entre o conteúdo dos instrumentos, verificou-se que algumas temáticas podem estar implícitas no conteúdo de um instrumento, a qual só poderá ser confirmada com a utilização dos instrumentos na prática clínica, uma vez que alguns itens são subjetivos e se amoldam com a personalidade e experiência do avaliador. Outro ponto limitante é que a busca em idiomas orientais não foi realizada, o que pode ter ocultado instrumentos. Todavia, essa hipótese é pouco provável, uma vez que a maioria das bases internacionais publicam títulos de estudos e utilizam descritores na língua inglesa como estratégia para globalização das produções científicas.

Sobre as contribuições para a prática, entende-se que ao descrever as singularidades e a interface entre o conteúdo de instrumentos para avaliação do autocuidado de pessoas com estomias intestinais é possível reconhecer as temáticas que permeiam o fenômeno do autocuidado e realizar uma escolha coerente sobre o melhor instrumento para adaptação transcultural. Outra contribuição será no desenvolvimento de um instrumento nacional, em que será possível unir os temas abrangentes e construir um instrumento completo, respeitando os objetivos e diversidade cultural brasileira.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Conclui-se que os instrumentos de avaliação do autocuidado de pessoas com estomias intestinais possuem conteúdos comuns e específicos. Entretanto, apresentam concepções teóricas diferentes sobre o autocuidado, o que confere um conteúdo diversificado, o qual deve ser avaliado antes da escolha do instrumento para processos de adaptação transcultural, com vistas a atender os objetivos dos profissionais de saúde e pessoas com estomias.

Com relação a interface do conteúdo desses instrumentos, as temáticas: aconselhamento profissional, tipos de equipamentos coletores, higiene do estoma e pele periestomia e troca do equipamento coletor foram pontos de convergência entre o conteúdo dos três instrumentos. Sobre as especificidades, em síntese, o instrumento OSCI prioriza a avaliação do autocuidado com ações interdisciplinares sistêmicas. O CAESPO analisa pontos de subjetividade da vivência com a estomia e o CAO:EI-ESEP inquieta-se com a participação efetiva do sujeito no processo de cuidar da estomia, com autonomia e independência.

 

REFERÊNCIAS

 

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Contribuições dos autores

Análise Formal: Alonso CS; Garcia TF e Borges EL; Conceitualização: Alonso CS e Pimentel FE; Cura de Dados: Alonso CS e Pimentel FE; Metodologia: Alonso CS e Borges EL; Redação – Primeira Versão: Alonso CS e Pimentel FE; RedaçãoRevisão & Edição: Alonso CS; Garcia TF e Borges EL; Supervisão: Borges EL; Validação: Alonso CS; Garcia TF e Borges EL; Visualização: Alonso CS; Garcia TF; Pimentel FE e Borges EL.

A pesquisa não recebeu financiamento

Declaração de conflito de interesses

Nada a declarar