AUTOMUTILAÇÃO EM IDOSOS NO PARANÁ-BRASIL: UM PANORAMA EPIDEMIOLÓGICO
SELF-HARM IN OLDER PEOPLE IN PARANÁ-BRAZIL: AN EPIDEMIOLOGICAL PERSPECTIVE
AUTOMUTILACIÓN EM ANCIANOS EN PARANÁ-BRASIL: UN PANORAMA EPIDEMIOLÓGICO
1Renata Maria Godê Oku
2Victória Scheffer Lumertz
3José Victor Dantas dos Santos
4Igor Stevan Vieira Matoso
5Diego da Silva Ferreira
1Universidade Cesumar, Maringá, Brasil, Orcid.org/0009-0002-8323-6264
2Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil, Orcid.org/0009-0003-6932-6404
3Centro Universitário Estácio do Ceará, Iguatu, Brasil, Orcid.org/0009-0000-5235-9339
4Centro Universitário de Belo Horizonte, Belo Horizonte, Brasil, Orcid.org/0000-0002-2897-3547
5Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, Brasil, Orcid.org/0000-0002-6314-5405
Autor correspondente
Renata Maria Godê Oku
Endereço: Avenida Guedner 1710. CEP: 87050-390. Brasil. Contato: +55(44) 99722-6130. E-mail: renatamariagk@gmail.com
Fomento e Agradecimento: Os autores declaram que a pesquisa não recebeu financiamento.
Submissão: 13-10-2023
Aprovado: 06-11-2023
RESUMO
Objetivo: Identificar o perfil epidemiológico das lesões autoprovocadas em idosos no Paraná, entre 2016 a 2022. Método: Estudo epidemiológico, ecológico, descritivo e quantitativo com dados coletados no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde e tabulados no software Microsoft Excel. Resultados: Observou-se o aumento de 8,57% das internações e 300% dos óbitos por lesões autoprovocadas em idosos no Paraná. A maioria era do sexo feminino (53,73%), branca (72,42%), entre 60 e 69 anos (59,34%) e residente próximo à 17ª Regional de Saúde Londrina (29,90%). Nos óbitos, a maioria era do sexo masculino (62,96%). Conclusão: Essas informações podem guiar profissionais da saúde e novos estudos que expliquem os fatores relacionados aos resultados obtidos no que tange à saúde mental do idoso.
Palavras-chave: Automutilação; Brasil; Epidemiologia; Idoso.
ABSTRACT
Objective: Identify the epidemiological profile of self-harm in older people in Paraná, between 2016 and 2022. Method: A Descriptive, quantitative and ecological epidemiological study. The data was collected in the Hospital Information System of the Unified Health System and processed through software Microsoft Excel. Results: It was registered an increase of 8,57% of hospitalizations and 300% of deaths due to self-harm in older people in Paraná. Most of them were women (53,73%), white (72,42%), aged between 60 and 69 (59,34%) and living near the 17ª Regional de Saúde Londrina. The only exception in deaths was the prevalence of men (62,96%). Conclusion: This information may guide healthcare professionals and new researches that explain the risk factors related to the results reached here about the mental health in older people.
Keywords: Aged; Brazil; Epidemiology; Self-Injurious Behavior.
RESUMÉN
Objetivo: Identificar el perfil epidemiológico de las autolesiones en ancianos de Paraná, entre 2016 y 2022. Método: Estudio epidemiológico ecológico descriptivo y cuantitativo con datos recolectados en Sistema de Información Hospitalaria del Sistema Único de Salud y tabulados en el software Microsoft Excel. Resultados: Hubo un aumento del 8,57% en las hospitalizaciones y del 300% en las muertes por autolesiones en ancianos en Paraná. La mayoría eran del sexo femenino (53,73%), blancos (72,42%), entre 60 y 69 años (59,34%) y residentes en las proximidades de la 17ª Regional de Salud Londrina (29,90%). En las defunciones, únicamente, la mayoría fueron hombres (62,96%). Conclusión: Esta información puede orientar a los profesionales de la salud y nuevos estudios que expliquen los factores relacionados con los resultados aquí obtenidos sobre la salud mental de los ancianos.
Palabras clave: Anciano; Automutilación; Brasil; Epidemiología.
INTRODUÇÃO
Lesão autoprovocada é definida como um ato de violência onde o próprio sujeito se auto inflige(¹). Este comportamento pode ser manifestado através de uma variedade de formas, tais como cortes, lesões na pele, queimaduras, abrasões/arranhões graves e socos/golpes. A auto agressão também pode incluir comportamentos mais graves, tais como fratura de ossos e, mais raramente, auto amputação ou enucleação ocular(2). A auto agressão crônica está associada a uma variedade de problemas de saúde potenciais, tanto psiquiátricos como somáticos, e até a autoagressão superficial ocasional pode levar a complicações médicas mais sérias(2).
Sabe-se que as lesões autoprovocadas em idosos e suas consequências podem ser bastante graves e trazer prejuízos individuais e coletivos, como a tentativa e/ou suicídio, tanto para o próprio idoso quanto para sua família e comunidade(3). Porém, são escassos os estudos epidemiológicos voltados para essa temática nessa população, dificultando a realização de ações efetivas, para solucionar essa problemática entre os idosos, que são as pessoas com 60 anos ou mais, como define a legislação brasileira(1,4).
O Brasil tem mais de 28 milhões de pessoas na faixa etária acima de 60 anos – o que representa 13% da população do país, já no estado do Paraná de cada 10 paranaenses, 1,5 tem mais de 60 anos(5). Em 2050, três de cada 10 paranaenses serão idosos(5). Com o aumento da população idosa e a maior incidência de problemas de saúde nessa faixa etária, muitas vezes, o idoso se percebe como inútil, sem perspectiva de futuro, aumentando a vulnerabilidade para autoagressão e suicídio(1,4).
Desse modo, o presente artigo objetiva identificar o perfil epidemiológico das lesões autoprovocadas em idosos no Paraná, entre 2016 a 2022. Tal questão se mostra necessária para monitorar se há aumento de casos no estado do Paraná, com o intuito de incentivar ações preventivas, voltadas principalmente ao público vulnerável (quanto à faixa etária, sexo, cor e localidade), obtido através da identificação do perfil epidemiológico, aumentando a eficácia das intervenções de prevenção e promoção da saúde. Ao ser feito isto, os gestores podem avaliar os cenários e detectar os pontos críticos que necessitam de intervenção imediata.
O estudo poderá fornecer dados para a realização de medidas efetivas e direcionadas, como por exemplo, atividades intersetoriais dos diversos dispositivos de atenção ao idoso (Centro de Referência e Assistência Social, Unidades de Atenção Primária à Saúde, espaços de entretenimento e lazer, entre outros), capacitação de profissionais de saúde (principalmente atendimento primário) para identificação de risco (conforme o perfil epidemiológico aqui encontrado), abordagem da temática saúde mental nos atendimentos à população idosa, institucionalização de políticas públicas de saúde mental voltadas ao público idoso e campanhas de conscientização voltadas a esse grupo, com o intuito de melhorar esse cenário.
MÉTODO
Trata-se de um estudo epidemiológico, descritivo, ecológico e com abordagem quantitativa, o qual tem o propósito de determinar a distribuição das doenças ou condições relacionadas à saúde, conforme tempo, lugar e características da população(6). Foram seguidas as seguintes etapas constituintes de um estudo epidemiológico: definir objetivo; definir uma pergunta norteadora; pesquisar dados relacionados; analisar dados por tempo, lugar e pessoa; desenvolver hipóteses; desenvolver medidas de controle e prevenção; preparar e distribuir o relatório(7). A pesquisa foi realizada mediante levantamento na base de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Os dados foram coletados em maio de 2023 e são referentes aos anos de 2016 a 2022. O estudo foi realizado no estado do Paraná, cuja população é de 10.444.526 habitantes, localizando-se no Sul do Brasil(5).
O estado do Paraná possui quatro macrorregionais, que por sua vez são subdivididas em 22 regionais: Macrorregional Leste - Regionais de Saúde: Paranaguá, Metropolitana (Curitiba), Ponta Grossa, Irati, Guarapuava, União da Vitória, Telêmaco Borba; Macrorregional Oeste - Regionais de Saúde: Pato Branco, Francisco Beltrão, Foz do Iguaçu, Cascavel, Toledo; Macrorregional Norte - Regionais de Saúde: Apucarana, Londrina, Cornélio Procópio, Jacarezinho, Ivaiporã; Macrorregional Noroeste - Regionais de Saúde: Campo Mourão, Umuarama, Cianorte, Paranavaí, Maringá(5).
Foram coletados dados de pessoas com 60 anos ou mais na unidade federativa Paraná que praticaram lesões autoprovocadas voluntariamente entre 2016 a 2022. Para a análise, as seguintes variáveis foram usadas: taxa de óbitos por automutilação; ano de notificação; sexo; faixa etária; etnia; meios utilizados e internações nas 22 Regiões de Saúde (RS), com a finalidade de identificar o perfil epidemiológico e discutir o comportamento desse fenômeno no estado, no período de 2016 a 2022. Foram excluídos dados relativos aos casos de subnotificação. Os dados foram coletados pelos próprios pesquisadores, por meio de consulta ao banco de dados disponibilizado no Sistema de Informações Hospitalares (SIH), que é suprido, principalmente, pela notificação e investigação da internação e suas variáveis.
Após a coleta, a tabulação dos dados aconteceu no programa do pacote Office Microsoft Excel 2021, através de uma análise estatística descritiva. O cálculo de frequência absoluta (n) ocorreu através da contagem de repetições de ocorrências. Para o cálculo de frequência relativa (%), multiplicou-se a frequência absoluta das ocorrências de um grupo/variável por 100 (cem) e em seguida dividiu-se o resultado pelo número total de ocorrências. Quanto à mortalidade proporcional, o número de óbitos por lesões autoprovocadas voluntariamente foi dividido pelo número de óbitos por todas as causas. Já a taxa de letalidade, foi obtida através da divisão do número de óbitos por lesões autoprovocadas voluntariamente pelo número de internações pela mesma causa. Por fim, a média simples foi obtida com a soma de internações ou óbitos das regionais de saúde do Paraná, seguida da divisão pelo número de regionais de saúde presentes no Paraná. Os valores foram apresentados a partir de gráficos e de tabelas. Além disso, os dados ausentes, ou seja, as informações que não foram encontradas no Sistema de Informações Hospitalares, foram desconsideradas nos cálculos.
Em razão da pesquisa ter sido realizada a partir de uma base de dados de domínio público, não foi exigida submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa. Entretanto, o estudo respeitou os princípios éticos da Resolução n° 510, de 07 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde(8).
RESULTADOS
Entre janeiro de 2016 e dezembro de 2022, o estado do Paraná obteve aumento de 9,37% das internações e 300% dos óbitos, como consta no Gráfico 1, com base no Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde.
Observou-se prevalência das hospitalizações no sexo feminino com 53,73% (n = 115). Em contrapartida, o sexo masculino foi responsável por 62,96% (n = 17) dos óbitos. A proporção de mortalidade no sexo masculino foi de 17,63 para cada 100 mil homens, enquanto no sexo feminino foi de 5,47 para cada 100 mil mulheres. Quando a população foi dividida por raça, observou-se que indivíduos que se identificaram como brancos foram os que mais praticaram as autolesões (72,42%) (n = 155) e também os que mais vieram a óbito pela mesma causa (66,66%) (n = 18), como mostra a Tabela 1 – Distribuição por Cor/raça das Internações e Óbitos por lesões autoprovocadas voluntariamente em idosos no Paraná, 2016 a 2022. Por outro lado, os idosos pretos foram a minoria em internações (1,86%) (n =4), assim como os amarelos, porém não foram encontrados registros de óbitos para os primeiros. Não foi possível obter informações a respeito da população idosa indígena, possivelmente devido à subnotificação pelos profissionais da saúde. Ressalta-se que as pessoas amarelas com 60 anos ou mais foram as que obtiveram a maior mortalidade proporcional (aproximadamente 93 para cada 100 mil) e a maior taxa de letalidade (50%).
Ainda na Tabela 1 – Distribuição por Cor/raça das Internações e Óbitos por lesões autoprovocadas voluntariamente em idosos no Paraná, 2016 a 2022, com base no Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde, as faixas etárias com mais notificações de hospitalização (59,34%) ou óbitos (48,14%) foram dos 60 a 69 anos.
Tabela 1 – Distribuição por Cor/raça das Internações e Óbitos por lesões autoprovocadas voluntariamente em idosos no Paraná, 2016 a 2022. |
||||||
Cor/raça |
Internações |
Óbitos |
|
|
||
|
n |
% |
n |
% |
Mortalidade proporcional (por 100.000) |
Taxa letalidade (%) |
Branca |
155 |
72,42 |
18 |
66,66 |
13,52 |
11,61 |
Preta |
4 |
1,86 |
* |
* |
|
|
Parda |
29 |
13,55 |
5 |
18,51 |
22,74 |
17,24 |
Amarela |
4 |
1,86 |
2 |
7,4 |
93,63 |
50 |
Sem informação |
22 |
10,28 |
2 |
7,4 |
9,27 |
9,09 |
Total |
214 |
100 |
27 |
100 |
|
|
Faixa Etária |
|
|
|
|
|
|
60 a 69 anos |
127 |
59,34 |
13 |
48,14 |
23,3 |
10,23 |
70 a 79 anos |
52 |
24,29 |
7 |
25,92 |
10,97 |
13,46 |
80 anos e mais |
35 |
16,35 |
7 |
25,92 |
11,08 |
20 |
Total |
214 |
100 |
27 |
100 |
|
|
Fonte: Elaborado pelos autores com base no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde. Notas: * (Não foram encontradas informações); n (Frequência Absoluta); % (Frequência Relativa). |
Das 214 internações por lesões autoprovocadas em idosos no Paraná, foram encontradas as formas utilizadas para tais atos para 67 ocorrências: 37,31% (n = 25) foram por meios não especificados; 26,86% (n = 18) por objeto cortante e penetrante; 10,44% (n = 7) por objeto contundente; 7,46% (n = 5) por precipitação de um lugar elevado; 4,47% (n = 3) por enforcamento, estrangulamento e sufocação; 4,47% (n = 3) por impacto de um veículo a motor; 2,98% (n = 2) por disparo de arma de fogo de mão; 2,98% (n = 2) por precipitação ou permanência diante de um objeto em movimento; 1,49% (n = 1) por fumaça, fogo e chamas; 1,49% (n = 1) por outros meios especificados.
Já dos 27 óbitos por lesões autoprovocadas voluntariamente em idosos no Paraná, obteve-se informações quanto aos meios utilizados para 11 casos: 72,72% (n = 8) foram por meios não especificados; 18,18% (n = 2) por objeto cortante e penetrante; 9,09% (n = 1) por precipitação de um lugar elevado.
Ao considerar a distribuição das ocorrências nas 22 Regionais de Saúde do Paraná (RS), a 17ª RS Londrina obteve grande parte dos registros (29,90%) (n = 64), seguida pela 2ª RS Metropolitana (12,61%) (n = 27), 7ª RS Pato Branco (11,21%) (n = 24) e a 5ª RS Guarapuava (12,74%) (n = 23). A 17ª RS Londrina ainda foi responsável por grande parte dos óbitos (44,44%) (n = 12), seguida pela 2ª RS Metropolitana (19,51%) (n = 5). O Paraná teve média de 9,7 internações. A 2ª RS Metropolitana, 5ª RS Guarapuava, 7ª RS Pato Branco, 9ª RS Foz do Iguaçu, 15ª RS Maringá e 17ª RS Londrina estiveram acima da média nesse quesito. O estado ainda teve média de 1,22 óbitos, estando a 1ª RS Paranaguá, 2ª RS Metropolitana, 12ª RS Umuarama, 14ª RS Paranavaí e 17ª RS Londrina acima da média. Não foram encontradas notificações de hospitalizações por lesões autoprovocadas voluntariamente em idosos apenas na 10ª RS Cascavel e na 18ª RS Cornélio Procópio, ao menos entre 2016 e 2022.
Constatou-se ainda que a 1ª RS Paranaguá possui a mais alta mortalidade proporcional do estado: a cada 100 mil idosos que perdem a vida, 65, aproximadamente, são devido às lesões autoprovocadas. Em seguida estão a 17ª RS Londrina (58/100mil) e 14ª RS Paranavaí (52/100mil). Já ao calcular-se a taxa de letalidade, obteve-se que a 12ª RS Umuarama obteve o maior número (66%, aproximadamente), seguido pela 14ª RS Paranavaí (33%, aproximadamente). Não foram encontradas notificações de óbitos por lesões autoprovocadas em idosos na 3ª RS Ponta Grossa; 4ª RS Irati; 5ª RS Guarapuava; 6ª RS União da Vitória; 8ª RS Francisco Beltrão; 9ª RS Foz do Iguaçu; 10ª RS Cascavel; 13ª RS Cianorte; 18ª RS Cornélio Procópio; 19ª RS Jacarezinho; 20ª RS Toledo; 21ª RS Telêmaco Borba nem na 22ª RS Ivaiporã, no período de 2016 a 2022.
DISCUSSÃO
O presente estudo evidencia a problemática das lesões autoprovocadas na população idosa, fato que é pouco abordado na Política Nacional do Idoso(9). Sabe-se que essa população em especial apresenta risco significativo de suicídio e a automutilação é um fator de risco importante para esse desfecho(10,11). Além disso, as fragilidades próprias do envelhecer tornam a automutilação mais fatal em idosos do que em adultos jovens(11).
Diante disso, os resultados demonstram que na população geriátrica do estado do Paraná, as internações por lesões autoprovocadas voluntariamente tiveram incidência crescente, o que vai de encontro com o cenário de outros estados, como Maranhão e Piauí(12). Apesar disso, os números podem ainda ser maiores, já que o período de isolamento social na pandemia da Covid-19, iniciada em 2020, fez com que a procura médica fosse menor, mesmo em situações em que o atendimento por um profissional da saúde fosse necessário, devido ao temor da população em adquirir a Covid-19 ao entrar em contato com profissionais da saúde ou pacientes(13).
No que se refere às hospitalizações, o estudo revela que a prevalência de hospitalizações por automutilação foi maior no sexo feminino. No entanto, a mortalidade pela mesma causa no sexo masculino foi maior. Esse resultado está de acordo com o paradoxo de gênero do suicídio – enquanto as mulheres fazem mais tentativas, os homens morrem por suicídio com mais frequência(14). Isso está relacionado com a figura de masculinidade, que tem como componentes não apenas o sustento familiar, mas o acúmulo e exaltação de desempenho, riqueza, conquista, status e, inclusive, atividade sexual(15). Portanto, é importante notar que o período de aposentadoria, que muitas vezes é marco no início da vida idosa, mostra tendência a menor desempenho e trabalho pelo homem, menor riqueza e status. Além disso, é comum com o avançar da idade, o surgimento de doenças crônicas ou degenerativas, a ocorrência de morte de amigos e entes queridos, a diminuição da autonomia e o início da impotência sexual(16). Todos esses eventos podem levar a atritos familiares, o que muitas vezes induz, ainda, ao consumo exacerbado de álcool e drogas, questões todas essas relacionadas ao suicídio(17). Ainda, as mulheres idosas morrem menos por violência autoprovocada, pois buscam ajuda quando precisam mais frequentemente. Em contrapartida, os homens idosos têm dificuldade em manifestar dor e sofrimento, o que impossibilita a busca por tratamentos médicos e psicológicos(18).
Observou-se que as internações e óbitos prevaleceram entre as pessoas brancas. Por outro lado, os idosos amarelos foram os que obtiveram a maior mortalidade proporcional e a maior taxa de letalidade, o que mostra que esse grupo tem como uma das importantes causas de morte as lesões autoprovocadas voluntariamente, além de que metade dos idosos amarelos que se lesionam de forma autoprovocada vêm a óbito. Estudos internacionais mostram maior ocorrência da prática de autolesões na raça branca, o que vai de acordo com o presente estudo(19). Além disso, o risco de morte por suicídio mostra-se não aumentar com a redução do nível socioeconômico(17). Outro estudo aborda o suicídio como parte da cultura em alguns países da Ásia, já que o Hara-kiri (corte de barriga) é considerado um ato de honra no Japão(20). Sabe-se que idosos asiático-americanos têm maior vergonha e constrangimento de distúrbios mentais e maior dificuldade em procurar serviços de saúde mental, em comparação com brancos não hispânicos(21). Dessa forma, ao considerar que muitos dos idosos asiáticos são filhos de imigrantes, visto que o maior fluxo migratório da Ásia para o Brasil se deu entre 1930 e 1945, as características comportamentais, históricas e culturais da população amarela são remanescentes nesses idosos(5).
A caracterização das vítimas fatais e de hospitalização de autolesão presentes no estudo demonstra a idade predominante dos 60 aos 69 anos. Esse resultado está de acordo com pesquisas que revelam a caracterização das vítimas na população geriátrica na faixa etária dos 60 aos 70 anos(15). As motivações para a prática de lesões autoprovocadas em idosos incluem morte de parceiro ou membro da família; conflito com membro familiar; doença física; doença mental; transtorno de personalidade; transtorno de adaptação; dor; uso de álcool; solidão; perda de controle; vontade de tornar-se invisível aos outros; dificuldade em relacionamentos; fazer os outros entenderem o quão desesperado está; querer aliviar-se de um estado não suportável; influenciar outras pessoas; fazer os outros sentirem pena; problemas econômicos; sentimento de desamparo; desespero; fardo e falta de significado na vida(22). Além disso, o envelhecimento predispõe a doenças psiquiátricas, como depressão e ansiedade, visto que ocorre diminuição na produção do neurotransmissor serotonina e dos seus receptores(23). Ainda, o triptofano, precursor da serotonina, adquire maior ligação com a proteína sérica albumina, impedindo a síntese do neurotransmissor(23). Isso ocorre porque o hormônio estrogênio, também ligante à albumina, diminui fisiologicamente na mulher idosa(23).
Outro resultado foi que a 17ª RS Londrina concentra o maior número de autolesões e óbitos por essa causa entre os idosos. Constatou-se ainda que a 1ª RS Paranaguá possui a mais alta mortalidade proporcional (65/100 mil) do estado. Além disso, a 12ª RS Umuarama obteve a maior taxa de letalidade (66%). Dentre essas localidades, a 17ª RS Londrina apresenta uma população idosa significativa (968.707), o que poderia ser considerado proporcional ao número de ocorrências de autolesão e suicídio nessa regional de saúde(5). Da mesma forma, a 2ª RS Metropolitana (2.902.654) reside a maioria dos idosos paranaenses e foi a segunda a obter grande parte dos registros de automutilação, o que poderia indicar que o número de autolesões seja justificado pelo contingente populacional(5). Entretanto, a 1ª RS Paranaguá (252.081) e 12ª RS Umuarama (293.404) possuem população com 60 anos ou mais muito próxima às demais RSs(5). Apesar desse paradoxo, é importante ressaltar que a 1ª RS Paranaguá (3.618) possui a segunda menor morbidade por todas as causas entre a terceira idade no Paraná, o que torna a sua mortalidade proporcional por autolesão maior(5). Além disso, a taxa de letalidade na 12ª RS Umuarama ser elevada mostra que os meios utilizados em tentativas de suicídio e autolesão estão sendo eficazes, o que pode estar relacionado com a disponibilidade desses recursos nessa região, mas que não podem ser aqui investigados, visto que a maioria deles não são especificados.
Outro fator que parece ser determinante para a automutilação e suicídio é residir em domicílios na condição de outro parente, já que as regionais de saúde Londrina (15.854) e Metropolitana (42.693) convergem idosos nessa condição e a dependência em tarefas é uma das causas para o sofrimento mental nessa faixa etária(5,22). Quanto aos serviços de saúde mental, essas duas RSs possuem alta distribuição de CAPs (Centros de Atenção Psicossocial), NASF (Incentivo Financeiro de Custeio da Rede de Saúde Mental) e leitos SM (leitos em saúde mental)(24). Assim, é necessário o direcionamento dos serviços de saúde mental, os quais já estão disponíveis, e sua divulgação pública para a população idosa.
Os resultados encontrados denotam a necessidade de ações e políticas públicas voltadas para essa população. Atuar na sua prevenção é a melhor forma de reduzir os índices de suicídio relacionados a essa problemática e, consequentemente, o seu impacto na família e na sociedade(25). Por isso, o investimento em abordagens multidisciplinares que envolvam intervenções iniciais como acolhimento, identificação de risco e acompanhamento compõem as abordagens mais indicadas para esses indivíduos(14). Além do mais, os serviços de saúde e de assistência social devem possuir profissionais capacitados para atender o idoso e abranger os vários componentes da sua vida, como saúde, educação, interações sociais e condições de vida, para que possam promover serviços relevantes que diminuam os riscos de cometer auto violência(25). Além disso, evidencia a ausência de informações nas notificações, principalmente acerca do meio utilizado para a automutilação, fato que também é salientado em outra pesquisa(14). A falta de qualidade e de especificação mais detalhadas dos dados apresentados para os registros é um problema constante nas subnotificações do suicídio(26). Nesse estudo, o “meio não especificado” é uma resposta recorrente encontrada nos registros e a inexistência de informações das populações indígenas, dos óbitos em idosos pretos e amarelos e das notificações de óbitos em algumas RSs revelam a limitação do artigo. O principal problema da subnotificação é a interpretação dos casos por aqueles que preenchem os registros(26). Nesse sentido, sem notificações corretas, o poder público não consegue realizar um planejamento adequado para resolver o problema da automutilação em idosos.
Por fim, a pesquisa não pôde abordar a escolaridade, estado civil, classe social ou a presença de transtornos mentais ou somáticos dos participantes, o que poderia contribuir na construção do perfil epidemiológico dos idosos que praticam a autolesão. Novos estudos que expliquem os fatores relacionados aos resultados aqui obtidos e que utilizem as variáveis faltantes no que tange à saúde mental dos idosos são aqui estimulados e necessários.
CONCLUSÕES
A lesão autoprovocada na população idosa foi predominante em mulheres, brancas, entre 60 e 69 anos e residentes próximas à 17ª Regional de Saúde Londrina, exceto em óbitos, quesito em que os homens prevaleceram. Além disso, a população amarela e a 1ª RS Paranaguá possuem a mais alta mortalidade proporcional, enquanto que a 12ª RS Umuarama obteve a maior taxa de letalidade. As diferenças culturais de povos, as mudanças fisiológicas e sociais decorrentes da idade e as questões sociais de gênero mostram-se impactantes nas autolesões. Possivelmente, esse perfil está relacionado com as localizações com maior contingente populacional idoso e fatores sociais prevalecentes, como residir junto a parentes, o que demonstra dependência do indivíduo e predispõe a sofrimento mental. Apesar dos números elevados, as regionais de saúde mais afetadas apresentam boa disponibilidade de serviços de saúde mental, o que demonstra o baixo direcionamento e divulgação pública à população idosa. Diante disso, acredita-se que os resultados encontrados neste estudo possam adensar iniciativas que deem visibilidade à temática e posteriormente fomentem ações para garantir estratégias adequadas de prevenção no que se refere ao perfil encontrado quanto aos idosos e idosas que praticam a autolesão. Assim, apenas, o atual cenário poderá sofrer as devidas alterações.
REFERÊNCIAS
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Contribuição dos autores
Renata Maria Godê Oku. Conceitualização, curadoria de dados e redação do rascunho original.
Victória Scheffer Lumertz. Investigação e redação do rascunho original.
José Victor Dantas dos Santos. Construção da metodologia e redação do rascunho original.
Igor Stevan Vieira Matoso. Investigação e redação do rascunho original.
Diego da Silva Ferreira. Escrita – revisão e edição.