CARACTERIZAÇÃO CLÍNICA DE MULHERES SUBMETIDAS À HISTERECTOMIA OBSTÉTRICA POR CONSEQUÊNCIA DA HEMORRAGIA PÓS-PARTO
CLINICAL CHARACTERIZATION OF WOMEN SUBMITTED TO OBSTETRIC HYSTERECTOMY AS A CONSEQUENCE OF POSTPARTUM HEMORRHAGE
CARACTERIZACIÓN CLÍNICA DE MUJERES SOMETIDAS A HISTERECTOMÍA OBSTÉTRICA POR CUENTA DE HEMORRAGIA POSTPARTO
https://doi.org/10.31011/reaid-2023-v.97-n.4-art.1975
1Isabel Fernanda Oliveira Almeida
2Paula Cristina Alves da Silva
3Larissa Karla Barros de Alencar
4Marcia Lima Rodrigues
5Leula Campos Silva
6Cristiane Barros Galvão
7Mércia Natália de Macêdo Belo Portela
8Cynara Silva Lima
1Enfermeira Especialista em Atenção à Saúde da Mulher, Hospital Universitário Materno Infantil, Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil ORCID: https://orcid.org/0000-001-7623-379X
2 Mestre em Ciências Ambientais e Saúde, Doutoranda em Ciências da Saúde, Enfermeira docente da Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4843-5049
3Enfermeira assistencial no Hospital Universitário Materno Infantil, Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5854-7813
4 Enfermeira especialista em Obstetrícia e Neonatologia pela Faculdade Gianna Beretta, São Luís, MA, Brasil ORCID: https://orcid.org/0009-0006-4125-7920
5Enfermeira especialista em Obstetrícia e Saúde da Família, Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil ORCID: https://orcid.org/0009-0001-4440-3261
6Enfermeira Especialista em Atenção à Saúde da Mulher, Hospital Universitário Materno Infantil, Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8337-7601
7Enfermeira especialista em Obstetrícia e Neonatologia pela Universidade Ceuma, São Luís, MA, Brasil ORCID: https://orcid.org/0009-0005-2061-6712
8Enfermeira assistencial no Hospital Universitário Materno Infantil, Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil ORCID: https://orcid.org/0000-0003- 3558-2269
Autor correspondente
Isabel Fernanda Oliveira Almeida
rua Silva Jardim nº 215, Centro, 65020-560 São Luís – MA – Brasil. +55(98)984861201, E-mail: isabelalmeida07@outlook.com
Submissão: 22-08-2023
Aprovado: 20-10-2023
RESUMO
Objetivo: Descrever as principais características clínica de mulheres submetidas à histerectomia obstétrica por consequência da hemorragia pós-parto. Métodos: estudo descritivo-exploratório, de abordagem quantitativa e caráter documental. Adotou-se como critérios de inclusão, prontuários de mulheres que pariram via parto vaginal ou cesariana, com idade igual ou acima de 18 anos; que tenham sido submetidas a histerectomia obstétrica em decorrência da hemorragia pós-parto; e submetidas ao procedimento cirúrgico de janeiro de 2018 a junho de 2022. Diante disso, 15 prontuários atenderam aos critérios. Resultados: a cesariana foi a principal via de parto (93,3%) e o sofrimento fetal a maior indicação dessa via (21,4%). A hemorragia pós-parto foi classificada como primária (93,3%) e teve a atonia uterina como maior causa (86,6%). A histerectomia subtotal foi a técnica cirúrgica mais utilizada (93,3%) e o tempo médio da expulsão do feto até a realização da histerectomia obstétrica ficou em 6,4 horas. Conclusão: Este estudo permitiu evidenciar a importância do tema tratado, uma vez que a hemorragia pós-parto é uma das principais causas de mortalidade materna em todo mundo. Portanto, conhecer o perfil clínico dessas mulheres é primordial para fornecer assistência de qualidade além de ofertar subsídios para protocolos e pesquisas futuras.
Palavras-chave: Hemorragia pós-Parto; Histerectomia; Mortalidade Materna.
ABSTRACT
Objective: To describe the main clinical characteristics of women submitted to obstetric hysterectomy due to postpartum hemorrhage. Methods: descriptive-exploratory study, with a quantitative approach and documentary character. The following inclusion criteria were adopted: medical records of women who gave birth via vaginal delivery or cesarean section and aged 18 years or over; who have undergone an obstetric hysterectomy due to postpartum hemorrhage; and submitted to the surgical procedure from January 2018 to June 2022. Therefore, only 15 medical records met the criteria. Results: cesarean section was the main mode of delivery (93.3%) and fetal distress was the main indication for this route (21.4%). Postpartum hemorrhage was classified as primary (93.3%) and had uterine atony as the main cause (86.6%). Subtotal hysterectomy was the most used surgical technique (93.3%) and the mean time from fetal expulsion to obstetric hysterectomy was 6.4 hours. Conclusion: This study made it possible to highlight the importance of the topic addressed, since postpartum hemorrhage is one of the main causes of maternal mortality worldwide. Therefore, knowing the clinical profile of these women is essential to provide quality care, in addition to offering subsidies for protocols and future research.
Keywords: Postpartum Hemorrhage; Hysterectomy; Maternal Mortality.
RESUMEN
Objetivo: Descripción de las principales características clínicas de las mujeres sometidas a histerectomía obstétrica como consecuencia del sangrado postparto. Métodos: estudio descriptivo-exploratorio, con abordaje cuantitativo y carácter documental. Fueron adoptados los siguientes criterios de inclusión: prontuario de mujeres que dieron la luz por parto vaginal o cesárea y con edad igual o superior a 18 años; que se han sometido a una histerectomía obstétrica por hemorragia posparto; y se sometieron al procedimiento quirúrgico de enero de 2018 a junio de 2022. Por lo tanto, solo 15 historias clínicas cumplieron con los criterios. Resultados: la cesárea fue la principal vía de parto (93,3%) y el sufrimiento fetal la principal indicación por esta vía (21,4%). La hemorragia posparto se clasificó como primaria (93,3%) y tuvo como principal causa la atonía uterina (86,6%). La histerectomía subtotal fue la técnica quirúrgica más utilizada (93,3%) y el tiempo medio desde la expulsión fetal hasta la histerectomía obstétrica fue de 6,4 horas. Conclusión: Este estudio destacó la importancia del tema abordado, ya que la hemorragia posparto sigue siendo una de las principales causas de mortalidad materna a nivel mundial. Por lo tanto, conocer el perfil clínico de estas mujeres es fundamental para brindar una atención de calidad, además de ofrecer subsidios para protocolos y futuras investigaciones.
Palabras-clave: Hemorragia Posparto; Histerectomía; Mortalidad Materna.
INTRODUÇÃO
A gestação é um processo fisiológico que em sua maioria transcorre de maneira hígida e culmina no parto sem intercorrências com o nascimento de um concepto de peso e desenvolvimento adequados, e finaliza com a total recuperação da mulher após o puerpério. Entretanto, há uma parcela de mulheres que apresentarão complicações por causas diversas, e essas implicarão em condições ameaçadoras à vida materna(1).
Dados do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) apontam que no Brasil, no período de 1996 a 2018, houve aproximadamente 39 mil mortes maternas. Em 2018, a razão de mortalidade materna (RMM) foi de 59,1 para cada 100 mil nascidos vivos, valores bem acima da meta estabelecida pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), propostos no ano 2000 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que era redução da RMM para 35,8 óbitos por 100 mil nascidos vivos até o ano de 2015(2).
No maranhão, estado que configura com as maiores taxas de mortalidade materna no país, e 2º no ranking da região nordeste, atrás apenas do estado do Piauí, houve expressiva redução da RMM que no intervalo de 2009 a 2018 passou de 109,7 a 90,6 embora os números ainda estejam bem acima da meta(3). Em 2017 a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou novos objetivos de desenvolvimento sustentável a serem alcançados até 2030, um deles consiste em reduzir a taxa de mortalidade materna global para menos de 70 mortes por 100.000 nascidos vivos (2).
Uma das principais causas de mortalidade e morbidade materna no mundo é a hemorragia pós-parto (HPP). No Brasil, ela ocupa a segunda causa de morte materna perdendo apenas para os distúrbios hipertensivos. No mundo, ocorrem 14 milhões de casos de hemorragia pós-parto todos os anos. Desse grupo, 140 mil mulheres morrem por causa da hemorragia obstétrica, o que representa uma morte a cada 4 minutos(4).
A hemorragia pós-parto é definida como uma perda significativa de 500ml ou mais de sangue após o parto via vaginal ou acima de 1000ml via parto cesariana nas primeiras 24h ou ainda qualquer perda sanguínea através do trato genital que cause instabilidade hemodinâmica. Existe ainda a classificação quanto ao tempo: primária quando acontece dentro das primeiras 24h do puerpério ou em secundária quando o sangramento incide a partir das 24h e em até 6 semanas após o parto(5).
Compreender a magnitude da morbimortalidade da HPP evidencia a importância da prevenção e da identificação dos fatores de risco, dentre os quais se destacam: anemia, síndromes hipertensivas, placenta prévia, acretismo placentário, coagulopatias, sangramento ativo na admissão. Como medidas preventivas, a utilização profilática da ocitocina, o manejo ativo do terceiro período e a utilização de um método que faça o controle da perda sanguínea são práticas que devem ser oferecidas de forma sistemática por toda equipe da assistência(6).
A atonia uterina é a causa mais comum de HPP, além disso outras causas também estão relacionadas como traumatismo do trato genital (lacerações cervicais, vaginais e perineais, hematoma, rupturas uterinas, inversão), anormalidades da placenta e coagulopatias materna. Atualmente, as medicações uterotônicas e a histerectomia de urgência têm sido os recursos utilizados como tratamento das principais complicações da HPP(7-8).
A abordagem cirúrgica é indicada quando não há mais possibilidade de conter a hemorragia através dos tratamentos convencionais. Existem várias modalidades de tratamento cirúrgico, dentre as quais se destacam: as suturas compressivas, as ligaduras vasculares, cirurgia de controle de danos e a histerectomia(5).
A histerectomia obstétrica (HO) consiste na ressecção parcial ou total do útero geralmente realizada em caráter de emergência devido a complicações na gravidez, parto ou puerpério ou ainda em decorrência de uma doença pré-existente(9). Nesse sentido, vale ressaltar que embora a histerectomia obstétrica seja o recurso final após o fracasso de outras medidas terapêuticas mais conservadoras, não deve ser protelada diante do quadro hemorrágico, pois é um procedimento importante para contenção hemorrágica e consequentemente para se evitar a morte materna (10).
Diante do exposto, este trabalho propôs-se a descrever as principais características clínicas das pacientes que apresentaram hemorragia pós-parto e que tiveram como terapêutica final a histerectomia obstétrica.
Trata-se de um estudo descritivo-exploratório, retrospectivo, de abordagem quantitativa e caráter documental. O local da pesquisa foi o Centro Cirúrgico Obstétrico e Ginecológico (CCOG) da Unidade Materno Infantil do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HUUFMA).
O Hospital Universitário Materno Infantil (HUMI) é referência no Maranhão para gestantes de alto risco, tanto para internação como para o parto; mas também atende gestantes classificadas como de risco habitual. O centro obstétrico (CO) funciona 24 horas por dia e é subdividido em centro de parto normal e centro cirúrgico. Esse último atende tanto demandas obstétricas quanto as ginecológicas, e possui quatro salas de cirurgia, sendo duas para procedimentos cirúrgicos obstétricos e duas para cirurgias ginecológicas; possui também sala de preparo cirúrgico e de recuperação pós-anestésica. Além de médicos e enfermeiros o CO conta com fisioterapeutas, psicólogas, nutricionistas, assistentes sociais e técnicos de enfermagem que, em conjunto, procuram oferecer uma assistência integral no processo parturitivo.
De janeiro de 2018 ao primeiro semestre de 2022 foram realizados 16.173 partos, sendo 43,8% (7093) de partos via vaginal e 56,2% (9080) via operatória, cesariana. Apesar do número elevado de cirurgias cesarianas, o parto vaginal é sempre a primeira opção para o nascimento neste serviço.
O período inicial de 2018 é decorrente da indisponibilidade de dados de anos anteriores. A coleta de dados/informações se deu a partir da busca de prontuários em sistemas institucionais. Houve 17 casos de histerectomia obstétrica registrados eletronicamente, mas somente 15 prontuários atenderam aos critérios de inclusão.
A busca dos prontuários se deu inicialmente com auxílio da coordenação do CCOG, através do Aplicativo de Gestão para Hospitais Universitários (AGHU), adotado como padrão para todos os Hospitais Universitários Federais gerenciados pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), por meio de login e senha.
No AGHU foram identificadas todas as histerectomias obstétricas ocorridas no período estipulado, com suas respectivas datas de ocorrência, identificação da paciente e do número do prontuário. Esses dados foram registrados manualmente e posteriormente solicitou-se à coordenação do SAME (Serviço de Arquivo Médico) do HUUFMA a separação dos prontuários para proceder à coleta das informações contidas neles. O instrumento de coleta de dados foi um formulário que contemplou 10 questões, dentre as quais estavam perguntas sobre a via de parto, indicação de cesárea, classificação e causas da hemorragia pós-parto entre outras, de modo a buscar informações sobre os aspectos clínicos das pacientes.
Os dados coletados foram tabulados em uma planilha do Microsoft Excel ®. Ao término da coleta, as variáveis foram apresentadas por meio de frequências absolutas e relativas, e os resultados obtidos foram organizados sob a forma de tabelas e gráficos para melhor visualização.
Este estudo faz parte de um projeto maior intitulado “Aspectos epidemiológicos e clínicos de mulheres submetidas a histerectomia obstétrica” e trata-se de um estudo descritivo-exploratório, retrospectivo, de abordagem quantitativa e caráter documental, por se tratar de pesquisa em prontuários. O mesmo atendeu às normas da Resolução n° 466/12, que regulamenta pesquisas envolvendo seres humanos, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HUUFMA, sob o parecer consubstanciado n° 4.980.255.
RESULTADOS
Dos 15 prontuários investigados que compõem a amostra desse estudo, obteve-se a seguinte distribuição anual: 1 caso no ano 2018, 5 casos no ano 2019, 7 casos no ano 2020, 1 caso em 2021 e 1 caso em 2022 conforme o gráfico 1.
Fonte: Dados obtidos pela pesquisa
A via de parto cesariana foi a mais recorrente (93,3%) entre as mulheres histerectomizadas e as principais indicações foram: 2 por apresentação anômala, 2 por cicatriz uterina anterior, 1 por desproporção cefalopélvica, 2 por iteratividade, 1 indicação em decorrência de lesões ulceradas, 2 causadas por síndrome hipertensiva específica da gestação descompensada, 3 casos de sofrimento fetal e 1 descolamento prematuro da placenta.
Houve apenas 1 caso de parto vaginal e este, para retirada de natimorto. Quanto ao mecanismo de dequitação no parto normal, a mesma se deu de maneira incompleta, conforme pode ser visto na tabela 1.
Tabela 1 - Caracterização do parto de mulheres histerectomizadas. São Luís - MA, Brasil, 2023.
No que tange aos primeiros sinais de HPP identificados pela equipe assistencial, o sangramento transvaginal ocorreu em toda a amostra correspondendo a 100%, seguidos de hipotensão 26,6%, sudorese 20%, taquicardia 20%, hipotonia uterina 13,3% e lipotimia 6,6%. Vale ressaltar que houve concomitância de sinais. Já no que diz respeito a classificação da hemorragia puerperal, 93,3% foram classificadas como primárias e 6,7% em secundárias.
A causa mais comum de HPP foi a atonia uterina com 13 casos (86,6%), seguido de tecido placentário retido com os 2 casos restantes, o que equivale percentualmente a 13,3% (tabela 2).
Tabela 2 - Características da hemorragia pós-parto. São Luís - MA, Brasil, 2023.
Primeiros sinais de HPP |
Fi |
% |
Hipotensão |
4 |
26,6 |
Hipotonia uterina |
2 |
13,3 |
Lipotimia |
1 |
6,6 |
Sangramento transvaginal |
15 |
100 |
Sudorese |
3 |
20 |
Taquicardia |
3 |
20 |
|
|
|
Classificação da HPP |
|
|
Primária |
14 |
93,3 |
secundária |
1 |
6,7 |
|
|
|
Causa da HPP |
|
|
Tônus (Atonia uterina) |
13 |
86,6 |
Trauma no canal de parto |
0 |
0 |
Tecido placentário retido |
2 |
13,3 |
Trombina (coagulopatia) |
0 |
0 |
Fonte: Dados obtidos pela pesquisa, 2023
A histerectomia subtotal foi a técnica cirúrgica utilizada em 93,3% das pacientes o que corresponde a 14 delas, já a histerectomia total em apenas 6,7%, ou seja, em apenas1 mulher conforme observado no gráfico 2.
Gráfico 2 - Tipo de histerectomia. São Luís - MA, Brasil, 2023.
Fonte: Dados obtidos pela pesquisa, 2023.
O tempo entre a expulsão do feto até a realização da histerectomia ficou em sua maioria, entre menos de 1h até 5h com 8 casos equivalendo a 57,6%. Já o tempo médio ficou em torno de 6,4 horas, conforme pode ser observado na tabela 3.
Tabela 3 - Tempo da expulsão do feto até a histerectomia. São Luís - MA, Brasil, 2023.
Tempo em horas |
Fi |
% |
<1h-5h |
8 |
57,1 |
6h-10h |
3 |
21,4 |
11h-15h |
1 |
7,2 |
16h-20h |
2 |
14,2 |
21-24h |
0 |
0 |
Fonte: Dados obtidos pela pesquisa, 2023
Nota: Houve apenas um caso em que o tempo da expulsão do feto até a realização da histerectomia passou de 24 horas. Este se deu em 191,66 horas.
DISCUSSÃO
Observar os dados epidemiológicos da HPP revelam a sua alta incidência de morbimortalidade, por isso atuar na identificação dos fatores de risco torna-se uma das principais ferramentas de modo a atuar na prevenção e consequentemente na ocorrência dos casos(6). Neste estudo, no intervalo temporal de quatro anos e meio, houve quinze casos de HO, período em que foram realizados 16.173 partos, apresentando uma incidência de 0,92 por 1000 partos. Estudos realizados nas regiões norte e sul do Brasil apresentaram números correlativos com incidências de 0,82/1000 partos e 0,87/1000 partos, respectivamente(11,12). Em contrapartida, estudos reportados em países como Camarões, México e Cuba apresentaram valores bem discrepantes, com altas taxas de HO e incidências variando de 3,75; 4,5 e 4,9 por 1000 partos realizados, respectivamente(13,14, 9) .
O principal tipo de histerectomia realizada nesse estudo foi a subtotal, que consiste na retirada do corpo apenas(15); este resultado discorda de trabalhos realizados com mulheres cubanas(9) e também com mexicanas(14). Em ambos, apenas 5% das histerectomias obstétricas foram subtotais e isso, segundo os autores, em virtude da dificuldade técnica do procedimento. Entretanto, um estudo nacional realizado no ano de 2021 no hospital universitário de Porto Alegre(12), e um estudo internacional realizado na Tunísia em 2022(16) concluíram que a histerectomia total não está associada a um risco aumentado de complicações em comparação com a histerectomia subtotal.
Supostos benefícios da histerectomia subtotal seriam a redução do risco de prolapso uterino e menos problemas urinários, intestinais e sexuais(17). O estudo realizado em Amsterdam não obteve benefícios comprovados para a realização de histerectomia subtotal comparado com a histerectomia total(15). Uma pesquisa de coorte clínico prospectivo realizado com 260 mulheres, chegou a conclusão de que independente do modo cirúrgico realizado houve melhora geral da função do assoalho pélvico, embora a função sexual após um ano da cirurgia não tenha sido significativa(18).
A cesárea em detrimento do parto vaginal, oferece maiores consequências a vida do binômio mãe-bebê, entre as quais destacam-se hemorragia, infecções, e lacerações em órgãos próximos ao útero(19). Das 15 mulheres histerectomizadas em decorrência da HPP no presente estudo, 14 tiveram a cesárea como via de parto. Tal resultado converge com outros trabalhos que apontam a cesariana como fator importante na incidência de histerectomia obstétrica(9,11).
O sofrimento fetal foi a maior indicação para cesárea nas mulheres submetidas a histerectomia puerperal, tal condição distingue do estudo descritivo realizado no estado do Amazonas, que teve a iteratividade na prevalência das indicações de parto cesáreo(11).
A atonia uterina consiste na incapacidade total ou parcial de contração do útero após a dequitação(20) e esta foi a principal causa de HPP nesta pesquisa; resultado que corrobora com outros estudos(11,21). Outras literaturas, entretanto, apontam anomalia na implantação da placenta como maior causa da HPP(14,16).
No que diz respeito à dequitação placentária vai depender de como se deslocou no interior da cavidade uterina: pela face materna é chamada de Baudelocque-Duncan, pela face fetal, de Baudelocque-Schultze(22). No presente estudo, no único parto vaginal reportado a dequitação ocorreu de maneira incompleta. Vale lembrar que a retenção placentária no interior do útero contribui significativamente para hemorragia pós-parto e mortalidade materna(23).
Nesse estudo, o tempo da expulsão do feto até a realização da HO, em 57,1% dos casos, foi em menos de cinco horas. Nesse sentido, um estudo transversal no estado do Rio Grande do Sul, obteve que 63,8% dos casos de histerectomia obstétrica foram realizadas dentro das 24 horas pós-parto(12). Em relação à classificação da HPP, 93,3% das hemorragias foram primárias. Embora não tenha ficado claro no estudo supracitado, infere-se a partir do tempo da HO que as hemorragias pós-parto poderiam ser classificadas como primárias.
O sintoma inicial de HPP observado na amostra dessa pesquisa, foi o sangramento transvaginal. Esse mesmo sintoma foi encontrado em 84% da população estudada em uma pesquisa retrospectiva realizada no ano de 2022(16). A avaliação adequada do sangramento constitui um grande desafio no manejo da HPP. Geralmente os profissionais realizam-na de maneira visual e através dos sinais vitais. Entretanto, essa perda visual subestima a quantidade real perdida e a instabilidade hemodinâmica só se manifesta tardiamente quando na verdade intervenções já deveriam ser realizadas(24).
A distribuição anual dos casos de HO por HPP ocorreu da seguinte maneira: um caso no ano de 2018, cinco em 2019, sete casos no ano de 2020 e um caso cada para os anos de 2021 e 2022. O ano de 2020 foi o que apresentou o número mais expressivo. Durante esse período, o mundo vivia a pandemia de Covid-19, uma doença viral de alta transmissibilidade. Inicialmente gestantes e puérperas não foram classificadas como grupo de risco, entretanto com o advento das pesquisas e pela própria fisiologia da gestação depreendeu-se que essa população poderia apresentar maior suscetibilidade na infecção(25).
No período pandêmico observou-se a redução e até mesmo o cancelamento de exames e consultas de pré-natal. Seja pelo receio das gestantes ao se exporem em locais públicos e com concentração de pessoas ou mesmo pela dinâmica alterada e reduzida de atendimentos nos serviços de saúde, potencializando assim o risco gestacional e comprometendo a saúde do binômio(26).
O cenário atual ainda não oferece pesquisas suficientes que subsidiem justificar a associação dos números de HO com o período de pandemia. Por isso, destacam-se como hipóteses resultantes dos dados coletados: uma possível relação entre o aumento no número de casos de HPP ao período mais crítico da pandemia e ainda a possibilidade da infecção por Covid-19 ser um maximizador dos fatores de risco já conhecidos para HPP. Posteriormente é necessário um aprofundamento científico em tais conjecturas.
CONCLUSÃO
Os resultados desta pesquisa devem ser observados levando em consideração algumas limitações como: registros incompletos e até mesmo ausência de dados pertinentes nos prontuários, bem como a falta de padronização da nomenclatura cirúrgica no sistema eletrônico. Além disso, é importante frisar que dados secundários nem sempre são fidedignos, pois também estão sujeitos a subjetividade do entrevistador.
Este estudo permitiu evidenciar a importância do tema tratado, uma vez que a HPP é uma das principais causas de mortalidade materna em todo mundo, assim como na população de puérperas brasileira.
A caracterização clínica das mulheres histerectomizadas por consequência da HPP constituiu-se de mulheres que foram submetidas ao parto cesariano, sendo o sofrimento fetal a principal indicação dessa via de parto. Todas as puérperas apresentaram sangramento transvaginal como primeiro sinal de HPP. Além disso, a atonia uterina foi a maior causa de HPP nesse estudo, classificada majoritariamente como primária. A histerectomia subtotal foi a técnica cirúrgica mais realizada e o tempo médio da expulsão do feto até a realização da HO ficou em 6,4 horas.
Embora o maior número de casos de HO tenha acontecido no ano de 2020, período inicial e mais crítico da pandemia de Covid-19, não se pode fazer associações desse aumento no número de casos com a infecção pelo vírus. São necessários estudos mais robustos que justifiquem tal relação.
Conhecer o perfil clínico das puérperas que apresentam HPP e evoluem para HO é primordial para fornecer assistência de qualidade além de ofertar subsídios para protocolos e pesquisas futuras.
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Fomento: Financiamento Próprio.
Contribuição dos autores
Isabel Fernanda Oliveira Almeida. Coleta de dados
Paula Cristina Alves da Silva. Revisão crítica
Larissa Karla Barros de Alencar. Redação
Marcia Lima Rodrigues. Redação
Leula Campos Silva. Análise dos dados
Cristiane Barros Galvão. Coleta dos dados
Mércia Natália de Macêdo Belo Portela. Análise dos dados
Cynara Silva Lima. Revisão e normatização
Fomento: não há instituição de fomento
Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519
Editor Associado: Edirlei Machado dos-Santos. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1221-0377