FUNCIONALIDADE FAMILIAR EM TEMPOS DE PANDEMIA DA COVID-19: REVISÃO DE ESCOPO
FAMILY FUNCTIONALITY IN TIMES OF THE COVID-19 PANDEMIC: SCOPE REVIEW
FUNCIONALIDAD FAMILIAR EN TIEMPOS DE LA PANDEMIA DE COVID-19: REVISIÓN DE ALCANCES
Mayara Araújo Rocha1
Renata Marinho Fernandes2
Anna Thays Dias Almeida3
Ana Quitéria Fernandes Ferreira4
Richardson Augusto Rosendo da Silva5
Ana Luísa Brandão de Carvalho Lira6
Rodrigo Assis Neves Dantas7
1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil. ORCID: 0000-0002-4991-0430,
2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil. ORCID: 0000-0001-7358-9061,
3 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil. ORCID: 0000-0001-5511-6121,
4 Estácio-RN, Natal, RN, Brasil. ORCID: 0000-0002-9242-0285,
5 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil. ORCID: 0000-0001-6290-9365,
6 Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil. ORCID: 0000-0002-7255-960X,
7 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil. ORCID: 0000-0002-9309-2092.
Autor correspondente
Ana Quitéria Fernandes Ferreira
Rua Francisco de Assis de Oliveira Nº 50, Jardim Planalto. Parnamirim-RN. Brasil CEP: 59350-000
Fone: +55(84) 98852-2004. E-mail: aninhaquiteria86@hotmail.com
Fomento e Agradecimento: Informar a instituição de fomento. Agradecimentos são opcionais para participantes não considerados autores.
Submissão: 07-02-2023
Aprovado: 17-07-2023
RESUMO
Objetivo: mapear as evidências sobre as relações familiares em tempos de pandemia pela COVID-19. Métodos: trata-se de uma revisão de escopo, realizada nas bases de dados: National Library of Medicine, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature, Web of Science, Science Direct, Scopus e Scientific Electronic Library Online. Resultados: A maioria dos estudos era oriundos dos Estados Unidos da América e China. As evidências demonstraram: aumento do estresse doméstico, conflitos familiares e piora nos níveis de saúde mental durante a pandemia. Conclusão: As evidências apresentaram que as relações familiares em tempos pandêmicos ficaram fragilizadas, ocasionadas principalmente pelo isolamento social. Essa pesquisa revela que o cenário pandêmico trouxe alterações nas famílias e que há a necessidade de diagnosticar e implementar cuidados direcionados a esse novo contexto.
Palavras-chave: Relações Familiares; Covid-19; Dinâmica Familiar; Sars-Cov-2; Enfermagem.
ABSTRACT
Objective: to map the evidence on family relationships in times of a COVID-19 pandemic. Methods: this is a scope review, carried out in the databases: National Library of Medicine, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature, Web of Science, Science Direct, Scopus and Scientific Electronic Library Online. Results: Most of the studies were from the United States of America and China. Evidence has shown: increased domestic stress, family conflicts and worsening mental health levels during the pandemic. Conclusion: The evidence showed that family relationships in pandemic times were weakened, mainly caused by social isolation. This research reveals that the pandemic scenario has brought about changes in families and that there is a need to diagnose and implement care aimed at this new context.
Keywords: Family Relations; Covid-19; Family Relations; Sars-Cov-2; Nursing.
RESUMEN
Objetivo: mapear la evidencia sobre las relaciones familiares en tiempos de pandemia por COVID-19. Métodos: se trata de una revisión de alcance, realizada en las bases de datos: National Library of Medicine, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature, Web of Science, Science Direct, Scopus y Scientific Electronic Library Online. Resultados: La mayoría de los estudios fueron de los Estados Unidos de América y China. La evidencia ha demostrado: aumento del estrés doméstico, conflictos familiares y empeoramiento de los niveles de salud mental durante la pandemia. Conclusión: La evidencia mostró que las relaciones familiares en tiempos de pandemia se debilitaron, principalmente por el aislamiento social. Esta investigación revela que el escenario de la pandemia trajo cambios en las familias y que existe la necesidad de diagnosticar e implementar cuidados dirigidos a este nuevo contexto.
Palabras clave: Relaciones Familiares; COVID-19; Relaciones Familiares; SARS-Cov-2; Enfermería.
INTRODUÇÃO
A pandemia da COVID-19 foi declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em março de 2020. Os sintomas mais comuns eram, febre, tosse seca e fadiga (80% dos casos), no entanto, algumas pessoas evoluem para quadros de insuficiência respiratória aguda e óbito1.
Até o mês de julho de 2022, estima-se que mais 565 milhões de pessoas foram infectadas no mundo. Dentre estas, aproximadamente 6 milhões faleceram em decorrência da doença. Por esta razão, autoridades de saúde recomendam algumas medidas protetivas para evitar a contaminação pelo vírus, como o distanciamento físico, uso de máscaras e higienização das mãos1.
Neste contexto, a emergência epidemiológica da COVID-19 apresentou impactos significativos na morbidade, mortalidade e na saúde mental dos indivíduos. Houve repercussões negativas no nível de bem-estar e no nível socioeconômico da população, afetando o equilíbrio físico e emocional 2.
De acordo com estudo, alguns transtornos mentais comuns podem ser desencadeados pelo isolamento social, sendo os mais comuns: ansiedade, depressão e comportamento suicida3. Um estudo realizado, mostrou que 39% da população afirmou que o convívio social é o principal aspecto que está sendo afetado pelo isolamento. Além disso, quando se volta para o ambiente doméstico, 73% referem apresentar algum nível de estresse devido ao tempo de permanência em casa. Ainda, problemas relacionados ao convívio familiar podem influenciar na capacidade de manter-se em isolamento social por mais tempo4.
Com isso, a pandemia acarretou um contexto completamente novo, sobretudo nos núcleos familiares. O isolamento social acarretou conflitos familiares conjugais e entre gerações5. Ademais, indivíduos, que residem na mesma casa com outras pessoas, são mais vulneráveis a adquirir doenças infectocontagiosas6.
Assim, a situação pandêmica mostrou-se um grande desafio para a assistência à saúde da família, principalmente para os profissionais da Estratégia Saúde da Família (ESF), que atuam na porta de entrada para os demais serviços de saúde no Brasil7. O enfermeiro atuante na ESF, participa inteiramente das relações familiares, compartilhando a vivência em comunidade, não desvinculando os fatores sociais, econômicos e culturais inseridos nela8.
Destarte, considerando essa problemática, surge a necessidade de identificar na literatura, estudos que abordem a funcionalidade familiar em tempos de pandêmicos. E com isto, contribuir para uma assistência de enfermagem voltada para a família no âmbito dos serviços de saúde. Logo, o estudo objetiva mapear as evidências sobre as relações familiares em tempos de pandemia pela COVID-19.
MÉTODOS
Realizou-se uma scoping review, baseada no modelo do Joanna Briggs Institute (JBI). Este método é utilizado com objetivo de mapear e sintetizar o conhecimento existente e fornecer uma visão ampla do assunto estudado9.
Para a delimitação da questão central, a pesquisa utilizou a estratégia Population, Concept e Context (PCC) para uma Scoping Review9. Assim, foram definidos, segundo o método: P (população) - família; C (conceito) - relacionamentos e funções familiares e C (contexto) - pandemia pela COVID-19. Sendo estabelecido como pergunta de pesquisa “Como o isolamento devido á pandemia afetou os relacionamentos familiares?”
Foi elaborado um protocolo para estruturar a pesquisa, o qual serviu para detalhar a estratégia da pesquisa, identificando os dados relevantes para o estudo e fornecendo um plano para a pesquisa, além de possibilitar menores riscos de viés durante a busca9.
A busca foi realizada nas seguintes bases de dados: National Library of Medicine (Pubmed), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Web of Science, Science Direct, Scopus e Scientific Electronic Library Online (SciELO), utilizando como referência, os descritores escolhidos conforme a temática do estudo e suas variações nos idiomas português e inglês, para a possibilidade de uma pesquisa avançada. Também foram utilizados seus respectivos sinônimos, com o auxílio dos operadores booleanos AND para ocorrência simultânea, considerando a combinação dos termos escolhidos e OR objetivando a seleção de no mínimo um dos termos selecionados.
Os descritores selecionados foram: ("family functioning" OR "family function" OR "family dysfuntion"), em inglês ou ("Relações familiares" OR "Dinâmica familiar" OR "Relacionamento familiar"), na língua portuguesa. Utilizando o operador AND, correlacionando com os descritores sinônimos ("covid-19" OR coronavirus OR "2019-ncov" OR "Sars-cov-2" OR "cov-19"), em inglês e ("covid-19" OR "Doença por coronavírus 2019" OR "Epidemia pelo coronavírus"), na língua portuguesa.
Os critérios de elegibilidade foram: estudos publicados entre os anos de 2019 a 2021, em português, inglês e espanhol, disponíveis de forma gratuita, na íntegra e publicados com seus resumos. A delimitação do tempo, deve-se ao contexto da pandemia de COVID-19, ao qual foi selecionado para a pesquisa. Os critérios de exclusão foram: carta ao editor, estudos de reflexão e estudos duplicados ou que não abordem o objetivo da pesquisa.
Para facilitar a organização e análise dos estudos encontrados, foi utilizado a ferramenta StArt (State of the Art through Systematic Review). Após o procedimento da busca nas bases de dados, os arquivos foram exportados para a ferramenta. Em seguida foi realizada a triagem por meio da leitura do título, e quando não elucidativo, realizada a leitura do resumo, se mesmo assim, não foi encontrado o conceito procurado, a leitura do texto completo foi a forma de seleção escolhida.
A pesquisa foi realizada em pares e a busca ocorreu simultaneamente nas bases de dados. Para isso seguiu as recomendações do check list do modelo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyzes (PRISMA)10, para descrever os fluxos da pesquisa.
Os resultados encontrados foram apresentados em formato de tabela e/ou quadros para facilitar exposição dos achados, organizados em título, ano, país, tipo de estudo e os principais resultados de cada estudo selecionado pela pesquisa.
RESULTADOS
Em um primeiro momento, foram encontrados 27 estudos mediante a identificação sobre a temática pertinente ao estudo nas bases escolhidas. Assim, foi possível selecionar e incluí-los conforme apresentados no fluxograma da figura 1.
Figura 1 - Fluxograma de identificação e seleção dos estudos. Brasil, RN, Natal, 2022.
Com base nos resultados, foi possível identificar uma maior incidência de estudos produzidos nos Estados Unidos da América (n=10) e China (n=8), conforme exposto na Figura 2. Além disso, o tipo de estudo evidenciado foi longitudinal (n=6) e transversal (n=5), publicados na língua inglesa (n=24) e na língua alemã (n= 1).
Figura 2 - Distribuição do país de publicação dos artigos incluídos na amostra. Natal, RN, 2022.
Em seguida foi possível determinar a seleção da amostra adotada na pesquisa, culminando em uma síntese dos principais achados, conforme exposto no Quadro 1.
Quadro 1 - Descrição da autoria, ano de publicação, tipo de estudo e os principais resultados. Brasil, RN, Natal, 2023.
Autor (ano) |
Tipo de Estudo |
Principais Resultados |
Westrupp, et al. (2021) |
Estudo comparativo |
Relações familiares mais tensas, conflitos verbais maiores em contexto pandêmico. |
Moscardino, et al. (2021) |
Estudo Transversal |
Pais apresentaram dificuldades em gerenciar a escola remota de seus filhos. E isso foi positivamente associado ao estresse percebido. |
Hussong, et al. (2021) |
Estudo Longitudinal |
A sobrecarga do cuidador em tempos pandêmicos leva ao estresse parental e, por sua vez, o funcionamento da criança. O estresse infantil afeta a funcionalidade da família. |
He, et al. (2021) |
Estudo Longitudinal |
Pais relatam maiores prejuízos em saúde mental durante a pandemia em resposta ao aumento do risco econômico e aumentos de estressores sociais com repercussões negativas para o funcionamento da família. |
Wu, et al. (2021) |
Estudo Retrospectivo |
Famílias que apresentam um padrão disfuncional diante da pandemia. Adolescentes são mais vulneráveis a problemas de saúde mental e seu estresse tem maior probabilidade de se traduzir em experiências semelhantes às psicóticas. |
Jhonson, et al. (2021) |
Estudo Longitudinal |
Exposição a estressores específicos para a pandemia de COVID-19 dissipou a capacidade dos pais de organização e rotinas em casa. |
Feinberg, et al. (2021) |
Ensaio Randomizado |
Piora nos índices de bem-estar-estar individual e familiar desde a pré-pandemia até a pandemia. Os pais foram 2,4 vezes mais propensos a relatar altos níveis de depressão durante a pandemia. |
Hahlweg, et al. (2021) |
- |
A pandemia da COVID-19 foi associada a reações psicológicas (como medo, desânimo, pressão, raiva) de membros da família, bem como encargos sociais causados pela incerteza financeira, de curto prazo trabalho, desemprego e medos existenciais são causados. |
Zou, et al. (2021) |
Estudo Transversal |
O impacto da COVID-19 sobre saúde mental, a tensão e o estresse na família e no trabalho aumentaram conforme as responsabilidades familiares (incompatibilidade entre família e trabalho), resultando na ocorrência de sintomas depressivos entre os pais. |
Cooper, et al. (2021) |
Estudo Retrospectivo |
Pais que trabalhavam em empregos de alto risco de contrair COVID-19 relatam maior discórdia familiar. O estresse adicional no trabalho pode transbordar em suas vidas familiares e causar impacto no funcionamento familiar. |
Schmid, et al. (2021) |
Estudo Longitudinal |
Para pais, combinar home-office com home-schooling ou filho-supervisionado pode causar uma pressão especial no relacionamento com o parceiro. A satisfação com o relacionamento tende a diminuir indivíduos que experimentam home office. |
Hastings, et al. (2021) |
Estudo Longitudinal |
Mães relataram impactos negativos no estado psicológico e comportamental de seus filhos durante a pandemia. |
Wang, et al. (2021) |
Estudo Longitudinal |
Os processos de estresse familiar estavam associados a perda de emprego dos pais. Os níveis de conflito pais-adolescente são mais elevados entre famílias de baixa renda. |
Pietromonaco; Overall (2021) |
Revisão da literatura |
Aumento do estresse relacionado à quarentena, a depressão e outras vulnerabilidades impactam nos relacionamentos durante este tempo de crise. |
Uzu,Karaka, Metin (2021) |
Estudo Descritivo |
Durante o isolamento social, as condições de vida das famílias mudaram profundamente. No ambiente doméstico, o papel educacional dos pais para os filhos tornou-se muito mais importante do que antes. |
Fernandes, et al. (2021) |
Estudo descritivo exploratório |
Os resultados mostraram que 14,6% possuem uma coesão familiar comprometida, 7.4% possuem uma dimensão muito rígida na adaptabilidade familiar e quanto ao tipo de família, 6,1% possuem uma dimensão desequilibrada. |
Tao et al. (2021) |
Estudo Exploratório |
Análise da função familiar e da regressão familiar foram classificadas como boa (55,6%), moderada (38,1%) e disfunção grave (6,3%). O gênero, idade, escolaridade, situação de trabalho e nível de ansiedade são fatores que influenciam na situação da função família, gerando mais ansiedade e depressão. |
Adebiyi et al. (2021) |
Estudo de opinião |
Inúmeras famílias foram afetadas financeiramente devido ao fechamento de negócios, o que levou ao desemprego temporário/permanente de alguns chefes de família. Com o impacto sobre a segurança alimentar das famílias e sua capacidade de pagar necessidades básicas. |
Larson, Chavez, Behar-Zusman (2021) |
Estudo transversal |
Crianças relataram um impacto negativo significativamente maior do distanciamento social sobre o funcionamento da família. Aumento de conflito do que famílias que cuidam de não adultos. Um número significativamente maior de famílias cuidadoras também relatou que alguém havia parado de trabalhar devido á pandemia. |
Chavez, Lee, Behar-Zusman (2021) |
Estudo transversal |
A vulnerabilidade social foi associada a um funcionamento familiar perturbado. |
Lopez, et al. (2021) |
Estudo transversal/ exploratório |
Cuidadores mais velhos com algum grau de comprometimento cognitivo, sintomas depressivos ou altos níveis de estresse, tiveram aumento na disfunção familiar. O número de filhos esteve relacionado a uma função familiar aproximadamente 1,3 vezes maior. |
Balenzano, Moro, Girardi (2020) |
Estudo Empírico |
Aumento do estresse parental devido ao isolamento social e à persistência das desigualdades de gênero na divisão do trabalho não remunerado, causando penalidade para as mães. |
Araujo-Robles, Espinoza, Mujica (2021) |
Estudo descritivo e comparativo |
Houve aumento dos níveis de comunicação com os pais durante pandemia. Os níveis de problemas de comunicação foram maiores com os pais do que com as mães. |
Estudo qualitativo |
Aumento do uso de dispositivos eletrônicos durante as refeições. Algumas mudanças (por exemplo, ganho de peso) podem ter implicações duradouras para a saúde tanto das crianças quanto dos pais. |
|
Pan, et al. (2021) |
Estudo descritivo |
O funcionamento familiar teve um efeito preditivo significativo e positivo na saúde mental dos alunos e que essa relação era parcialmente mediada pela solidão. Especificamente, a relação entre funcionamento familiar e solidão foi significativa para os alunos com altos e baixos níveis de esperança. |
Fosco et al. (2021) |
Estudo intergeracional |
As famílias apresentaram níveis mais elevados de caos durante o COVID-19. O conflito familiar foi indiretamente associado à adesão aos comportamentos de proteção à saúde. |
Wong et al. (2021) |
Estudo transversal |
Famílias com escores socioeconômicos mais baixos, relataram danos percebidos na renda familiar, malefícios percebidos na saúde física e mental da família e nas relações familiares |
DISCUSSÃO
O presente estudo identificou evidências de mudanças significativas no cotidiano e na funcionalidade das famílias no contexto da pandemia da COVID-19, apresentando que o isolamento social e o medo relativo à infecção corroboraram para o aumento do estresse doméstico e prejudica a saúde mental.
De acordo com literatura11, o aumento do estresse dentro do ambiente familiar é associado ao home office, que uniu as exigências do trabalho corporativo e as demandas dos cuidados de casa. Essa sobrecarga de funções gera angústia e elevado grau de estresse nesses indivíduos. Além disso, outro estudo incluído na amostra demonstrou que diversos fatores tradicionais foram aumentados durante a pandemia, dentre eles, o estresse parental e o conflito entre casais, gerando um funcionamento familiar mais empobrecido 12.
Ademais, as vulnerabilidades sociais têm-se mostrado fator relevante na funcionalidade familiar. O impacto econômico causado pela pandemia, o aumento do desemprego e as privações financeiras reduziram ainda mais o acesso à renda e serviços para famílias de baixa renda11,12.
Destarte, a determinação do distanciamento social levou ao aumento do tempo de convívio entre os familiares, acarretou novos e grandes desafios para as famílias, alterando a rotina, forma do trânsito laboral, alterações econômicas, entre outros13.
Um dos fatores importantes na redução do funcionamento familiar foi a educação a distância. No fechamento das escolas, muitos estudantes migraram para o Ensino à Distância (EAD). Nessa perspectiva, um estudo evidenciou que a dificuldade dos pais no gerenciamento das atividades dos filhos esteve associada ao estresse percebido dos genitores, o que afeta diretamente o funcionamento familiar e a capacidade de lidar com possíveis conflitos na família14. Corroborando com essa evidência, o trabalho dos autores15 pontuou que o estresse relacionado ao ensino remoto também foi relatado por adolescentes, não só pelos pais.
Nessa perspectiva, a comunicação com os pais, o apoio e a satisfação com a família diminuíram quando comparado ao período pré-pandêmico, na perspectiva do jovem. Além disso, problemas de ordem psicológica também são evidenciados em adolescentes. Um estudo chinês constatou que uma ruim funcionalidade familiar pode acarretar níveis mais elevados de estresse percebido e maior prevalência de experiência semelhante à psicótica em comparação com aqueles com boa funcionalidade familiar15,16.
A conjuntura familiar pré-pandêmica é outro fator importante na análise da funcionalidade familiar ao decorrer da pandemia. As evidências mostram que a depressão parental pré-pandêmica e o caos doméstico foram expressivos preditivos de caos durante a pandemia17,18.
Vale destacar que os processos familiares podem gerar resiliência em mães e pais diante de estressores econômicos e sociais relacionados à pandemia19. Nessa perspectiva, o bom funcionamento familiar se torna um fator de proteção para com o estresse causado pelas atividades remotas. Além disso, a positividade também foi evidenciada como um fator protetor para a saúde mental dos pais14,19.
Como supracitado, durante o período pandêmico ocorreu um aumento expressivo de transtornos mentais, decorrentes dentre outras causas do isolamento social e de suas exigências. Conforme a literatura20, o adoecimento mental foi inevitável e tendeu a ser maior que o adoecimento relacionado diretamente ao coronavírus. Em um dos artigos incluídos na amostra, identificou-se que os pais foram 2,4 vezes mais propensos a relatar níveis de pressão durante a pandemia comparado ao período anterior18.
Dentre os profissionais de saúde, entende-se que o enfermeiro atua como um elo entre a atenção à saúde, sendo um dos representantes dos sistemas de ações de saúde na comunidade, compreendendo as famílias como foco da assistência. O enfermeiro é um dos responsáveis pela situação de saúde das famílias, considerando as características sociais, econômicas, culturais, demográficas e epidemiológicas do território, priorizando as situações a serem acompanhadas no planejamento local21.
Para a efetivação da assistência de enfermagem ao núcleo familiar é essencial o entendimento das mudanças na funcionalidade do mesmo, visto alterações encontradas no decorrer do escopo. Lança-se a necessidade de intervir nos conflitos psicoemocionais enfrentados pelos familiares.
Os serviços de saúde devem estar atentos para esse novo modelo familiar, que exibe novas características e vulnerabilidades e necessitam de uma assistência qualificada para que assim, os melhores resultados em saúde sejam alcançados.
Essa pesquisa contribui para a prática em enfermagem, uma vez que revela que o cenário pandêmico trouxe alterações nas famílias, e que há a necessidade de diagnosticar e implementar cuidados considerando esse contexto. Ainda, encoraja-se o desenvolvimento de pesquisas que acompanhem os relacionamentos familiares a curto e longo prazo para compreender melhor essas mudanças de funcionamento.
Limitações do estudo
O estudo apresenta como limitações o curto espaço de tempo de coleta de dados, o quantitativo de fontes de dados avaliados, além disso, os estudos incluídos nesta revisão não foram avaliados por seu rigor científico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que as relações familiares em tempos pandêmicos foram fragilizadas. As medidas protetivas estabelecidas, como o isolamento social, ocasionaram alterações na conjuntura familiar. Com isso, observou-se aumento do estresse doméstico, conflitos familiares e piora nos níveis de saúde mental desse público.
Nesse contexto, ressalta-se a relevância do profissional enfermeiro reconhecer essas mudanças da conjuntura familiar e ofertar um cuidado sistematizado, individualizado e de qualidade direcionado para promoção, prevenção e tratamento de saúde dessa população.
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Contribuição dos autores
Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção, no planejamento do estudo, na obtenção, na análise e interpretação dos dados, assim como na redação, revisão crítica e aprovação final da versão publicada.