E O ACESSO À SAÚDE PRIMÁRIA PELA POPULAÇÃO RURAL?

WHAT ABOUT ACCESS TO PRIMARY HEALTH BY THE RURAL POPULATION?

 

¿QUÉ PASA CON EL ACCESO A LA SALUD PRIMARIA POR PARTE DE LA POBLACIÓN RURAL?

 


 

1Edmilson Alves dos Santos

2Márcia Verônica Oliveira de Jesus Santos

3Larayne Gallo Farias Oliveira

4Lázaro Silva Freitas

5Luciana dos Anjos de Aquino da Silva

 

1Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus-BA, Brasil. ORCID https://orcid.org/0000-0003-0553-8320

2Secretaria Municipal de Saúde de Itajuípe-Ba, Brasil. ORCID: 0000-0002-1027-350X

3Universidade de São Paulo – USP, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0031-3846

4Secretaria Municipal de Saúde de Itajuípe-BA, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0009000962663137

5Secretaria Municipal de Saúde de Itajuípe-BA. Brasil. ORCID:

 

Autor correspondente

Edmilson Alves dos Santos

Rua Leovigildo de Andrade, Bairro José de Anchieta, número 143, CEP 45630-000, Itajuípe-Ba. Brasil. CEL: +55(73) 999983753
E-mail: edmilson_alves18@hotmail.com

 

 

 

Submissão: 26-06-2023

Aprovado: 13-11-2023

 

 

RESUMO

Introdução: O acesso à saúde é um direito fundamental de todos os indivíduos, independentemente de sua localização geográfica. No entanto, a população rural enfrenta desafios significativos para obter cuidados médicos adequados e acessíveis. Este estudo teve como objetivo relatar a experiência de uma equipe de Saúde da Família (eSF) quanto aos desafios encontrados pela população rural ao acessar os serviços de saúde. Relato de caso: Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência de uma eSF sobre os desafios impostos para a garantia do acesso aos serviços de saúde pelos moradores da zona rural do distrito/povoado de União Queimada, localizado na cidade de Itajuípe-BA. Os principais desafios encontrados pela população rural ao acessar este serviço de saúde se concentram no deslocamento, na fragmentação da assistência e nas condições socioeconômicas. É notável que muitos dos esforços direcionados à organização do cuidado à esta população têm se concentrado na expansão do acesso a consultas e determinados procedimentos assistenciais. Conclusão: Para fornecer cuidados de saúde eficazes em áreas rurais, a eSF deve compreender e considerar as necessidades e particularidades relacionadas ao estilo de vida e ao trabalho dessas comunidades. Caso contrário, existe o risco de replicar um modelo de atendimento urbano que não atenda às demandas específicas dessas populações.

Palavras-chave: Equidade no Acesso aos Serviços de Saúde; Barreiras ao Acesso aos Cuidados de Saúde; Zona Rural.

 

RESUME

Introduction: Access to health is a fundamental right of all individuals, regardless of their geographic location. However, the rural population faces significant challenges in obtaining adequate and affordable medical care. This study aimed to report the experience of a Family Health team (eSF) regarding the challenges encountered by the rural population when accessing health services. Case report: This is a descriptive study, of the experience report type of an eSF on the challenges imposed to guarantee access to health services by residents of the rural area of ​​the district/village of União Queimada, located in the city of Itajuipe-BA. The main challenges faced by the rural population when accessing this health service are concentrated in displacement, in the fragmentation of the assistance and in the socioeconomic conditions. It is notable that many of the efforts aimed at organizing care for this population have focused on expanding access to consultations and certain care procedures. Conclusion: To provide effective health care in rural areas, the eSF must understand and consider the needs and particularities related to the lifestyle and work of these communities. Otherwise, there is a risk of replicating an urban service model that does not meet the specific demands of these populations.

Keywords: Health Equity; Access to Primary Care; Countryside.

 

RESUMEN

Introducción: El acceso a la salud es un derecho fundamental de todas las personas, independientemente de su ubicación geográfica. Sin embargo, la población rural enfrenta importantes desafíos para obtener atención médica adecuada y asequible. Este estudio tuvo como objetivo relatar la experiencia de un equipo de Salud de la Familia (eSF) sobre los desafíos encontrados por la población rural en el acceso a los servicios de salud. Informe de caso: Se trata de un estudio descriptivo, del tipo relato de experiencia de una eSF sobre los desafíos impuestos para garantizar el acceso a los servicios de salud de los habitantes del área rural del distrito/aldea de União Queimada, ubicado en la ciudad de Itajuipe -BA. Los principales desafíos que enfrenta la población rural para acceder a este servicio de salud se concentran en el desplazamiento, en la fragmentación de la atención y en las condiciones socioeconómicas. Es de destacar que muchos de los esfuerzos encaminados a organizar la atención a esta población se han centrado en ampliar el acceso a las consultas y ciertos procedimientos de atención. Conclusión: Para brindar una atención de salud efectiva en las áreas rurales, la eSF debe comprender y considerar las necesidades y particularidades relacionadas con el estilo de vida y el trabajo de estas comunidades. De lo contrario, se corre el riesgo de replicar un modelo de servicio urbano que no responda a las demandas específicas de estas poblaciones.

Palabras clave: Equidad en el Acceso a los Servicios de Salud; Barreras al Acceso a la Atención de la Salud; Zona Rural.

 

 


INTRODUÇÃO

 

A Atenção Primária à Saúde (APS) é a porta de entrada do sistema de saúde, sendo responsável por prestar cuidados básicos e essenciais de saúde à população (1). A APS busca uma abordagem integral e humanizada, considerando o usuário como um todo e não apenas a sua doença (2). Neste sentido, é fundamental que os serviços de APS sejam acessíveis, resolutivos, equitativos e de qualidade para garantir uma saúde adequada para toda a população.

O acesso à saúde é um direito humano básico e essencial (3). Contudo, muitas pessoas que vivem em áreas rurais têm dificuldade em acessar esses serviços (4). A falta de infraestrutura, recursos e profissionais de saúde qualificados são alguns dos principais desafios que as comunidades rurais enfrentam ao tentar obter cuidados de saúde adequados.

Devido às dificuldades de acesso, esta população pode apresentar problemas de saúde não tratados, doenças crônicas não gerenciadas e, em casos extremos, mortes evitáveis. Neste contexto, é importante discutir estratégias e soluções que possam ajudar a melhorar o acesso à APS para as populações rurais, a fim de promover um melhor atendimento à saúde e qualidade de vida para essas comunidades.

Quando a questão é o acesso à saúde no Brasil, precisa-se pensar em diversas situações que dificultam a sua concretização. O significado de acesso está ligado à utilização do serviço pelo usuário e não apenas a porta de entrada a esse serviço, e as barreiras geográficas são desafios importantes para a concretização do acesso à população do campo (5).

É desafiante concernir acesso aos serviços de saúde num país em que a desigualdade é pujante e os cidadãos, em sua maioria, tentam sobreviver com renda mínima abaixo do básico, além de dependerem dos serviços públicos de saúde para prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação da saúde. Este autor também afirma que no contexto de pandemia, as desigualdades são potencializadas, principalmente nas situações extremas e que tal situação dificulta apontar acesso no Sistema Único de Saúde- SUS na perspectiva constitucional da equidade e da justiça (6).

Nesse sentido, ao pensar na população do campo e trazer o debate sobre acesso, a dimensão se torna maior porque além de lidar com os desafios que dificultam aceder aos serviços, essa população entra em desvantagem quando precisa disputar vagas por consultas e exames com a população urbana, já que, em sua maioria, não existem unidades de saúde rurais e o contexto dessa população se associa a outras dificuldades como distância do serviço de saúde, tempo de deslocamento, desconhecimento, acesso a informação de qualidade e efetiva, entre outros.

A dificuldade de deslocamento e a longa distância representam barreiras de acesso e que tal situação dificulta tanto os usuários que chegam ao serviço, quanto os profissionais e a gestão em saúde ofertarem assistência necessária. Além disso, o autor reforça que “a elevada dispersão populacional é fator limitante para instalação de UBS em pequenas comunidades, gerando maior necessidade de deslocamentos” (p05), e que os usuários precisam buscar cuidados em UBSs mais próximas ao território onde vivem, por ser facilitado o acesso (5).

Do mesmo modo, o tempo até a chegada a uma unidade de saúde pode triplicar para os usuários do interior ou do campo porque, a depender da época, devido a influência sazonal, pode haver modificação do ambiente onde essas pessoas vivem. Cabe considerar que transportes como ônibus ou vans nem sempre existem nesses locais ou são limitados (5).

O Brasil enfrenta inúmeros desafios quanto ao acesso à saúde como direito constitucional e quando se aborda o acesso da população do campo aos serviços os desafios são maiores. É necessário maior empenho da gestão pública para que esses critérios sejam priorizados e as desigualdades em acesso à saúde não sejam potencializadas. E quando se fala em empenho do poder público é no sentido de que os entes federados invistam em serviços e equipes que consigam e tenham suporte para atender de forma equânime e com maior resolutividade essa população. Partindo destes pressupostos apresentados, este estudo buscou relatar a experiência de uma equipe de Saúde da Família (eSF) quanto aos desafios encontrados pela população rural ao acessar os serviços de saúde.

 

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência de uma eSF sobre os desafios impostos para a garantia do acesso aos serviços de saúde pelos moradores da zona rural no distrito/povoado de União Queimada, localizado na cidade de Itajuípe-BA.

O relato de experiência é uma ferramenta de pesquisa descritiva que engloba uma análise sobre uma ação ou conjunto delas, abarcando uma situação experimentada no contexto profissional de interesse da comunidade acadêmica (7).

Com população de aproximadamente dezenove mil habitantes (8), o município possui oito Unidades de Saúde da Família - USF, uma Unidade Básica de Saúde – UBS, um Centro de Especialidades Odontológicas – CEO, um Centro de Apoio Psicossocial – CAPS I e um hospital particular de pequeno porte, que oferta serviços de urgência e emergência pelo Sistema Único de Saúde.

Quatro dessas USFs estão localizadas nos distritos/povoados que ficam distantes do município, sendo um desses povoados a União Queimada, que possui, além da população adscrita, um extenso território rural. A maioria dos residentes da zona rural deste distrito/povoado é considerada fora de área, mas utilizam os serviços prestados pela unidade de saúde. Além disso, o distrito de União Queimada oferta assistência aos moradores de outro povoado próximo chamado “Pimenteiras”, que apesar de ser do município de Ilhéus-BA e possuir USF e Agente Comunitário de Saúde – ACS, enfrenta barreiras para o acesso à saúde e buscam serviços em outra USF de melhor acesso.

A equipe de saúde da USF de União Queimada é composta por enfermeiro, médica, agentes comunitárias de saúde, técnica de enfermagem, recepcionista, serviços gerais, dentista e técnica de saúde bucal. A médica, o enfermeiro e a dentista atendem apenas um turno, de segunda à sexta nessa USF, porque no turno oposto precisam estar em outra USF de outro distrito (Bandeira do Almada) do município, que funciona como uma unidade satélite. No momento em que a médica está atendendo na USF de União Queimada, o enfermeiro atende na USF do distrito Bandeira do Almada e no turno oposto é feita a troca desses profissionais de unidade.

Os moradores da zona rural que precisam de assistência médica, odontológica e de enfermagem, enfrentam barreiras até chegarem à unidade, mesmo ela estando localizada no distrito, sendo mais próximo do campo. Muitos vêm a pé até o serviço, outros dependem de carona ou do transporte particular que não está disponível todos os dias, somente em um turno ou em dois horários. Quando o usuário agenda consulta para atendimento médico, precisa hospedar-se na casa de algum parente/conhecido morador do distrito ou utilizar o transporte da manhã e aguardar até a tarde, que é o turno em que a médica estará na unidade. Os usuários da zona rural que dependem dos cuidados de enfermagem, precisam se deslocar para outro distrito próximo, pois o enfermeiro só estará naquela unidade pela manhã e o usuário só tem acesso ao transporte de ida e volta no período da tarde.

Para acesso ao cuidado odontológico, o usuário precisa pensar numa estratégia para conseguir comparecer à unidade no turno em que a dentista atende. Muitos desses usuários agendam consultas, mas não comparecem porque não conseguiram transporte para se deslocarem até o serviço, que a pé nem sempre é possível devido à longa distância. Alguns usuários, quando são consultados pela médica, perdem o horário do transporte de volta para casa porque o momento do atendimento é o mesmo em que transporte coletivo passa pelo distrito.

Sabe-se que os profissionais não estão na unidade nos dois turnos e tal contexto fragmenta a assistência e cria mais uma barreira de acesso para os moradores da zona rural, bem como a limitação de ônibus ou vans privadas porque os horários desses transportes são diferentes dos horários dos atendimentos da unidade de saúde. Além disso, o acesso à assistência médica pelos moradores do campo é deficitário, pois a profissional só atende no turno da tarde, o que impede muitos usuários de comparecerem ao serviço devido à maior facilidade de deslocamento ser possível apenas no período da manhã (9).

É habitual a USF do distrito de União Queimada receber crianças menores de cinco anos com sua caderneta vacinal em atraso. Alguns dos motivos observados são a falta de recurso financeiro desses usuários para deslocamento até o serviço, inexistência de acesso a transporte regular e o distanciamento territorial. Nota-se também a necessidade dos usuários compreenderem a importância da vacinação para a prevenção de doenças, podendo, nesse caso, a educação em saúde ser utilizada como estratégia para amenizar o problema (10).

Apesar da unidade de saúde possuir um contato telefônico para melhor comunicação com os usuários, a falta de acesso à energia e à internet de qualidade no campo dificulta o fortalecimento de vínculo e contribui para que os usuários não acessem os serviços de forma eficaz, pois procuram a unidade espontaneamente e a depender da sua demanda podem ficar sem assistência por não compreenderem como o serviço está estruturado ou por não estar organizado de acordo com as especificidades desses territórios.

Ao investigar o acesso a serviços de saúde por ribeirinhos do município de Coari, estado do Amazonas (11), identificou que algumas das barreiras de acesso foram a falta de fichas (vagas) para agendamento, a falta de profissionais para assistência e a demora no atendimento para a marcação de consulta. Pode-se apreender que as barreiras de acesso são variadas, a depender da posição geográfica e da organização dos serviços.

Às unidades de saúde dos distritos foi disponibilizada uma ambulância para auxiliar nas demandas de urgência e emergência, bem como para servir de apoio para deslocamento às residências do campo quando houvesse a necessidade de atendimento emergencial. No entanto, de forma recorrente, o veículo não fica à disposição do serviço, o que configura mais uma barreira de acesso às ações de saúde por essa população específica.

Durante a rotina do serviço das unidades, nota-se que, além das barreiras já descritas, o acesso ao serviço com resolutividade e integralidade é fragilizado, considerando que a organização da assistência nesses espaços é engessada por um modelo que distancia o usuário da unidade, pois o paciente nem sempre tem suas demandas resolvidas ou não é acolhido de forma integral, devido a procedimentos rotineiros limitadores como a necessidade de marcação de consultas antecipadas nos casos “não urgentes”, fazendo com que o usuário, especialmente do campo, perca a oportunidade de cuidado à saúde.

Quanto à agenda para atendimentos médicos e de enfermagem, observa-se que é comum haver um dia para assistência a grupos específicos como crianças e mulheres. Quando um paciente do campo, que não atende a essa especificidade, procura o serviço para atendimento, pode não ser assistido, devido aquele dia não ser específico para o seu cuidado. Deve-se considerar que o usuário do campo enfrenta múltiplos desafios territoriais para comparecer à unidade de saúde.

Outro fator distanciador notado é a fragilidade no acolhimento com humanização. A capacidade de escuta, os gestos corporais, faciais e as palavras direcionadas ao paciente pelos profissionais da saúde são alguns dos principais determinantes para o fortalecimento de vínculo entre a equipe e o usuário, bem como para a sua adesão ao serviço.

A escassez constante de medicamentos básicos nas farmácias das unidades de saúde da família desses distritos para tratamento de doenças crônicas, apresenta-se como uma característica limitadora do acesso por usuários do campo, considerando que os mesmos deslocam-se do seu território, geograficamente distante do serviço, em busca de medicamentos para controle da diabetes e da hipertensão arterial, por exemplo, e retornam sem os fármacos.

O pouco conhecimento sobre as demandas e necessidades em saúde da população do campo parece contribuir com a existência de serviços menos resolutivos. Sabe-se que nesses territórios atendidos por essas equipes, significativa parte dos moradores da zona rural não possui acesso à energia, ao saneamento básico, a alimentos variados e ao transporte. Tal contexto contribui para maior risco de adoecimento, o que exige maior sensibilização quanto à essa condição por parte das equipes de saúde.

Nota-se o quanto é desafiador garantir serviços mínimos de promoção e prevenção da saúde aos moradores do campo. Atenção ao pré-natal, planejamento familiar, hiperdia, saúde da criança e saúde da mulher, são alguns dos cuidados distantes desses usuários, tornando-se um direito não garantido. A vulnerabilidade às doenças por esse público aumenta à medida em que as ações preventivas de saúde não estão acessíveis.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Os serviços de assistência que abarcam usuários em situação de vulnerabilidade de acesso ao cuidado à saúde devido a barreiras geográficas, precisam construir estratégias que amenizem tal desigualdade e garantam cuidados de promoção e prevenção a esses cidadãos (12).

Baseada na experiência dos autores desse relato, a nível de APS, existe uma compreensão generalizada de que o usuário é quem deve se adaptar à rotina dos serviços. Essa noção equivocada, nessa perspectiva, fortalece a desigualdade, fere os princípios de equidade e universalidade e exclui do serviço aqueles que precisam de cuidados. Desse modo, as equipes de saúde precisam ser sensibilizadas a adaptarem o serviço às realidades territoriais.

Existem ferramentas eficientes que podem ser utilizadas para ampliar o acesso das populações mais vulneráveis aos serviços de saúde, sendo uma delas o telessaúde ou teleatendimento, que surge como uma estratégia inovadora para garantir cuidado seguro e eficaz ao usuário, sendo um dispositivo importante para o fortalecimento de vínculos entre usuário e profissional da saúde (13).

O teleatendimento acontece por meio do uso de tecnologia de comunicação, que permite tanto o usuário (em casa) quanto o profissional (no consultório) manterem contato direto, mesmo a longas distâncias. Sabe-se que nem todos os moradores do campo possuem acesso à internet, mas existem regiões com conexões, o que possibilita o uso desse instrumento pelas equipes de saúde (13).

Outro recurso importante são as ações de saúde itinerantes que podem ser realizadas nos territórios mais distantes; a equipe se desloca e leva os serviços até os usuários que têm maior dificuldade para deslocamento, e com essa ferramenta consegue-se chegar à população com maior dificuldade de acesso e ofertar cuidados e ações em saúde aos diferentes ciclos de vida. É importante garantir também a visita domiciliar de enfermagem ou médica àqueles cidadãos domiciliados e acamados residentes em áreas rurais (9). Nesse ato, ações estratégicas de promoção, prevenção da saúde e vigilância podem ser ofertadas aos usuários. Esse modo de fazer saúde garante fortalecimento de vínculos, acesso e ameniza a desigualdade quanto ao direito à saúde.

A unidade de saúde da família pode também adaptar o serviço para melhor acolher as demandas dos moradores da zona rural. Sendo o atendimento médico e de enfermagem a maior necessidade desses usuários, por exemplo, ele deve estar disponível no turno em que a chegada desses usuários ao serviço é frequente, podendo ser disponibilizadas um número de vagas reservas para aqueles que não conseguem agendar a consulta antecipadamente (9).

Uma opção importante seria alternar os turnos de atendimento médico e de enfermagem nos dois distritos nos quais os profissionais se dividem para o atendimento sem turnos fixos, tornando os períodos de atendimentos variáveis e possibilitando à comunidade mais distante maiores opções e disponibilidade nos atendimentos.

Pensar no cuidado holístico para a população da zona rural, fortalecido pelo acolhimento humanizado é um dos pontos de partida para garantir acesso. Esse público específico enfrenta dezenas de barreiras que podem afetar seu emocional, por exemplo. Desse modo, acolher, olhar para o usuário e se colocar no lugar dele é importante para que o direito à assistência à saúde não seja negado, principalmente naqueles serviços onde sua organização é engessada e pautada na assistência essencialmente clínica e biomédica. Cabe ressaltar que a insatisfação com o serviço pode surgir, primordialmente, quando não existe acolhimento (14).

Nesse sentido, mesmo que a demanda do usuário seja para um atendimento específico, como o de enfermagem, a equipe deve estar atenta e garantir outros cuidados como a vacinação, citologia, considerando que o cidadão possui barreiras para acesso ao serviço, oportunizando um cuidado ampliado em saúde. Quando o cidadão consegue chegar à unidade de saúde, por vezes, não se sabe quando o mesmo poderá retornar ali. Desse modo, deve-se garantir ações de prevenção e promoção à saúde assim que o usuário comparece ao serviço.

A educação permanente da equipe de saúde é fundamental para amenizar a problemática de acesso pelo público da zona rural ao serviço. A Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas, pode ser um dos materiais de apoio no processo de educação permanente, visto que ela apresenta bases para estruturação dos serviços pelas equipes, visando acolher os usuários do campo em suas demandas (15).

Além disso, discutir as implicações do acesso por esse público com os profissionais da saúde é crucial para compreender a importância de acolher e garantir assistência. A superexploração do trabalho no meio rural, por exemplo, é uma das problemáticas a serem debatidas entre as equipes, pois esse é um dos fatores que impedem os usuários de irem ou retornarem à unidade de saúde (15). A sensibilização dos profissionais que atuam na ESF é um dos fatores principais que irá proporcionar entendimento das dificuldades enfrentadas por essa população e minimização por esses, das barreiras de acesso ao serviço de saúde.

Além disso, os serviços de saúde em comunidades distritais como as descritas nesse estudo e que lidam com populações rurais necessitam de disponibilidade de transporte para os atendimentos de urgência e emergência, tendo em vista que o tempo de deslocamento até hospitais na sede da cidade e cidades polos em saúde pode acarretar em pioras dos quadros clínicos e risco de morte. É necessário que haja sensibilização dos gestores públicos para garantia de transporte adequado que dê suporte de vida para as necessidades que surjam e que demandem cuidados em saúde adequados e de urgência e emergência.

E por fim a garantia de suprimento das Unidades de Saúde com rol de medicamentos do componente básico farmacêutico é um ponto essencial para garantia do acesso à saúde e do cuidado prestado que deve ser priorizado.  As falhas no abastecimento dos serviços de saúde que atendem populações rurais podem ser fatores importantes de piora das condições de saúde e doenças dessas populações.

Além das dificuldades de aquisição de medicamentos por conta própria pelas dificuldades financeiras, essas pessoas podem deixar de retornar ao serviço quando na ausência do medicamento e não realizar o tratamento adequado para a condição clínica analisada, favorecendo a piora das condições de saúde ou o difícil controle de doenças crônicas existentes. Um plano de manutenção e abastecimento das unidades garantido através do diálogo e elaboração junto às centrais de assistência farmacêutica é um passo importante para a garantia da oferta de medicamentos à essa população.

Ademais, a Estratégia Saúde da Família (ESF) atua na promoção e prevenção das ações em saúde, isto é, na recuperação e reabilitação de enfermidades e agravos, além da conservação da saúde dos indivíduos de áreas rurais. É válido destacar que, para a atuação, de excelência, dos profissionais da ESF no ambiente rural, é imprescindível a avaliação dos determinantes culturais, tais como, costumes, tradições e valores, a fim de que o reconhecimento de suas percepções, criem condições adequadas para a expansão dos atendimentos, assim como, o acesso à saúde de qualidade aos povos do campo (16).

Portanto, quanto aos profissionais de saúde, destaca-se a importância de olharem para o território e ouvirem o que a população expressa ser suas necessidades de saúde, pois, de outro modo, corre-se o risco de atuarem sobre os programas propostos pelo Ministério da Saúde, sem atingirem as necessidades da população rural, contribuindo para perpetuação de problemas históricos dos territórios rurais, de invisibilidade e de não atendimentos das suas necessidades.

 Diante do exposto, entende-se que são necessárias a sensibilização e a capacitação dos profissionais de saúde sobre o tema, bem como a inclusão de ações intersetoriais, com aproximação de outras políticas públicas e serviços de saúde, como o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, com vistas ao fortalecimento das ações de vigilância à saúde. Por conseguinte, ressalta-se a importância de atuar em conjunto com a comunidade, assumindo novos papéis e processos de trabalho que permitam devolver a complexidade e tirar o status de natural da utilização de agrotóxico, revelando o que existia antes de sua introdução, resgatando o modo de viver e de produzir próprio de cada grupo cultural.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O acesso à saúde na população rural enfrenta desafios significativos, mas há perspectivas de melhoria por meio de avanços tecnológicos, investimentos em infraestrutura e programas direcionados. No entanto, existem perspectivas promissoras para melhorar o acesso à saúde na população rural.

É importante observar que muitos dos esforços empreendidos para a organização do cuidado à população rural possuem centralidade na ampliação do acesso às consultas e a determinados procedimentos assistenciais, a exemplo dos curativos. Embora o acesso a esses serviços seja fundamental, esse enfoque expressa marcas de um modelo de cuidado biologicista, centrado em ações de atendimento individual e curativo.

É crucial desenvolver ações permanentes para ampliação do acesso à saúde pela população do campo levando sempre em consideração a dinâmica do território, as demandas apresentadas pelos usuários, as vulnerabilidades e a estrutura disponível para cuidado à saúde desse público.

 

REFERÊNCIAS

 

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14.  Garnello L, Lima JG, Rocha ESC, Herkrat FJ. Acesso e cobertura da Atenção Primária à Saúde para populações rurais e urbanas na região norte do Brasil. Saúde Debate [Internet]. 2018 [citado 2023 Maio 15]; 42(n. esp.1):81-99. Doi: https://doi.org/10.1590/0103-11042018S106. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/3tZ6QRxxTsPJNj9XwDftbgS/

 

15.  Silva ES. A saúde do campo e o processo de trabalho da Equipe de Saúde da Família [Internet].  [Dissertação]. Recife: Instituto Aggeu Magalhães; Fundação Oswaldo Cruz; 2017. [citado 2023 Abr 10]. Disponível em: 128f. https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/handle/icict/32233/2017silva-es.pdf?sequence=2&isAllowed=y

 

16.  Lima ÂRA, Dias NS, Lopes LB, Heck RM. Necessidades de saúde da população rural: como os profissionais de saúde podem contribuir? Saúde Debate [Internet]. 2019 [citado 2023 Maio 15]; 43(122): 755-64. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0103- 73312014000200004.  Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/3zKD9snRRT5Gfz6xcwnkXDd/

 

 

Fomento e Agradecimento: A pesquisa não recebeu financiamento.

 

Critérios de autoria (contribuições dos autores)

Edmilson Alves dos Santos - Contribuição substancial na concepção e planejamento, aquisição e análise de dados.

Márcia Verônica Oliveira de Jesus Santos - Contribuição substancial na concepção e planejamento, aquisição e análise de dados.

Larayne Gallo Farias Oliveira - Redação e revisão intelectual crítica.

Lázaro Silva Freitas - Redação e revisão intelectual crítica.

Luciana dos Anjos de Aquino da Silva - Redação e revisão intelectual crítica.

 

Declaração de conflito de interesses. Nada a declarar.