O CUIDADO LÚDICO PELA ENFERMAGEM EM PEDIATRIA: CONHECIMENTO E DIFICULDADES PARA SUA UTILIZAÇÃO

 

THE PLAYFUL CARE FOR NURSING IN PEDIATRICS: KNOWLEDGE AND DIFFICULTIES FOR ITS USE

 

CUIDADO LÚDICO POR ENFERMERÍA PEDIÁTRICA: CONOCIMIENTOS Y DIFICULTADES PARA SU USO

 


 

1Jocyane Freitas de Almeida Correio

2Aline Barros Barbosa

3Maria Luiza Maués de Sena

4Edficher Margotti

5Tarciso Feijó da Silva

6Vagner Ferreira do Nascimento

 

1Universidade Federal do Pará. Belém-Pará, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8586-4574

 

2Universidade Federal do Pará. Belém-Pará, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5232-6908

 

3Universidade Federal do Pará. Belém-Pará, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6785-7672

 

4Universidade Federal do Pará. Belém-Pará, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2948-8284

 

5Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro-Rio de Janeiro, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5623-7475

 

6Universidade do Estado do Mato Grosso. Mato Grosso-Mato Grosso, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4491-0375

 

Autor correspondente

Tarciso Feijó da Silva

Av. Pastor Martin Luther King Júnior 2120, apto 104, Del Castilho, Rio de Janeiro, CEP: 20765000, (21) 982552818, tarcisofeijo@yahoo.com.br

 

Fomento: A pesquisa foi desenvolvida sem apoio financeiro.

 

 

RESUMO

Objetivo: Identificar o conhecimento relacionado ao cuidado lúdico e as dificuldades para sua utilização pela equipe de enfermagem em pediatria. Método: Estudo exploratório, com abordagem qualitativa, junto a enfermeiros de hospitais de Belém, Pará, Brasil, em abril de 2021. A coleta de dados ocorreu através de entrevistas semiestruturadas. Aplicou-se a análise de conteúdo. Resultados: Entre os doze enfermeiros participantes, emergiram as seguintes categorias: interação e ressignificação de traumas; utilização de brinquedos; brincar espontâneo; utilização de jogos; sobrecarga de trabalho; indisponibilidade de recursos materiais; transferência de responsabilidade; ausência de protocolo e capacitação; indisposição e desmotivação profissional e cuidado lúdico na assistência de enfermagem. Considerações finais: Os enfermeiros percebem a importância do cuidado lúdico na assistência, porém a sobrecarga de trabalho, ausência de protocolos e capacitação, indisponibilidade de materiais, indisposição e desmotivação profissional, impossibilitam a utilização do lúdico como instrumento no cuidado à criança.

Palavras chave: Ludoterapia; Enfermagem Pediátrica; Humanização.

 

ABSTRACT

Objective: To identify the knowledge related to ludic care and the difficulties for its use by the pediatric nursing team. Method: exploratory study, with a qualitative approach, with nurses from hospitals in Belém, Pará, Brazil, in April 2021. Data collection took place through semi-structured interviews. Content analysis was applied. Results: Among the twelve participating nurses, the following categories emerged: interaction and re-signification of traumas; use of toys; spontaneous play; use of games; work overload; unavailability of material resources; transfer of responsibility; lack of protocol and training; professional indisposition and demotivation and ludic care in nursing care. Final considerations: Nurses realize the importance of playful care in assistance, but the work overload, lack of protocols and training, unavailability of materials, unwillingness and professional demotivation, make it impossible to use play as a tool in child care.

Key words: Play Therapy; Pediatric Nursing; Humanization.

 

RESUMEN

Objetivo: Identificar los conocimientos relacionados al cuidado lúdico y las dificultades para su utilización por el equipo de enfermería pediátrica. Método: estudio exploratorio, con abordaje cualitativo, con enfermeros de hospitales de Belém, Pará, Brasil, en abril de 2021. La recolección de datos ocurrió a través de entrevistas semiestructuradas. Se aplicó el análisis de contenido. Resultados: Entre los doce enfermeros participantes, emergieron las siguientes categorías: interacción y resignificación de traumas; uso de juguetes; juego espontáneo; uso de juegos; sobrecarga de trabajo; falta de disponibilidad de recursos materiales; transferencia de responsabilidad; falta de protocolo y formación; Indisposición y desmotivación profesional y cuidado lúdico en el cuidado de enfermería. Consideraciones finales: Los enfermeros perciben la importancia del cuidado lúdico en asistencia , pero la sobrecarga de trabajo, la falta de protocolos y capacitación, la falta de disponibilidad de materiales, la falta de voluntad y la desmotivación profesional, imposibilitan el uso del juego como herramienta en el cuidado del niño.

Palabras clave: Ludoterapia; Enfermería Pediátrica; Humanización.



INTRODUÇÃO

 

            O brincar representa uma das atividades mais importantes para a criança durante todas as fases da infância. Essa atividade estimula a criatividade, a autoconfiança, a consciência corporal e habilidades para o desenvolvimento do sistema psicomotor, cognitivo, social e afetivo. Além de auxiliar no expressar das emoções e experiências com o ambiente1.

No ambiente hospitalar, é consenso que o brincar e o desenvolvimento do lúdico junto a crianças traz importantes benefícios, especialmente na melhora da resposta e enfrentamento da dor, no alivio de tensões e estresse do próprio processo terapêutico, inclusive na redução do período de hospitalização2,3. O cuidado lúdico desponta como alternativa de baixo custo e com efeitos relevantes e positivos para a assistência de enfermagem1-3.

            A Política Nacional de Humanização (PNH), entre outros aspectos, fortalece estratégias dessa natureza na atenção hospitalar, ao orientar novos arranjos de trabalho e estimular os profissionais a criarem métodos que qualifiquem o ambiente e práticas de cuidado, em prol do acolhimento humanizado4. Adicionalmente, a lei nº 11.104 de 21 de março de 2005 aponta como obrigatória a instalação de brinquedotecas em ambientes onde há assistência pediátrica em regime de internação5, que combina prática lúdicas para possibilitar a interação da criança enferma com seus aspectos saudáveis, em momentos de lazer e aprendizagem.

            Na enfermagem, o cuidado lúdico pode ocorrer a partir da interação entre a equipe de enfermagem e o paciente, seja pela utilização de técnicas criativas de comunicação, ou do brincar terapêutico que desperte o interesse, traga emoções positivas e desvie a atenção dos sofrimentos6. O brincar no serviço de pediatria é entendido como uma ferramenta de socialização, harmonização, descompressão, estabelecimento de vínculo e de promoção da educação em saúde7.

            Na prática dos serviços de saúde os profissionais de enfermagem tendem a ressignificar suas ações na perspectiva de diminuir o sofrimento dos usuários. Quando o cuidado envolve crianças faz-se necessário compreender que estratégias podem ser adotadas para a construção de vínculo, para direcionamento das atividades de tal forma que elas se revertam em melhoria na adesão e no estado de saúde e principalmente contribua para dirimir a dor e o sofrimento vivenciado.

A utilização do lúdico em pediatria tem sido vista como uma possibilidade terapêutica capaz de produzir efeitos positivos sobre a saúde das crianças, bem como no ambiente e nas relações de trabalho no setor pediátrico. No entanto, cabe o questionamento: “Por que muitos profissionais de enfermagem apesar de reconhecerem os benefícios das atividades lúdicas em pediatria, não o realizam? Assim, visando responder a pergunta, este estudo teve por objetivo identificar o conhecimento relacionado ao cuidado lúdico e as dificuldades para sua utilização pela equipe de enfermagem em pediatria.

MÉTODO

 

            Trata-se de estudo exploratório e qualitativo, utilizando o protocolo COREQ. O cenário do estudo foram os setores de internação pediátrica de dois hospitais de públicos Federal e Estadual de grande porte de Belém, Pará, Brasil. Os hospitais possuem 24 e 48 leitos de pediatria, seno que o primeiro é referência para doenças transmissíveis e o segundo em saúde da mulher e da criança.

            Inicialmente, realizou-se visitas nas instituições investigadas, visando aproximar-se dos possíveis participantes. Na oportunidade, a equipe da pesquisa apresentou o projeto (objetivo, finalidade e duração) e esclareceu as dúvidas.

A amostragem do estudo foi não probabilística intencional e o tamanho amostral foi definido por saturação dos dados, até atingir os objetivos do estudo. Participaram do estudo enfermeiros atuantes de unidades pediátricas por no mínimo 12 meses. Foram excluídos, aqueles que verbalizaram nunca terem realizado atividades lúdicas no setor de pediatria, bem como enfermeiros que estavam de atestado ou licença no período de coleta dos dados.

             A coleta de dados ocorreu em abril de 2021 por duas acadêmicas de enfermagem, vinculada à projeto de extensão e pesquisa que tem como foco o cuidado lúdico e a utilização do brinquedo terapêutico. As discentes foram previamente treinadas pela coordenação do projeto composta por profissionais enfermeiros e pesquisadores com experiência na temática.

As entrevistas foram individuais e áudio gravadas, no próprio local de trabalho e em horário e ambiente escolhido pelo participante. Utilizou-se um roteiro semiestruturado, composto por duas questões norteadoras: “Qual seu conhecimento sobre cuidado lúdico e sua utilização na prática de enfermagem”; “Quais os desafios na utilização do cuidado lúdico na assistência de enfermagem?”. Dentre as questões fechadas do roteiro havia dados de identificação, como sexo, idade, tempo de formação, titulação acadêmica, tempo de atuação em unidade pediátrica e conhecimento a respeito de cuidado lúdico. Inicialmente foi realizada entrevista com enfermeiro escolhido de forma aleatória para validação do roteiro. As entrevistas tiveram duração média de 40 minutos.

            Os dados coletados foram transcritos no Microsoft Excel, sendo que os entrevistados foram identificados por códigos alfanuméricos, com a inicial da sua categoria profissional, seguida do número da ordem dos questionários: enfermeiros (E1, E2, E3...). A análise foi delineada pela técnica de análise de conteúdo8, considerando as seguintes etapas: pré-análise; exploração do material, pela codificação e a categorização do material; e interpretação dos resultados, delineada pela inferência. As transcrições e interpretações foram enviadas aos participantes, via e-mails pessoais (informados pelas instituições de saúde), para comentários e/ou correções. Os participantes tiveram a oportunidade de apresentar de forma escrita considerações sobre possíveis incongruências nas transcrições dos pesquisadores. Porém, não houve disparos dos mesmos com solicitação de mudanças.

            O estudo atende às diretrizes éticas, tendo aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará (UFPA), com CAAE: 42682721.2.0000.0018 e parecer n. 4.589.966. Todos os participantes do estudo aceitaram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

           

            A faixa etária predominante dos profissionais é de 41 a 50 anos (42%), com tempo de atuação em pediatria maior que 11 anos (50%). Entre os 11 enfermeiros com especialização, quatro são na área pediatria, sendo os demais com formação em saúde pública (3), nefrologia (1), gestão (1), saúde do trabalhador (1) e auditoria (1). A maioria (91%) refere ter conhecimento sobre o cuidado lúdico (Tabela 1).


 

Tabela 1 - Caracterização sociodemográfica dos participantes e conhecimento sobre cuidado lúdico. Abril de 2021. Belém, Pará, Brasil. (n=12)

Variáveis

n

%

Sexo

 

 

Masculino

-

-

Feminino

12

100

Faixa etária

 

 

20 - 30 anos

1

8

31 - 40 anos

3

25

41 - 50 anos

5

42

51 – 60 anos

3

25

Tempo de formação (Enfermeiro)

 

 

 1 - 5 anos

1

8

 6 - 10 anos

2

16

11 - 15 anos

1

8

16 - 20 anos

5

43

> 21 anos

3

25

Titulação acadêmica

 

 

Graduação

1

8

Especialização

10

84

Mestrado

1

8

Tempo de atuação em pediatria

 

 

< 01 ano

4

34

 1 - 5 anos

1

8

 6 - 10 anos

1

8

11 - 15 anos

4

34

> 16 anos

2

16

Conhecimento sobre cuidado lúdico

 

 

Sim

11

91

Não

1

9

Fonte: Próprios autores, 2021.

 

 

 

           


A partir do material, emergiram duas categorias “Conhecimento a respeito do cuidado lúdico e sua utilização” e “Dificuldades para utilização do cuidado lúdico na prática de enfermagem”.

           

Conhecimento a respeito do cuidado lúdico e sua utilização     

           

            A interação do profissional com a criança através da ludicidade promove a segurança da mesma e faz com que, por instantes, seja esquecido o sofrimento de se estar vivenciando determinado processo.

 

Utilizamos o lúdico como forma de interagir com as crianças, na tentativa, também, de ressignificar o trauma causado pelos procedimentos dolorosos, relacionados ao profissional. Assim como para o alívio da dor. (E1)

 

Utilizamos brinquedos para chamar atenção durante algum procedimento para ajudar a ansiedade ou distrair.  (E7)

 

            Esses discursos corroboram com outros achados, em que se acredita que o cuidado lúdico pode trazer contribuições significativas para a assistência de enfermagem ao contribuir para a sensibilização dos profissionais de enfermagem na adoção de práticas humanizadas9. Estudo realizado com 15 profissionais de enfermagem de um hospital municipal do Rio de janeiro que buscou analisar o uso de estratégias lúdicas no cuidado à criança hospitalizada convergiu para ampliar o relevo sobre a utilização do cuidado lúdico no cuidado à criança ao aponta-lo não só como uma possibilidade de entretenimento/distração e alternativa de aproximação entre o profissional, a criança e a família, mas também como uma estratégia que pode ser adotada para minimizar a dor e o sofrimento durante os procedimentos10.

Verifica-se que é comum a utilização de brinquedos nas atividades lúdicas, sejam eles dos próprios pacientes, ou disponibilizados pela unidade hospitalar ou doados pelos profissionais de saúde.

 

Durante a visita no leito, procedimento como curativo e exame físico com criança, através da utilização de brinquedos [...]. (E5)

 

Utilizamos brinquedos para chamar atenção durante algum procedimento para ajudar a ansiedade ou distrair. (E7)

 

            As falas dos participantes sinalizam que o lúdico, mostra-se como um meio apropriado para conhecer um pouco melhor o que acontece com a criança durante o brincar, com destaque para a interação, articulação e interdependência entre as faculdades psicológicas superiores. Reforça, mais uma vez, a importância da inclusão de técnicas lúdicas na prática assistencial do enfermeiro junto à criança hospitalizada11. Ocorre que não se pode perder de vista que as experiências e possibilidades lúdicas devem variar de acordo com cada criança, suas capacidades de assimilação e condições pré-existentes de saúde física e cognitiva12.

Na prática na ausência de brinquedos observam-se certos improvisos dos profissionais para manutenção do cuidado lúdico. Esse dado vai de encontro às estratégias adotadas em estudo de mesma abordagem que identificou utilização de materiais hospitalares e vestimentas diferenciadas quando o brinquedo não estava disponível10.

 

No ato da admissão e em pequenos procedimentos utilizamos luvas para fazer rostos, boneca com as próteses que a criança utiliza durante a internação. (E6)

 

Há a concordância de que o brinquedo fornece ao enfermeiro uma intervenção não farmacológica viável, que potencialmente ajuda a distrair a crianças e gerenciar a intensidade da dor, com melhora na experiência da hospitalização1,13. Assim, por estar diretamente relacionado à brincadeira, traz a ideia de diversão e prazer, os quais minimizam os danos emocionais causados pelo processo de hospitalização. Ao procurar, dentro de suas possibilidades, viabilizar meios para o cuidado lúdico o enfermeiro se sobrepõe à valorização da tecnologia, que estima somente a cura e procura considerar como prioridade o próprio paciente, colocando-se à disposição para atender às demandas que para ele são relevantes.

A utilização de diferentes tipologias de brincadeiras surgiu como forma de criar vínculos e entreter a criança, estando geralmente atrelada a um procedimento específico de enfermagem.

 

Durante os curativos canto música infantil, brinco com as crianças. (E7)

 

Através de atividades (brincadeiras) como: ouvir músicas e danças. (E9)

 

Às vezes utilizo brinquedo do dia a dia da criança para realizar procedimentos. (E11)

 

            Utilizar-se do brincar espontâneo no cotidiano pode proporcionar à criança a ligação entre o imaginário e o mundo real, trazendo a ela novos conhecimentos1. O brinquedo traduz o real para a realidade da criança, aguça e aflora sua sensibilidade14, o que pode contribuir para que ela lide melhor com os processos de sofrimento que vivencia

            Nas entrevistas a aplicação de jogos e o contar histórias emergiram como possibilidades de utilização do lúdico no cuidado de enfermagem.

 

Tenho aplicado histórias bíblicas e jogos após história. (E8)

 

            A percepção deste enfermeiro, condiz com achados de autores que afirmam que os jogos trazem divertimento e auxiliam no desenvolvimento físico, intelectual, emocional e social15. Os fantoches por exemplo, podem auxiliar nos cuidados de saúde, além de ser uma estratégia útil para envolver as crianças na aprendizagem significativa. Além disso, crianças, família e enfermeiros relatam o valor e o potencial dos fantoches para reduzir a ansiedade e preparar as crianças e suas famílias para o desconhecido15.

            Um dos aspectos fundamentais da arte do cuidar é a transmissão de sentimentos a quem é cuidado através do toque, sons, cores e formas. Assim, a habilidade do enfermeiro de se relacionar com o outro na relação transpessoal é traduzida através de movimentos, gestos, expressões faciais, procedimentos, toque, sons e expressões.

            Nesta ótica, o próprio fazer cotidiano do enfermeiro e as inúmeras atividades que realiza que vão desde o acolhimento até procedimentos sofisticados podem caracterizar momento oportuno para pôr em prática o lúdico. Através da forma que o enfermeiro se comporta, da postura que adota, do tom dócil e acolhedor, do uso de vestimentas e caracterizações que dão vida ao dia a dia da criança fora do ambiente hospitalar; da utilização de instrumentos/materiais customizados que tragam a memória costumes/hábitos das crianças e as façam se sentir à vontade; e o incentivo e envolvimento dos responsáveis no cuidado, com adoção de estratégias que perpassam pela participação deles, já permite o desenvolver da ludicidade.

 

Dificuldades para utilização do cuidado lúdico na prática de enfermagem

           

            No contexto da pediatria, o trabalho da Enfermagem por vezes está relacionado ao atendimento das rotinas associadas à internação da criança e ao acompanhamento do curso da doença. As necessidades inerentes ao desenvolvimento humano durante a assistência de enfermagem acabam por não ser valorizadas e tendem a não ser objeto de atenção no período de convalescência.

            No tocante à justificativa para a não utilização do lúdico a sobrecarga de trabalho emergiu de forma mais recorrente, sendo reconhecida majoritariamente como uma das principais dificuldades encontradas na utilização do lúdico no cuidado de enfermagem.

 

A rotina não permite que tenhamos tempo suficiente para trabalhar com atividades lúdicas. (E1)

 

 A principal dificuldade ocorre quando a enfermagem se encontra sobrecarregada de serviços burocráticos ou déficit de funcionários. (E3)

 

Falta de tempo nos serviços diários (rotina de enfermagem). (E5)

 

Rotina ser muito extensiva [...]. (E6)

           

            Considerando as características particulares de dependência que a criança apresenta em relação aos profissionais que a rodeiam durante a hospitalização, a utilização do lúdico é uma estratégia útil para produção de vínculo e relacionamento mais estreito, e por vezes, a sobrecarga de trabalho acaba por limitar os profissionais às tarefas rotineiras e de cunho repetitivo, impedindo-os de reconhecer demandas que porventura possam estar causando dor e sofrimento às crianças.

As manifestações dos enfermeiros vão ao encontro dos achados de trabalhos onde destacam que; a sobrecarga de trabalho não é um fator isolado. Ela está associada a uma cascata, que vai de déficit de profissionais, dificuldades relacionadas a dinâmica do trabalho, falta de tempo e até  questões burocráticas2,16,17 que impedem os enfermeiros de realizarem uma assistência mais humanizada, pautada na relação enfermeiro-paciente e com viabilidade de planejamento de ações orientadas pelo cuidado lúdico2.

A literatura aponta uma dupla dimensão associada à sobrecarga de trabalho. De um lado, a quantitativa que é evidenciada pela responsabilidade que por vezes a enfermagem assume por mais de um setor hospitalar, tendo que realizar revezamento quando diante de falta de outros profissionais, o que pode ser impeditivo para o enfermeiro gerir um cuidado em pediatria pautado pelo lúdico.  Por outro lado, a qualitativa verificada a partir da complexidade das relações humanas que existem nos serviços de saúde, dificuldade de comunicação e de otimizar o tempo para ações que tragam benefícios positivos para os pacientes17.

            Os Enfermeiros relataram carência na disponibilidade, pela instituição, de brinquedos e/ou outros materiais didáticos para realização de atividades lúdicas. A indisponibilidade de recursos materiais foi reconhecida como um limite importante para a aplicação do lúdico no cuidado de enfermagem à criança hospitalizada:

 

Não há disponibilidade de recursos materiais. (E4)

 

Seria os utensílios que não dispomos mais, tipo, canetinhas, lápis de cor, bonecos, brinquedoteca (espaço adequado). (E6)

 

Falta de brinquedos […] (E9)

 

             Na prática, a depender do cenário, das questões políticas que afetam o financiamento das ações desenvolvidas e do modelo de atenção adotado para gestão do cuidado, observa-se a falta de investimento no ambiente hospitalar, o que repercute de maneira negativa na forma do cuidado, no acolhimento, na escuta qualificada e na autonomia dos sujeitos8.

            Esse cuidado lúdico, não precisa necessariamente de ambiente projetado para tal. Há estratégias que podem ser utilizadas, mas requerem empenho dos profissionais envolvidos nesse cuidado, pois, em algumas circunstâncias, deverão lidar com pedidos e arrecadação de doações e reaproveitamento de materiais2,18.

            Os enfermeiros também sinalizaram que, por conta da rotina, acabam por transferir a responsabilidade do cuidado lúdico para a equipe de Terapia Ocupacional:

 

 [...] existe equipe própria para lidar com crianças nesse tipo de questão. (E10)

 

 [...] na enfermaria tem Terapia Ocupacional. (E11)

 

            A equipe de enfermagem passa o maior tempo junto ao paciente e apesar de não haver normativa que discorra sobre o papel exclusivo dos profissionais de enfermagem no cuidado lúdico, pela rotina de cuidado instituída que envolve realização de procedimentos dolorosos aos olhos infantis, como curativos, punções venosas e administração de medicamentos, pode se valer dos benefícios do cuidado lúdico na prática assistencial. A transferência desse cuidado exclusivamente para outros profissionais, pode deixar a imagem do profissional de enfermagem, como sendo aquele que vai até o leito para gerar dor, choro e incômodos na criança.

            Nesse sentido, faz-se necessário, valorizar o trabalho multiprofissional e multidisciplinar, que pode ser alcançado por momentos de integração entre os diferentes profissionais, conhecimento das necessidades dos pacientes, discussão de casos e construção de estratégias coletivas de intervenção mais humanizadas, no que o cuidado lúdico pode despontar como alternativa viável1.

            Os participantes indicaram que há falta de protocolo institucional que oriente a organização, o planejamento e a implementação de cuidado lúdico.

 

Falta protocolo institucional para o cuidado lúdico [...]. (E4)

 

[...] equipe de técnicos não terem treinamentos sobre a importância do brincar no ato de cuidar, e incorporar no dia a dia essa rotina[...]. (E6)

 

[...] treinamento em serviço. Capacitação em ludoterapia mais cuidado. (E11)

 

            As narrativas concordam com outros autores que afirmam que a utilização do lúdico no ambiente hospitalar tem a necessidade de mais conhecimento técnico-científico no que refere a pratica cotidiana dos profissionais de enfermagem8. Outros ainda dizem que o brincar sistematizado prescinde de um modelo que o normatize e o torne válido na instituição e que guie o profissional no cotidiano da assistência à criança. Este deve ser pautado na integralidade da atenção e fundamentado nos pressupostos da humanização18. Não obstante, a institucionalização do lúdico incorre em repensar seus efeitos para melhoria da qualidade de vida das crianças hospitalizadas e em espaços, materiais, objetos e disponibilidade de equipe, o que não foi ouvido nas declarações dos enfermeiros.

            A indisposição profissional é fator que impede a prática do cuidado lúdico. Por vezes, mesmo tendo espaço e condições, os profissionais apontaram que a depender da disposição e motivação do profissional é pouco provável que o cuidado lúdico seja desenvolvido.

 

Tem muito haver, por vezes, com a disposição do profissional, em ter sensibilidade de perceber a criança, perceber muito além do seu trabalho, do seu procedimento. (E1)

 

Falta de protocolo institucional, motivação profissional. (E4)

 

[...] Na verdade o que falta é motivação profissional. (E5)

 

Não temos incentivo em usar o que foi aprendido [...]. (E9)

 

            A assistência de enfermagem não envolve somente procedimentos técnicos e invasivos, mas, especialmente, é saber lidar com o outro, através de conhecimentos específicos, respeito, presença, delicadeza e muita empatia a fim de entender suas particularidades de modo a transpor esse cuidado para a criança e sua família17. A relação interpessoal entre enfermeiro-paciente é um processo que requer de forma sistemática orientação, identificação, exploração e resolução.

É relevante considerar que o ato de brincar constitui-se em recurso de comunicação viável e adequado da equipe de enfermagem pediátrica, sendo essencial que ela conheça os benefícios dessa ação e avance na construção de um conhecimento intuitivo, pautado na prática diária, para um outro nível conceitual que abarque a sistematização da assistência de enfermagem e produza  reflexões sobre a tipologia de cuidado implementado e quais os benefícios alcançados19.

            Alguns participantes não conseguiram correlacionar o uso da atividade lúdica com a assistência de enfermagem.

                       

[…] a equipe de técnicos não terem treinamentos sobre a importância do brincar no ato de cuidar, e incorporar no dia a dia essa rotina (resistência dos profissionais antigos nas novas formas auxiliares de mesclar o lúdico com a assistência. (E6)

Às vezes a dificuldade maior é o tempo que utilizamos com a assistência, a SAE. (E9)

 

O que percebo é que se tratar de um assunto novo na área de enfermagem. (E11)               

 

            As narrativas vão de encontro a afirmativa de que a atividade lúdica utilizada como ferramenta mediadora nas etapas do processo de enfermagem, favorece a aproximação do profissional com a criança e permite que ela se envolva de forma lúdica com o cuidado prestado, desconstruindo concepções que associam o processo de viver com a doença, com a ideia de sofrimento e a diminuição da qualidade de vida20.

            O enfermeiro que atua em pediatria deve compreender a importância de oferecer uma assistência humanizada à criança, que não foque apenas em sua condição patológica, mas, também em seu estado psicológico e social, permeando o universo infantil2,7. Dessa forma, através do brincar é possível ter uma visão mais precisa das necessidades da criança, de modo que o enfermeiro poderá elaborar planos de cuidado que atendam às reais necessidades dos menores17.

           

O cuidado em si em pediatria é diferenciado. Mas a ludoterapia deveria ser institucionalizada […]. Capacitação em ludoterapia mais cuidado. (E10)

 

            As diversas atividades lúdicas, orientadas e não estruturadas precisam ser priorizadas, e tanto podem ser utilizadas em grupo como em assistência individualizada21,22. As instituições devem oferecer uma perspectiva inclusiva, pois mesmo que a criança não se movimente, são instrumentos de cuidados de enfermagem pertinentes, podendo ser utilizadas com crianças muito doentes ou com limitações físicas importantes4.

            As limitações do estudo se referem as características de estudos qualitativos, quanto a subjetividade e viés de memória dos participantes, assim como o caráter regional do estudo que pode não refletir outras realidades do Brasil. No entanto, os achados do estudo podem ampliar o olhar de gestores e dos próprios profissionais de enfermagem quanto a incorporação dessa prática no cuidado de enfermagem, e em consequência, viabilizar estratégias para modificar a realidade observada.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            Os enfermeiros têm a percepção que o atendimento à criança perpassa por outras necessidades, que pode não ter sido verbalizada, mais que pode influenciar na recuperação; o brincar. Reconhece essa necessidade, que pode ocorrer pela interação, com criação de novas alternativas de cuidado, como o cuidado lúdico, que tenham como foco a integralidade da atenção e pautadas no pressuposto de evitar ou até mesmo amenizar possíveis danos emocionais, causados pela hospitalização, além dos ocasionados pelo processo saúde-doença.

             Percebe-se que existem fatores que restringem a utilização do cuidado lúdico por parte dos enfermeiros, os quais foram relacionados, principalmente, à sobrecarga de trabalho, a indisponibilidade de recursos materiais, transferência da responsabilidade para a equipe da terapia ocupacional em aplicar o cuidado lúdico, à ausência de protocolos e de capacitação da equipe para utilizar a técnica do lúdico, a indisposição e desmotivação profissional em estar utilizando a técnica do cuidado lúdico e a dificuldade de alguns profissionais em inserir esse instrumento no plano de cuidados de enfermagem.         

                       

REFERÊNCIAS

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Submissão: 16-06-2022

Aprovado: 22-07-2022