ARTIGO ORIGINAL
HANSENÍASE EM MENORES DE QUINZE ANOS NO AMAZONAS: ASPECTOS CLÍNICOS E EPIDEMIOLÓGICOS E DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL
LEPROSY IN CHILDREN UNDER FIFTEEN YEARS OLD IN AMAZONAS: CLINICAL AND EPIDEMIOLOGICAL ASPECTS AND SPATIAL DISTRIBUTION
LEPRA EN MENORES DE QUINCE AÑOS EN AMAZONAS: ASPECTOS CLÍNICOS Y EPIDEMIOLÓGICOS Y DISTRIBUCIÓN ESPACIAL
1Ully Karina da Silva Ribeiro
2Priscilla Dantas Almeida
1Acadêmica de Enfermagem, Escola de Enfermagem de Manaus (EEM) - Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus, Amazonas, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2917-7232.
2Doutora em Enfermagem, Docente da Graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem de Manaus (EEM) – Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus, Amazonas, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6574-6335.
Autor correspondente
Ully Karina da Silva Ribeiro
Rua Luxor, 10, Nova Cidade, Manaus – AM, Brasil. CEP: 69095-562. Contato: +55(92) 99446-5537. Email: ullykarina2@gmail.com.
Submissão: 06-08-2023
Aprovado: 17-09-2023
RESUMO
Introdução: A hanseníase é uma doença infecciosa, transmissível e de
caráter crônico que pode causar incapacidades físicas severas e permanentes.
Pessoas com idade abaixo de 15 anos que são acometidas por essa enfermidade e
não recebem diagnóstico precoce ou tratamento adequado, podem adquirir sequelas
que afetarão sua vida adulta. Objetivo: Identificar os aspectos
epidemiológicos, clínicos e a distribuição espacial
dos casos notificados de hanseníase em menores de 15 anos no Estado do Amazonas
entre 2002 e 2021. Método: Trata-se de uma pesquisa epidemiológica,
ecológica e retrospectiva, com dados secundários do Sistema de Informação de
Agravos de Notificação disponível na base do Departamento de Informática
do Sistema Único de Saúde. Foi realizado o cálculo da taxa de detecção dos
casos por ano, além de análises descritivas pelo Microsoft
Excel, e, o programa Quantum GIS (QGIS), versão 2.18.6, para análise e
construção dos mapas. Resultados: Foram notificados 1.471 casos, com
prevalência de: sexo feminino (51,3%), idade entre 10 e 14 anos (70,2%), raça
parda (67,9%), residência no interior do estado (62,5%), classificação
operacional paucibacilar (63,6%), forma clínica tuberculóide (32,9%), grau de
incapacidade física 0 na notificação (80,6%) e na cura (63,3%). Ao longo das
séries anuais, observou-se diminuição na taxa de detecção. Conclusão: Em
vista da alta endemicidade de hanseníase em menores de 15 anos no Amazonas,
salienta-se a importância da elaboração de estratégias mais eficientes de
controle da doença e sua disseminação, além da prevenção de incapacidades,
especialmente no público infantil.
Palavras-chave: Hanseníase; Epidemiologia; Monitoramento Epidemiológico; Sistemas de Informação em Saúde.
ABSTRACT
Introduction:
Leprosy is an infectious, transmissible, and chronic disease that can cause
severe and permanent physical disabilities. Children under 15 years old
affected by this illness, without early diagnosis or proper treatment, may
acquire sequelae that will affect their adult life. Objective: To
identify the epidemiological, clinical aspects, and spatial distribution of
reported leprosy cases in individuals under 15 years old in the state of
Amazonas between 2002 and 2021. Method: This is an epidemiological,
ecological, and retrospective research, using secondary data from the
Notifiable Diseases Information System available in the database of the Unified
Health System's Informatics Department. The detection rate of cases per year
was calculated, and descriptive analyses were performed using Microsoft Excel,
and the Quantum GIS (QGIS) software, version 2.18.6, for map analysis and
construction. Results: A total of 1,471 cases were reported, with a
prevalence of: female sex (51.3%), age between 10 and 14 years (70.2%), mixed
race (67.9%), residence in rural areas (62.5%), paucibacillary operational
classification (63.6%), tuberculoid clinical form (32.9%), grade 0 physical
disability in the notification (80.6%) and in the cure (63.3%). Over the years,
a decrease in the detection rate was observed. Conclusion: Considering
the high endemicity of leprosy in children under 15 years old in the Amazonas
region, the importance of developing more effective disease control and
dissemination strategies, as well as prevention of disabilities, particularly
in children, is emphasized.
Key words: Leprosy; Epidemiology; Epidemiological Monitoring; Health Information Systems.
RESUMEN
Introducción:
La lepra es una enfermedad infecciosa, transmisible y crónica que puede causar
discapacidades físicas severas y permanentes. Los niños menores de 15 años que
padecen esta enfermedad y no reciben un diagnóstico temprano o un tratamiento
adecuado pueden adquirir secuelas que afectarán su vida adulta. Objetivo:
Identificar los aspectos epidemiológicos, clínicos y la distribución espacial
de los casos notificados de lepra en menores de 15 años en el Estado de
Amazonas entre 2002 y 2021. Método: Se trata de una investigación
epidemiológica, ecológica y retrospectiva, con datos secundarios del Sistema de
Información de Agravios de Notificación disponible en la base del Departamento
de Informática del Sistema Único de Salud. Se calculó la tasa de detección de
casos por año, además de análisis descriptivos mediante Microsoft Excel y el
programa Quantum GIS (QGIS), versión 2.18.6, para análisis y construcción de
mapas. Resultados: Se notificaron 1.471 casos, con una prevalencia de:
sexo femenino (51,3%), edad entre 10 y 14 años (70,2%), raza parda (67,9%),
residencia en el interior del estado (62,5%), clasificación operacional
paucibacilar (63,6%), forma clínica tuberculoide (32,9%), grado de discapacidad
física 0 en la notificación (80,6%) y en la cura (63,3%). A lo largo de los
años, se observó una disminución en la tasa de detección. Conclusión:
Dada la alta endemicidad de la lepra en menores de 15 años en Amazonas, se
destaca la importancia de desarrollar estrategias más eficientes para controlar
la enfermedad y su propagación, así como la prevención de discapacidades,
especialmente en la población infantil.
Palabras clave: Lepra; Epidemiología; Monitoreo Epidemiológico; Sistemas de Información em Salud.
INTRODUÇÃO
A hanseníase é uma doença infecciosa, transmissível e de caráter crônico, causada pela bactéria Mycobacterium leprae, um bacilo que afeta principalmente os nervos periféricos, pele, olhos, mãos, pés e pode causar incapacidades físicas severas e permanentes (1).
Em 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recebeu 140.594 novas notificações da doença no mundo, sendo que 18.318 ocorreram no Brasil, e assim, se encontra em segundo lugar na relação de países com maior número de casos novos. Do total de novos casos diagnosticados no país, 761 (4,1%) afetaram pessoas menores de 15 anos (2). Embora a incidência tenha apresentado um comportamento de queda na última década, a doença permanece como um importante problema de saúde pública no Brasil, sendo de notificação compulsória e investigação obrigatória (3).
A hanseníase está fortemente relacionada a condições econômicas, sociais e ambientais desfavoráveis, logo, se distribui de forma heterogênea no país, se concentrando nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, sendo que a Amazônia Legal é a mais acometida. Em 2018, o maior número de casos novos da doença e a maior taxa de detecção foram registradas no estado do Mato Grosso, com 4.678 casos e 138,30 casos novos por 100.000 habitantes, respectivamente. A maior incidência em indivíduos menores de 15 anos foi registrada no Maranhão, com 312 casos (1,3).
No ano de 2019, o estado do Amazonas teve incidência de 407 casos, sendo 37 destes em pessoas com menos de 15 anos (4). A ocorrência de casos nessa faixa etária indica focos de transmissão ativa, importante sinalizador para o monitoramento da endemia (2). Isso se deve ao fato de a hanseníase possuir um longo período de incubação, ou seja, período inativo, que pode durar até 10 anos. Sendo assim, a detecção da doença é mais comum na idade adulta, e a ocorrência de infecção em menores de 15 anos pode derivar da persistência do bacilo no hospedeiro ou sua exposição precoce ao Mycobacterium leprae (5).
As lesões neurais resultantes da hanseníase lhe conferem um alto poder incapacitante, principal responsável pelo estigma e discriminação às pessoas acometidas pela patologia (3). Segundo o Ministério da Saúde, existem três graus de incapacidade física resultantes da doença, que variam de 0 a 2, sendo o grau 0 sem incapacidade (6).
No período entre 2009 e 2018, 1.744 dos novos casos registrados do Amazonas foram de indivíduos com grau 1 ou 2 de incapacidade, sendo 77 (4,4%) deles menores de 15 anos (1). Os indivíduos afetados pela doença podem desenvolver incapacidades físicas na face, membros superiores e inferiores, causando problemas como: a limitação para executar atividades do cotidiano, redução da capacidade para exercer funções laborais e restrição para participar de vínculos sociais (7). Pessoas com idade abaixo de 15 anos que são acometidas por essa enfermidade e não recebem diagnóstico precoce ou tratamento adequado, podem adquirir sequelas que afetarão sua vida adulta.
À vista disso, a análise da situação epidemiológica da hanseníase em menores de quinze anos é importante para o monitoramento e direcionamento de ações de saúde mais efetivas no combate à doença, além de apontar possíveis dificuldades e falhas nos serviços de saúde oferecidos à população. Nesse cenário, o profissional de enfermagem tem papel fundamental, visto que atua de forma direta com os pacientes afetados a partir da sua participação nas várias fases da assistência como: diagnóstico, tratamento, prevenção de incapacidades e encaminhamento (8). Ressalta-se que, os enfermeiros desempenham importante função na melhoria dos indicadores epidemiológicos e operacionais da hanseníase e devem estar qualificados em todo os aspectos assistenciais que a doença requer conforme as orientações propostas pelo Ministério da Saúde (MS), e instituições nacionais e internacionais de saúde.
Diante do exposto, este estudo tem como objetivo identificar os aspectos epidemiológicos, clínicos e a distribuição espacial dos casos notificados de hanseníase em menores de 15 anos no Estado do Amazonas entre 2002 e 2021.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo epidemiológico, ecológico e retrospectivo com dados secundários a partir de consulta ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) disponível na base do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Foram analisados os casos notificados de hanseníase em menores de 15 anos no Estado do Amazonas, entre 2002 e 2021.
Por se tratar de uma pesquisa ecológica tem como local de estudo o estado do Amazonas, situado no norte do Brasil, cujo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 2010 era de 0,674, em 18º posição quando comparado com os demais estados do país. Com a extensão territorial de 1.559.167,878 km², o Amazonas ocupa o primeiro lugar no ranking nacional. A população geral estimada para 2021 é de 4.269.995 pessoas, destas 1.211.082 menores de 15 anos. Quanto ao local de residência, 2.255.903 é na capital e 2.014.092 no interior (8,9).
A fonte de dados utilizada foi o SINAN por meio da plataforma do DATASUS, que é uma base de acesso público. Quanto a coleta de dados foi realizada a partir do acesso ao banco de dados da Hanseníase a partir de 2001, escolhida Unidade Federativa Amazonas, selecionado o período de 2002 a 2021 para realizar a tabulação dos dados, e aplicação dos filtros para o alcance dos resultados para os objetivos indicados.
Foram analisados os casos notificados de hanseníase em menores de 15 anos no Estado do Amazonas, entre 2002 e 2021. O critério de exclusão foi “erro de diagnóstico”, “transferência para outro país”, e “transferência para outro estado” no item “tipo de saída”.
Foram analisadas as seguintes variáveis: faixa etária em anos, sexo, raça/cor, classificação operacional no diagnóstico, modo de entrada, forma clínica na notificação, avaliação de incapacidade na notificação e cura, baciloscopia na notificação, episódio reacional, número de doses e contatos registrados e examinados.
Os dados foram tabulados, exportados e consolidados em uma planilha do Programa Microsoft® Excel 365. Em seguida, foram realizadas as análises descritivas com cálculos de frequência. Foi calculada a proporção de contatos examinados pelo quantitativo dos registrados em seguida multiplicado por 100. Para o cálculo do coeficiente de detecção foi aplicado o número de casos em menores de 15 anos no numerador e a população nesta faixa etária no denominador e o resultado foi multiplicado por 100 mil.
Para a análise da distribuição espacial da taxa de deteção de hanseníase em menores de 15 anos por municípios do Amazonas no período do estudo, utilizou-se o Quantum GIS (QGIS), versão 2.18.6. Deste modo, as taxas de detecção foram calculadas a partir da razão, entre os “Casos novos de hanseníase em menores de 15 anos” pela população residente de cada município estimada para cada ano (2002 a 2021), ambos disponibilizados pelo DATASUS, e multiplicado por 100.000, conforme o “Roteiro para uso do Sinan Net Hanseníase e Manual para tabulação dos indicadores de hanseníase” do Ministério da Saúde, 2022. Para a categorização das classes espaciais das taxas brutas, utilizou-se o método de quebras naturais do algoritmo de classificação de Jenks (natural breaks).
Por se tratar de um estudo com dados secundários disponibilizados no site do DATASUS de acesso público, sem acesso à identificação individual de seres humanos, dispensa-se, a submissão deste projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, conforme a Resolução no 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (10).
RESULTADOS
No período de 2002 a 2021 foram notificados 1.471 casos de hanseníase em menores de 15 anos no Amazonas. A maioria era do sexo feminino (51,3%), com idade entre 10 e 14 anos (70,2%), raça parda (67,9%), e residindo no interior do estado (62,5%), como mostra a Tabela 1.
Tabela 1 – Caracterização sociodemográfica das pessoas menores de 15 anos notificadas com hanseníase (N = 1471). Amazonas, Brasil, 2002-2021.
Variável |
n |
% |
Faixa etária |
|
|
< 1 ano |
4 |
0,3 |
01 – 04 |
55 |
3,7 |
05 – 09 |
380 |
25,8 |
10 – 14 |
1032 |
70,2 |
Sexo |
|
|
Masculino |
716 |
48,7 |
Feminino |
755 |
51,3 |
Raça/cor |
|
|
Branca |
137 |
9,3 |
Preta |
81 |
5,5 |
Amarela |
18 |
1,2 |
Parda |
999 |
67,9 |
Indígena |
37 |
2,5 |
Ign*/Branco |
199 |
13,5 |
Espaço de ocorrência |
|
|
Capital |
552 |
37,5 |
Interior |
919 |
62,5 |
Fonte: Elaborada pelas autoras com base nos dados exportados do SINAN em 20 de dezembro de 2022. *Ign = Ignorado
Em relação à classificação operacional no diagnóstico, a maioria dos casos foi paucibacilar (63,6%). A forma clínica predominante foi a tuberculóide (32,9%), seguida da dimorfa (25,6%), entretanto, vale salientar as classes “Não classificado” e “Ign/Branco” que juntas correspondem a aproximadamente 14% das notificações, indicando carência de dados. Quanto ao episódio reacional, aproximadamente um terço das pessoas avaliadas não teve reação hansênica (31,4%), porém, destaca-se a falta de preenchimento de informação em 63% dos casos notificados, o que impede a realização de uma análise precisa de tendência referente ao período estudado (Tabela 2).
No que diz respeito ao grau de
incapacidade física, a avaliação com resultado grau 0, que indica ausência de
incapacidade, foi a mais frequente tanto no momento da notificação (80,6%),
quanto no momento da cura (63,3%).
Quanto à proporção média de contatos
registrados e examinados durante os vinte anos analisados, verificou-se o valor
de 66,3%, considerado precário segundo os parâmetros do Ministério da Saúde
(Tabela 2).
Tabela 2 – Caracterização dos casos hanseníase notificados em menores de 15 anos segundo os aspectos clínicos, e contatos registrados e examinados. Amazonas, Brasil, 2002-2021. (N=1471)
Variável |
n |
% |
Classificação operacional no diagnóstico |
|
|
Paucibacilar |
935 |
63,6 |
Multibacilar |
528 |
35,9 |
Ign*/Branco |
8 |
0,5 |
Forma clínica na notificação |
|
|
Indeterminada |
311 |
21,1 |
Tuberculóide |
484 |
32,9 |
Dimorfa |
377 |
25,6 |
Virchowiana |
98 |
6,7 |
Não classificada |
56 |
3,8 |
Ign*/Branco |
145 |
9,9 |
Episódio reacional |
|
|
Reação tipo 1 |
65 |
4,4 |
Reação tipo 2 |
11 |
0,7 |
Reação tipo 1 e 2 |
6 |
0,4 |
Sem reação |
462 |
31,4 |
Não preenchido |
927 |
63 |
Grau de incapacidade física na notificação |
|
|
Grau 0 |
1186 |
80,6 |
Grau 1 |
137 |
9,3 |
Grau 2 |
57 |
3,9 |
Não avaliado |
62 |
4,2 |
Ign*/Branco |
29 |
2 |
Grau de incapacidade física na cura |
|
|
Grau 0 |
931 |
63,3 |
Grau 1 |
71 |
4,8 |
Grau 2 |
46 |
3,1 |
Não avaliado |
162 |
11 |
Ign*/Branco |
261 |
17,7 |
Proporção média de contatos registrados e examinados |
0,7 |
66,3 |
Total |
1471 |
100 |
Fonte: Elaborada pelas autoras com base nos dados exportados do SINAN em 20 de dezembro de 2022.
*Ign = Ignorado
Comparando-se os anos de 2002 e 2021, constatou-se uma diminuição considerável da taxa de detecção da hanseníase, tanto no Amazonas como no Brasil, o que é mostrado no Gráfico 1. Dessa forma, o Amazonas passou de uma classificação de hiperendemicidade para alta endemicidade, enquanto que o Brasil passou de endemicidade muito alta para média, segundo os parâmetros do Ministério da Saúde.
Gráfico 1 - Coeficiente de detecção de hanseníase em menores de 15 anos no Amazonas e no Brasil (2002-2021)
Fonte: Elaborada pelas autoras com base nos dados exportados do SINAN em 20 de abril de 2023. *Ign = Ignorado
A Figura 1 evidencia a distribuição espacial da taxa de detecção de hanseníase em menores de 15 anos nos municípios do Amazonas em quatro séries anuais, em que verificou-se que as maiores taxas se encontram no interior do estado.
Referente aos anos 2002 a 2006, as maiores taxas foram identificadas nas áreas nordeste, sudeste e oeste do estado, enquanto que para os anos 2007 a 2011, as áreas com maiores taxas foram sul e sudoeste. Em relação aos anos 2012 a 2016, foram verificadas maiores taxas nas áreas sudeste, sudoeste e oeste. Por fim, no que tange aos anos 2017 a 2021, as maiores taxas foram localizadas nas áreas sudeste e sudoeste.
Comparando-se a primeira e a última série anuais, verifica-se que os municípios com baixa endemicidade aumentaram de oito (12,9%) para 17 (27,4%); os com média endemicidade aumentaram de quatro (6,5%) para oito (12,9%); os com alta endemicidade aumentaram de oito (12,9%) para 18 (29%); os com endemicidade muito alta diminuíram de 19 (30,7%) para nove (14,5%); e os hiperendêmicos diminuíram de 23 (37%) para 10 (16,2%) municípios.
Figura 1 - Mapa de distribuição espacial por município da taxa de detecção de hanseníase em menores de 15 anos no Amazonas em quatro séries anuais (2002-2021). Manaus-AM, 2023.
Fonte: Elaborada pelas autoras com base nos dados exportados do SINAN em 20 de abril de 2023.
*Ign = Ignorado
DISCUSSÃO
Nos últimos anos, estudos têm apontado uma redução na incidência de hanseníase no Brasil, porém, a doença persiste como um importante problema de saúde pública, inclusive entre a população com idade abaixo de 15 anos (3). Por este motivo, os achados deste estudo são importantes, pois mostram incidência correspondente a alta endemicidade da hanseníase em menores de 15 anos do estado do Amazonas, e os aspectos relacionados no período estudado.
Com os resultados da análise evidenciados, a faixa etária com maior predominância foi a de 10 a 14 anos, semelhante ao achado no estudo desenvolvido em São Luís, que detectou que 60,29% das crianças acometidas se encontrava nesse intervalo etário. Contudo, a menor frequência da hanseníase em crianças com idade abaixo de nove anos, como ressaltam outros autores, se deve, entre outras causas, ao longo período de incubação da doença, que dura em média dois a sete anos (11).
Em relação à variável sexo, observa-se que o feminino apresentou maiores taxas na análise, convergindo com o encontrado em pesquisa feita no município de Cuiabá (12). Ressalta-se que, estudos apontam o sexo masculino como o mais acometido pela hanseníase, devido ao menor cuidado que possuem em relação à própria saúde e maior exposição ao bacilo causador da doença (13,7).
No que tange à variável raça/cor, a parda prevaleceu entre os casos notificados, fato que se repete também na análise desenvolvida no município de São Luís, capital do estado do Maranhão. Tal achado pode estar relacionado ao processo de colonização e miscigenação, e às desigualdades socioeconômicas, que afetam em maior grau pessoas negras e pardas (11).
No que diz respeito ao espaço de ocorrência, nota-se que a maior parte dos casos foi de pessoas que residiam no interior do estado, discordando com o encontrado em pesquisa nacional, realizada na capital do Maranhão (11), que sinalizou maior frequência de acometidos na capital. No Amazonas, por a capital corresponder a mais da metade da população total do estado (8), a significativa quantidade de casos no interior reforça a necessidade de investimento, ações para o diagnóstico precoce e vigilância dos contatos nessa região.
Quanto à classificação operacional no diagnóstico, prevaleceu a paucibacilar, ou seja, aqueles com doença localizada em uma região anatômica e/ou um tronco nervoso comprometido revelando, assim, atividades eficazes para o diagnóstico precoce (6,13). Corroboram com este resultado, achados de estudos desenvolvidos no estado do Tocantins, em Manaus – AM, e no município de Fortaleza – CE (13-15). Apesar do acometimento de pessoas com menos de 15 anos ser mais comum nas formas clínicas iniciais devido o menor período de exposição e incubação que elas têm em relação aos adultos, as formas clínicas multibacilares também foram detectadas, indicando que o diagnóstico não foi realizado durante as fases iniciais nessa parcela dos indivíduos (13,14).
Predomina, quanto à forma clínica, a tuberculóide, forma da doença caracterizada pela capacidade do sistema imunológico da pessoa em destruir os bacilos, o que indica expansão da endemia (6,16). O mesmo resultado foi encontrado por outros autores (7,16). Já estudo realizado no Mato Grosso constatou maior predomínio da forma Dimorfa (17). Apesar de os indivíduos acometidos pela forma tuberculóide apresentarem significativa imunidade contra o Mycobacterium leprae, ainda podem ser transmissores do mesmo, sendo necessária a busca e avaliação de contatos para que sejam evitadas novas infecções (7,16).
Quanto a ocorrência de episódio reacional, o presente resultado se assemelha ao obtido em análise realizada no estado do Tocantins (13), o qual aponta a prevalência da não ocorrência de reação em menores de 15 anos. Entretanto, a expressiva falta de informações no sistema impossibilita um reflexo preciso da realidade. As reações hansênicas são desencadeadas pelo aumento da atividade da doença, resultando em piora clínica, e podem ocorrer antes, durante ou após o final do tratamento com a poliquimioterapia. Seu rápido diagnóstico e manejo são fundamentais, visto que constituem a maior causa de lesão no nervo periférico e aumento das incapacidades (6).
Em relação ao grau de incapacidade física, o presente achado corrobora com um estudo realizado no Vale do Jequitinhonha – MG, e outro em Cuiabá – MT, por ter detectado o Grau 0 como predominante (12,18). Isso se deve majoritariamente ao diagnóstico precoce, que impede o desenvolvimento de incapacidades, dado que o risco de aparecimento destas aumenta com o tempo de duração da doença (18).
Porém, vale salientar que tanto na presente pesquisa, quanto nas citadas, o percentual de casos diagnosticados já com algum grau de incapacidade física é considerável, e indica diagnóstico tardio, resultante de um serviço frágil de vigilância por parte da atenção primária, que conta com treinamento deficitário dos agentes que deveriam detectar esses casos em tempo oportuno (13).
O resultado referente à proporção de contatos examinados mostrou-se condizente com uma pesquisa realizada em Goiás, que apontou proporção de 67,6%, considerada precária (19). Essa proporção serve para mensurar a capacidade dos serviços de saúde em realizar a vigilância dos contatos dos casos novos de hanseníase, aumentando a detecção precoce de casos novos, e seu aumento poderá cooperar para a interrupção da transmissão da doença (20). Já em estudo feito no estado da Bahia, observou-se tendência crescente da mesma proporção apontando, assim, para uma melhora do serviço de vigilância local (7).
A taxa de detecção apresentou considerável redução, como visto nos estudos realizados na Bahia, em Goiás, em Manaus, e no Amapá (7,8,14,19). Entretanto, apesar dessa regressão sugerir diminuição da força de morbidade e magnitude da endemia, não implica em controle da situação epidemiológica, visto que o estado ainda se encontra em situação de alta endemicidade (21).
Por se tratar de um estudo ecológico há a possibilidade de inferência causal como limitação do estudo, entretanto, as medidas necessárias para a minimização deste efeito foram tomadas nas análises estatísticas descritivas. Outra limitação, foi quanto à consistência dos dados, pois verificou-se na variável idade, por exemplo, dados incompatíveis com a idade, contudo foi superada, a partir da organização dos dados para análises. E por último, deve-se considerar o uso de dados secundários, que são passíveis a falhas relacionadas a qualidade e quantidade das informações, devido ao desconhecimento do cenário no momento da coleta, e pela possibilidade de subnotificação. Entretanto, o estudo analisou a magnitude e os principais indicadores da hanseníase no Amazonas, e respeitou os aspectos para análise epidemiológica e de distribuição espacial.
CONCLUSÕES
O estudo apontou que, entre 2002 e 2021, o estado do Amazonas apresentou transição de um parâmetro hiperendêmico para alta endemicidade da hanseníase em menores de 15 anos, o que sinaliza transmissão ativa e significativa gravidade da doença na região, apesar da diminuição do número de casos.
Dentre os principais resultados, destacam-se: casos de hanseníase notificados principalmente na faixa etária entre 10 a 14 anos, sendo a maioria de classificação operacional paucibacilar, forma clínica tuberculóide e baixa proporção de contatos examinados. Esses achados sugerem exposição precoce ao bacilo, e elevado risco de transmissão.
Dessa forma, salienta-se a importância da elaboração de estratégias mais eficientes de controle da hanseníase e sua disseminação, além da prevenção de incapacidades, especialmente no público infantil. Ademais, ressalta-se a necessidade de busca ativa de contatos e de estratégias para o diagnóstico precoce.
O profissional de enfermagem é indispensável nas ações de saúde voltadas para a contenção e prevenção da hanseníase, além de sua superação como endemia, atuando desde o planejamento até a implementação das estratégias. Seu contato próximo com o indivíduo, as famílias e a comunidade possibilitam uma percepção das necessidades prioritárias de cada grupo, incluindo a população com idade abaixo de 15 anos, permitindo o desenvolvimento de atividades de educação em saúde que favoreçam o diagnóstico precoce.
REFERÊNCIAS
1. Ministério da saúde (BR). Estratégia Nacional para Enfrentamento da Hanseníase 2019-2022 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [acesso 2023 Jul 23]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/h/hanseniase/publicacoes/a-estrategia-nacional-de-hanseniase-2019-2022.
2. Ministério da Saúde (BR). Boletim Epidemiológico de Hanseníase [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2023 [acesso 2023 Jul 23]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/especiais/2023/boletim_hanseniase-2023_internet_completo.pdf/view.
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Critérios de autoria (contribuições dos autores)
Ully Karina da Silva Ribeiro: 1. contribui substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Priscilla Dantas Almeida: 1. contribui substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Fomento e Agradecimento: A presente pesquisa não recebeu financiamento. Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pela concessão de bolsa de iniciação científica a Ully Karina da Silva Ribeiro.
Declaração de conflito de interesses
Nada a declarar.
Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519