ANÁLISE DAS FAKES NEWS SOBRE COVID-19 NO SITE DO GRUPO GLOBO FATO OU FAKE
ANALYSIS OF FAKE NEWS ABOUT COVID-19 ON GLOBO GROUP WEBSITE
ANÁLISIS DE NOTICIAS FALSAS SOBRE COVID-19 EM EL SITIO WEB DEL GRUPO GLOBO
1Robson Dias Martins
2Rossano Pecoraro
3Kátia de Oliveira Simões
1Instituto Nacional de Câncer. Bibliotecário, Mestre em Biblioteconomia e Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem e Biociências da Universidade Federal do estado do Rio de Janeiro Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5825-9408
2Professor Associado I do Departamento de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem e Biociência da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1015-7744
3Instituto Nacional de Câncer. Bibliotecária Especialista em Informação Científica e Tecnológica em Saúde, Mestre em Biblioteconomia. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0785-9016
Submissão: 24-07-2023
Aprovado: 08-08-2023
Autor correspondente
Robson Dias Martins
Praça Cruz Vermelha, 23 –
Centro Rio de Janeiro RJ - Brasil.
Contato: +55 21 3207-1402
E-mail: robson.martins@inca.gov.br.
RESUMO
Objetivo: O trabalho aborda a análise das notícias falsas no site Globo.com G1 Fato ou Fake no período de 2019-2022. Método: É empregado a metodologia Netnografia, técnica culturalmente orientada, que visa ao estudo das interações sociais mediadas pela tecnologia. Conclusão: Apresenta os resultados organizados e tabulados em gráficos, bem como a identificação clara de como a proliferação de falsas notícias no panorama político, social e econômico contribuem para aumentar dúvidas e incertezas na sociedade com relação a atuação da ciência e no papel dos meios de comunicação, veículos que atuam como ferramentas de transmissão de informações para elucidar e esclarecer a população.
Palavras-chave: Desinformação; COVID-19; Ciência da Informação.
ABSTRACT
Objective: The work addresses the analysis of fake news on the Globo.com G1 Fato ou Fake website in the period 2019-2022. Method: The Netnography methodology is used, a culturally oriented technique, which aims to study social interactions mediated by technology. Conclusion: It presents the results organized and tabulated in graphs, as well as the clear identification of how the proliferation of false news in the political, social and economic panorama contributes to increase doubts and uncertainties in society regarding the performance of science and the role of the media. communication, vehicles that act as tools for transmitting information to elucidate and enlighten the population.
Keywords: Disinformation; COVID-19; Information Science.
RESUMEN
Objetivo: El trabajo aborda el análisis de noticias falsas en el sitio web Globo.com G1 Fato ou Fake en el período 2019-2022. Método: Se utiliza la metodología de la Netnografía, una técnica de orientación cultural, que tiene como objetivo estudiar las interacciones sociales mediadas por la tecnología. Conclusión: Presenta los resultados organizados y tabulados en gráficos, así como la clara identificación de cómo la proliferación de noticias falsas en el panorama político, social y económico contribuye a aumentar las dudas e incertidumbres en la sociedad respecto al desempeño de la ciencia y el papel de los medios de comunicación, vehículos que actúan como herramientas de transmisión de información para dilucidar e ilustrar a la población.
Palabras clave: Desinformación; COVID-19; Ciencia de la Información.
INTRODUÇÃO
A ciência, a informação, a comunicação e as tecnologias se baseiam em valores de cada época, e em muitos aspectos, na aplicação sistemática de alguns valores humanos para a construção da sociedade. Nesse sentido, as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) incorporam e demonstram os valores da sociedade em períodos específicos. Na visão do autor (1) “as ciências e as tecnologias incorporam questões sociais, éticas e políticas” e acrescenta-se econômicas, sanitárias, religiosas, ambientais, dentre outras, que corroboram para o bem ou mal-estar da sociedade.
No campo da Ciência da Informação, as Tics são definidas como “tecnologias utilizadas para tratamento, organização e disseminação de informações” (2), tendo a Internet como marco propulsor e, por conseguinte, as redes sociais e as ferramentas de troca instantânea de informações que agilizaram e transformaram os modelos tradicionais de disseminação de informações e comunicação entre os indivíduos e a sociedade.
O autor (2) afirma que a sociedade vivencia uma explosão informacional também chamada de “Era da Informação” ou “Sociedade da Informação”, elencada a partir da explosão informacional e da crise do capitalismo.
Ao analisar a perspectiva de Castells (3) sobre a Revolução da Informação e a visão de Lyotard (4) sobre o Pós-modernismo pode se identificar semelhanças em relação as questões filosóficas que balizam as suas teorias. Ambos consideram que na época (final dos anos 1970) havia um enfraquecimento do Estado, das Instituições, dos meios de comunicação, um desmantelamento do Estado-nação que provocaram uma crise de legitimação das instituições, de seus representantes e da cultura, bem como da filosofia.
Para os autores (3,4) esse movimento representa o fim da “era da razão” ou “morte das verdades absolutas’ em substituição a “era informacional” baseada, em verdades pontuais, especificas, fluidas e temporais.
A teoria de Castells (3) é baseada em uma revolução [ao nosso ver uma evolução] caracterizada pela “geração, processamento/comunicação e aplicação de conhecimentos e informações para geração de novos conhecimentos e de dispositivos de processamento/comunicação da informação, em um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso” (3). Nessa perspectiva, percebe-se, há algum tempo, uma revolução ou evolução tecnológica, eletrônica, digital e científica elencada, principalmente, com os avanços das Tics que apresentam mudanças nos modelos de comunicação e informação, principalmente, com o surgimento de uma configuração de comunicação rápida, contínua e virtual. Nesse movimento, há mudanças nos hábitos, costumes e consumos de informação e comunicação, provocando alterações nas relações sociais, econômicas e políticas destacadas pelo autor (1). Nesse contexto a informação ganha destaque central na produção de conhecimento e saberes para a sociedade.
Na visão do autor (4) o movimento de transformações que alteram “as regras dos jogos das ciências, da literatura e das artes” se configuram como uma condição Pós-moderna. O autor (5) afirma que a “construção das narrativas contemporâneas e da sua difusão através das redes e dos dispositivos digitais sobre o prisma da luta pelo reconhecimento público do Poder. Para o autor “todo poder luta pela (im)posição do reconhecimento assume um caráter decisivo na era tecnológica e digital” (5) onde os indivíduos buscam o reconhecimento de acordo com “sua vontade de onipotência, que lhe impõe a tarefa de lutar para que Ele (o poder) se torne público e comum”, ou seja, busca-se viralizar conteúdos nas diversas mídias digitais contemporâneas. O autor (5) afirma ainda que “os indivíduos se farejam mutuamente, confrontam-se na Internet e nas redes digitais sem perceber que são elas, que traçam os novos caminhos do reconhecimento”. A partir da luta de poder evidenciada nas redes sociais é operacionalizado um movimento social contemporâneo onde as relações de domínio exercem mecanismos reais e virtuais. Na visão dos autores (6) emerge, assim, uma sociedade disciplinada e produzida pelo (bio)poder virtualmente diluído.
Nessa luta pelo poder e pelo reconhecimento virtual em que a sociedade está imersa são produzidas uma multiplicidade de interferências comunicacionais e/ou informacionais que afetam a sociedade. Uma luta com pensamentos e filosofias opostas, nem melhores ou piores como cita a pesquisa (5)
Nesse contexto informacional temos uma transformação de um modelo panóptico, onde havia um papel tradicional de autor e de leitor, de criador de conteúdo único e utilizador de informações único para um modelo multissinóptico onde os usuários “não apenas buscam informação, mas também criam e publicam conteúdos uns para os outros” [...] “Esses espaços multissinópticos, portanto, não fornecem somente informação, mas desenvolvem comunidades dinâmicas, inseridas numa interação entre o editor e a audiência, ou seja, as bolhas (7). Nesse cenário, na sociedade contemporânea observa-se um campo fértil para a proliferação de desinformação e Fake News. Elas são potencializadas a partir da mobilização das massas nas redes sociais, de robôs digitais que provocam uma rápida disseminação de informações falsas ou pseudocientíficas em aplicativos de troca instantânea de mensagens, em redes sociais e em sites da internet.
Geralmente, essa desinformação proposital possui conotação política, ideológica, econômica ou religiosa. Contudo, pode-se observar a desinformação aumentando na área da saúde pública e sanitária.
A desinformação tem como característica um modelo comunicacional/informacional pautado em negacionismo científico, hiperpolarização política, a big data, a inteligência artificial, o uso dos robôs, as mídias sociais, as bolhas informacionais e a pós-modernidade.
Nas palavras do historiador (8), as notícias falsas “só se propagam e se amplificam [...] quando encontra um caldo de cultivo favorável na sociedade onde se expandem”. Dessa forma, os indivíduos expressam seus “preconceitos, seus ódios, seus temores, todas as suas emoções”.
PROBLEMA
O período da pandemia sobreveio a todos com inúmeras ansiedades e expectativas misturada à incertezas com relação ao futuro. Ao mesmo tempo em que eram divulgadas notícias sobre os avanços na luta para se encontrar a cura com base na ciência, as disparidades de uma avalanche de relatos falsos que devastavam a expectativa da população, fragilizaram ainda mais sua capacidade de lidar com esse novo cenário, e suas consequências econômicas, sociais e sanitárias.
A questão da desinformação sobre Covid-19 no Brasil está relacionada com descrédito e a incredibilidade nas informações divulgadas pelo Estado, pelas Instituições, pelos meios de comunicação que serviam como canais “oficiais” de divulgação de dados sobre a epidemia, bem como pelas informações falsas propagadas nas mídias sociais e nos aplicativos de troca de mensagens instantâneas.
Nesse sentido pretende-se apresentar nesse estudo a análise das notícias falsas sobre o coronavírus e a covid-19, divulgadas no site https://g1.globo.com/fato-ou-fake/coronavirus/, no período entre janeiro de 2020 e maio de 2022 classificando-as em categorias de acordo com os temas das notícias.
MÉTODO
O método de pesquisa empregado é a Netnografia, técnica culturalmente orientada, que visa ao estudo das interações sociais mediadas pela tecnologia (19). De acordo com o autor (19), a netnografia é de uso frequente em pesquisas aplicadas à publicidade on-line, bem como em investigações que envolvam identidade, relações sociais e criatividade. Os autores (20) sustentam que o método consiste numa adaptação da etnografia tradicional, que leva em conta as particularidades do ambiente digital.
A netnografia difere de outra pesquisa qualitativa na Internet porque ela oferece, sob a rubrica de um único termo, um conjunto rigoroso de diretrizes para a realização de etnografia mediada por computador e também, de maneira importante, sua integração com outras formas de pesquisa cultural (19).
FAKE NEWS
Para o senso comum, as Fake News são notícias ou informações falsas. No campo científico são informações/notícias/postagens produzidas de forma inverossímil e sem averiguação (9) com baixo cunho racional, lógico ou verdadeiro que entra em um fluxo de propagação (10) com a intenção deliberada de ser compartilhada mesmo sendo incorreta (11) afeta o processo informacional com a criação de informações enganosas, tanto comerciais, políticas ou de outras naturezas (12) em um fenômeno com contexto político, social e econômico (12) acrescenta-se ideológicos, sanitários e religiosos. Possui duas (02) vertentes fundamentais: desinformation e misinformation.
Desinformation é Informação falsa com o intuito, proposital, de falsificar uma informação com o objetivo de enganar, deliberadamente, o receptor, através da informação compartilhada pelo provedor (11,13,14,15), e misinformation é informação repassada pelo emissor sem verificação de sua autenticidade (11).
No campo do ordenamento jurídico brasileiro as Fake News são consideradas “pseudoinformações dos agravos à saúde e, que suas ocorrências interferem no campo social, político e sanitário” [...] dificultando a tomada de decisões sobre os cuidados relacionados à saúde, principalmente, em momentos de pandemias, como no caso da Covid-19, são objeto de punição de seus autores, bem como das pessoas que compartilham indiscriminadamente (16).
No campo filosófico as Fake News são originadas a partir do movimento da pós-modernidade. De acordo com a pesquisa do autor (5) as “narrativas que sustentaram o discurso da “Ciência, do Conhecimento e do Saber ao longo de milénios” [...] são autoritárias, opressoras e violentas e que o pós-modernismo, de certa forma, enquadrou, desmascarou e destruiu essas narrativas”. A seguir, o autor (5) diz que “uma vez deslegitimadas as Verdades da Ciência e do Saber moderno também os Centros de Poder acadêmico/cultural que as produziram e as impuseram sofrem um colapso”. Nesse sentido, os “espaços são desobstruídos, novas oportunidades de pensamento surgem, ideias e práticas radicalmente começam a ser vislumbrada e a transformação da realidade em algo mais justo, igualitário e inclusivo, tonar-se finalmente possível”, ou seja, para o autor o pós-modernismo é um “fenômeno decisivo uma vez que a proliferação das narrativas na era digital, o assassinato de qualquer critério de validade dos discursos e a produção de Fake News (ou pós-verdades) nada mais são do que fruto legítimo do estribilho pós-moderno que grosso modo ressoa assim: “a verdade não existe”. Por fim, o autor diz que a verdade é “opressora e construída socialmente” que possui fundamento morais, sociais e políticos [consideramos que religiosos deveriam ser enquadrados] mortos, logo tudo se torna permissivo. “Não há realidade, mas somente interpretações. a razão/racionalidade é autoritária, patriarcal, colonizadora”. Nesse cenário podemos interpretar que não existe verdade absoluta, existem “meias verdades” ou existem verdades dentro de bolhas, sejam elas filosóficas, políticas, sociais, religiosos etc.
A condição Pós-moderna, na visão do autor (4) designa o estado da cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos das ciências, da literatura e das artes a partir do final do século XIX.
Pós-verdade, nos termos do dicionário Oxford (17), é um adjetivo definido da seguinte forma: Relating to or denoting circumstances in which objective facts are less influential in shaping public opinion than appeals to emotion and personal belief[1], ou seja, relativo a circunstâncias em que fatos objetivos são menos influentes na formação pública do que apelos à emoção e crenças pessoais. Esse termo ganhou destaque internacional, em 2016, sendo considerada a palavra do ano, ou seja, o termo mais pesquisado no google naquele ano. Contudo, seu primeiro registro data de 1992, em um artigo do cineasta Steve Tesich (18) para a revista The Nation. Na época o autor definia pós-verdade como “uma espécie de inclinação social em que a verdade não era tão importante quanto o que se imaginava verdadeiro”.
CORONAVÍRUS
De acordo com os autores (21) o coronavírus em humanos apareceu pela primeira vez na década de 1960 e, desde 2003, ao menos cinco tipos de coronavírus em humanos foram identificados. Na pesquisa (22) os autores identificaram a presença de Coronavírus em “camundongos, ratos, galinhas, humanos e outros animais” incluindo uma variedade de doenças, incluindo gastroenterites e doenças do trato respiratório. Pensamento semelhante aos dos autores (23,24,25) que relatam que o novo gênero de vírus denominado CORONA, onde o termo corona denota a aparência de coroa da superfície na estrutura morfológica dos vírus.
A pesquisa dos autores (26) afirma que o primeiro coronavírus humano apareceu em 1965, o vírus tinha o nome de B814. Já os pessquisadores (27) relataram um tipo semelhante de vírus que chamaram de 229E isolado das amostras obtidas de estudantes de medicina com resfriado.
De acordo com os autores (28) o Sars-CoV, causardo da síndrome respiratória aguda grave (Sars) apareceu na China, em 2002. A pessquisa relata que “setecentos e setenta e quatro pessoas morreram, em vinte e seis países”. Em 2012, a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers-CoV) “emergiu na Arábia Saudita, por meio do dromedário, e matou cerca de 860 (oiotocentos e sessenta) pessoas.
A origem do Sars-CoV-2 (Covid-19) ainda é uma incógnita. Estima-se que ele e o Sars-CoV emergiram dos mesmos sarbecovírus (subgênero dos coronavírus) que circulam entre os morcegos-de-ferradura no sul da Ásia. Contudo, há diversos estudos em andamento tentando decifrar sua origem.
Breve histórico da Covid-19
Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi informada da ocorrência de casos de uma “pneumonia viral”, em Wuhan, na República Popular da China. Em 9 de janeiro de 2020, autoridades chinesas relataram que o surto de infecções respiratórias agudas graves era causado por um novo tipo de coronavírus. Dois dias depois, em 11 de janeiro, os meios de comunicação chineses divulgaram a primeira morte causada pelo patógeno (29).
A partir de 13 de janeiro, iniciou-se a confirmação de sucessivas ocorrências de infecção pelo novo coronavírus fora da China, sendo o primeiro caso na Tailândia, depois no Japão (16 de janeiro), seguidos por Estados Unidos (21 de janeiro), França (24 de janeiro) e Emirados Árabes (28 de janeiro) (30).
Em 30 de janeiro, com 98 casos confirmados em 18 países que não a China, a OMS declarou que caberia reconhecer o surto provocado pelo novo coronavírus como uma emergência de saúde pública de importância e alcance internacional (30). De acordo com o relato doa autor (31), a Organização Mundial de Saúde (OMS) “declarou que o surto de um novo tipo de coronavírus (SARS-CoV-2) era uma situação de Saúde Pública de importância internacional”
Em 11 de fevereiro, a nova doença passou a ser chamada de Covid-19, nome escolhido para se evitar que a enfermidade fosse relacionada um grupo de pessoas, a um país ou região, o que poderia resultar em estigmatização e preconceito. Constatada a rápida propagação da doença, em 11 de março, a OMS passou a considerar a Covid-19 uma pandemia (32). Em março, a OMS declarou “situação da doença havia se tornado uma situação de pandemia” relatada pela pesquisa (31).
No Brasil, confirmou-se o primeiro caso da Covid-19 em 26 de fevereiro, na cidade de São Paulo (33). A partir de então, diversos Estados e Municípios passaram a adotar medidas para promover o distanciamento social, como o fechamento de escolas e estabelecimentos comerciais, na tentativa de contenção do avanço da pandemia.
Para piorar a situação da Pandemia de Covid-19 tivemos uma segunda pandemia, ou melhor, uma infodemia de informações falsas acerca da enfermidade. A acelerada difusão de informações inverídicas afetava as ações e políticas de combate a doença em todo o mundo.
De acordo com os autores (34) na contemporaneidade graças a “drástica diminuição de custos e esforços necessários à geração e à divulgação de informações e opiniões possibilita, de um lado, o acesso do público em geral a mídias digitais e sociais confiáveis como fonte de informação” [...] “de outro, porém, permite também uma intensa propagação de notícias falsas.
De acordo com o Painel TIC COVID-19 (35) houve um aumento na busca por informações relacionadas à saúde ou a serviços de saúde, durante a Pandemia da Covid-19, “com crescimento verificado em praticamente todos os recortes socioeconômicos analisados pela pesquisa”. O painel observou também aumento nas atividades e pesquisas escolares pela Internet, reflexo da suspensão das aulas presenciais, ou seja, a busca por informações na internet sobre a Covid-19 foi intensificada com o isolamento social e isso proporcionou um campo fértil para a disseminação das Fake News.
ANÁLISE SITE FATO OU FAKE
Baseando-se nesses cenários, será apresentado a análise das notícias publicadas no site da Globo.com G1 FATO ou FAKE Coronavírus (36), disponível em: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/coronavirus/, no período de janeiro de 2020 até maio de 2022.
A análise desse período resultou na recuperação de 520 (quinhentos e vinte) notícias, sendo 519 (quinhentos e dezenove) falsas e, apenas, 1 (uma) verdadeira.
A pesquisa contou com a tabulação de todas as notícias divulgadas no site, na planilha Excel 2010, categorizando-as em 06 (seis) grupos distintos, são eles: aspectos sanitários, aspectos políticos, aspectos ideológicos, aspectos econômicos, aspectos religiosos e aspectos socias.
Do total de 519 (quinhentos e dezenove):
347 (trezentos e quarenta e sete) possuem relações com fatores sanitários. Os fatores sanitários envolvem notícias acerca de aspectos relacionados com alimentos; formas de contaminação; equipamentos de proteção individual; mortes; passaporte sanitários; tratamento precoce, teste de covid-19 e vacinas.
41 (quarenta e uma) notícias envolvendo fatores sociais, principalmente, relacionados com as questões envolvendo o isolamento social.
19 (dezenove) notícias sobre fatores econômicos, em sua grande maioria estavam relacionadas com o auxílio financeiro para a população menos favorecida do Brasil.
9 (nove) notícias envolviam questões ideológicas.
04 (notícias) tinham conotação religiosa e,
99 (noventa e nove) notícias tinham aspectos políticos, desde a esfera municipal até a esfera federal. Essas informações podem ser visualizadas a partir da figura 1.
Figura 1 – Quantitativo de notícias por assuntos
Fonte: O autor, 2023.
A seguir, verificou-se o percentual em que as notícias falsas apareceram e obteve-se o seguinte resultado:
Os fatores sanitários foram as notícias inverídicas que mais foram divulgadas representando 66,9%, a seguir percebeu-se que os fatores políticos tiveram 19,1% de notícias falsas; em terceiro lugar apareceu os fatores sociais com 7,9%; seguido dos fatores econômicos com o total de 3,7%; a seguir os fatores ideológicos apresentaram 1,7% e, por último, os fatores religiosos com 0,8% de notícias. Esses percentuais podem ser visualizados na figura 2 abaixo apresentada.
Figura 2 – Quantitativo por assunto em percentuais
Fonte: O autor, 2023.
A partir das análises das Fake News acerca da Covid-19 observa-se uma frequência de duas temáticas: os fatores sanitários e políticos que, aparentemente, poderiam estar dissociados, mas na realidade, estão muito conexos e interligados.
Observou-se, com esse estudo, que as questões governamentais e políticas envolviam, diversas vezes, as questões sanitárias. Inclusive, as questões políticas e ideológicas seguiam a linha do tempo da pandemia, ou seja, inicialmente, as Fake News sobre as possibilidades de origem da doença envolviam seu surgimento na China, como uma guerra biológica em que o país Asiático estaria interessado em dominar o mundo e que aquele país já teria a cura para a enfermidade.
Para exemplificar é apresentado duas informações falsas sobre o assunto.
Na primeira, circula nas redes sociais um vídeo, de uma reportagem exibida pela emissora de TV italiana RAI, em 2015, que trata de testes com um vírus na China, realizado por cientistas para fins de estudo. As mensagens que acompanham as imagens dizem se tratar do novo coronavírus, reforçando a teoria conspiratória que atribui ao governo chinês a responsabilidade pela pandemia da Covid-19. Na realidade, segundo o site “Fato ou Fake” trata-se de uma reportagem sobre um “estudo publicado em novembro de 2015 pela conceituada revista científica britânica "Nature" por um grupo da Carolina no Norte, nos Estados Unidos, em colaboração com cientistas de Wuhan, na China”.
A segunda notícia que circula diz que “cinco pandemias mundiais, desde 1997, tiveram origem na China: a de H5N1 (gripe aviária), a da Sars (síndrome respiratória aguda grave), a de H1N1 (gripe suína), a de H7N9 (subtipo do vírus influenza que também causa a gripe aviária) e a da Covid-19”. De acordo com o site “Fato ou Fake” essa notícia é falsa uma vez que:
A China vem sendo alvo de críticas desde o início da pandemia de Covid-19, e líderes mundiais já se referiram ao novo coronavírus como “o vírus chinês” – o presidente norte-americano, Donald Trump, inclusive, acusou o país de ter fabricado o vírus num laboratório em Wuhan, cidade onde ele apareceu primeiro. A tese conspiratória também se alastrou pelo Brasil, embasando mensagens falsas que disseminam xenofobia pelas redes sociais (37).
Adiante são apresentadas notícias inverídicas acerca de formas de contaminação e equipamentos de proteção individual que envolvem também questões políticas, ideológicas e econômicas. Para exemplificar as seguintes notícias publicadas no site: Circula nas redes sociais uma mensagem que diz que a Anvisa confessou a ineficácia das máscaras como forma de proteção contra o coronavírus (36).
Redes de telefonia 5G propagam o coronavírus e diminuem a imunidade das pessoas, facilitando a infecção e turbinando a pandemia, afirmam textos e vídeos que têm bombado na web nos últimos dias (36).
O isolamento social envolve o fortalecimento ou enfraquecimento político entre os grupos defensores e opositores, envolve também, as questões econômicas do país que afetam os aspectos políticos. Comércios e indústrias fechadas ocasionam maior desemprego, ocasionam necessidade de mais gastos com apoio á miséria e envolve desgastes políticos. A fim de exemplificar temos as seguintes Fake News retiradas do site “Fato ou Fake”:
Circula nas redes sociais uma mensagem que afirma que o governo do Pará "colocou presos para monitorar o ponto de ônibus e garantir que as pessoas estejam mantendo o distanciamento adequado (36).
Circula nas redes sociais a seguinte frase, atribuída ao prefeito de Curitiba, Rafael Greca: “Dois milhões de habitantes, zero mortes e não fechei nada” (36).
Governador de Nova York, Andrew Cuomo, usou um levantamento com pacientes de Covid-19 feito pelo Departamento de Saúde do estado norte-americano para provar a ineficácia do isolamento social como forma de conter o avanço da doença (36).
Percebeu-se também um quantitativo exacerbado de notícias inverídicas sobre notificações de morte. O quantitativo de mortes apresentados por instituições públicas foi motivo de descrédito em diversos países. No Brasil, inclusive, há uma discrepância entre os dados oficiais do Ministério da Saúde com os dados do Consórcio de veículos de imprensa que coleta os dados oriundos das Secretarias Estaduais de Saúde. Para exemplificar, no dia 06 de junho de 2022, o Ministério da Saúde divulga os seguintes dados:
Figura 3 - Situação Epidemiológica da Covid-19 no Brasil
Fonte: Ministério da Saúde, 2022.
Enquanto que, no dia 07 de junho de 2022, o Consórcio de veículos de imprensa apresentava os dados abaixo relacionados. Verifica-se discrepância entre os dados de óbitos e de casos confirmados.
Figura 4 - Situação Epidemiológica da Covid-19 no Brasil
Fonte: Consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde
Em relação as Fake News sobre mortes têm-se os seguintes exemplos:
Há mensagens que sugerem que o Coronavírus está seguindo “o seu ciclo natural e que a queda de mortes por Covid-19 no Brasil e o arrefecimento da pandemia ocorrem sem que isso tenha ligação com a taxa de vacinação da população” (36). "Não existe a menor condição de ter morrido 100 mil pessoas no Brasil pela Covid-19. A menos que tenham encontrado a cura para as demais doenças" (36). “Em cumprimento a decretos de governadores, os atestados de óbito de todos os pacientes que morrem em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) afirmam que a causa da morte foi a Covid-19” (36). Esses são alguns dos exemplos relacionados com a disseminação de informações falsas relacionadas, principalmente, com os dados oficiais de óbitos sobre a Covid-19.
A seguir, identificou-se que o maior quantitativo de informações inverídicas relacionadas ao Covid-19, são as notícias falsas sobre as vacinas. Observou-se muitos dados falsos sobre a vacina Coronavac, assim percebe-se, nesse cenário, um combate político entre o então presidente do Brasil Jair Bolsonaro (2019-2022), versus o então governador de São Paulo, João Dória (2019-2022), na briga pelo “dono da vacina no país” com viés eleitoral em uma possível disputa presidenciável. Como se constata nas seguintes Fake News relacionadas:
Circula pelas redes sociais um post com a foto do governador de São Paulo, João Doria, e da primeira-dama, Bia Doria. A imagem é acompanhada de legenda que diz que Doria, "grande artífice da chegada da Coronavac, a vacina chinesa, estava entre os primeiros da fila para receber a vacina da Pfizer(36).
Uma mensagem que tem sido bastante compartilhada nas redes sociais diz que o governador de São Paulo, João Doria, e o filho do ex-presidente Lula, Fábio Luís Lula da Silva, fizeram um acordo para compra de ações da farmacêutica Sinovac, responsável pela Coronavac, antes de a empresa fechar contrato com o Instituto Butantan para produção da vacina no Brasil(36).
Por fim, as informações falsas pós vacinação com a obrigatoriedade dos passaportes vacinais. Mais uma vez, percebe-se embates ideológicos e políticos sobre o tema. Exemplos:
Na época circulava pelas redes sociais um vídeo em que um homem fardado alega que presos terão de ser liberados porque o Judiciário disse que quem não estiver com o passaporte sanitário em dia não poderá mais ser preso – e levado ao fórum (36)
Circula nas redes sociais um vídeo que mostra duas mulheres sendo agredidas por policiais dentro de um estabelecimento comercial. Legendas dizem que elas foram abordadas após tentarem entrar pra fazer compras em um shopping na França sem um certificado de vacinação (36)
A proliferação de falsas notícias no panorama político, social e econômico contribuem para aumentar sentimentos de dúvida e desconfiança no empenho do avanço da ciência bem como nas instituições que, de fato trabalham para uma saúde pública de qualidade e sua importância no cenário brasileiro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante o transcorrer desse trabalho compreende-se que as Fake News devem ser estudadas através da história, filosofia, tecnologia de comunicação e informação e, inclusive, das inteligências artificiais. Elas são alastradas pelo descrédito de um conceito único de disseminação de verdades pelo Estado e pelos meios de comunicação. Há uma multiplicidade de possibilidades de dispersão de informações disponibilizadas pela Internet e pelas tecnologias de informação e comunicação que proporcionam uma possibilidade de múltiplos discursos em tempos globalizados. Com isso identifica-se rupturas nas formas comunicacionais e informacionais e disputas pelo poder realizada por batalhas entre verdades e mentiras associadas com verdades absolutas inexistentes. Percebe-se que a produção de informações falsas está associada a determinadas práticas sociais que envolvem questões ideológicas, políticas, religiosas, sanitárias e econômicas que afetam o convívio dos indivíduos na sociedade contemporânea. Principalmente, em tempos de Pandemia onde a utilização e disseminação de informações inverossímeis afetam comportamentos individuais e políticas públicas em saúde.
Percebe-se, através da difusão de Fake News sobre a Covid-19, a existência de um projeto político ideológico envolvendo poder e saber direcionada para o controle de massas. Para tanto, são utilizados mecanismos e estratégias de promoção de discursos inverídicos, pensados e arquitetados, para colocar em descrédito o Sistema Único de Saúde do Brasil. Essa perspectiva envolve questões econômicas, sanitárias políticas com aspectos relacionados com interesses de privatização do sistema público.
Além disso, proeminências do uso político como forma de influência e manipulação de dados com interesses eleitoreiros.
Por fim, compreende-se a informação ou a desinformação como um ativo fundamental para a disseminação de discursos e práticas ideológicas e políticas que afetam questões sanitárias e humanitárias e colocam em risco á vida e o bem-estar da sociedade.
REFERENCIAS
1 Bazzo WA. Ciência, Tecnologia e Sociedade: e o contexto da educação tecnológica. 4ª ed. Florianópolis: Editora da UFSC; 2014.
2 Takahashi T. Sociedade da informação no Brasil: livro verde. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia; 2000.
3 Castells M. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra; 2003.
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Critérios de autoria (contribuições dos autores)
Todos os autores Contribuíram substancialmente na concepção do estudo; na obtenção, na análise e interpretação dos dados, assim como na redação e revisão crítica da versão publicada.
Fomento e Agradecimento: Não há
Declaração de conflito de interesses
“Nada a declarar”.
Editor científico: Ítalo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447