ARTIGO ORIGINAL

 

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO CONTEXTO RURAL: ANÁLISE DA ABORDAGEM DOS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE

 

VIOLENCE AGAINST WOMEN IN THE RURAL CONTEXT: ANALYSIS OF THE COMMUNITY HEALTH AGENT'S APPROAC

 

VIOLENCIA CONTRA LA MUJER EN EL CONTEXTO RURAL: ANÁLISIS DEL ENFOQUE DEL AGENTE COMUNITARIO DE SALUD


 

https://doi.org/10.31011/reaid-2023-v.97-n.3-art.1847 

1Mariana Andrade de Freitas

2Ana Bruna Gomes da Silva

3Estefani Alves de Melo

4Tamires Alves Dias

5Kamila de Castro Morais

6Patrícia Pereira Tavares de Alcântara

7Maria Jeny de Sousa Oliveira

8Yanca Carolina da Silva Santos

 

1Universidade Regional do Cariri, Iguatu/CE, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4697-038X.

2Universidade Regional do Cariri, Iguatu/CE, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0009-0004-7297-3335.

3Universidade Regional do Cariri, Iguatu/CE, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1448-7713.

4Universidade Regional do Cariri, Iguatu/CE, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5366-2065.

5Universidade Regional do Cariri, Jaguaribe/CE, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3564-7993.

6Universidade Regional do Cariri, Iguatu/CE, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3337-4845.

7Universidade Regional do Cariri, Iguatu/CE, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7044-8554.

8Universidade Regional do Cariri, Iguatu/CE, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1848-5726.

 

Autor correspondente

Mariana Andrade de Freitas

Rua: Zacarias Pinheiro da Silva, n° 548, Centro, CEP: 63605-000 – Piquet Carneiro – CE – Brasil. Contato: (88) 99627-9763. E-mail: marianapc2@hotmail.com

                        

Submissão: 01-05-2023

Aprovado: 05-09-2023

 

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar a abordagem dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) da zona rural diante a problemática de violência contra a mulher no município de Iguatu/Ceará. Trata-se de uma pesquisa descritiva, exploratória, com abordagem qualitativa. O estudo foi realizado nas Estratégias de Saúde da Família (ESF) do município de Iguatu/Ceará, no período de agosto a outubro de 2022. A amostra do estudo se deu por 24 Agentes Comunitários de Saúde das Estratégias Saúde da Família da zona rural do referido município. A coleta foi realizada por intermédio de um link, através de um questionário eletrônico no Google Forms. A pesquisa foi desenvolvida seguindo os preceitos éticos das resoluções 510/2016 e 466/2012, sendo submetida ao Comitê de Ética e aprovado sob o parecer nº 3.297.233. Os tipos de violência mais citadas foram a violência física, sexual, moral e psicológica. Ao investigar a abordagem dos agentes comunitários de saúde, foi possível conhecer a diversidade de abordagens empregadas pelos profissionais, tais como: o diálogo, o vínculo, as orientações e o trabalho da equipe multidisciplinar. As participantes também mencionaram as dificuldades que permeavam essa assistência, dentre elas, a falta de informação para atuar com essa situação.

Palavras-chave: Violência Contra a Mulher; Agentes Comunitários de Saúde; População Rural; Assistência à Saúde.

 

ABSTRACT

It aims to analyze the approach of Community Health Agents (ACS) from the rural area to the problem of violence against women in the municipality of Iguatu/Ceará. This is a descriptive, exploratory research, with a qualitative approach, the study was carried out in the Family Health Strategies (ESF) of the municipality of Iguatu/Ceará, from August to October 2022. The study sample was given by 24 community health agents from the family health strategies in the rural area of ​​the aforementioned municipality. The collection was carried out through a link, through an electronic questionnaire on Google Forms. The research was developed following the ethical precepts of resolutions 510/2016 and 466/2012, being submitted to the Ethics and Research Committee and approved under the opinion number 3.297.233. The most cited types of violence were physical, sexual, moral and psychological violence. When investigating the CHA approach, it was possible to know their diversity, such as: dialogue, bonding, guidelines and the work of the multidisciplinary team. The participants also mentioned the difficulties that permeated this assistance, amongthem, the lack of information to deal with this situation.
Keywords: Violence Against Women; Community Health Workers; Rural Population; Healthcare.

 

RESUMEN

Tiene como objetivo analizar el abordaje de los Agentes Comunitarios de Salud (ACS) del área rural al problema de la violencia contra la mujer en el municipio de Iguatu/CE. Se trata de una investigación descriptiva, exploratoria, con abordaje cualitativo, el estudio fue realizado en las Estrategias de Salud de la Familia (ESF) del municipio de Iguatu/Ceará, de agosto a octubre de 2022. La muestra del estudio estuvo constituida por 24 agentes comunitarios de salud de las estrategias de salud de la familia en la zona rural del mencionado municipio. La recogida se realizó a través de un enlace, a través de un cuestionario electrónico en Google Forms. La investigación se desarrolló siguiendo los preceptos éticos de las resoluciones 510/2016 y 466/2012, siendo sometida al Comité de Ética e Investigación y aprobada bajo el dictamen número 3.297.233. Los tipos de violencia más citados fueron la violencia física, sexual, moral y psicológica. Al indagar en el abordaje de los CHA, fue posible conocer su diversidad, como: el diálogo, la vinculación, las orientaciones y el trabajo del equipo multidisciplinario. Los participantes también mencionaron las dificultades que atravesaron esta asistencia, entre ellas, la falta de información para enfrentar esta situación.
Palabras clave: Violencia Contra la Mujer; Agentes Comunitarios de Salud; Población Rural; Cuidado de la Salud.

 


 


 

 

INTRODUÇÃO

A violência apresenta-se como uma prioridade da saúde pública mundial, devido à alta incidência e o impacto negativo na vida da população. Essa problemática se reflete nos serviços de saúde, tornando-se um grande desafio para os profissionais, pois esses necessitam de uma visão maior sobre o tema e sobre as formas de enfrentamento (1).

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a violência é reconhecida como: lesão, morte ou dano psicológico contra si ou outras pessoas, devido ao uso de força física, poder ou ameaça. E nesse âmbito, o tipo de violência praticada contra a mulher, percorre entre as relações de gênero, nas diferentes culturas, baseadas na construção social do ser feminino e ser masculino, conhecida desde as gerações antepassadas (2).

Frente ao exposto, a violência contra a mulher ou de gênero, tão presente em nosso dia a dia, baseia- se em uma visão social e cultural, onde a figura feminina é inferior e correlaciona às mulheres a condição de vítimas preferenciais. Desse modo, toda situação que desobedeça aos direitos ou fira a cidadania das mulheres, bem como qualquer ato que leve à morte, baseado no gênero, que ocasione dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico, define-se como violência contra a mulher (3).

O número de casos desse tipo de violência tem aumentado anualmente devido aos crimes serem tratados com certa naturalidade. Em 2016, observou-se uma taxa de 4,5 homicídios por 100 mil mulheres no Brasil, de acordo com dados o último atlas da violência produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Os dados mostram ainda, que em um grupo de 27 Estados, o Ceará ocupa a 6ª posição em quantidade de homicídios femininos, mostrando a necessidade da atuação de todos os envolvidos no processo de prevenção e combate dos casos (4).

 De acordo com os dados publicados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), houve um crescimento de 22,2% de denúncias nos meses de março e abril de 2020 comparado aos índices de 2019, todavia, percebe-se uma redução nos registros nas delegacias de polícia devido adversidades que a pandemia acarretou (5).

A violência contra a mulher repousa no seio da invisibilidade, tanto pela sociedade, quanto por autoridades governamentais, e encontra-se reforçada no contexto rural, uma vez que este intensifica a característica privada do lar, pelo distanciamento dos grandes centros urbanos (6).

Por ser uma questão de saúde pública, os órgãos de saúde do país, devem se envolver ativamente na capacitação e conscientização dos profissionais e população em geral, sobre a dimensão dessa realidade assombrosa. Dessa maneira, a Atenção Básica à Saúde, como porta de entrada para a saúde, se encaixa como peça-chave, e os profissionais atuantes necessitam estar atentos sobre as diferentes especificidades desse complexo problema. Com isso, poder-se-á construir e implementar políticas públicas e estratégias de diminuição desses casos, pensando-se especialmente, no bem-estar das mulheres (7).

Nesse cenário, frente o surgimento do Programa Saúde da Família (PSF), hoje Estratégia de Saúde da Família (ESF), intensificou-se a categoria profissional do Agente Comunitário de Saúde (ACS) para atuar nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), fazendo um elo de ligação entre os serviços de saúde e a comunidade. Esses profissionais são componentes importantes da assistência, devido a sua colaboração direta no fortalecimento da Atenção Básica a Saúde e das políticas públicas de saúde (8).

Os ACS exercem função de mediar entre a equipe de saúde e a comunidade os conhecimentos populares e técnicos. Uma das grandes competências relacionadas ao trabalho dos ACS é a viabilidade de superação da divisão que existe entre os saberes da população e os saberes técnicos promovendo a construção de discursos que possibilite a compreensão e vivência expandida de saúde. Assim, eles se sobressaem como agenciadores de práticas e ações emancipadoras em saúde (9).

Os ACS também desenvolvem tarefas e ações unidos à comunidade, momento em que podem reconhecer a ocorrência da violência contra a mulher, e dedicar-se à assistência à vítima guiados pelo conhecimento que esses profissionais possuem acerca deste problema. E com base neste conhecimento, conseguirem entender, interceder no cuidado e na produção de intervenção e prevenção(10).

Diante do exposto, justifica-se a necessidade de trabalhar esta problemática, em virtude de o ACS ser, muitas vezes, o primeiro profissional que se depara com o caso e violência contra a mulher, e pela escassez de estudos que retratem essa temática correlacionando a Atenção Básica a Saúde e o trabalho do Agente Comunitário de Saúde.

Diante desses achados surge a necessidade de análise da atuação dos ACS que atuam na zona urbana e na zona rural. Considerando que as mulheres do campo enfrentam obstáculos peculiares quando comparadas as mulheres que vivem nos grandes centros urbanos, mesmo que ambas sejam acometidas pela cultura de gênero que acaba por legitimar a violência contra a mulher (11-12).

Aponta-se que não somente as dificuldades geográficas, mas também a dimensão cultural arraigada fortemente aos valores do patriarcado e a submissão feminina fazem parte dos obstáculos que as mulheres do campo enfrentam (13).

Neste contexto, surgem as seguintes questões norteadoras do estudo: Qual a atuação dos ACS da zona rural frente à problemática da violência contra a mulher? Os ACS da zona rural estão preparados para prestarem assistência às mulheres vítimas de violência?

A relevância do estudo se dá em virtude de os ACS serem profissionais essenciais na detecção, intervenção e encaminhamento dessas ocorrências a órgãos competentes. Bem como, serem profissionais que devem estar capacitados para desenvolver ações de promoção da saúde, prevenção das doenças e de vigilância a saúde, através de atividades educativas coletivas e individuais, como também das visitas domiciliares (14).

O presente estudo tem como objetivo analisar a abordagem dos Agentes Comunitários de Saúde da zona rural frente à problemática de violência contra a mulher no município de Iguatu/CE.

 

 MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa descritiva, do tipo exploratória, com abordagem qualitativa. Na pesquisa descritiva, o (a) pesquisador (a) deve ter como intuito descrever de forma precisa as características de um (a) indivíduo (a), população e\ou fenômeno em estudo, estabelecendo relações entre variáveis (15).

O estudo foi realizado através das Estratégias de Saúde da Família (ESF) do município de Iguatu/CE. O município de Iguatu/CE, localizado na região centro sul do Estado, com aproximadamente 365 km distancia da capital Fortaleza. O município possui uma média de 102. 614 habitantes, sendo município polo da 18ª Região de saúde (16).

O referido munícipio possui 30 Estratégias de Saúde da Família, distribuídas entre zona rural (12 unidades) e urbana (18 unidades)

A coleta de dados foi realizada no período de agosto a outubro de 2022, mediante aplicação do questionário eletrônico conforme a disponibilidade da pesquisadora e dos sujeitos entrevistados.

Os participantes do estudo foram 24 Agentes Comunitários de Saúde das ESF da zona rural do referido município.

Elencou-se como critério de inclusão: possuir, no mínimo, seis meses de atuação na ESF no qual se encontra atualmente lotado, visto que este critério de limitação temporal mínima evidencie a possibilidade de formação de vínculo com a comunidade. E como critérios de exclusão: os ACS afastados das suas atividades laborais por motivo de férias, licença e/ou doença no período da coleta de dados.

A coleta foi realizada por intermédio de um link, no qual foi disponibilizado um questionário eletrônico no Google Forms, onde os profissionais responderam às perguntas após o aceite do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE.

Os participantes do estudo foram avisados quanto à importância da pesquisa, sua finalidade e a garantia da confidencialidade das informações, através do link com o TCLE.

A Análise Categorial Temática foi a análise adotada neste estudo. Divide-se em três fases, sendo a primeira, a fase de Pré-análise, a segunda se dá pela exploração do material e a última etapa sendo o tratamento dos resultados (17).

Este estudo seguiu as normatizações éticas instituídas pelas Resoluções Nº 510 de 07 de abril de 2016 e Nº 466 de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, bem como referentes às pesquisas envolvendo seres humanos em Ciências Humanas e Sociais, respectivamente. Assim, os princípios de liberdade, autonomia, confidencialidade e valores culturais, sociais, morais e religiosos foram respeitados por parte do pesquisador (18-19).

Em observância ao princípio da autonomia, para realização da pesquisa, foi solicitada a autorização da Secretária de Saúde do município de Iguatu-CE. O presente projeto de pesquisa foi submetido à apreciação e aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa – CEP da Universidade Regional do Cariri – URCA, mediante cadastro do presente projeto na Plataforma Brasil, com parecer aprovado sob o número 3.297.233.

Os participantes foram informados quanto ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecidos (TCLE) e Pós Esclarecido, que foram disponibilizados através do link. Após assinatura desse documento, prosseguiu-se com a aplicação do instrumento de coleta de dados. Para assegurar o anonimato e manter assegurar o sigilo ético, os participantes foram identificados pela sigla ACS seguido de numeração conforme a ordem de coleta de dados, ficando ACS 1, ACS 2

Como riscos previstos, a discussão das temáticas poderia trazer algum desconforto do tipo constrangimento diante das perguntas ou medo da quebra do sigilo de informações, denotando danos de leve gravidade aos participantes. Assim, para amenizar algum desconforto, a pesquisadora prestou os devidos esclarecimentos sobre o respeito aos princípios de liberdade, autonomia,nfidencialidade e valores culturais, sociais, morais e religiosos por parte dos envolvidos nesta pesquisa.

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os resultados foram agregados em duas categorias temáticas de acordo com as respostas dos participantes: “Experiências dos ACS com mulheres rurais em situação de violência”, “Abordagem dos ACS direcionada às mulheres rurais em situação de violência”.

 

Experiências dos ACS com mulheres rurais em situação de violência:

A primeira temática busca apresentar relatos das ACS sobre quais tipos de violência contra a mulher os profissionais têm conhecimento, bem como, sentem-se preparados para acolher uma mulher violentada.

As falas revelaram que entre os tipos de violência existentes, as mais citadas entre os participantes foram a violência física, sexual, moral e psicológica, como demonstramos a seguir:

 

Violência física, verbal, moral, sexual, psicológica (ACS2).

 

Violência psicológica, verbal e física. (ACS9).

 

Infelizmente ela é biopsicossocial, cada uma com sua sequela, e sua difícil cicatrização, pois deixa dores na alma (ACS4).

 

A violência para mim é de certa forma uma covardia dada pelo agressor. Nós mulheres muitas vezes se sentimos fortes, mas na realidade a frente de uma violência nos tornamos frágeis, indefesas. A lei pode estar do nosso lado, mas a agressão vai ficar marcada na vida da pessoa. Eu poderia falar muita coisa sobre violência, mas só posso resumir em uma palavra " covardia (ACS5).

 

 

Na maior parte dos casos, o ACS é o responsável por reconhecer situações que indicam a ocorrência da violência. Nesse sentindo, é fundamental que os profissionais de saúde tenham conhecimento das formas de violência e as identifiquem precocemente, assistam e articulem ações de prevenção e desestímulo à violência. Assim, os profissionais devem estar atentos também a sinais de que pouco são relacionados à violência (20).

Os inúmeros tipos de violência contra a mulher passaram a ser consideradas como um importante problema de saúde pública, por isso, há urgência em determinar programas para detecção precoce e para intervenções adequadas, vez que “a suspeita de agressões se mescla e se torna rotineiras na prática profissional, podendo correr o risco de serem banalizadas pela falta de atitude profissional ou de preparo para lidar com o caso” (21).

. Foi identificado nos relatos das participantes que as ACS não se sentem preparadas para lidar com a situação, apontando a necessidade de capacitação para os profissionais.

 

Não sei se me sinto preparada, porque a gente deveria ser preparada com algum curso ou palestra com profissionais especialista no caso para assim podermos agir corretamente, mais de qualquer forma peço ajuda (ACS24).

 

Não. Porque não recebi nenhum preparo para isso e também não sinto uma segurança para chamar as autoridades já que muitos casos, como vejo por aí, são levados como 'briga de marido e mulher' ou então 'se apanhou é porquê mereceu ' por parte das autoridades competentes (ACS9).

 

Eu como ACS a única atitude é encaminhar ao PSF pra ser orientada pela enfermeira ou pela medica (ACS22).

Primeiro momento orientar a procura do serviço de saúde e depois orientar os equipamentos que dão apoio que tem o Centro de Referência da Mulher tem o CREAS pra ela tá buscando ajuda e solucionar o seu problema (ACS7).

 

Alguns depoimentos demonstram que as ACS sentiam a necessidade de mais instrução para o manuseio de situações de violência doméstica contra as mulheres que moram em áreas rurais. O debate desse tema ao longo do processo formativo dos profissionais bem como a criação de ambientes que permitam a qualificação no próprio serviço em que estes atuam, compõem um rol de possibilidades que tendem a melhorar o preparo dos profissionais para assistir as mulheres que sofrem a violência doméstica, desde a identificação da situação, até os encaminhamentos em nível intersetorial (22).

As participantes mencionaram que se sentem preparados para atender tal situação e algumas ações tomadas diante o caso:

 

Sim, esse assunto busco sempre me aprimorar para saber acolher cada pessoa (ACS19).

 

Creio que sim, eu tentarei a entender e ajudar, buscando a melhor ajuda possível (ACS7).

 

Preparada nós não somos. Porque isso é uma coisa que não podemos evitar. Podemos dá uma palavra amiga, orientar a pessoa para que ela não venha a ser violentada novamente. E também a denunciar o agressor (ACS5).

 

Não sei, pois não fui treinada ou preparada para o mesmo apenas faço o que o que entendo ser o certo de acordo com orientações gerais que todos ouvimos dos meios de informações (ACS8).

 

 

Assim, a necessidade de os profissionais realizarem uma capacitação que inclua desde o reconhecimento da violência, formas em que se apresenta, acompanhamento e seguimento dos casos na rede de atenção. É importante que os profissionais estejam preparados para identificar mulheres em situação de violência, colaborando para o seu empoderamento e a consequente ruptura do ciclo (23-24).

 

Abordagem dos ACS direcionada às mulheres rurais em situação de violência:

A segunda temática busca identificar as abordagens empregadas pelas ACS em seu cotidiano de trabalho voltadas às mulheres em situação de violência residentes no território rural.

As falas das ACS revelaram que essas profissionais utilizavam diferentes abordagens de cuidados nas relações estabelecidas com as mulheres que viviam no contexto rural, as quais estavam suscetíveis a vivenciar situações de violência. Dentre esses dispositivos pode-se citar o acolhimento, orientações e encaminhamento aos órgãos de justiça:

 

Acolhimento, orientação, denúncia (ACS2).

 

Procuraria orientar sobre os direitos dela, e sobre o que ela poderia fazer, procurar a delegacia da mulher para poder tomar as medidas de proteção (ACS10).

 

No que se refere às orientações às mulheres em situação de violência, estudos referem a importância de esclarecê-las acerca de seus direitos assegurados por instrumentos legais e sobre as opções de serviços para assistência e suporte que podem acionar (25).

Nota-se como potencialidades dos profissionais o reconhecimento das diversas formas de violência e as orientações e encaminhamento quando conveniente para as redes de apoio, o uso das tecnologias leves, caracterizado pela criação de vínculo com o paciente e preservação da privacidade (26).

Ainda foi referido o encaminhamento para outros profissionais de saúde da rede atenção à saúde para tratar danos físicos e psicológicos:

 

O primeiro passo é acolher a vítima e dar todo conforto possível, em seguida encaminha-la a um profissional para que ela possa cuidar da sua saúde física e mental (ACS12)

 

Acolheria, conversava, buscar ajuda psicológica para a mesma e entraria em contato com CRAS (ACS19).

 

O diálogo é apontado como um elemento-chave no vínculo entre as mulheres em situação de violência doméstica e as ACS, pois este permeia suas práticas de cuidado. É a partir da interação proporcionada pelo diálogo que o ACS tem a oportunidade de conhecer o processo saúde/doença das mulheres, detectando também possíveis situações de violência doméstica sofridas por esse grupo populacional (25).

Estudo produzido com profissionais de saúde de um hospital indica a relevância do elo dialógico entre os profissionais e mulheres vítimas de violência, com o objetivo de estabelecer vínculo por meio de uma escuta sensível e atenta, com o intuito de conhecer a história de vida das mulheres e como oportunidade de identificação dos casos de violência (27).

Diante dos achados, entende-se que as ACS em suas práticas de cuidado possuíam diversas potencialidades para agir no enfrentamento de situações de violência doméstica contra as mulheres que residiam em áreas rurais, tendo em vista as estratégias empregadas, como as orientações, o suporte no trabalho em equipe e o encaminhamento para outros setores da rede de apoio.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao investigar a abordagem dos ACS frente casos de violência contra mulheres residentes do meio rural, foi possível conhecer a sua diversidade, tais como: o diálogo, o vínculo, as orientações e o trabalho da equipe multidisciplinar. As participantes também mencionaram as dificuldades que permeiam essa assistência, dentre elas, a falta de informação para atuar com essa situação.

Ademais, é fundamental que a equipe esteja sensível, motivada e engajada com a rede de proteção à mulher. Faz-se necessário, ainda, uma reorganização da rede de serviços para que haja articulação e efetivação das ações propostas.

Nesse sentido, entende-se que os ACS são profissionais cujo processo de trabalho favorece o desenvolvimento de estratégias de reconhecimento e intervenção no que se refere às situações de violência contra a mulher, especialmente, as residentes da zona rural, levando em conta as dificuldades do acesso aos serviços de saúde e as demais instituições de atendimento à violência.

Todavia, considerando que a violência é um problema complexo, os ACS precisam de apoio multiprofissional e intersetorial para acolher às demandas das mulheres rurais em situação de violência. Os resultados apontam a necessidade de criar espaços de conhecimentos para profissionais das diversas áreas, assim como para gestores acerca de suas práticas de cuidado cotidianas a respeito da problemática em estudo.

 

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Contribuição dos autores

1,2,3,4. Contribuiu substancialmente na concepção e no planejamento do estudo; Na obtenção, na análise e interpretação de dados.

5,6,7. Revisão do texto e adição de partes significativas do trabalho

8. Contribuiu substancialmente na concepção e no planejamento do estudo; Na obtenção, na análise e interpretação de dados.

 

Fomento: não há instituição de fomento

 

Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519

 

 

Rev Enferm Atual In Derme v. 97;(3) 2023 e023163                                 

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