SAÚDE MENTAL DA EQUIPE DE ENFERMAGEM NA PANDEMIA DA COVID–19
MENTAL HEALTH OF THE NURSING TEAM IN THE COVID-19 PANDEMIC
SALUD MENTAL DEL EQUIPO DE ENFERMERÍA EN LA PANDEMIA DE COVID-19
1Ana Karolyne Siqueira de Sousa
2Sara Guerra Carvalho de Almeida
3Francisca Andrea Marques de Albuquerque
4Adriana Sousa Carvalho de Aguiar
5Janaína Calisto Moreira
1Centro Universitário da Grande Fortaleza (UNIGRANDE) – Fortaleza (CE) – Brasil
https://orcid.org/0000-0003-4981-0058
2Universidade de Fortaleza (UNIFOR) – Fortaleza (CE) – Brasil
https://orcid.org/0000-0003-4125-4886
3Universidade Estadual do Ceará (UECE) – Fortaleza (CE) – Brasil
https://orcid.org/0000-0002-7067-1569
4Universidade Estadual do Ceará (UECE) – Fortaleza (CE) – Brasil
https://orcid.org/0000-0002-2726-8707
5Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE) – Fortaleza (CE) – Brasil
https://orcid.org/0000-0003-0435-1679
Autor correspondente
Janaína Calisto Moreira
Rua Pedestre I, 158, Canindezinho
CEP: 60734-170 – Fortaleza – CE – Brasil
Telefone: +55 (85)9 85383526
E-mail: jannaina.cmoreira@gmail.com
RESUMO
Objetivo: analisar os fatores estressores e de prevenção percebidos pela equipe de enfermagem durante a pandemia da COVID-19 em uma unidade hospitalar da rede pública de Fortaleza, Ceará no ano de 2021. Métodos: trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa e transversal, de caráter descritivo com exposição de dados coletados em campo. Composta pelas duas categorias principais na enfermagem (quatro técnicos de enfermagem e quatro enfermeiros), os participantes responderam a um questionário semiestruturado através de uma entrevista realizada ainda no período da pandemia. Resultados: identificou-se inúmeras formas de definir o adoecimento psíquico e que houve a presença de fatores estressores no período da pandemia do COVID-19: medo, ansiedade, cenário de guerra, mortes e privações. Os participantes relataram o choro como manifestação física do sofrimento e que a pandemia interferiu na saúde mental. Por outro lado, os fatores protetivos ao adoecimento psíquico apresentados foram: o apoio da família, dos amigos e da própria equipe de trabalho, o apoio espiritual e o acompanhamento terapêutico com psicólogo. Destacaram-se ainda a organização e as estratégias de proteção no trabalho à saúde mental dos profissionais, dentre elas: a relação de trabalho na equipe, a relação pessoal com o paciente e a vacina contra a COVID-19. Considerações finais: os fatores que podem levar ao adoecimento psíquico são múltiplos e os cuidados promovidos para a proteção são mínimos à equipe de enfermagem. Diante disso, destaca-se a relevância do cuidado com a saúde mental, devido aos inúmeros riscos e a sobrecarga de trabalho na enfermagem.
Palavras-chave: Saúde Mental; Equipe de Enfermagem; Transtornos Relacionados a Trauma e Fatores de Estresse; Fatores de Proteção.
ABSTRACT
Objective: to analyze the stressors and prevention factors perceived by the nursing team during the COVID-19 pandemic in a public hospital unit in Fortaleza, Ceará in the year 2021. Methods: this is a research with a qualitative and transversal approach, of a descriptive nature with exposition of data collected in the field. Comprising the two main categories in nursing (four nursing technicians and four nurses), the participants answered a semi-structured questionnaire through an interview carried out during the pandemic period. Results: numerous ways of defining psychological illness were identified and that there were stressors in the period of the COVID-19 pandemic: fear, anxiety, war scenario, deaths and deprivations. Participants reported crying as a physical manifestation of suffering and that the pandemic interfered with mental health. On the other hand, the protective factors for mental illness presented were: support from family, friends and the work team itself, spiritual support and therapeutic follow-up with a psychologist. The organization and strategies to protect the mental health of professionals at work were also highlighted, among them: the working relationship in the team, the personal relationship with the patient and the vaccine against COVID-19. Final considerations: the factors that can lead to mental illness are multiple and the care provided for protection is minimal for the nursing team. In view of this, the relevance of mental health care is highlighted, due to the numerous risks and work overload in nursing.
Objetivo: analizar los estresores y factores de prevención percibidos por el equipo de enfermería durante la pandemia de COVID-19 en una unidad hospitalaria pública de Fortaleza, Ceará en el año 2021. Métodos: se trata de una investigación con abordaje cualitativo y transversal, de carácter descriptivo naturaleza con exposición de datos recolectados en campo. Compuesto por las dos categorías principales en enfermería (cuatro técnicos de enfermería y cuatro enfermeros), los participantes respondieron un cuestionario semiestructurado a través de una entrevista realizada durante el período de pandemia. Resultados: se identificaron numerosas formas de definir la enfermedad psicológica y que hubo estresores en el período de la pandemia de COVID-19: miedo, ansiedad, escenario de guerra, muertes y privaciones. Los participantes relataron el llanto como una manifestación física de sufrimiento y que la pandemia interfería en la salud mental. Por otro lado, los factores protectores de enfermedad mental presentados fueron: apoyo de familiares, amigos y del propio equipo de trabajo, apoyo espiritual y seguimiento terapéutico con psicólogo. También se destacaron la organización y estrategias para proteger la salud mental de los profesionales en el trabajo, entre ellas: la relación laboral en el equipo, la relación personal con el paciente y la vacuna contra la COVID-19. Consideraciones finales: los factores que pueden conducir a la enfermedad mental son múltiples y los cuidados prestados para la protección son mínimos para el equipo de enfermería. Frente a eso, se destaca la relevancia del cuidado de la salud mental, debido a los numerosos riesgos y sobrecarga de trabajo en enfermería.
Palabras clave: Salud Mental; Gupo de Enfermería; Trastornos Relacionados con Trauma y Estrés; Factores Protectores.
INTRODUÇÃO
O Brasil, atualmente conta com 2.348.301 profissionais de enfermagem com registro no Conselho Regional de Enfermagem, sendo no Ceará 12.467 auxiliares de enfermagem, 42.324 técnicos de enfermagem e 22.354 enfermeiros. Esse quantitativo se mantém atualizado pelo Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), cujos dados são de 01 de agosto de 2020(1). Os presentes números não são apenas para indicar uma quantidade, mas para que se faça perceber que a equipe de enfermagem representa a maior parte dos profissionais da saúde e que atuam de forma mais extensa, pois dedica um cuidado continuado à população, o que tornou esses profissionais essenciais para o cuidado durante a pandemia da COVID-19(2).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde mental é definida como um estado de bem-estar no qual um indivíduo percebe suas próprias habilidades, pode lidar com os estresses cotidianos, pode trabalhar produtivamente e é capaz de contribuir para sua comunidade(3). Desde os movimentos sanitaristas na década de 70 e a Reforma Psiquiátrica Brasileira de 2001 até os dias de hoje, aconteceram diversas medidas para compreender a saúde mental. O nosso Sistema Único de Saúde entende a saúde de forma ampliada e a saúde mental está inserida nesse contexto, no qual é percebida como algo complexo e não apenas o oposto de loucura. Diante disso, os gestores da saúde buscam defini-la como algo mais abrangente, para que o seu cuidado não seja deliberado apenas por um modelo biomédico(3).
No desempenho da sua função de cuidar, a equipe de enfermagem lida com diversos fatores, que podem de várias maneiras comprometer sua saúde, em especial sua saúde mental, pois o desempenho do seu trabalho requer uma gama de atribuições, sendo-lhe exigido que os processos sejam realizados com atenção redobrada, pois o cuidado é prestado a vidas humanas(4).
Além das inúmeras exigências, o profissional da enfermagem deve lidar com o sofrimento e a morte de pacientes, com estruturas de trabalho precárias, salario abaixo do ideal, carência de pessoal, ritmo de trabalho exaustivo, levando a uma diminuição do tempo para alimentação, repouso e sono, ocasionando assim a exposição desses profissionais a inúmeros riscos, não apenas físico, químico, ergonômico, mecânico e biológico, mas principalmente a consequências psicológicas, que podem ir desde danos leves e temporários até danos graves e reversíveis. Diante desse cenário vale ressaltar a importância de se perceber o adoecimento da saúde mental da enfermagem como um problema de saúde pública, observando os fatores que os levam a perderem sua saúde mental, visto que a busca por medidas de proteção são essenciais para prevenir e impedir os danos e agravos(4).
A chegada da COVID-19 (vírus letal e contagioso) no Brasil, no início de março de 2020, fez-se perceber que a possibilidade de contaminação da equipe de enfermagem se tornou aumentada pela rotina de trabalho exercida por esses profissionais, pelo processo de paramentação e desparamentarão dos equipamentos de proteção individual, pelo maior tempo de contato que os mesmos dedicavam no cuidado aos pacientes e todos os processos da assistência, que estão envolvidos no exercício da profissão. Em uma sondagem feita pelo COFEN, com profissionais da enfermagem, evidenciou-se que cerca de 80% dos trabalhadores entrevistados tinham medo de atuar na pandemia da COVID-19 e que os níveis de estresse se elevaram(5).
Nesse sentido, torna-se relevante compreender mais sobre os fatores influenciadores da saúde mental da equipe de enfermagem diante da importância da profissão e do seu exercício laboral profissional no período da pandemia COVID-19, que foi a principal causa de mortes no Brasil em 2020, levando ao momento mais crítico da saúde no país e o período de maior demanda para todos os profissionais da saúde.
Diante do exposto, percebeu-se a importância da saúde mental daqueles que são a maioria entre os profissionais da saúde, devido a problemática dos inúmeros fatores que levam ao adoecimento psíquico e interferem na saúde mental da equipe de enfermagem durante o período da pandemia da COVID-19. Dessa forma, o presente estudo busca responder, no ano de 2021, a pergunta de partida: Quais os fatores estressores e protetivos ao adoecimento psíquico relatados pela equipe de enfermagem de um hospital durante o período de assistência ao COVID-19?
Pressupõe-se que aconteça a identificação de fatores estressores como o medo, a sobrecarga, a ansiedade, a síndrome de Burnout, e em especial os fatores de prevenção como a terapia individual e coletiva, a ginástica laboral, enfim, os mecanismos relevantes que possibilitam um bom desenvolvimento ocupacional e um bom estado de saúde mental dos profissionais da enfermagem.
Diante disso, busca-se contribuir com a enfermagem na sensibilização dos profissionais da saúde sobre a relevância da saúde mental das equipes de enfermagem diante de uma pandemia, a fim de que a partir da identificação dos fatores estressores se possa fazer a busca e o reconhecimento por mais meios de prevenção, evitando que esses profissionais adquiram doenças psíquicas e primem por mais e melhor qualidade de vida no ambiente laboral, além de ampliar a quantidade de estudos científicos que vislumbrem a atuação da enfermagem, relacionando os aspectos laborais e psíquicos da equipe de enfermagem inseridos no ambiente pandêmico.
Diante dessa perspectiva, o presente estudo teve como objetivo principal analisar os fatores estressores e de prevenção percebidos pela equipe de enfermagem durante a pandemia da COVID-19 em uma unidade hospitalar da rede pública de Fortaleza, Ceará no ano de 2021, e como objetivos específicos, investigar os significados de adoecimento psíquico para a equipe de enfermagem durante o processo de enfrentamento da doença COVID-19 e investigar fatores estressores e protetivos ao adoecimento psíquico, apontados pela equipe de enfermagem durante o período da pandemia da COVID-19.
MÉTODOS
O presente estudo refere-se a uma pesquisa com abordagem qualitativa e transversal, de caráter descritivo com exposição de dados coletados em campo. A partir da utilização desse método, buscou-se analisar os objetos da pesquisa de modo subjetivo, permitindo estudar as particularidades e as experiências individuais.
Os participantes desse estudo foram compostos por técnicos (as) de enfermagem e enfermeiros (as), que atuaram na linha de frente do combate a COVID-19. Foi feito contato com a coordenação da unidade hospitalar e logo após os profissionais foram convidados a se disponibilizarem de forma voluntária para o estudo. Assim, dos profissionais que foi realizado o contato, de um total de 58 profissionais da enfermagem atuando no setor de atendimento a pacientes com COVID-19 no mês de junho, os que foram escolhidos para a pesquisa totalizaram 04 (quatro) técnicos de enfermagem e 04 (quatro) enfermeiros. Os profissionais selecionados atuavam na rede pública de saúde da unidade hospitalar escolhida há mais de 2 (dois) anos, o que tornou possível a realização de um comparativo da atuação do profissional antes e após a pandemia, definindo assim os critérios de inclusão. Como critérios de exclusão adotaram-se: participante desistente, que não concluiu a pesquisa, interrompeu o andamento antes do prazo, que foi desvinculado e que não trabalhou no período da pandemia ou que estava afastado.
A pesquisa foi realizada em um hospital da atenção secundária da rede pública de saúde do município de Fortaleza, gerenciado pelo Programa de Atenção Integral à Saúde (SPDM – PAIS), com atendimento especializado em obstetrícia, neonatologia e clínica médica para adultos, com atendimento de urgência e emergência 24 horas. A escolha da instituição se deu a partir da informação de que a unidade hospitalar realizava atendimento a pacientes com COVID-19.
As entrevistas para o desenvolvimento da pesquisa foram realizadas entre os dias 14 de julho a 29 de agosto de 2021. A coleta se deu primeiramente pelo contato com a coordenação de enfermagem, para identificar profissionais da assistência à pacientes com COVID 19 na unidade e realizado o contato com os mesmos. Foi estabelecido contato pessoal com os participantes da pesquisa e nessa oportunidade, foi explicado aos mesmos os objetivos da pesquisa, bem como as técnicas utilizadas para as entrevistas e as implicações éticas.
Após explicar a pesquisa, com a permissão do profissional, se iniciou o agendamento para a realização das entrevistas semiestruturadas, que ocorreram no ambiente de trabalho dos participantes, de acordo com a disponibilidade de cada um. Na busca de dados primários, quatro das oito entrevistas foram gravadas em dispositivo digital de áudio, conforme autorização do participante, com uso de um questionário que contemplou 14 (quatorze) questões abertas, com a finalidade de responder os objetivos propostos pela pesquisa.
A inclusão de novos participantes se deu pelo uso da técnica “bola de neve”. Nessa técnica os próximos participantes são indicados pelos primeiros, e os que foram indicados indicam outros participantes e assim por diante, até que alcance o quantitativo de participantes desejados e afim de que os participantes indicados se adequem aos critérios de inclusão da pesquisa(6).
Pela situação de pandemia, as entrevistas se deram em ambiente arejado, com distância mínima de 1,50m entre pesquisador e participante, com uso de máscaras de proteção, uso de álcool gel antes e após entrevista e caneta higienizada, disponibilizada para uso individual de cada participante.
Para a análise dos dados coletados foi realizado a transcrição fidedigna das entrevistas e se baseou na técnica de Bardin(7), que aplica as seguintes etapas para análise de conteúdo: a pré-análise; a exploração do material; e o tratamento dos resultados, inferência e interpretação. A pré-análise é a fase em que se organiza o material a ser analisado com o objetivo de torná-lo operacional, sistematizando as ideias iniciais. A exploração do material consiste na definição de categorias (sistemas de codificação) e a identificação das unidades de registro e das unidades de contexto nos documentos submetido a um estudo aprofundado, orientado pelas hipóteses e referenciais. O tratamento dos resultados, inferência e interpretação, condensa e destaca as informações para análise, resultando nas interpretações inferenciais, que é o momento da intuição, da análise reflexiva e crítica.
Foram seguidas todas as recomendações da Resolução 466/2012, que determina os cuidados com pesquisas envolvendo os seres humanos(8). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa: Centro Universitário Fametro – UNIFAMETRO, com o número do parecer: 4.809.859. Para resguardar pesquisador e participante antes da realização da coleta dos dados e após explicação da pesquisa, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, documento pelo qual foi autorizada a realização da entrevista, mediante assinatura do participante, do pesquisador e do orientador, onde o participante concorda em participar da pesquisa de forma voluntária e aceita a gravação da entrevista, não sendo entrevistados os que não aceitaram participar e não assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Os voluntários (as) foram informados que não haveria despesas, compensações pessoais ou financeiras relacionada à participação em qualquer fase do estudo, pois as despesas foram absorvidas pelo orçamento da pesquisa.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Foi realizado entrevistas com um total de oito participantes, identificados com nomes fictícios e caracterizados conforme quadro abaixo (Quadro 1):
Quadro 1 – Identificação dos Participantes. Fortaleza – CE, 2021.
Nome |
Idade |
Sexo |
Estado civil |
Filho |
Tempo na instituição |
Tipo de entrevista |
Técnico 01 |
24 |
Feminino |
Solteira |
Sim (1) |
5 anos |
Gravada |
Técnico 02 |
39 |
Feminino |
Solteira |
Não |
13 anos |
Gravada |
Técnico 03 |
27 |
Feminino |
Casada |
Sim (1) |
5 anos |
Escrita |
Técnico 04 |
39 |
Feminino |
Casada |
Não |
3 anos |
Escrita |
Enfermeiro 01 |
27 |
Masculino |
Solteiro |
Não |
2 anos e 1 mês |
Gravada |
Enfermeiro 02 |
26 |
Masculino |
Solteiro |
Não |
2 anos e 5 meses |
Escrita |
Enfermeiro 03 |
29 |
Feminino |
Solteira |
Não |
3 anos |
Gravada |
Enfermeiro 04 |
28 |
Feminino |
Solteira |
Não |
3 anos |
Escrita |
Fonte: Os autores
Os resultados encontrados a partir das entrevistas serão descritos a seguir em três categorias, buscando identificar os aspectos nas falas que respondam aos objetivos da pesquisa. As categorias a seguir foram divididas em: 1. Significados de adoecimento psíquico para a equipe de enfermagem; 2. Fatores estressores que favorecem o adoecimento psíquico da equipe de enfermagem durante pandemia da COVID-19; e 3. Fatores protetivos que favorecem a saúde psíquica da equipe de enfermagem durante pandemia da COVID-19.
Significados de adoecimento psíquico para a equipe de enfermagem
O adoecimento psíquico ou perturbações mentais e comportamentais abrangem uma gama de doenças psíquicas já reconhecidas e classificadas pela Classificação Internacional das Doenças (CID-10). Tais perturbações são caracterizadas por múltiplos fatores e por variadas deteriorações de pensamento, de humor, de comportamento de relacionamento ou de funcionamento, ou seja, que foge da realidade, do senso comum, que ultrapassa limites e que atrapalha o desempenho pessoal e o convívio social. Tais características algumas vezes são confundidas com doenças físicas pelas inúmeras sintomatologias apresentadas e pelos diversos fatores que levam ao adoecimento psíquico, pois é evidenciado por inúmeras pesquisas a interação complexa entre a mente, o corpo, o meio e a sociedade, onde tais interações contribuem para desenrolar perturbações psíquicas e comportamentais(9).
Ao serem indagadas sobre adoecimento psíquico as respostas foram variadas, com foco em aspectos múltiplos, que afetam a mente e podem causar dificuldade e afetar a saúde mental, é o que pode ser verificado na transcrição a seguir:
Eu acho que tem várias formas de você adoecer psiquicamente, desde uma simples ansiedade, [...] influenciando negativamente na sua vida e de quem está ao seu redor, então você não consegue progredir, você não consegue trabalhar, você não consegue fazer nada bem (Enfermeiro 01).
Incapacidade de controle emocional [...] (Enfermeiro 02).
[...] são doenças somáticas [...] quando a mente está mais envolvida num processo patológico (Enfermeiro 03).
[...] negatividade, baixa estima, tristeza, aumento da labilidade emocional. (Enfermeiro 04).
[...] é como a sobrecarga de trabalho, o estresse (Técnico 01).
[...] seria a pessoa que está sem capacidade de ajudar outra (Técnico 02).
A falta de equilíbrio em tudo que se faz (Técnico 03).
Perda da sua capacidade em lidar com os imprevistos e com os sentimentos (Técnico 04).
Os resultados encontrados a respeito do adoecimento psíquico, apesar de variados e distintos nas descrições, são sugestivos de igualdade, pois apresentam o mesmo sentido, ou seja, que o adoecimento psíquico é algo que traz prejuízos e afeta o ser humano de forma negativa, o que podemos inferir uma similaridade de compreensão a respeito desse assunto. A partir disso é possível perceber o domínio de conhecimento dos participantes a respeito do maleficio de não se ter saúde mental.
As perturbações mentais são visivelmente entendidas como a deterioração do funcionamento, no sentido de não conseguir progredir ou desenvolver suas atividades da vida diária. Também é percebida pela alteração das funções psíquicas, que afeta o humor, as emoções e é compreendida como algo patológico. A tristeza só pode ser caracterizada como alteração a nível doentio se diagnosticado como tristeza patológica. Já o estresse, a sobrecarga de trabalho, o desequilíbrio geral e a incapacidade em lidar com dificuldades do cotidiano, são fatores, sintomas e causas que levam ao adoecimento psíquico e comportamental(9).
Fatores estressores que favorecem o adoecimento psíquico da equipe de enfermagem durante pandemia da COVID-19
Os fatores estressores são aqueles que afetam e ameaçam, direta ou indiretamente, a qualidade de vida de uma pessoa, podendo ser leves ou intensos. Qualquer fator estressor atinge o ser humano de forma negativa e traz prejuízos que podem ser contornados, reparados ou não, porém, deve ser deixado claro que nem todo fator estressor pode levar a um quadro patológico, isso a depender do tempo de exposição e do tipo de estresse sofrido(10).
De acordo com o autor, o adoecimento psíquico é a consequência da exposição aos fatores estressores, que podem estar condicionados a determinantes sociais, ambientais, econômicos, enfim, tudo o que influencia, afeta e/ou transforma a vida de uma pessoa e que faz surgir os fatores estressores, dentre eles, podemos citar como exemplo as doenças físicas, que ameaçam a vida e desastres, onde o estado de pandemia está inserido.
Os resultados da pesquisa a respeito dos fatores estressores foram de variadas proporções, no sentido de haver semelhanças em alguns resultados e singularidades em outros, diante disso os resultados sobre este aspecto serão expostos separadamente, de acordo com as semelhanças e posteriormente detalhando as singularidades.
Um aspecto estressor presente na fala de cinco participantes e que configura um fator de estresse é o medo, desencadeado pela percepção de perigo vivenciado pelos participantes diante da perspectiva de desastre onde a pandemia por COVID-19 está inserida. Os resultados sobre esse aspecto podem ser verificados a partir das falas a seguir:
A impotência, o medo, o descaso, saudade (Técnico 04).
[...] Então hoje eu tenho medo de, de pegar ou covid ou qualquer outra doença ou de ter medo de alguém da minha família pegar e perder essa pessoa e não poder fazer nada [...] (Enfermeiro 01).
Sim, isolamento da família, com menos contato em casa, com menos afeto por medo de contaminação (Enfermeiro 02).
[...] eu fiquei com muito medo de contaminar a minha mãe [...] então o grande meu medo era contaminar minha mãe porque eu não sabia, ela é uma pessoa que tá no grupo de risco [...], fui pra casa do meu namorado, passei quase uns dois meses lá por medo de contaminar minha mãe [...] eu tive que sair de casa, por medo de contaminar minha mãe [...] (Enfermeiro 03).
[...] o medo no ambiente de trabalho [...] (Enfermeiro 04).
Outro aspecto que chamou atenção foi uma consequência estressora, a ansiedade no relato de dois participantes, fator desencadeado pela ameaça a vida causada pela doença, demostrados na fala a seguir: “Crises, várias, de ansiedade, descontava o estresse na comida” (Técnica 03). [...] “desde uma simples ansiedade, que é o que eu tenho e é o que eu trato hoje tanto com terapia como com medicação” [...] (Enfermeiro 01).
A pandemia foi comparada como uma guerra por dois participantes, que evidencia o prejuízo psicológico dos mesmos diante do cenário. Segue as falas a seguir:
[...] por ser um cenário de guerra e nós não termos insumos não termos tanta, tantas condições de ofertar o melhor para nossos pacientes [...] (Enfermeiro 01).
[...] eu dizia para todo mundo que eu ia trabalhar numa guerra e a gente não estava preparado para trabalhar numa guerra [...] com a pandemia a gente tava realmente no estado de guerra [...] (Enfermeira 03).
A presença da fala a respeito da morte em cinco respostas trouxe um entendimento estressor, pelo fato de como a mesma é descrita e pelas circunstâncias em que ela é presenciada pelos participantes, é o que foi constatado pelas falas a seguir:
[...] e me desmotivou muito a questão da quantidade de óbitos que teve (Técnico 01).
[...] era mais de pessoas morrendo, pessoas indo a óbito sem aquela condição mesmo de respirar, de, sabe; não era como antes [...] foi ali que eu vi que realmente a doença veio pra levar e matar mesmo, e o caso mais recente foi a técnica que trabalhava com a gente né, que isso aí até hoje mexe comigo [...]eu via os conhecidos morrendo né, que eu tava perdendo as pessoas [...] e a gente ver as pessoas se acabando muito rápido em minutos em instantes né. (Técnico 02).
[...] e que por algo que eu não conseguisse fazer alguém poderia morrer [...] e muitos pacientes morreram [...] (Enfermeiro 01).
Momentos de tristeza com choro em lembrar das vidas perdidas [...] (Enfermeiro 02).
[...] costumo ver morte, eu já sou enfermeira há cinco anos [...] simplesmente eu não aguentava mais ver gente entubada morrer, porque o perfil do nosso hospital infelizmente todos os pacientes que iam pro tubo, a maioria iam falecer [...] eu tava praticamente só trabalhando, vivendo aqui, vendo várias mortes [...] (Enfermeiro 03).
Um fator estressor importante identificado na fala de dois participantes foi a privação de comer e beber, pela falta de tempo na correria do trabalho árduo das equipes de enfermagem no atendimento a pacientes com COVID-19, como podemos conferir nas falas a seguir:
[...] reconhecer submetido a privações de coisas simples como beber água (Técnico 04).
E comer ficou ruim, porque tinha que trocar de roupa, tinha que desparamentar, não tinha um tempo para você descansar para você comer em paz, as vezes nem fome você sentia assim, porque a comida era ruim, então não dava pra comer direito (Enfermeiro 01).
O choro foi identificado na fala de três participantes, que foi entendido como a manifestação dos conflitos estressores causados pela pandemia, como é relatado nas falas a seguir:
Momentos de tristeza com choro em lembrar das vidas perdidas [...] (Enfermeiro 02).
[...] várias intubações durante o dia e eu fui para o banheiro chorar porque eu não aguentava mais [...] (Enfermeiro 03).
Fatores protetivos que favorecem a saúde psíquica da equipe de enfermagem durante pandemia do COVID-19
Antes de abordar sobre as medidas protetivas identificadas na pesquisa, vamos entender melhor seu significado cientifico. A proteção é utilizada como ferramenta de ampla consequência positiva diante de um fator ou evento estressor, desencadeado nesse caso pela presença da pandemia como ameaça a vida. Alguns instrumentos ou estratégias são identificados como meios protetivos nesse meio, como o apoio familiar, o apoio dos profissionais da saúde, o trabalho com ambiente acolhedor, o amparo dos amigos como aporte social, o apoio em crenças, enfim, todos os meios pelos quais o ser humano se sente seguro(11).
A medida de proteção que chamou atenção foi a presença da família na fala de seis participantes, como um suporte para enfrentar as dificuldades do profissional no período da pandemia, como pode ser verificado na fala dos participantes a seguir:
Eu não tive assim muito dessa questão de ter algo assim pra preservar, mas o que me ajudou muito foi só a minha filha (Técnico 01).
Eu só via eles [familiares] através de uma porta e falava distante ou vídeo chamada, precisava do apoio deles (Técnico 03).
Apoio familiar, foi apoio do marido [...] (Técnico 04).
[...] eu usei muito de chamadas de vídeo né com a minha família, para ver eles, tentar ficar um pouco mais perto, é, foto, ligações [...] então eu ligava muito pra eles, fazia chamada de vídeo, a gente trocava muita foto (Enfermeiro 01).
[...] eu consegui assim falando com amigos e familiares eu desabafava muito, mas nada procurando psicólogo, sabe? (Enfermeiro 03).
Ligações de vídeo e fotos amenizavam a saudade [familiar] (Enfermeiro 04).
Outro fator protetivo que foi identificado e que ajudou os participantes da pesquisa a enfrentar esse período de pandemia foi o diálogo com os amigos e a própria equipe, tal aspecto foi abordado por três participantes, como podemos conferir a seguir:
Os cuidados foi só a base mesmo dos amigos, que a gente ia conversando, a gente trabalhando e a gente conversava [...] Era mais as conversas entre os amigos né, a gente se vendo toda hora, todo instante, todo dia né. (Técnico 02).
[...] eu consegui assim falando com amigos e familiares eu desabafava muito, mas nada procurando psicólogo, sabe? [...] uma se ajudava, uma desabafava com a outra [...] a estratégia que eu tive foi falar com pessoas próximas, tipo meus amigos [...] (Enfermeiro 03).
A equipe de trabalho aliviavam a solidão de está longe da família (Enfermeiro 04).
Destaca-se pelos participantes o cuidado da saúde mental e a saúde espiritual. Foi identificado na fala de três participantes que atestam a oração como meio de proteção ao adoecimento psíquico no período da pandemia. É o que podemos verificar nas falas a seguir:
Acho que a terapia de todo mundo e falando da minha pessoalmente é Deus né, a única terapia foi estar ainda mais perto de Deus [...] (Técnico 02).
Como não podia ficar com a família, foi a busca por ajuda espiritual, por aumentar a fé e acreditar que dias melhores iriam chegar [...] Participava de correntes de orações online, nisso tinha muita ajuda espiritual (Técnico 03).
[...] tinha um médico e um coral que cantava músicas e louvava e aquecia o coração dos profissionais e pacientes (Técnico 04).
Um fator protetivo em um participante foi o início do acompanhamento terapêutico com psicólogo, após se sentir adoecido psiquicamente com a pandemia. É o que podemos observar na transcrição a seguir:
Eu fiquei fazendo terapia online, não dava pra ser presencial, fiquei fazendo online, é isso de certa forma ajudava muito, porque era uma pessoa diferente que não tava ali no meu meio e que eu podia expor tudo o que eu tava sentindo e ouvi dela coisas que eu não ouviria de pessoas que tavam próximas a mim né, então ajudava muito e eu tentava fazer coisas que me fizessem me sentir bem e me fizessem esquecer do trabalho do que eu tava vendo ali [...] mas o cuidado mesmo que eu tinha durante a pandemia era a terapia, comecei a fazer durante a pandemia [...] (Enfermeiro 01).
Na dinâmica diária do profissional da enfermagem, o mesmo lida com circunstâncias que requerem mudanças adaptativas por parte do próprio funcionário ou por parte da instituição empregatícia para vir a superar um possível cenário estressor, a fim de proporcionar um ambiente de trabalho suportável e/ou saudável para todos de forma geral. Com o cenário da pandemia o processo adaptativo se desenvolveu de forma mais lenta, pois atingiu a categoria com diversas dificuldades, sendo elas, a proteção física contra a doença, a estrutura física laboral, as condições, sobrecargas e jornadas de trabalho, além da visibilidade social e do alto risco de adoecimento psíquico(12).
Diante do exposto, observando a fala dos participantes foi identificado aspectos ambientais que influenciaram para a proteção da saúde mental dos profissionais da enfermagem e que pode ser apontado como uma estratégia de prevenção institucional. Nesse sentido organizacional de estratégia do trabalho, o primeiro aspecto percebido de forma acentuada por cinco participantes foi a relação de trabalho entre os componentes da equipe, que propiciou uma rede de apoio mútuo, amigável e fortalecedor diante dos desafios do momento vivido. É o que podemos constatar no registro das falas a seguir:
Os cuidados foi só a base mesmo dos amigos, que a gente ia conversando, a gente trabalhando e a gente conversava e só [...] em relação a equipe, a equipe era top, a gente se ajudava muito e serviu também pra que a gente assim trabalhasse em equipe né, se ajudando um ao outro (Técnico 02).
Foram uma grande família [equipe de enfermagem] [...]. Quando um estava muito triste, o outro ajudava com palavras amigas (Técnico 03).
[...] então tinham colegas de trabalho que uns ajudavam os outros sem, sem poupar esforços, sem poupar medidas né [...] (Enfermeiro 01).
A equipe trabalhou unida [...] com um bom relacionamento interpessoal (Enfermeiro 02).
Foi de companheirismo, eu acho assim, todo mundo tava num barco só, todo mundo tava com medo, todo mundo também não sabia de muita coisa, então a gente ficou bem unido, sabe? [...], então a gente sempre se ajudou e na pandemia não foi diferente, né, eu tenho uma equipe maravilhosa também, técnico de enfermagem tem bastante experiência, e assim, nos momentos mais difíceis como eu falei, quando eu fui pro banheiro chorar e quem foi lá foi a técnica que foi me ajudar e me deu um apoio porque a gente não era mais só um ambiente de trabalho, né, era um ambiente realmente de família, porque eu tava aqui quase todos os dias, a gente viu muita coisa presenciou muita coisa, uma se ajudava, uma desabafava com a outra, então acho que a palavra é companheirismo no total [...] (Enfermeiro 03).
De união, todas se ajudaram [a equipe de enfermagem] [...] os momentos coletivos foram no hospital (Enfermeiro 04).
Outro aspecto foi percebido na fala de sete participantes e que foi compreendido como algo protetor da saúde mental, que é inerente ao ambiente hospitalar, a relação com o paciente, o apoio e a ajuda que o profissional se sentiu capaz de realizar e se tornar mais importante no processo de cuidado. É o que podemos perceber na fala dos participantes a seguir:
Só assim né, questão de saber que os pacientes eles viram a gente mais como, mais ainda familiar, então eles se apegavam mais a gente, eles tinha a gente como a família que eles não poderiam ta próximo, então isso que me motivou, que a gente tava ali e tava dando, assim como a gente motivava eles, eles nos motivava, dando também gestão de carinho né, que por mais que tanto quanto a gente sofreu eles também sofreram, então era uma troca (Técnico 01).
O que motivou eu ser mais forte e saber que ali eu podia ser uma pessoa que poderia fazer diferente né, tava ali pra ajudar né [...] e ser mais presença na vida das pessoas (Técnico 02).
Saber que aquela pessoa [paciente] também tinha uma família, um filho esperando e contando com meu profissionalismo pra salvar aquela vida [motivava] (Técnico 03).
[...] entender que no nosso dia a dia as vezes nós somos a primeira e a última pessoa que o paciente ver, [...] tratar as pessoas como nós gostaríamos de ser tratados (Técnico 04).
Então, é, por eles [pacientes] eu não desisti [...] (Enfermeiro 01).
[...] visando o melhor para os pacientes [...] salvar vidas e mudar vidas de forma direta e indireta [...] que a ciência da enfermagem salva vidas, que a enfermagem é fundamental no processo do cuidar [motivava] [...] (Enfermeiro 02).
[...] realmente é a empatia né, se colocar no lugar do outro, é saber que a dor do outro ela pode ser tão forte que você acaba sentindo como se fosse sua [...] (Enfermeiro 03).
Outro aspecto que chamou atenção, apesar de ter sido citado apenas por um participante, foi a questão da criação e implementação da vacina contra a COVID-19, que foi percebida como uma forma de proteção a saúde mental, pelo significado e importância que a mesma representa para a sociedade. A seguir a descrição da fala do participante:
Para mim foi a esperança da vacina, tudo que eu me apegava era a vacina, porque não existe nenhum outro meio de você combater uma pandemia desse, de uma pandemia como o nome está mesmo falando se não seja a vacina né, então assim, a minha esperança era encontrar a vacina porque eu sabia que quanto mais gente vacinada mais gente imunizada; então assim para mim era sempre a esperança da vacinação, quanto mais gente vacinada eu sabia que era o melhor, então pra mim a grande motivação da minha vida é saber que um final estava próximo, porque eu sabia que tinha gente no mundo todo, vários cientistas do mundo tentando achar a vacina e quando achou foi maravilhoso, porque ai melhorou [...] (Enfermeiro 03).
A partir dos resultados encontrados é possível inferir sobre a importância de o profissional construir meios de adaptação laboral e que o seu ambiente laboral além de propiciar esse meio, o próprio profissional perceba estratégias de autocuidado, afim de que o sofrimento causado pelas mudanças repentinas provocadas pela pandemia por COVID-19 não venha a causar adoecimento e sofrimento psíquico(13).
Mediante os resultados de proteção é importante ressaltar que é essencial o autocuidado dentro e fora do ambiente de trabalho. O cuidado com a mente começa pelo cuidado com o próprio corpo e dentro do espaço laboral a melhor medida de proteção mediante um processo estressor como a pandemia é ter um relacionamento saudável e amigável não apenas entre a equipe de enfermagem, mas entre as equipes multidisciplinares, para que a partir da boa convivência o apoio se torne mútuo e a proteção à saúde mental aconteça de forma concreta(5).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo buscou identificar os fatores estressores e protetivos à saúde mental a partir da ótica dos próprios profissionais da enfermagem durante a vivência no período da pandemia por COVID-19. Para isso, a pesquisa de cunho qualitativo, com pesquisa de campo, foi realizada com entrevistas semiestruturadas a profissionais da enfermagem de ambos os sexos, com distintas experiências e diferentes idades, o que proporcionou resultados com particularidades incomuns, de características próprias de cada pessoa e resultados com respostas comuns para a maioria, tornando algo unânime, de percepção coletiva.
Em se tratando dos resultados do estudo é possível inferir que os profissionais da enfermagem enfrentaram um grande desafio durante a pandemia da COVID-19, onde o prognóstico é que esse enfrentamento seja constante, pois o cotidiano hospitalar compila a um estado de desgaste físico e mental. O aspecto protetivo é percebido nos resultados, na vivência do cotidiano laboral e pessoal, o que constata a atuação de um autocuidado exercido pela maioria dos participantes da pesquisa.
Como limite deste estudo, destaca-se que os participantes inclusos na pesquisa foram quatro técnicos de enfermagem e quatro enfermeiros, não sendo incluído mais que esse quantitativo e não foi abordado nenhuma outra profissão da área da saúde. Outro limite foi o campo de pesquisa, um único hospital da rede pública de saúde, não sendo incluído nenhuma outra rede hospitalar pública ou privada.
Na temática de saúde mental abordando a profissão de enfermagem como alvo de risco em uma situação de pandemia, presume-se que o resultado da pesquisa respondeu à pergunta de partida, contemplou o objetivo da pesquisa e aprofundou sobre a importância da temática na atuação do profissional de enfermagem. Infere-se ainda que além de considerar que o presente estudo alcançou com totalidade o contexto sistemático do tema proposto, o artigo tem grande relevância literária para base de estudos para futuros pesquisadores.
Conclui-se que o presente estudo alcançou sua finalidade de abordar com mais presença científica a questão da saúde mental dos profissionais da enfermagem, dessa forma atribui-se a relevância do presente artigo nessa temática e sugere-se para fins de pesquisa estudos sobre outras classes profissionais na área da saúde, outras regiões e vínculos empregatícios. Sugestiona-se também uma análise longitudinal dos participantes (após o período de pandemia), como foram os cuidados permanentes e abandonados para saúde mental e o aprofundamento de estudos sobre as relações no contexto laboral (pares e hierarquias).
REFERÊNCIAS
1. Onocko-Campos RT. Mental health in Brazil: strides, setbacks, and challenges. Cadernos de Saúde Pública [Internet]. 2019 [citado em 10 ago. 2022];35(11). Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2019001300501&script=sci_arttext&tlng=en.
2. Gaino LV, Souza J, Cirineu CT & Tulimosky TD. O conceito de saúde mental para profissionais de saúde: um estudo transversal e qualitativo. SMAD. Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.). 2018;14(2):108-116.
3. Santos
AM, Cunha ALA, Cerqueira P. O matriciamento em saúde mental como dispositivo
para a formação e gestão do cuidado em saúde. Physis: Revista de Saúde
Coletiva. 2020 [citado em 10 ago. 2022];30(4). Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/jhPjTBJTSTX3ssYqD35ztfS/
?lang=pt.
4. Brasil. Nota Técnica Nº 11/2019. Esclarecimentos sobre as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas. Brasil: Ministério da Saúde [internet], 2019 [citado em 10 ago. 2022]. Disponível em: https://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2019/02/0656ad6e.pdf.
5. Dal’Bosco EB, Floriano LSM, Skupien SV, Arcaro G, Martins AR, Anselmo ACC. Mental health of nursing in coping with COVID-19 at a regional university hospital. Revista Brasileira de Enfermagem. 2020;73(suppl 2).
6. Conselho Federal de Enfermagem. Enfermagem em números: dados quantitativos. Brasil: COFEN [Internet], 2020 [citado em 01 ago 2020]. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/enfermagem-em-numeros>.
7. Souza e Souza LPS, Souza AG. Enfermagem brasileira na linha de frente contra o novo Coronavírus: quem cuidará de quem cuida? J. nurs. health. 2020;10(n.esp.):e20104005.
8. Alvim CCE, Souza MMT, Gama LN, Passos JP. Relação entre processo de trabalho e adoecimento mental da equipe de enfermagem. Revista Fluminense de Extensão Universitária. 2017 Jan./Jun.; 07(1):12-16.
9. Ueno LGS, Bobroff MCC, Martins JT, Machado RCBR, Linares PG, Gaspar S de G. Estresse ocupacional: estressores referidos pela equipe de enfermagem. Revista de Enfermagem UFPE on line. 2017 Mar 7;11(4):1632–8.
10. Moreira AS, Lucca SR. Apoio psicossocial e saúde mental dos profissionais de enfermagem no combate à covid-19. Enferm. Foco. 2020;11(1) Especial: 155-161.
11. Humerez DC, Ohl RIB, Silva MCN. Saúde mental dos profissionais de enfermagem do brasil no contexto da pandemia covid-19: ação do conselho federal de enfermagem. Cogitare Enfermagem. 2020 May 28;25.
12. Neres H da SR, Pedrosa LG, Santos WL dos. Consequências do estresse vivenciado pelos trabalhadores da enfermagem na luta contra a covid-19: revisão literária. Revista JRG de Estudos Acadêmicos. 2021 Jul 13;5(9):136–46.
13. Bockorni BRS, Gomes AF. A amostragem em snowball (bola de neve) em uma pesquisa qualitativa no campo da administração. Revista de Ciências Empresariais da UNIPAR. 2021;22(1):105-117.
14. Bardin L. Análise de conteúdo: Laurence Bardin. Tradução Luís Antero Reto, Augusto Pinheiro. São Paulo: Edições, v. 70;2011.
15. Ministério da Saúde (BR); Conselho Nacional de Saúde (BR). Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasil: Conselho Nacional de Saúde [Internet], 2012 [citado em 10 jun 2021]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf&g.
16. Andrade RCR; Inoue SRV. Saúde mental dos profissionais da saúde em tempos de pandemia da COVID-19: revisão narrativa de literatura; 2021.
17. Neves C, Zago MC. O sofrimento psíquico dos trabalhadores em saúde mental. Atibaia: Curso de Psicologia, FAAT; 2017.
18. Souza HA, Bernardo MH. Prevenção de adoecimento mental relacionado ao trabalho: a práxis de profissionais do Sistema Único de Saúde comprometidos com a saúde do trabalhador. Rev. bras. saúde ocup. 2019; 44:e26.
19. Guimarães AV, Brasil AM. O adoecimento psíquico e a atividade laboral do profissional de saúde [TCC]. Anápolis (GO): Centro Universitário de Anápolis – UniEVANGÉLICA; 2019.
20. Souza NVDO, Carvalho LC, Soares SSS, Varella TCMML, Pereira SEM, Andrade KBS. Trabalho de enfermagem na pandemia da covid-19 e repercussões para a saúde mental dos trabalhadores. Rev Gaúcha Enferm. 2021;42(esp):e20200225.
Submissão: 05-05-2022
Aprovado: 12-07-2022