ARTIGO ORIGINAL

 

CONHECIMENTO DOS ACADÊMICOS DE ENFERMAGEM SOBRE PREVENÇÃO E TRATAMENTOS DE LESÃO POR PRESSÃO: ESTUDO QUASE-EXPERIMENTAL

 

NURSING STUDENTS' KNOWLEDGE ABOUT PRESSURE INJURY PREVENTION AND TREATMENT: A QUASI-EXPERIMENTAL STUDY

 

CONOCIMIENTOS DE ESTUDIANTES DE ENFERMERÍA SOBRE PREVENCIÓN Y TRATAMIENTO DE LESIONES POR PRESIÓN: UN ESTUDIO CUASI-EXPERIMENTAL

 


 

https://doi.org/10.31011/reaid-2023-v.97-n.4-art.1748 

 

1Mariana Iribarrem Ness

2Andréia Barcellos Teixeira

3Enaura Helena Brandão Chaves

4João Lucas Campos

5Vivian Cunha Tanscheit

 

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Brasil; https://orcid.org/0000-0003-3472-0615

2Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Brasil; https://orcid.org/0000-0003-4219-4731

3Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Brasil; https://orcid.org/0000-0001-8841-3624

4Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Brasil; https://orcid.org/0000-0002-1822-2360

5Hospital de Clínicas de Porto Alegre; Brasil; https://orcid.org/0000-0001-5251-6760

 

Autor Correspondente

Mariana Iribarrem Ness

Rua Tupinambá, nº71 apto 304. Porto Alegre – RS – Brasil. CEP: 91040420. E-mail: mariana.i.ness@hotmail.com

 

Submissão: 02-03-2023

Aprovado: 02-09-2023

 

RESUMO

Objetivo: Avaliar o conhecimento dos acadêmicos de enfermagem antes e após capacitação sobre prevenção e tratamento de lesão por pressão. Método: Estudo quase-experimental com pré e pós-teste, realizado com acadêmicos de enfermagem de uma universidade federal, no período de maio a agosto de 2022. A amostra foi intencional, com 66 sujeitos. Para avaliar o conhecimento utilizou-se um instrumento construído pela autora baseado no Teste de Conhecimento de Caliri-Pieper, o qual considera conhecimento adequado quando o percentual de acertos é maior do que 90%.  A coleta de dados foi online e os dados foram analisados com estatística descritiva e com Teste T para amostras dependentes e teste não paramétrico de Wilcoxon.  Resultado: A idade média foi de 24,8±3,7 anos, com predominância do sexo feminino (60; 90,9%) e de indivíduos solteiros (60; 90,9%). O percentual médio de acertos antes da capacitação foi de 68,3± 9,8% e de desconhecimento de 19,3±10,8%. Após a capacitação houve 86,1±7,5% (p<0,001) de acertos e 2,2±4,1% de desconhecimento (p<0,001). Mesmo com o aumento, não houve melhoria no percentual de acertos maior do que 90%. Conclusão: Com a capacitação houve aumento do conhecimento dos acadêmicos, entretanto, este ainda não atingiu o parâmetro de excelência estipulado.

Palavras-chave: Lesão por Pressão; Enfermagem; Capacitação de Recursos Humanos em Saúde; Educação em Saúde; Ensino; Estudantes de Enfermagem.

 

ABSTRACT

Objective: To assess the knowledge of nursing students before and after training on pressure injury prevention and treatment. Method: Quasi-experimental study with pre- and post-test, carried out with nursing students from a federal university, from May to August 2022. The sample was intentional, with 66 subjects. To assess knowledge, an instrument built by the author based on the Caliri-Pieper Knowledge Test was used, which considers adequate knowledge when the percentage of correct answers is greater than 90%. Data collection was online and were analyzed using descriptive statistics and T test for dependent samples and Wilcoxon's non-parametric test. Result: The mean age was 24.8±3.7 years, with a predominance of females (60; 90.9%) and single individuals (60; 90.9%). The average percentage of correct answers before the training was 68.3± 9.8% and the lack of knowledge was 19.3±10.8%. After training, there were 86.1±7.5% (p<0.001) of correct answers and 2.2±4.1% of ignorance (p<0.001). Even with the increase, there was no improvement in the percentage of hits greater than 90%. Conclusion: With the training, there was an increase in the knowledge of the academics, however, this has not yet reached the stipulated parameter of excellence.

Keywords: Pressure Injury; Nursing; Training of Human Resources in Health; Health Education; Teaching; Nursing Students.

 

RESUMEN

Objetivo: Evaluar los conocimientos de los estudiantes de enfermería antes y después de la formación sobre prevención y tratamiento de lesiones por presión. Método: Estudio cuasiexperimental con pre y post test, realizado con estudiantes de enfermería de una universidad federal, em 2022. La muestra fue intencional, con 66 sujetos. Para evaluar el conocimiento se utilizó un instrumento construido por el autor con base en el Test de Conocimiento Caliri-Pieper, el cual considera conocimientos adecuados cuando el porcentaje de respuestas correctas es mayor al 90%. La recolección de datos fue en línea y el análisis se realizó con estadística descriptiva y con prueba T para muestras dependientes y prueba de Wilcoxon. Resultado: La edad media fue de 24,8±3,7 años, con predominio del sexo femenino (60; 90,9%) y solteros (60; 90,9%). El porcentaje medio de respuestas correctas pre formación fue de 68,3±9,8% y de desconocimiento fue de 19,3±10,8%. Pos entrenamiento hubo 86,1±7,5% (p<0,001) de respuestas correctas y 2,2±4,1% de desconocimiento (p<0,001). Incluso con el aumento, no hubo mejora en el porcentaje de respuestas correctas superior al 90%. Conclusión: Con la capacitación hubo un incremento en el conocimiento de los académicos, sin embargo, este aún no alcanza el parámetro de excelencia estipulado.

Palabras clave: Lesión por Presión; Enfermería; Formación de Recursos Humanos en Salud; Educación para la Salud; Enseñando; Estudiantes de Enfermería.

 

 

 


INTRODUÇÃO

A lesão por pressão (LP) é caracterizada como um dano localizado na pele e/ou tecidos moles subjacentes, podendo ser sobre uma proeminência óssea ou relacionada ao uso de dispositivo médico, tendo como causas a fricção, pressão e cisalhamento(1,2). Nos Estados Unidos, 1 a 3 milhões de pessoas desenvolvem LP e em torno de 60 mil morrem por complicações decorrentes destas lesões. No Brasil pouco é registrado sobre taxas de ocorrência de LP, alguns estudos mostram que a maior taxa de prevalência ocorre em unidade de terapia intensiva (63%), sendo 15,6% em clínica cirúrgica e 13,9% em clínica médica e a incidência analisada em um hospital escola de São Paulo mostrou que 23,1% dos pacientes têm risco de desenvolver LP(3).

A enfermagem possui papel essencial na prevenção e tratamento das LPs, cabendo a este profissional executar os curativos para o tratamento de lesões agudas ou crônicas de maior complexidade. Além de ser de responsabilidade legal do enfermeiro, avaliar a pessoa com lesão e/ou ferida, prescrever, delegar e supervisionar a realização do curativo pelo técnico de enfermagem, e realizar curativos quando as condições clínicas determinam uma complexidade do paciente(4).

O tratamento da LP vem se transformando rapidamente com o surgimento de novas coberturas e tecnologias, e entende-se que o preparo para atender esta demanda dever iniciar na graduação. Entretanto, o fornecimento de conhecimentos sobre o tema durante o período acadêmico ainda é reduzido, apesar da magnitude do problema. Os acadêmicos durante os estágios passam a integrar equipes de saúde, necessitando buscar literatura científica para aprimorar a formação(5).

Estudo realizado com acadêmicos de uma universidade privada do estado do Paraná demonstrou que o conhecimento sobre tratamento de LP foi insuficiente, independente do ano cursado(6). Em muitos locais a formação dos profissionais de saúde tem enfrentado limitações de oportunidades de experiências clínicas bem organizadas, o que pode contribuir para a ocorrência de falhas no perfil de um indivíduo competente com características essenciais para atuação na assistência à saúde(7).

Observa-se diversidade de locais de estágio e uma lacuna em relação ao percentual de conhecimento dos acadêmicos de enfermagem de uma universidade federal sobre LP fato que justifica este estudo, pela necessidade de identificar o conhecimento adquirido pelos acadêmicos durante a graduação e avaliar se o fornecimento de uma capacitação pode propiciar mais aprendizagem. A possibilidade de aumentar o conhecimento sobre o assunto irá beneficiar nos cuidados aos pacientes e agregar conhecimento científico para os alunos.

Frente ao exposto, essa investigação possui as seguintes questões de pesquisa: “Os acadêmicos de enfermagem possuem conhecimento adequado sobre prevenção e tratamento de LP? Existe mudança no nível de conhecimento após o fornecimento de uma capacitação? Objetiva-se avaliar o conhecimento dos acadêmicos de enfermagem antes e após capacitação sobre prevenção e tratamento de lesão por pressão.

O fornecimento de capacitações pode ser uma estratégia para aumentar o nível de conhecimento para a promoção de cuidados de qualidade e com segurança para o paciente e profissional, durante os estágios e na futura vivência profissional.

 

MÉTODO

Estudo do tipo quase-experimental realizado de maio a agosto de 2022, com acadêmicos de enfermagem do quarto ao nono semestre da graduação de enfermagem de uma universidade federal do sul do Brasil. A escolha deste período ocorreu por ser o primeiro contato com conteúdos sobre LP, momento em que os acadêmicos iniciam o primeiro estágio hospitalar. Em contrapartida, no décimo semestre ocorre o estágio curricular em especialidades distintas, alguns com oportunidade de vivenciar o meio hospitalar e outros não. Frente às modificações de calendário acadêmico decorrentes da pandemia, poderia ocorrer dos acadêmicos do décimo semestres concluírem a graduação antes do término desta pesquisa. 

A população elegível foi de 180 acadêmicos de enfermagem e calculou-se o tamanho da amostra, estimando uma diferença média de 10 acertos entre o pré-teste e o pós teste4. Considerando poder de 80%, nível de significância de 5%, desvio padrão da diferença esperado de 25 acertos e 20% para possíveis perdas e recusas, além do cenário atual desfavorável da pandemia, chegou-se ao tamanho amostral mínimo de 63 participantes.

Todos os elegíveis foram convidados a participar do estudo, caracterizando uma amostra por conveniência. Incluíram-se acadêmicos de enfermagem de ambos os sexos, sem limite de idade, com ou sem experiência na área da saúde, e excluiu-se os que não completaram todas as etapas da capacitação e da pesquisa.

A capacitação sobre prevenção e tratamento com LP contou com aulas em formato PDF, online e assíncrona, através da plataforma do Google Drive®, compartilhado com o aluno no modo leitura. O conteúdo foi formulado após pesquisa na literatura científica da área, auxilio da coorientadora enfermeira doutora em enfermagem e especialista em dermatologia e no guideline National Pressure Ulcer Advisory Panel – NPUAP(1). A apresentação do conteúdo da capacitação ocorreu capítulos: 1º Anatomia da pele, definição e custos de LP, dados epidemiológicos e medidas de prevenção; 2º Estágios LP, tratamento, tipos de coberturas, como avaliar/decidir a melhor cobertura; 3º: Inovação e tecnologia no tratamento de LP.

O meio de comunicação entre pesquisadores e acadêmicos foi o email institucional e o protocolo foi enviado com auxílio do Google Forms®. Os alunos que manifestaram interesse em participar da pesquisa receberam o pré-teste e tinham até três dias para retornar a resposta. Após este período era disponibilizada a capacitação, a qual ficava disponível por 30 dias e permitia o acesso a todo o material.

Depois de finalizados estes 30 dias, eram encaminhados o pós-teste e a avaliação da capacitação e o acadêmico possuía mais 3 dias para responder. Os alunos que não finalizaram a capacitação dentro desse prazo foram automaticamente excluídos do projeto.

O protocolo do estudo foi composto por três instrumentos, todos construídos pelos autores da pesquisa. Primeiramente se investigou características sociodemográficas dos participantes e informações sobre experiência e conhecimento em relação ao tema da pesquisa.

Para avaliar o conhecimento foi aplicado um questionário com 27 afirmações, construído com base no Teste de Conhecimento de Caliri-Pieper. Ressalta-se que não foi utilizado o teste original, pois algumas questões não se aplicavam para a população estudada, sendo assim, a autora da pesquisa criou novas questões sobre a temática com o apoio do teste original e utilizou algumas questões do teste. Nesta escala o respondente poderia assinalar Verdadeiro (V), Falso (F) ou Não Sei (NS)(8). Para avaliação do conhecimento, se mensurou o percentual de respostas corretas/acertos, de respostas erradas e de questões onde o acadêmico não possuía certeza (desconhecimento), sendo o conhecimento sobre o tema considerado adequado ao se obter 90,0% ou mais de acertos.

O instrumento ainda possuía a possibilidade de analisar o conhecimento por categorias, com 4 questões sobre classificação das lesões (Q1, Q5, Q8, Q11), 15 sobre fatores de risco e prevenção (Q2-Q4, Q6, Q7, Q9, Q10, Q12-Q19), cinco sobre  tratamento (Q23-Q27), uma sobre cicatrização (Q22) e duas sobre dados epidemiológicos (Q20, Q21)(8).

O terceiro foi um instrumento de avaliação da capacitação, o qual contou com questões sobre a didática utilizada e material fornecido na capacitação. Também solicita sugestões de melhoria.

Os dados coletados foram analisados por estatística descritiva e analítica, por meio do programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) v.21, com apoio de um profissional da estatística. Foi utilizado teste t para amostras dependentes nas variáveis simétricas e teste não paramétrico de Wilcoxon para a comparação das variáveis assimétricas. A avaliação da simetria foi realizada por meio da visualização do histograma. Variáveis contínuas foram descritas a partir das suas médias e desvios-padrão; variáveis categóricas descritas mediante frequências e proporções. Adotou-se um nível de significância de 5% (p<0,05).


Este estudo respeitou as exigências formais contidas nas normas nacionais e internacionais regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, sendo aprovado pelo Comitê de Ética da UFRGS e pela Comissão de Pesquisa da Escola de Enfermagem da UFRGS sob parecer nº 55718121.0.0000.5347. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi disponibilizado juntamente com o protocolo do estudo e o acadêmico registrava o aceite em participar no Google Forms, havendo a possibilidade de gravar o TCLE em equipamento próprio. 

 

RESULTADOS

Dos 180 acadêmicos de enfermagem elegíveis, 83 responderam o pré-teste. Entretanto, 17 foram excluídos por não terem participado até o final da pesquisa, permanecendo uma amostra de 66 acadêmicos de enfermagem. A idade média dos participantes foi de 24,8+-3,7 anos, com predominância do sexo feminino (60; 90,9%) e de indivíduos solteiros (60; 90,9%). As características sociodemográficas dos acadêmicos de enfermagem e informações sobre a experiência e conhecimento em relação ao tema da pesquisa estão descritas na Tabela 1.


 

Tabela 1- Descrição das características dos acadêmicos de enfermagem que participaram do estudo. Porto Alegre, RS, Brasil, 2022.

Características (n=66)

Resultados n(%)

Experiência na enfermagem

   Ausente

   Presente

 

62 (93,2)

4(6,8)

Curso prévio sobre o assunto

   Ausente

   Presente

 

52 (78,8)

14(21,2)

Aptidão para cuidar de um indivíduo com lesão por pressão

   Ausente

   Presente

 

 

49 (74,2)

17(25,8)

Nível de conhecimento sobre o assunto

 Básico

Moderado

 

 

44 (66,7)

22 (33,3)

Semestre cursado

Quarto

Quinto

Sexto

Sétimo

Oitavo

Nono

 

7 (10,6)

6 (9,1)

4 (6,1)

14 (21,2)

11 (16,7)

24 (36,3)

             Fonte: Dados da Pesquisa, 2022


O resultado da comparação da média de acertos, respostas erradas e desconhecimento (“não sei”) sobre o tema, no pré-teste e pós-teste, se encontra na Tabela 2:


 

Tabela 2- Descrição da média de acertos, desconhecimento e respostas erradas sobre prevenção e tratamento de lesão por pressão no pré e pós-teste da pesquisa. Porto Alegre, RS, Brasil, 2022.

n=66

Acertos (n/%)

Desconhecimento (n/%)

Respostas erradas (n/%)

Pré-teste

18,4 (68,3)

5,2 (19,3)

3,3 (12,4)

Pós-teste

23,2 (86,1)

0,6 (2,2)

3,2 (11,7)

P

<0,001a

<0,001b

0,249b

a Teste t; bWilcoxon.         
Fonte: dados da pesquisa, 2022.


 

Houve aumento estatisticamente significativo no número de acertos quando comparado o pré com o pós-teste, assim como redução do desconhecimento. A Tabela 3 apresenta a análise descritiva dos acertos,

 

 

desconhecimento e respostas erradas conforme as categorias do instrumento. Verifica-se aumento do conhecimento em todas as categorias do instrumento, mas com maior percentual de acertos no pós-teste em relação ao tratamento, dados epidemiológicos e cicatrização.


Tabela 3 – Análise descritiva dos acertos, desconhecimento e respostas erradas por categoria do instrumento, no pré e pós-teste. Porto Alegre, RS, Brasil, 2022.

n=66

 

Acertos n(%)

Desconhecimento

n(%)

Respostas erradas n(%)

Questões

Categoria

pré

Pós

pré

pós

pré

pós

(Q2-Q4, Q6, Q7, Q9, Q10, Q12-Q19)

Fatores de risco e prevenção

54(81,6)

59(88,8)

8(11,2)

1(1,2)

4(6,2)

6(10,3)

(Q1, Q5, Q8, Q11)

Classificação das lesões

54(82,2)

59(89,0)

7(9,8)

1(1,5)

5(9,8)

6(9,5)

(Q22)

Cicatrização

45(68,2)

60(90,9)

3(4,5)

2(6,1)

18(27,3)

4(3)

 (Q20, Q21)

Dados epid.

22(33,3)

50(75,0)

8(12,1)

4(6,1)

36(54,5)

12(18,9)

(Q23-Q27)

Tratamento

20(30,9)

52(78,2)

11(16,1)

3(5,5)

35(53)

11(16,4)

Fonte: dados da pesquisa, 2022.

A Tabela 4 apresenta a relação entre o percentual médio de acerto e as características dos acadêmicos.

 

Tabela 4 - Relação entre percentual de acertos com as características dos acadêmicos. Porto Alegre, RS, Brasil, 2022.

Características

Acertosa

pré

p

pós

p

Presença de experiência profissional (n=4)

73,1±7,0

0,309

84,3±1,8

0,618

Ausência de experiência (n=62)

68,0±9,9

86,2±7,7

Presença de curso prévio (n=14)

74,9±8,7

0,004

88,4±4,8

0,201

Ausência de curso prévio (n=52)

66,5±9,3

85,4±8,0

Sente-se apto para cuidar LP (n=17)

75,2±8,3

<0,001

87,4±5,4

0,416

Não se sente apto (n=49)

65,9±9,2

85,6±8,0

Possui conhecimento básico sobre LP (n= 44)

66,3±8,5

0,036

84,7±8,1

0,030

Possui conhecimento moderado sobre LP (n= 22)

72,2±11,1

88,9±5,0

a: Teste T; Fonte: dados da pesquisa, 2022.

            Verifica-se que não houve diferença estatisticamente significativa quando comparado presença ou ausência de experiência profissional em relação ao percentual de acertos, tanto no pré quanto no pós-teste. A realização ou não de curso prévio e o fato de sentir-se ou não apto a cuidar paciente com LP apresentaram diferença estatisticamente significativa no pré-teste, mas não no pós-teste. O fato de possuir conhecimento básico ou moderado demonstrou diferença estatisticamente significativa no pré e pós-teste.

Em relação ao semestre cursado, não houve diferença estatisticamente entre percentual de respostas corretas no pré-teste (p=0,874) e pós-teste (0,364), de desconhecimento no pré-teste (p=0,510) e pós teste (0,676) e nem no percentual de respostas erradas (pré p= 0,425 e pós=0,091).

 

DISCUSSÃO

Este estudo identificou maioria de acadêmicos adultos jovens do sexo feminino. Historicamente, a enfermagem e o cuidado estão vinculados ao sexo feminino, porém, estudo aponta aumento da presença de homens na profissão, com aumento de 16,7% no número de egressos de bacharelado em enfermagem, demonstrando que gradualmente os homens estão ganhando espaço na enfermagem(9).

Verificou-se também que as maiorias dos acadêmicos não possuíam experiência na área da saúde ou curso prévio sobre prevenção e tratamento de feridas, não se sentiam aptos para cuidar de pacientes com LP e informaram possuir nível básico de conhecimento sobre o assunto, fatos comprovados pelo percentual médio de acertos no pré-teste abaixo do valor considerado adequado.

Na Finlândia, uma investigação com acadêmicos avaliou competências sobre LP, cuidados e a percepção de habilidades no cuidado com lesões. O estudo evidenciou que 48% dos alunos acertaram o teste de conhecimento, porém na autoavaliação, suas competências foram ditas como deficientes. Ademais, os que tiveram treinamento prático de tratamento de LP apresentaram melhores resultados(10). Percebe-se que a graduação transmite um conhecimento limitado sobre o assunto, reforçando a importância de aulas práticas no currículo da graduação.

Identificou-se percentual médio de acertos abaixo do adequado no pré-teste, com aumento estatisticamente significativo após a capacitação. Também houve redução do percentual de desconhecimento no pós-teste. Estudo realizado na Inglaterra com capacitação educativa analisou que menos de 50% dos alunos tinham conhecimento sobre prevenção de LP, após a intervenção houve melhora do conhecimento, tendo isso em vista, reforça-se que os currículos de enfermagem precisam ter educação voltada a essa temática(11).

O cuidado de enfermagem aos pacientes com LP deve iniciar desde a prevenção, identificação, avaliação das lesões e condutas adequadas para o manejo correto no tratamento das LP e para isso, o enfermeiro precisa ter conhecimento técnico-científico desde a graduação, portanto é essencial fomentar os alunos com conhecimento de LP visando à qualidade no cuidado(12).

O ensino de Enfermagem vem passando por mudanças em relação ao mercado de trabalho e a vida acadêmica. Segundo as diretrizes curriculares nacionais (DCN) do curso de enfermagem os acadêmicos precisam ter formação generalista e raciocínio técnico-científico, porém há uma lacuna entre os serviços e as instituições, visto que, a formação dos alunos mostra-se diferente nos cenários de saúde(3).

Essa realidade corrobora com o tema estudado no que tange ao nível de conhecimento dos alunos sobre assuntos relevantes na graduação que deveriam ter mais enfoque, como as lesões por pressão (LP). O estudo mostrou que muitos acadêmicos relataram não se sentirem aptos para cuidar de pacientes com LP e a maioria diz ter conhecimentos básicos para tal.

Para instigar e formar acadêmicos generalistas, humanizados, com conhecimentos técnicos e científicos faz-se essencial o processo de aprendizagem teórico e prático a fim de propiciar reflexões e conhecimentos pertinentes na prática clínica, por isso é essencial ter a temática recorrente no currículo acadêmico de enfermagem(3).

A formação dos enfermeiros tem sido motivo de discussão e reflexão frente ao currículo e estágios curriculares, sabe-se que as universidades devem seguir as DCN, sendo necessárias competências mínimas entre carga horária de prática e teoria, onde 20% dessa carga horária devem ser destinadas aos estágios curriculares(3). Na Europa os estudantes passam a maior parte do seu curso realizando práticas, apresentam mais que o dobro da carga horária da prática clínica em relação com o Brasil, porque para eles a clínica gera conhecimentos e capacidades básicas para o mercado de trabalho(13).

No Brasil existem poucos estudos que mostrem de fato como as instituições estão preparando futuros enfermeiros. Em São Paulo, menos de 20% da carga horária total é atribuída ao desenvolvimento do fazer técnico e isso acarreta diretamente nas habilidades técnico-científicas de futuros enfermeiros(13). Desta forma, observa-se que capacitações podem suprir a lacuna do conhecimento sobre prevenção e tratamento de LP, enquanto não ocorrerem mudanças curriculares. A utilização de cursos de extensão, ligas acadêmicas ou cenárias de simulação realística podem ser importante tecnologia para contribuição do ensino, de modo que possibilita a formação de profissionais críticos, reflexivos e sensibilizados com a temática de interesse(12).

Quanto ao número e percentual dos acertos, desconhecimento e respostas erradas por categoria do instrumento observou-se que nas categorias: cicatrização, dados epidemiológicos e tratamento os acadêmicos tiveram um aumento significativo de acertos. Já em relação aos fatores de risco e prevenção e classificação das lesões obtiveram aumento, mas sem significância estatística.

Na Austrália, acadêmicos de enfermagem demonstraram baixo percentuais em relação aos conhecimentos sobre prevenção de LP. Logo, enfatizam a necessidade de implementar métodos que abranjam maior conhecimento sobre prevenção e tratamento de lesões(11). Outro estudo realizado na Finlândia sobre o tratamento de LP com enfermeiros e acadêmicos demonstrou que havia competência em relação à identificação de infecção na lesão, fisiologia e anatomia da pele, tratamento correto e consulta de enfermagem, porém houve um déficit em relação a conhecimentos de avaliação e manejo de dor, assepsia etc. Esse estudo fez uso de simulação de tratamento de lesões, mostrando-se um bom método de avaliação de conhecimentos, além de propiciar a educação em saúde tanto nas universidades, como também na prática clínica(14).

As percepções dos acadêmicos de enfermagem na prática baseada em evidências na Eslovênia, os alunos trazem a falta de empenho por parte dos enfermeiros assistenciais na área de pesquisa, destacam ser difícil à relação da prática baseada em evidências com pesquisa, desse modo, é importante que o enfermeiro tenha maior envolvimento nessa temática que, por conseguinte fará com que os alunos sintam-se mais aptos e com maior habilidade na carreira profissional(15).

Verifica-se aumento do percentual de conhecimento e redução do desconhecimento, ambos, estatisticamente significativos após a capacitação independente do semestre cursado ou da experiência profissional prévia, demonstrando que os currículos de enfermagem ainda são falhos. Estudo realizado em hospitais belgas utilizou uma ferramenta para avaliar o nível de conhecimento dos profissionais de enfermagem, evidenciando essa falha no ensino e reforçando justamente a formação profissional continuada(16). Outro estudo acredita que os currículos devem ter educação adequada para que os estudantes estejam preparados para prevenir e avaliar o risco de LP(11).

O efeito da capacitação foi positivo, pois se esperava que alunos nos últimos semestres tivessem mais conhecimento por estarem mais a frente na graduação, mas o aumento foi uniforme em todos os semestres. O percentual pós-teste ainda foi menor que o adequado (90%) isso pode ter ocorrido porque a capacitação foi totalmente online ou porque o currículo de enfermagem em relação à LP é limitado, logo, é fundamental reforçar esse tema e também promover mais intervenções educativas com o intuito de melhorar a educação e qualidade na assistência.

 

CONCLUSÃO

Este estudo identificou que o conhecimento dos acadêmicos de enfermagem se encontra inadequado e que a capacitação promoveu o aumento do percentual de acertos sobre o tema. Este fato reforça que se faz necessário melhorar o currículo da universidade trazendo mais enfoque para essa temática, assim como capacitações e intervenções educativas pertinentes a fim de complementar o ensino e conhecimento técnico-científico na prática clínica.

Recomenda-se a consolidação de estratégias educativas como cursos, aulas teóricas e práticas na graduação que contemplem o assunto estudado, acompanhamento em ambulatório de feridas e capacitações nas universidades a fim de aprimorar o conhecimento dos acadêmicos sobre a temática, formando enfermeiros com noções de cuidados aos pacientes com LP desde a prevenção e tratamento e tecnologias, melhorando assim o cuidado, assistência e segurança do paciente.

 

REFERÊNCIAS

1.      National Pressure Ulcer Advisory Panel, European Pressure Ulcer Advisory Panel and Pan Pacific Pressure Injury Alliance. Prevention and Treatment of Pressure Ulcers: Quick Reference Guide. Emily Haesler (Ed.). Cambridge Media: Osborne Park, Australia; 2014.

2.      Augusto T, Paula A, Nunes D, Corrêa JW, Mota L, Renata B, et al. Cuidados de enfermagem na prevenção de lesão por pressão em idosos. Rev Enferm Atual In Derme [Internet]. 2023 [citado 2023 set 07];97(2):e023048–8. doi:  https://doi.org/10.31011/reaid-2023-v.97-n.2-art.1763.

3.      Moreira LR, Siqueira AT, Santos PT, Ladislau VN. Percepção do enfermeiro acerca da formação acadêmica para o exercício profissional. Enfermagem revista [Internet]. 2018 [citado 2023 set 07]; 21(1):34-50. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/enfermagemrevista/article/view/17896.

4.      Conselho Federal de Enfermagem. Resolução COFEN Nº 567/2018. Aprovado pela Resolução Cofen nº 421, de 15 de fevereiro de 2012. [citado 2023 set 07]. 2022. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofenno-567-2018_60340.html.

5.      Campoi ALM, Engel RH, Stacciarini TSG, Cordeiro ALP de C, Melo AF, Rezende MP. Permanent education for good practices in the prevention of pressure injury: almost-experiment. Rev. Bras. Enferm. [Internet]. 2019 [citado 2023 Set 07];72(6):1646–52. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0778.

6.      Furtado AF, Marcondes L, Lenhani BE, Batista J. Conhecimento de acadêmicos de enfermagem sobre lesões por pressão: desafio para a segurança do paciente. Rev. baiana enferm. [Internet]. 2020 [citado 2023 Set 07] 11;33. doi: https://doi.org/10.18471/rbe.v33.34425.

7.      Mazzo A, Berchelli F, Miranda G, Gonçalves Meska M, Bianchini A, Bernardes R, et al. Ensino de prevenção e tratamento de lesão por pressão utilizando simulação - relato de experiência. Esc Anna Nery [Internet]. [citado 2023 Set 07];22(1):2018. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2017-0182.

8.      Rabeh SAN, Palfreyman S, Souza CBL, Bernardes RM, Caliri MHL. Cultural adaptation of the Pieper-Zulkowski Pressure Ulcer Knowledge Test for use in Brazil. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [citado 2023 Set 07];71(4):1977–84. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0029.

9.      Silva GB, Macedo JWR, Val LF. Curso de bacharelado em enfermagem: egressos do sexo masculino (2004 a 2017). Braz J Develop [Internet]. 2021 [citado 2023 Set 07];7(5):52337-46. doi: https://doi.org/ :10.34117/bjdv7n5-569.

10.  Kielo E, Salminen L, Suhonen R, Puukka P, Stolt M. Graduating student nurses’ and student podiatrists’ wound care competence: a cross-sectional study. Journal of Wound Care [Internet]. 2019 [citado 2023 Set 07]3;28(3):136–45. doi: https://doi.org/10.12968/jowc.2019.28.3.136.

11.  Mather C, Jacques A, Prior SJ. Australian First-Year Nursing Student Knowledge and Attitudes on Pressure Injury Prevention: A Three-Year Educational Intervention Survey Study. Nurs. Rep [Internet]. 2022 [citado 2023 Set 07];12(3):431–45. doi: https://doi.org/ 10.3390/nursrep12030042.

12.  Silva ACL, Capellini VK, Silva RG. Educação em enfermagem: criação de uma liga acadêmica para o ensino de urgência e emergência. RSD [Internet]. 2020[citado 2023 Set 07];9(3):e159932656–6. doi: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v9i3.2656.

13.  Esteves LSF, Cunha ICKO, Bohomol E. Supervised internship in undergraduate nursing courses in the State of São Paulo, Brazil. Rev Latino-Am Enferm [Internet]. 2020 [citado 2023 Set 07];28. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.3540.3288.

14.  Kielo-Viljamaa E, Ahtiala M, Suhonen R, Stolt M. Simulated Wound Care as a Competence Assessment Method for Student and Registered Nurses. Advances Skin Wound Care [Internet]. 2021 [citado 2023 Set 07];34(11):588–95. doi: https://doi.org/ 10.1097/01.ASW.0000792916.93340.68.

15.  Brooke J, Hvalič-Touzery S, Skela-Savič B. Student nurse perceptions on evidence-based practice and research: an exploratory research study involving students from the University of Greenwich, England, and the Faculty of Health Care Jesenice, Slovenia. Nurse Educ Today [Internet]. 2015 [citado 2023 Set 07];35(7): e6–11. C https://doi.org/10.1016/j.nedt.2015.02.026.

16.  Meyer D, Verhaeghe S, Van Hecke A, Beeckman D. Knowledge of nurses and nursing assistants about pressure ulcer prevention: A survey in 16 Belgian hospitals using the PUKAT 2.0 tool. J Tissue Viability [Internet]. 2019 [citado 2023 Set 07];28(2):59–69. doi: https://doi.org/ 10.1016/j.jtv.2019.03.002.

 

Critérios de autoria

 

Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção, no planejamento do estudo, na obtenção, análise e interpretação dos dados, assim como na redação, revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

 

Fomento: não há instituição de fomento

 

Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519


 

 

 

Rev Enferm Atual In Derme 2023;97(4): e023231                                

by    Atribuição CC BY