CONSTRUÇÃO E AVALIAÇÃO DE UM INSTRUMENTO DE IDENTIFICAÇÃO DA ÚLCERA TERMINAL DE KENNEDY
CONSTRUCTION AND EVALUATION OF A KENNEDY TERMINAL ULCER IDENTIFICATION TOOL
ELABORACIÓN Y EVALUACIÓN DE UN INSTRUMENTO DE IDENTIFICACIÓN DE LA ÚLCERA TERMINAL DE KENNEDY
1Brunna Francisca de Farias Aragão
2Gerluce Araújo Silva de Souza Monteiro
1Enfermeira. Residente em Infectologia pelo Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco, Recife, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7186-3108
Autor correspondente
Brunna Francisca de Farias Aragão
Rua Abdon Batista, N 300, CEP: 50100-460, Bairro Santo Amaro, Recife, Pernambuco. Brasil. Fone: +55(81) 9 9759-5862
E-mail: brunnafrancisca1999@gmail.com
RESUMO
Objetivo: Realizar a construção e avaliação de um instrumento de identificação da Úlcera Terminal de Kennedy (UTK). Métodos: Estudo metodológico de construção e avaliação de instrumento, por meio de abordagem quali-quantitativa. Cuja abordagem qualitativa, foi mediante a avaliação por um comitê de especialistas (n=10), e a abordagem quantitativa se deu através da utilização do índice de validade de conteúdo (IVC). Resultados: Entre os 12 itens do instrumento original, foram excluídos 3, dos quais um se deu por apresentar o IVC abaixo do escore aceitável e dois por apresentarem conteúdos considerados “repetitivos” em relação a outros dois itens; desse modo, a segunda versão do instrumento resultou em 9 itens, nos quais foram realizados ajustes de acordo com a síntese das sugestões dos juízes. Conclusão: A partir da avaliação dos juízes, foi definida uma versão do instrumento com índice de validade de conteúdo, concordância e relevância adequados, que poderá contribuir para a identificação da UTK.
Palavras-chave: Estudo de validação; Cuidados Paliativos; Assistência Terminal; Úlcera Cutânea; Úlcera Terminal de Kennedy.
ABSTRACT
Objective: To carry out the construction and evaluation of a Kennedy Terminal Ulcer (UTK) identification tool. Methods: Methodological study of instrument construction and evaluation, using a quali-quantitative approach. Whose qualitative approach was evaluated by a committee of experts (n=10), and the quantitative approach was through the use of the content validity index (CVI). Results: Among the 12 items of the original instrument, 3 were excluded, one of which was due to the CVI below the acceptable score and two due to the content considered “repetitive” in relation to the other two items; thus, the second version of the instrument resulted in 9 items, in which adjustments were made according to the synthesis of the judges' suggestions. Conclusion: Based on the judges' evaluation, a version of the instrument was defined with an adequate content validity, agreement and relevance index, which may contribute to the identification of UTK.
Keywords: Validation Study; Palliative Care; Terminal Assistance; Cutaneous Ulcer; Kennedy Terminal Ulcer.
RESUMEN
Objetivo: Realizar la elaboración y evaluación de un instrumento de identificación de la Úlcera Terminal de Kennedy (UTK). Métodos: Estudio metodológico de elaboración y evaluación de instrumento, por medio de abordaje cuali-cuantitativo. Cuyo abordaje cualitativo, fue mediante la evaluación por un comité de especialistas (n=10), y el abordaje cuantitativo se dio por medio de la utilización del índice de validez de contenido (IVC).
Resultados: Entre los 12 ítems del instrumento original, fueron excluidos 3, de los cuales uno se dio por presentar el IVC por debajo del score aceptable y dos por presentar contenidos considerados “repetitivos” con relación a otros dos ítems; de ese modo, la segunda versión del instrumento resultó en 9 ítems, en los cuales fueron realizados ajustes de acuerdo con la síntesis de las sugerencias de los jueces. Conclusión: A partir de la evaluación de los jueces, fue definida una versión del instrumento con índice de validez de contenido, concordancia y relevancia adecuados, que podrá contribuir para la identificación de la UTK.
Palabras clave: Estudio de Validación; Cuidados Paliativos; Asistencia Terminal; Úlcera Cutánea; Úlcera Terminal de Kennedy.
INTRODUÇÃO
A Úlcera Terminal de Kennedy (UTK) foi definida pela primeira vez em 1983 por Karen Lou Kennedy-Evans, uma enfermeira de saúde da família, que iniciou uma das primeiras equipes de cuidados com a pele em uma instituição de cuidados de longo prazo, com 500 leitos, localizada em Indiana, EUA. Nessa instituição, Karen liderava um estudo que tinha como principal objetivo avaliar por quanto tempo os clientes viviam após desenvolverem uma determinada Lesão por Pressão (LPP).(1)
Os dados encontrados revelaram que mais da metade dos pacientes (55,70%) morreram em até 6 semanas após o aparecimento dessa LPP. Tal ocorrência levou-os à investigação da possibilidade de outro tipo de ferida, que não uma LPP comum, ser um importante indicador de falência orgânica e, por isso, ser sinal de morte iminente ou de morbidade com rápida deterioração.(2)
Além do mais, foi percebido que os pacientes residentes que desenvolviam uma lesão com aparência repentina de uma úlcera bilateral em forma de pêra vermelha, amarela ou preta, predominantemente no sacro ou no cóccix, pareciam estar em maior risco de morte iminente. Os dados também revelaram que aqueles que não morreram eram mais propensos a ter descamação da pele na nádega esquerda, tornozelo direito ou ísquio direito, fortalecendo a especulação de que o colapso bilateral da pele seria um indicador de aumento da morbidade, caracterizando a descoberta de um novo tipo de lesão, que não uma simples lesão por pressão.(3)
Em 1989, Karen Kennedy apresentou suas observações clínicas e dados sobre lesões de pele na primeira conferência do National Pressure Injury Advisory Panel (NPIAP). Diante das novas descobertas, a essa nova lesão, cunharam o termo Lesão Terminal de Kennedy, posteriormente alterado para Úlcera Terminal de Kennedy.(3)
Através do estudo de Kennedy, tornou-se perceptível a relação iminente da UTK com a terminalidade. O seu aparecimento súbito com rápida progressão da deterioração da pele tende a surpreender cuidadores e familiares, que, muitas vezes, não têm conhecimento acerca da causa de seu desenvolvimento. Fato que aponta a necessidade da adequação do plano de cuidados de acordo com as necessidades do paciente, baseando-se nos cuidados paliativos.(4)
Os Cuidados Paliativos, dirigidos a pessoas com doença incurável, prolongada e progressiva, têm como objetivo prevenir o sofrimento, assim como, facultar, ao próprio doente e à família, a melhor qualidade de vida possível. Tratam-se, então, de cuidados aplicáveis a pacientes com UTK, visto que o seu desenvolvimento é indicativo de terminalidade.(2,5,6)
A terminalidade compreende alterações fisiológicas do organismo que ocorrem como resultado do processo de morrer. Por conseguinte, considera-se uma pessoa em sua terminalidade aquele indivíduo que sofre de alguma patologia que por fim interfere no funcionamento dos órgãos vitais trazendo prejuízo à pele, podendo resultar ou não em lesão.(1,7)
A falência cutânea é desconhecida e subestimada, fato que gera um déficit quanto ao seu reconhecimento em meio à assistência multiprofissional em saúde. Além do mais, ao contrário das demais disfunções orgânicas, não existem exames laboratoriais capazes de identificá-la, bem como não existem medicamentos ou procedimentos para restabelecer sua função.(8)
Ante o exposto, a utilização de instrumentos confiáveis apresenta-se como um recurso inestimável na avaliação do cuidado de saúde, especialmente durante a formação profissional, uma vez que facilita a produção de dados, favorece a análise de técnicas e abordagens adotadas e proporciona a padronização de condutas eficientes no ensino e na prática clínica.(9) Destarte, a carência de ferramentas de mensuração avaliadas na literatura para identificação da UTK reforça a importância da construção e avaliação de instrumentos para tal fim.
Posto isto, o presente estudo teve como objetivo geral realizar a construção e avaliação de um instrumento de identificação da UTK e como objetivos específicos identificar na revisão da literatura as características da UTK; criar um instrumento com as características da UTK a partir da literatura; e realizar a avaliação da validade de conteúdo de um instrumento de identificação da UTK.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo metodológico que apresenta a construção e avaliação de conteúdo, concordância e relevância de um instrumento de identificação da UTK, em duas fases, realizadas no período de outubro de 2021 a maio de 2022. A coleta de dados iniciou-se em março de 2022, com o início da avaliação, após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco, Parecer 5.318.087, e a emissão do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 56127222.7.0000.5192, e seguiu até abril de 2022, segundo as normas da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde do Brasil para pesquisas que envolvem seres humanos.
Primeira fase - construção do instrumento
O procedimento teórico do processo de desenvolvimento do instrumento envolveu uma busca de características da UTK que permitissem a sua identificação através de uma revisão integrativa da literatura.(10) Desse processo de análise da literatura, foi construído um instrumento composto por 12 itens dispostos em 2 eixos, com o objetivo de possibilitar a identificação da UTK. Sendo o primeiro eixo referente à "avaliação da ferida”, contendo 8 itens, e o segundo às “condições clínicas do cliente”, contendo 4 itens.
Após a construção do esboço do instrumento e antes de partir para a segunda fase, o mesmo foi encaminhado para dois especialistas, na área da estomaterapia e dos cuidados paliativos, para uma pré-avaliação, que resultou no ajuste sintático de alguns de seus itens.
Segunda fase - avaliação do instrumento
A validade de conteúdo é uma das medidas psicométricas indispensáveis ao desenvolvimento de ferramentas de medição, que envolve o processo de elaboração e julgamento por especialistas, na definição do universo teórico e das diferentes dimensões do conceito a ser observado e medido. Os instrumentos para esse tipo de avaliação devem ser embasados em evidências científicas, como requisito indispensável à qualidade, legitimidade e credibilidade, buscadas em seu processo de validação.(9) Diante disso, no presente estudo, foi abordada a avaliação da validade de conteúdo do instrumento.
Escolha da técnica de avaliação
Como não existe um teste estatístico específico para avaliação da validade de conteúdo, geralmente utiliza-se uma abordagem qualitativa, mediante a avaliação por um comitê de especialistas, e após uma abordagem quantitativa com utilização do Índice de Validade de Conteúdo (IVC).(11)
O IVC mede a proporção ou porcentagem de juízes em concordância sobre determinados aspectos de um instrumento e de seus itens. Este método consiste de uma escala de Likert com pontuação de 1 a 4, em que os itens que receberem pontuação de 1 ou 2 devem ser revisados ou eliminados. Devem ser considerados para permanência no instrumento aqueles itens que obtiverem um alto grau de concordância e relevância dos juízes, avaliados através da técnica do IVC, sobre sua classificação como "3" ou "4".(11)
Seleção dos juízes
A avaliação da validade de conteúdo pressupõe um julgamento subjetivo sobre se uma medida faz sentido intuitivamente e se refere ao grau em que um instrumento representa um domínio ou a relevância de seus itens. Para tanto, o quantitativo de juízes recomendado é de 6 a 20 sujeitos.(12)
Tendo em vista que os enfermeiros são profissionais responsáveis pelos cuidados gerais e curativos diários dos pacientes, tornou-se indeclinável incluí-los como fator-chave no desenvolvimento do presente estudo. A partir disso, foram convidados 16 profissionais para participar do estudo, com base nos seguintes critérios de inclusão: possuir título de graduação em enfermagem; possuir especialização na área dos Cuidados Paliativos, Dermatologia, Estomaterapia e/ou Oncologia. Entre os 16 convidados, apenas 10 concordaram em participar na qualidade de juízes.
Os profissionais selecionados foram contatados por correio eletrônico e convidados a participar como juízes da pesquisa, por meio de uma carta convite contendo a apresentação da pesquisa, bem como um link de acesso a um formulário, construído via Google Forms (https://docs.google.com/forms). O mesmo era dividido em três partes: a primeira direcionada aos esclarecimentos quanto à pesquisa, bem como ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); a segunda referente à caracterização dos participantes do estudo, com questões sobre gênero, idade, qualificação profissional, área e tempo de atuação e local de trabalho; e a terceira parte contendo a apresentação do instrumento a ser avaliado e as instruções para o seu preenchimento.
Análise da concordância e relevância
Na abordagem qualitativa, os juízes foram solicitados a avaliar a adequação do instrumento em relação à concordância e relevância, classificando cada item como 1 para discordo totalmente/irrelevante, 2 para discordo/pouco relevante, 3 para concordo/muito relevante ou 4 para concordo totalmente/extremamente relevante. Foram considerados para permanência no instrumento aqueles itens que obtiveram um alto grau de relevância e concordância dos juízes, avaliados através da técnica do IVC, sobre sua classificação como "3" ou "4". Além do mais, foram reservados espaços para comentários, justificativas e sugestões que os juízes julgassem pertinentes.
As sugestões foram consideradas, o que resultou em uma posterior alteração do instrumento, na qual foi realizada uma síntese das sugestões dos juízes para modificação dos itens indicados através de um tratamento analítico das partes.
Tratando-se da abordagem quantitativa, para calcular o IVC de cada item do instrumento, as respostas “3” e “4” dos participantes do comitê de especialistas foram somadas e divididas pelo número total de respostas. Já para avaliar o IVC do instrumento como um todo, dividiu-se o número total de itens considerados como relevantes pelos juízes pelo número total de itens.(8,13)
Diante disso, para verificar a validade de novos instrumentos, alguns autores sugerem uma concordância mínima de 0,80.(13) Sendo assim, utilizou-se uma taxa ≥ 0,80 tanto para avaliação de cada item, como para avaliação geral do instrumento.
RESULTADOS
Participaram, na condição de juízes, 10 enfermeiros especialistas. Sendo 4 especialistas na área de cuidados paliativos, 4 em dermatologia, 1 em estomaterapia e 1 em oncologia. Dentre estes, haviam 8 mulheres e 2 homens, com idades de 26 a 59 anos (média= 42,5) e com média de 7,8 anos de atuação profissional.
A seguir, a Tabela 1 destaca o instrumento (primeira e segunda versões), a classificação (de 1 a 4, segundo a escala de Likert)(11) quanto à concordância e relevância de acordo com a porcentagem de juízes que pontuou cada item e o índice de validade de conteúdo acerca das características para identificação da UTK e seus respectivos dois eixos e doze itens.
Tabela 1 - Instrumento de identificação da Úlcera Terminal de Kennedy
Primeira versão |
Classificação quanto à concordância e relevância |
IVC de cada item |
Versão final |
|||
“1” |
“2” |
“3” |
“4” |
|||
Eixo 1. Avaliação da ferida |
||||||
1 - INÍCIO: A ferida teve um surgimento súbito? SIM ( ) NÃO( ) |
0 |
0 |
30% |
70% |
1 |
1- Mantido. |
2 - APARÊNCIA INICIAL: A ferida apresenta uma aparência inicial de abrasão ou flictena? ( ) ABRASÃO ( ) FLICTENA ( ) NÃO TEM ASSOCIAÇÃO |
0 |
10% |
20% |
70% |
0,9 |
2- Mantido. |
3- LOCALIZAÇÃO: A ferida se localiza em qual(is) local(is)? SACRO ( ) CÓCCIX ( ) CALCÂNEOS ( ) PANTURRILHA ( ) DEPENDE DO LOCAL DA PRESSÃO ( ) |
0 |
10% |
30% |
60% |
0,9 |
3- Mantido. |
4 - COLORAÇÃO: A ferida apresenta que coloração? VERMELHA ( ) AMARELA ( ) AZUL ( ) ROXA ( ) PRETA ( ) |
0 |
10% |
10% |
80% |
0,9 |
4- Mantido. |
5- FORMATO: A ferida apresenta que formato? PÊRA ( ) FERRADURA( ) BORBOLETA ( ) DEPENDE DA ÁREA EXPOSTA À PRESSÃO ( ) |
0 |
0 |
10% |
90% |
1 |
5- Mantido. |
6- BORDAS: A ferida apresenta bordas irregulares? SIM ( ) NÃO ( ) |
0 |
0 |
20% |
80% |
1 |
6- Mantido. |
7- ASPECTO DO TECIDO: A ferida apresenta tecido endurecido? SIM ( ) NÃO ( ) |
0 |
30% |
30% |
40% |
0,7 |
7- Excluído. |
8- EVOLUÇÃO: A ferida apresenta rápida evolução? SIM ( ) NÃO ( ) |
0 |
0 |
20% |
80% |
1 |
8- Mantido. |
Eixo 2. Condições clínicas do cliente |
||||||
9- Paciente está em cuidados paliativos? SIM ( ) NÃO ( ) |
0 |
0 |
10% |
90% |
1 |
9- Excluído. |
10- Paciente apresenta alguma condição clínica considerada ou associada à terminalidade? SIM ( ) NÃO ( ) |
10% |
0 |
0 |
90% |
0,9 |
10- Paciente apresenta alguma condição associada à terminalidade? SIM ( ) NÃO ( ) |
11- Paciente apresenta redução da perfusão tissular? SIM ( ) NÃO ( ) |
0 |
0 |
10% |
90% |
1 |
Mantido. |
12- Paciente apresenta deficiência de oxigenação da pele? SIM ( ) NÃO ( ) |
10% |
0 |
0 |
90% |
0,9 |
Excluído. |
IVC do instrumento como um todo = 0,92 |
Fonte: Autores, 2022.
Considerando a avaliação do instrumento em questão, observou-se que a maioria dos itens (n=11) apresentou um IVC ≥ 0,80 quanto ao grau de concordância e relevância avaliados pelos juízes; por esse motivo, permaneceram na escala de medida proposta, contudo o item 7 não apresentou a taxa mínima desejada, o qual foi excluído do eixo 1.
Alguns especialistas teceram sugestões acerca dos itens do instrumento, resultando na alteração do mesmo. De acordo com os comentários dos juízes, os itens 9 e 12 foram considerados “repetitivos” em relação aos itens 10 e 11, respectivamente. Além do mais, houve o seguinte comentário direcionado ao item 9: "Espera-se que o paciente esteja sob a filosofia paliativista, porém nem sempre é possível [...]". À vista disso, houve a exclusão dos itens 9 e 12 do eixo 2.
Diante do exposto, o instrumento definitivo, que segue a conformidade dos juízes e está de acordo com o tratamento analítico, permaneceu com 2 eixos e 9 itens, como se pode observar na Tabela 2.
Tabela 2 - Instrumento final para a identificação da Úlcera Terminal de Kennedy
Eixo 1. Avaliação da ferida |
1 - INÍCIO: A ferida teve um surgimento súbito? SIM ( ) NÃO( ) |
2- EVOLUÇÃO: A ferida apresenta rápida evolução? SIM ( ) NÃO( ) |
3 - APARÊNCIA INICIAL: A ferida apresenta uma aparência inicial de abrasão ou flictena? ABRASÃO ( ) FLICTENA( ) NÃO TEM ASSOCIAÇÃO( ) |
4- FORMATO: A ferida apresenta que formato? PÊRA ( ) FERRADURA( ) BORBOLETA ( ) DEPENDE DA ÁREA EXPOSTA À PRESSÃO( ) |
5 - COLORAÇÃO: A ferida apresenta que coloração? VERMELHA ( ) AMARELA( ) AZUL( ) ROXA( ) PRETA( ) |
6- BORDAS: A ferida apresenta bordas irregulares? SIM ( ) NÃO( ) |
7- LOCALIZAÇÃO: A ferida se localiza em qual(is) local(is)? SACRO ( ) CÓCCIX( ) CALCÂNEOS( ) PANTURRILHA( ) DEPENDE DO LOCAL DA PRESSÃO( ) |
Eixo 2. Condições clínicas do cliente |
8- Paciente apresenta alguma condição associada à terminalidade? SIM ( ) NÃO( ) |
9- Paciente apresenta redução da perfusão tissular? SIM ( ) NÃO( ) |
Fonte: Autores, 2022.
DISCUSSÃO
Para a construção do instrumento, o estudo baseou-se na literatura, especificamente no que dizia respeito às principais características da UTK que permitissem a sua avaliação e singularidade frente às demais feridas. Os autores descrevem a UTK como uma lesão de início súbito; com aparência inicial de abrasão ou flictena; formato de pêra, borboleta ou ferradura; cor que varia com o desenvolvimento da lesão; localização sacrococcígea ou outras regiões; possuindo bordas irregulares; e apresentando uma rápida progressão.(10,14-16) Comprovando a inserção e continuidade dos itens 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 presentes no primeiro eixo do instrumento.
O desenvolvimento do segundo eixo contou com a avaliação das condições clínicas do cliente com UTK referidas na literatura. Diante disso, contando com a existência de alterações na pele consideradas como “inevitáveis", ocorrendo mesmo após a aplicação de intervenções adequadas ou padrões de cuidados excedentes, podendo ser definidas como fisiológicas, acometendo os mecanismos homeostáticos do organismo como resultado do processo de morrer, temos a UTK. Uma lesão inevitável, indicativa de terminalidade e consequente morte do organismo, que demanda cuidados especiais: os cuidados paliativos.(7) Com base nisso, foi construído e mantido o item 8 do instrumento.
Visto que a UTK ocorre devido ao colapso da pele durante o processo de morte, se dá por insuficiência vascular, quando o sangue é desviado da pele para os órgãos vitais como coração, cérebro e rins. Sendo assim, as alterações do processo terminal geralmente afetam a pele e os tecidos moles onde há baixa perfusão de oxigênio, isquemia tecidual e diminuição de processos metabólicos. Desse modo, a pele, como maior órgão do corpo humano, tem a propriedade de refletir externamente a situação em que se encontra o organismo.(4,7,17) Justificando a inclusão e permanência do item 9 no segundo eixo do instrumento.
Diante do exposto, por meio da análise da literatura e apreciação dos juízes, foi possível realizar a construção do instrumento, bem como a avaliação da validade de conteúdo e adequação do mesmo quanto à concordância e relevância.
De forma geral, apesar de esses resultados garantirem a qualidade inicial do instrumento, ressalta-se a importância de estudos posteriores para a determinação da confiabilidade dele, seja na perspectiva psicométrica mais clássica, seja na mais complexa, que vise à qualidade do constructo teórico desejado.(12) E para tanto, pretende-se dar prosseguimento ao processo de validação do instrumento, através da avaliação da validade de critério e construto.
Estudos sobre a UTK são um tema pouco abordado, gerando uma escassez de literatura a respeito, caracterizando uma limitação importante no desenvolvimento do presente estudo. Sendo assim, a elaboração de novas pesquisas acerca da temática se configuram como viabilizadoras do conhecimento e fomentadoras de um novo olhar acerca dos pacientes em estágio terminal.(7)
O reconhecimento desse tipo de ferida também pode ter implicações para as políticas públicas. À medida que um número crescente de pessoas atinge vidas mais longas, a UTK pode proliferar, exigindo uma melhor compreensão deste e de outros fenômenos do fim da vida.(18)
Assim sendo, fica evidente a imprescindibilidade da construção de um instrumento de identificação da UTK, de modo a proporcionar subsídios sólidos e eficazes aos profissionais de saúde que potencializem o diagnóstico precoce e plano de cuidados condizente com as necessidades do paciente. Garantindo, dessa forma, uma assistência adequada ao cliente e sua família, minimizando, para ambos, os desconfortos emocionais, e ao primeiro, físicos.
CONCLUSÕES
Identificou-se, através de uma revisão integrativa da literatura, as principais características da UTK, que possibilitaram a construção de um instrumento de identificação da mesma. E, mediante a avaliação por um comitê de juízes/especialistas, foi definida uma versão do instrumento com índice de validade de conteúdo, concordância e relevância adequados, que poderá contribuir para a identificação da UTK. Ademais, estima-se dar continuidade ao processo de validação, através da avaliação da validade de critério e construto.
REFERÊNCIAS
Critérios de autoria (contribuições dos autores)
Afirmamos que todos os autores descritos acima realizaram as seguintes atividades: 1. contribuir substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Agradecimento
Agradecemos à Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças da Universidade de Pernambuco (Fensg-UPE), à Universidade de Pernambuco como um todo e ao Hospital Universitário Oswaldo Cruz.