VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER SURDA: ANÁLISE DA CONDUTA DO ENFERMEIRO FRENTE AOS DESAFIOS DE COMUNICAÇÃO

 

VIOLENCE AGAINST DEAF WOMEN: ANALYSIS OF NURSES' BEHAVIOR FACED WITH COMMUNICATION CHALLENGES

 

VIOLENCIA CONTRA LAS MUJERES SORDAS: ANÁLISIS DEL COMPORTAMIENTO DE LAS ENFERMERAS ANTE LOS DESAFÍOS DE LA COMUNICACIÓN


 

1Patrícia Pereira Tavares de Alcantara

2Tamires Alves Dias

3Yanca Carolina da Silva Santos

4Kamila de Castro Morais

5Ana Karoline Alves da Silva

6Francisca Evangelista Alves Feitosa

7Estefani Alves Melo

8Mariana Andrade de Freitas

 

1FIOCRUZ, Eusébio/CE, Brasil, https://orcid.org/0000-0003-3337-4845

2URCA, Iguatu/CE, Brasil, https://orcid.org/0000-0003-0420-0977

3URCA, Iguatu/CE, Brasil, https://orcid.org/0000-0002-1848-5726

4URCA, Iguatu/CE, Brasil, https://orcid.org/0000-0002-3564-7993

5URCA, Crato/CE, Brasil, https://orcid.org/0000-0003-0686-1808

6UFC, Fortaleza/CE, Brasil, https://orcid.org/0000-0003-0420-0977

7ICEPi/SESA, Vitória/ES, Brasil, https://orcid.org/0000-0003-1448-7713

8URCA, Iguatu/CE, Brasil, ORCID:  https://orcid.org/0000-0003-4697-038X

 

Autor correspondente

Estefani Alves Melo

Rua Duarte da Costa, Vila Real, Colatina-ES – Brasil.  29706-711. +55 (88) 99835-6203, E-mail: estefalves17@gmail.com

 

 

 

Submissão: 13-08-2023

Aprovado: 08-11-2023

 

RESUMO

Os casos de violência contra a mulher continuam crescendo e a mulher surda não consegue se comunicar e/ou apresenta limitações de comunicação na rede de apoio às vítimas. O estudo objetivou analisar a abordagem do enfermeiro frente aos desafios da comunicação com mulheres surdas em situação de violência. Trata-se de uma pesquisa descritiva, do tipo exploratória, com abordagem qualitativa. O estudo foi realizado com profissionais enfermeiros das equipes de Estratégia Saúde da Família da zona urbana e rural, do município de Iguatu, Ceará. A coleta foi realizada com 14 enfermeiros por intermédio de um link, que disponibilizava um questionário eletrônico no Google Forms, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Foram seguidas as normatizações éticas das pesquisas envolvendo seres humanos. Diante dos achados percebeu-se que não é algo comum a realização de ações voltadas a esse público. A vítima muitas vezes procura o serviço de saúde acompanhada do próprio agressor, fazendo com que os profissionais temam algum tipo de represálias, dificultando ainda mais o atendimento da mulher surda. Observou-se que os profissionais não estão preparados para atender a comunidade surda, por falta de conhecimento sobre Língua Brasileira de Sinais, e essa fragilidade favorece a reprodução de violências significativas em seus atendimentos.

Palavras-chave: Surdez; Violência contra a Mulher; Enfermagem.

 

ABSTRACT

Cases of violence against women continue to grow and deaf women are unable to communicate and/or have communication limitations in the victim support network. To analyze the nurse's approach to the challenges of communication with deaf women victims of violence. This is a descriptive, exploratory research with a qualitative approach. The study was carried out with professional nurses from the Family Health Strategy teams in the urban and rural areas of the municipality of Iguatu, Ceará. The collection was carried out with 14 nurses through a link, which provided an electronic questionnaire on Google Forms, after approval by the Research Ethics Committee. The ethical normatizations of research involving human beings were followed. In view of the findings, it was realized that it is not common to carry out actions aimed at this public. The victim often seeks the health service accompanied by the aggressor himself, causing professionals to fear some kind of reprisals, making it even more difficult to assist deaf women. Conclusion: Unfortunately, professionals are not prepared to serve the deaf community, due to lack of knowledge about Brazilian Sign Language, and this weakness favors the reproduction of significant violence in their care.

Keywords: Deafness; Violence Against Women; Nursing.

 

RESUMEN

Los casos de violencia contra las mujeres siguen aumentando y las mujeres sordas no pueden comunicarse y/o tienen limitaciones de comunicación en la red de apoyo a las víctimas. Analizar el abordaje de las enfermeras a los desafíos de la comunicación con mujeres sordas víctimas de violencia. Se trata de una investigación descriptiva, exploratoria y con abordaje cualitativo. El estudio fue realizado con profesionales de enfermería de los equipos de la Estrategia Salud de la Familia de las áreas urbana y rural del municipio de Iguatu, Ceará. La recolección se realizó con 14 enfermeras a través de un enlace, que proporcionó un cuestionario electrónico en Google Forms, previa aprobación del Comité de Ética de la Investigación. Se siguieron las normas éticas para la investigación con seres humanos. A la vista de los hallazgos, se constató que no es habitual realizar acciones dirigidas a este público. La víctima suele acudir al servicio sanitario acompañada del propio agresor, lo que hace que los profesionales teman algún tipo de represalia, dificultando aún más la asistencia a las mujeres sordas. Infelizmente, los profesionales no están preparados para atender a la comunidad sorda, debido al desconocimiento de la Lengua Brasileña de Señas, y esta debilidad favorece la reproducción de la violencia significativa en su atención.

Palabras clave: Sordera; Violencia contra las Mujeres; Enfermería.

 


 

INTRODUÇÃO

 

 

É notório que mulheres surdas fazem parte do universo de problemáticas sociais e de saúde pública, dentre elas o da violência contra a mulher, que não possui por sua vez uma estatística de casos ou de denúncias, porque não conseguem dialogar, ser entendidas pela rede de atendimento e pelos serviços de apoio, uma vez que a comunicação se faz imprescindível(1,2).

Nesse cenário, os serviços da Atenção Básica são a principal porta de entrada ao setor saúde para as vítimas desse agravo, pois desempenham papel fundamental nas respostas às pessoas em situação de violência. Os profissionais devem atuar na prevenção, identificação, notificação, oferecer assistência e articular o atendimento das vítimas em pontos especializados da rede de assistência. Todavia, esta não tem sido a realidade(3).

Os casos de violência contra a mulher (VCM) continuam crescendo e a mulher surda não consegue se comunicar e/ou apresenta limitações de comunicação na rede de apoio às vítimas. Os dados sobre a violência sofrida pelas mulheres com deficiência são inexistentes porque a informação sobre isso não consta dos registros oficiais(4).

Diante do exposto, justifica-se a necessidade de trabalhar esta problemática, em virtude de ser um público ainda invisível aos olhos da sociedade, principalmente nos casos de VCM e pelo fato do enfermeiro ser um profissional importante na assistência dessas mulheres, e sobretudo pela escassez de estudos que retratem essa temática.

Logo, surgem as seguintes questões norteadoras do estudo: Como o (a) enfermeiro (a) presta os cuidados às mulheres surdas em situação de violência? Quais as estratégias utilizadas para a comunicação com a vítima? Os enfermeiros se consideram preparados para prestarem assistência às mulheres surdas em situação de violência?

A relevância do estudo se dá em virtude de os profissionais enfermeiros serem essenciais na detecção, intervenção e encaminhamento dessas ocorrências a órgãos competentes. Bem como, da necessidade do desenvolvimento de estudo que fomente a inclusão social.

Assim, o estudo objetiva analisar a conduta do enfermeiro frente os desafios da comunicação com mulheres surdas em situação de violência.

 

MÉTODO

 

Trata-se de uma pesquisa descritiva, do tipo exploratória, com abordagem qualitativa. O estudo foi realizado nas Estratégias de Saúde da Família (ESF) do município de Iguatu/CE, localizado na região centro-sul do Estado, com aproximadamente 365 km de distância da capital Fortaleza.

           O município possui uma média de 102.498 habitantes, sendo município polo da 18ª Região de Saúde. O referido município possui 30 ESF, distribuídas entre zona rural (11 unidades) e urbana (18 unidades). A coleta de dados foi realizada no período de setembro a dezembro de 2022.

Os participantes do estudo foram enfermeiros das ESF da zona urbana e rural. A amostra foi composta por 14 enfermeiros, conforme adequação nos critérios de elegibilidade. De modo a garantir o anonimato dos participantes, seus depoimentos foram identificados a partir de códigos (ENF1, ENF2, ENF3...).

Foi considerado como critério de inclusão: possuir, no mínimo, seis meses de atuação na ESF no qual se encontra atualmente lotado, visto que este critério de limitação temporal mínima evidencia a possibilidade de formação de vínculo com a comunidade, bem como maior apropriação da situação de saúde local. Foram excluídos da amostra os profissionais que estavam afastados no período da coleta (férias, licença, atestado), bem como profissionais que não responderam ao questionário após cinco tentativas da pesquisadora.

A coleta foi realizada por intermédio de um link, disponibilizado por meio do número de Whatsapp, fornecido pela Secretaria de Saúde do Iguatu, que disponibilizou um questionário eletrônico no Google Forms, onde os profissionais poderiam responder as perguntas após o aceite do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE. O instrumento de coleta de dados um questionário com perguntas abertas que respondessem aos objetivos da pesquisa.

Empregou-se a técnica da análise de conteúdo, utilizando-se do procedimento da análise temática, busca de temas como base de análise do material coletado, ou seja, das respostas dos sujeitos são retirados temas, para posterior análise. As categorias temáticas estabelecidas após análise dos dados obtidos foram analisadas à luz da literatura (5).

Este estudo seguiu as normatizações éticas instituídas pelas Resoluções Nº 510 de 07 de abril de 2016 e Nº 466 de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) (6,7) e obteve aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) com parecer aprovado sob o número de CAAE 31073220.0.0000.5055.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Para análise e discussão dos dados, fez-se necessário a caracterização sociodemográfica dos participantes da pesquisa. A partir disso foi traçado o perfil dos entrevistados. E, para facilitar o entendimento do leitor acerca dos resultados obtidos através das entrevistas, os dados foram separados em categorias: Categoria 1 – Percepção dos enfermeiros acerca da surdez; Categoria 2 – Atuação dos enfermeiros frente a violência contra a mulher surda; Categoria 3 – Capacitação dos enfermeiros para assistência às mulheres surdas em situação de violência; Categoria 4 – Limitações para assistência às mulheres surdas em situação de violência.

 

Caracterização sociodemográfica

Dos 14 enfermeiros que participaram da pesquisa, houve predominância do sexo feminino (n=13) e a faixa etária variou de 26 a 51 anos. Quanto ao estado civil, a maioria era casada (n=8). Em relação ao tempo de atuação, houve predominância de profissionais que estão atuando no serviço de um a cinco anos (n=6), e sobre o vínculo empregatício constatou-se que a maioria é concursada (n=9).

O vínculo constitui-se como um elo forte entre profissional e usuário, garantindo segurança no que concerne ao atendimento de suas necessidades. Nesse cenário, a Atenção Primária à Saúde (APS) tem um papel fundamental por estarem intimamente ligados à vida cotidiana do território, e por serem muitas vezes o primeiro local de acolhimento de pessoas que sofreram um ou mais atos de violência, ou porque é um serviço ao qual as mulheres recorrem para sofrimento não especificado resultante de uma situação violenta, doença crônica, problemas de saúde sexual e reprodutiva ou transtorno mental(8).

 

Categoria 1 – Percepção dos Enfermeiros acerca da surdez

 

Nessa categoria pode-se observar como a surdez é compreendida entre os profissionais enfermeiros, bem como a importância que eles atribuem a temática. De acordo com as falas pode-se perceber que demostram certo conhecimento:

 

Paciente portador de deficiência auditiva total. (ENF 1)

 

Perda auditiva causada por algum problema genético ou acidente. (ENF 3)

 

Deficiência auditiva severa que limita ou impossibilita a comunicação verbal. (ENF 9)

 

Diante dos achados, observa-se que os enfermeiros conseguem formular uma definição acerca do que seria a surdez. Contudo, ainda formulam uma definição muito vaga.

Surdez é o nome dado à impossibilidade ou dificuldade de ouvir. Pode ser classificada em cinco tipos: Ligeira (a palavra é ouvida, contudo certos elementos fonéticos escapam ao indivíduo e tem dificuldades de escutar uma conversa normal); Média (a palavra só é ouvida a uma intensidade muito forte e necessita de leitura labial para compreender o que é dito); Severa (a palavra em tom normal não é percebida, possui perturbações na voz e na fonética da palavra e intensa necessidade de leitura labial); Profunda (nenhuma sensação auditiva, possui dificuldades intensas na aquisição da linguagem oral e adquire facilmente Língua Gestual); Cofose (surdez completa; ausência total do som)(9).

Os participantes deste estudo trouxeram pequenos conceitos importantes acerca do que seria a surdez, porém acredita-se que essa população ainda permanece negligenciada no setor da saúde. Levando em conta que a assistência de enfermagem ocorre, sobretudo, por meio da consulta e comunicação estabelecida com o cliente (10).

Os profissionais de saúde devem estar preparados para aceitar a diversidade humana e oferecer um adequado atendimento para os surdos no atendimento às suas necessidades (11). As falas a seguir descrevem a importância que os participantes do estudo atribuem da temática para a saúde:

 

Sim, todos os serviços que prestam atenção a essas mulheres devem estar aptos a lidar com essa situação. (ENF 2)

 

Sim! Porque a violência contra a mulher é cada vez mais frequente em nosso meio, o que não é diferente com a mulher surda! (ENF 3)

 

Sim, a violência contra mulher é um assunto que se faz importante em todos os públicos femininos, mas quando se pensa na mulher surda vislumbra-se a necessidade de uma atenção maior, tanto para as que estão vivenciando a situação, quanto para os profissionais que irão recebê-la, pois a comunicação é a chave para compreensão e resolução de coisas. (ESF 5)

 

Sim, pois realmente já é um tema difícil de abordar com mulheres sem nenhuma limitação, que dirá para uma que tem impossibilidade de verbalizar fatos. (ENF 9)

 

Sim! A violência contra mulher não só surda, mas qualquer mulher. O profissional precisa ficar atento aos sinais e denunciar. (ENF 12)

 

Diante das falas observa-se que os profissionais atribuem muita importância à assistência às mulheres surdas em situação de violência e ressaltando que o número de casos de violência contra a mulher tem aumentado na sociedade, torna-se necessário reduzir a dificuldade de denúncia da violência sofrida pela mulher surda.

Com isso, enfatiza-se que a mulher surda sofre discriminação pela relação de gênero, pela submissão, pelo controle do corpo e pela deficiência, podendo não ser vista como um sujeito de direito de igualdade com as pessoas sem deficiência e sendo tratado como algo “anormal” da sociedade (12).

Logo, constata-se que a violência contra a mulher é um problema de saúde pública de proporções epidêmicas no Brasil, embora sua magnitude seja, em grande parte, invisível (13). Ressalta-se que embora a LIBRAS exista, são necessários outros mecanismos para se fazer as denúncias e buscar socorro nos momentos em que estão sofrendo a violência sozinhas. Dessa forma, é necessária a criação de outros mecanismos tecnológicos para garantia do direito à vida, à segurança e à comunicação desse público (14).

 

Categoria 2 – Atuação dos enfermeiros frente a violência contra a mulher surda

 

A partir dos achados também se pôde analisar o olhar dos enfermeiros sobre a assistência aos casos violência contra a mulher surda, uma vez que esta categoria se discute sobre a atuação do enfermeiro diante desta problemática. As falas abaixo trazem alguns relatos dos entrevistados:

 

Até o momento não identifiquei. (ENF 5)

 

Não identifiquei até o momento. (ENF 8)

 

Não. (ENF 1,2,3,4,7,9, 11, 12, 13, 14)

 

A partir dessas falas, foi possível perceber que o atendimento ao público de mulheres surdas nunca foi ofertado, pois segundo os entrevistados não houve a procura por esse serviço. Esse fato requer um olhar ampliado e necessita ser visto como um agravante, uma vez que a voz dessas mulheres muitas vezes é silenciada, dificultando a realização das denúncias.

Mulheres com surdez, são as que mais se tornam vulneráveis pela questão da comunicação e informação. Desde que nascem sofrem o silenciamento, pois na grande maioria dos casos estão em famílias de ouvintes que não adquirem uma língua de sinais para se comunicarem com elas, por isso ficam por muito tempo em um mundo de silêncios (14).

É possível destacar que já existe a discriminação por ser mulher, agravada pelo fato de ser surda, sofrer preconceitos e ter um tratamento desigual devido sua deficiência, o que ressalta ainda mais a urgência na realização de estudos sobre a mulher surda(2).

Muitas vezes essas mulheres não conseguem realizar a denúncia pelo fato da comunicação, logo elas não conseguem fazer o registro porque não conseguem dialogar, ser entendidas pela rede da polícia e pela rede de apoio, gerando uma invisibilidade cada vez maior.

A fragilidade dos programas de enfrentamento à violência doméstica e familiar para mulheres com deficiência. Como, por exemplo, o Ligue 180- Central de Atendimento à Mulher, comemora em 2015 dez anos de existência, mas ainda não se pensou em um formato acessível para mulheres surdas, que não se comunicam oralmente, podem fazer denúncias(2).

Os crimes de violência contra a mulher atingem de forma mais grave as que têm deficiência por causa das dificuldades enfrentadas para fazer as denúncias. É fundamental que as mulheres com deficiência sejam escutadas, porque elas são um grupo dentro da população feminina ainda mais vulnerável do que as mulheres sem deficiência (1).

As falas a seguir relatam como seria o atendimento para as mulheres surdas segundo os participantes do estudo:

 

Eu tenho uma paciente surda e gestante. É um desafio, o que não era pra ser. Mesmo tendo realizado o curso de libras tem coisas que difíceis de explicar, mas a mãe da gestante sempre se apresenta presente, e busco interagir com a gestante, apesar de não saber tanto, mas cumprimento, pergunto se ela ta sentindo algo, na escuta dos batimentos cardiofetais coloco sonar na mão dele pra que ela venha sentir a vibração do som, pois é um momento dela e a mesma deve se sentir envolvida no seu processo. Nós é que devemos estar preparados para receber as singularidades dos quem veem até a gente, mas infelizmente a realidade é outra. (ESF 5)

 

Solicitaria a presença de um acompanhante ou familiar e o atendimento seria o mesmo com sigilo, porém a diferença é só por conta da presença de um acompanhante que possa vincular o diálogo. (ESF 6)

 

Nunca havia pensado nisso. (ESF 7)

 

Em todos esses anos só atendi uma mulher parcialmente surda, mas ela faz leitura labial. Se fosse totalmente, provavelmente precisaria de um familiar que viabilizasse a consulta, fazendo a tradução para ambas. Ou por escrito, caso a mulher consiga escrever. (ESF 9)

 

Observa-se nas falas que normalmente, a relação dos profissionais de saúde é estabelecida pela linguagem oral. Contudo, os pacientes surdos não têm como se utilizarem desse mecanismo. Portanto, não se pode prescindir da importância do processo comunicativo na relação entre profissional e paciente (10).

Existem várias formas de se comunicar, porém existe a dificuldade dos enfermeiros em comunicar-se com pacientes através de meios não verbais (15).

Apesar dos discursos de inclusão social, vê-se um grande distanciamento entre o que as leis propõem e sua real efetivação. Desde a infância esses sujeitos surdos não estiveram imersos em um ambiente linguísticamente favorável, por meio da língua de sinais e iniciam-se os silenciamentos. Quando a atenção é voltada para as mulheres com deficiência/surdez observa-se que essas estão ainda mais sujeitas a todo tipo de violência do que as demais mulheres (14).

 

Categoria 3 – Capacitação dos enfermeiros para assistência às mulheres surdas em situação de violência

 

Nessa categoria pode-se identificar se os profissionais possuem algum tipo de capacitação e/ou curso para que haja a comunicação mais eficiente. As falas abaixo apresentam informações acerca da capacitação dos profissionais:

 

Conheço, mas nunca fiz cursos. (ENF 2)

 

Não conheço. Já me interessei em fazer algum treinamento! (ENF 3)

 

Sim, fiz um curso com durabilidade de 1 ano ao final da graduação, mas não foi na instituição que me graduei. (ENF 5)

 

Em algum momento tive acesso, mas compreendo pouco. (ENF 6)

 

Conheço, mas nunca fiz cursos na área. (ENF 9)

 

Diante dos achados, evidencia-se a busca dos enfermeiros pelo conhecimento sobre a LIBRAS na perspectiva de manter a qualidade dos atendimentos. Contudo, observa-se que esta busca do conhecimento é limitada, interferindo na comunicação com esse público e na garantia de uma assistência de qualidade, onde o paciente exerça sua autonomia e confiança em estar relatando o ocorrido, sem a ajuda de terceiros. Ressaltando que, quando a comunicação não é eficaz a relação terapêutica enfermeiro-paciente é descontinuada e os pacientes podem ficar privados de uma assistência holística.

É necessário destacar também que muitos não possuem capacitação, fato esse que pode gerar uma barreira linguística, dificultando assim o atendimento ao público alvo. Autores(16) corroboram afirmando que é notório que tais dificuldades prejudicam o acesso desses sujeitos aos serviços de saúde, dificultando a acessibilidade ao surdo, aumentando a vulnerabilidade do sujeito a doenças evitáveis, em virtude da inexistência de mecanismos que considerem a singularidade de grupos minoritários ao divulgar informações sobre saúde.

             Observa-se que os serviços de saúde não cumprem o real papel das políticas de inclusão social, pois a maioria dos profissionais não possuem nenhum tipo de capacitação para o atendimento, para a garantia da acessibilidade desse grupo. Pode-se ainda constatar que não há uma certa capacitação para os próprios profissionais ali inseridos, para que haja uma comunicação de maneira significativa e adequada.

A saúde das mulheres surdas por vezes é prejudicada devido a fatores como barreira linguística, despreparo profissional, tutela e infantilização pelas instituições famílias e, até mesmo, religiosas, o que interfere também no agenciamento que essas mulheres tem sobre seu próprio corpo(17). A saúde é um direito fundamental do ser humano, assegurado na lei. Sendo assim, cabe ao profissional de saúde se capacitar para promover a saúde da população, não excluindo este grupo específico (surdos)(15).

Com isso, destaca-se a importância de discussões sobre o tema, considerando a escassez de literatura que aborda o público em questão. Os surdos se sentem discriminados não apenas por sua condição física, mas por não receberem atendimento adequado, com garantia das leis vigentes no Brasil(10).

 

Categoria 4 – Limitações para assistência às mulheres surdas em situação de violência

Essa categoria se propõe a discutir sobre as limitações para o planejamento de ações do enfermeiro voltadas à mulher surda vítima de violência. As falas abaixo trazem alguns relatos dos participantes do estudo:

 

As ações educativas poderiam ser realizadas para todas as mulheres, aí convocaria um intérprete para ele transmitir o assunto trabalhado, e junto a temática incluiria a importância da violência a mulher surda como também a violência contra a mulher. (ENF 5)

 

 Nunca cheguei a planejar, pois até então não tive essa demanda. Apenas uma que era parcial. Até então não havia pensado nisso. (ENF 9)

 

Primeiramente, fazer um curso com toda a equipe para posterior planejamento mais adequado. (ENF 2)

 

Não, é atendido normal. (ENF 13)

 

Sinceramente, nunca pensamos em ações com essa temática para mulheres surdas (ENF 12)

 

A partir das falas acima, verifica-se que não é algo comum a realização de ações voltadas a esse público. Esse negligenciamento leva essas pessoas a não buscar os serviços de saúde. Observa-se que quanto mais os profissionais forem capacitados sobre LIBRAS, maior a possibilidade de respeito à inclusão social e à cultura do surdo(3), favorecendo a realização de ações que incluam esse grupo nos serviços de saúde, desconstruindo a barreira existente entre profissionais e pacientes surdos.

Reitera-se que o enfermeiro deve adquirir competência no uso de técnicas de comunicação não verbal, no intuito de desenvolver uma postura que permita a aquisição de conhecimentos das questões inerentes a um cuidado humanizado a todos os clientes(10).

Percebeu-se que além da problemática da falta de capacitação dos enfermeiros, ainda existem dificuldades para o trabalho sobre violência contra a mulher surda. A seguir algumas falas que abordam o assunto:

Sim, em razão de possíveis represálias. (ESF 1)

 

Sim. Dificuldade de comunicação. (ESF 3)

 

A maior dificuldade são as ameaças por parte dos agressores e próprios familiares tanto para o profissional que ajudou a mulher a visualizar que aquilo não é certo e que não é normal, quanto para a equipe de forma geral. (ENF 5)

 

Se houver essa demanda terei dificuldade, pois não é uma realidade da ESF esse público. (ESF 7)

 

A violência sofrida pelas mulheres é determinada como violência doméstica ou violência de gênero e incide em um evento preocupante e de alta complexidade, atingindo mulheres ao redor do mundo(16).

As falas acima trazem que a mulher surda, vítima de violência, muitas vezes procura o serviço de saúde acompanhada, por vezes, do próprio agressor, gerando desconforto a vítima em realizar a denúncia, interferindo na relação entre profissional e paciente e reprimindo a voz dessa mulher que procura ajuda e apoio profissional. Esse fato faz com que os profissionais temem algum tipo de represálias, e dificulta ainda mais o atendimento da mulher surda.

A dificuldade desta clientela em receber a abordagem e o tratamento adequados se justifica, principalmente, pela falta de preparo, paciência, compreensão e inclinação de tal profissional para com o seu paciente surdo, bem como pela ausência de intérpretes nos serviços(10).

           Infelizmente os profissionais não estão preparados para atender a comunidade surda, por falta de conhecimento sobre LIBRAS e essa fragilidade favorece a reprodução de violências significativas em seus atendimentos. Nesse contexto, faz-se necessário compreender que não são os surdos que precisam entrar no mundo dos ouvintes, mas ao contrário, os ouvintes entrarem no mundo dos surdos.

Quando os profissionais enfermeiros foram questionados acerca de sua autoavaliação quanto ao serviço prestado e a sua qualificação para o atendimento aos casos de violência contra a mulher surda evidenciou-se a deficiência de conhecimento.

 

Nós enquanto profissionais temos que ter o que chamamos de humildade intelectual, para reconhecermos que não somos dotados de todo conhecimento, e aprender a buscar ajuda, pois se identificamos um caso de violência com uma mulher surda e não se está sabendo como manejar, deve-se buscar apoio para procurar uma resolutividade e um direcionamento para aquela mulher que está passando por um momento delicado e tendo seus direitos violados. (ENF 5)

 

Não, pois nunca fui treinada sobre abordagem para pessoas surdas. (ENF 7)

 

Acredito que necessitaria de auxílio, caso não conseguisse me comunicar pela escrita, já que não tenho conhecimento em LIBRAS. (ENF 8)

 

Totalmente não, mas a experiência ajudaria. (ENF 14)

 

A partir das falas, é possível perceber que mesmo com todo conhecimento sobre a importância do atendimento à mulher surda em situação de violência e quão importante é para a sociedade a inclusão desse grupo social, os enfermeiros ainda não se sentem preparados para atender esse grupo de mulheres.

É importante salientar que a ampliação da qualidade do atendimento aos usuários surdos exige mudanças no ambiente físico das Unidades Básicas de Saúde e capacitação dos profissionais. As leis brasileiras incluem a LIBRAS como disciplina obrigatória para cursos de formação de professores (magistério), de fonoaudiologia e para todos cursos de licenciatura, sendo facultativa a inclusão para os demais cursos(16).

Sendo assim, é pertinente destacar que profissional da saúde deve ter convicção das consequências incalculáveis sobre a vida e a saúde do outro, contudo, é necessário que seja assumida a responsabilidade de buscar formas para estabelecer uma comunicação e atender a necessidade de quem tem essa limitação(18).

Vale ressaltar os múltiplos silenciamentos que esse grupo de mulheres sofre, além da carência de estudos e pesquisas para que políticas públicas sejam pensadas e efetivadas para que esse tipo de violação de direitos humanos não seja perpetuado(14).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O estudo permitiu mostrar o conhecimento das condutas adotadas pelos enfermeiros frente aos casos de violência contra a mulher surda identificando que ainda existem várias lacunas a serem preenchidas na assistência prestada, podendo destacar o medo que as mulheres têm de denunciar, bem como da vulnerabilidade vivenciada pelos enfermeiros durante essa abordagem.

A pesquisa mostrou que o despreparo dos enfermeiros se apresenta como uma limitação na assistência, pois influi negativamente no atendimento e faz com que a mulher surda muitas vezes tenha sua intimidade exposta, visto que precisará do acompanhamento de um intérprete, um familiar ou até mesmo do próprio agressor. Destaca-se ainda que essas mulheres não procuram os serviços de saúde por não ter um acolhimento adequado.

Verificou-se que embora a violência contra a mulher seja um tema atual e amplamente debatido e investigado em diferentes áreas do conhecimento, o tema proposto apresenta poucos estudos na área, configurando como um fenômeno social complexo que necessita cada vez mais ser trabalhado e de profissionais capacitados para identificar as situações de violência, contribuindo assim com o fortalecimento das políticas de saúde e a construção da visibilidade desse público nos serviços de saúde.

Espera-se que o estudo contribua para melhoria na assistência prestada e promova uma maior reflexão acerca das barreiras no vínculo entre enfermeiro e mulheres surdas em situação de violência, bem como sirva de base e estímulo para estudos que se proponham a trabalhar com essa problemática de grande relevância para sociedade.

 

REFERÊNCIAS

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3.               Conceição HN, Madeiro AP. Profissionais de saúde da Atenção Primária e Violência Contra a mulher: Revisão sistemática. Rev. baiana enferm. [Internet]. 2022;36(e37854):1-13. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/enfermagem/article/view/37854/25999.

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Declaração de conflito de interesses

Nada a declarar.

 

Contribuição dos autores

 

Patrícia Pereira Tavares de Alcantara. Contribuiu substancialmente na concepção e no planejamento do estudo; Na obtenção, na análise e interpretação de dados.

Tamires Alves Dias. Revisão do texto e adição de partes significativas do trabalho.

Yanca Carolina Da Silva Santos. Revisão do texto e adição de partes significativas do trabalho.

Kamila de Castro Morais. Revisão crítica do texto, adição de partes significativas do trabalho e padronização das normas de acordo com a revista.

Ana Karoline Alves da Silva. Contribuiu substancialmente na concepção e no planejamento do estudo; Na obtenção, na análise e interpretação de dados.

Francisca Evangelista Alves Feitosa. Revisão do texto e adição de partes significativas do trabalho.

Estefani Alves Melo. Revisão do texto e adição de partes significativas do trabalho.

Mariana Andrade de Freitas. Revisão do texto e adição de partes significativas do trabalho.