NOÇÕES DE SAÚDE, ADOECIMENTO E ASSISTÊNCIA NA ÓTICA DE MULHERES PRIVADAS DE LIBERDADE

 

CONCEPTS OF HEALTH, ILLNESS AND ASSISTANCE FROM THE VIEWPOINT OF WOMEN DEPRIVED OF FREEDOM

 

NOCIONES DE SALUD, ENFERMEDAD Y ASISTENCIA A PARTIR DE LA OPTICA DE MUJERES EM SITUACIÓN DE PRIVACIÓN DE LIBERTAD


 

1Patrícia Regina de Oliveira

2Fernanda Beheregaray Cabral

3Leila Mariza Hildebrandt

4Andressa da Silveira

5Marta Cocco da Costa

6Kely Rathke Bonelli

 

1Enfermeira da Atenção Básica da Fundação Municipal de Saúde de Santa Rosa, Santa Rosa, Brasil

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0572-1128

 

2Universidade Federal de Santa Maria campus Palmeira das Missões, Palmeira das Missões, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4809-278X

 

3Universidade Federal de Santa Maria campus Palmeira das Missões, Palmeira das Missões, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0504-6166

 

4Universidade Federal de Santa Maria campus Palmeira das Missões, Palmeira das Missões, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4182-4714

 

5Universidade Federal de Santa Maria campus Palmeira das Missões, Palmeira das Missões, Brasil.

https://orcid.org/0000-0002-9204-3213

 

6Universidade Federal de Santa Maria campus Palmeira das Missões, Palmeira das Missões, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6992-8374

 

Autor correspondente

Fernanda Beheregaray Cabral

rua Rio Branco, 1083/903 Centro, Palmeira das Missões/RS - Brasil, 98300-000

Contato: +55(55) 996333401.

E-mail: cabralfernandab@gmail.com

 

 

 

RESUMO

Objetivo: conhecer as noções de saúde, adoecimento e assistência na ótica de mulheres privadas de liberdade. Método: Estudo de caso desenvolvido em um presídio no sul do país, em que participaram 11 mulheres privadas de liberdade. Os dados foram produzidos mediante entrevista, observação e análise documental, entre julho a outubro de 2017 e as enunciações submetidas à análise temática. Resultados: quanto as noções de saúde, as mulheres destacaram a ausência de doenças e sintomas físicos limitantes associado ao não uso de fármacos e boa alimentação. No que se refere ao adoecimento, as depoentes evidenciaram precariedades no sistema prisional, angústias e preocupações com os filhos e a família. Já a assistência prestada nos serviços de saúde foi considerada boa e resolutiva, com acesso facilitado, apesar de barreiras na acessibilidade pela logística do sistema prisional. Conclusão: a precarização prisional e o atendimento inadequado de necessidades básicas afetaram negativamente o processo saúde-doença feminino. Sugere-se melhorias na unidade prisional com vistas à promoção da saúde, dos direitos humanos e de cidadania de mulheres privadas de liberdade. 

Palavras chaves: Mulheres; Saúde da Mulher; Prisões; Assistência Integral à Saúde; Enfermagem.

 

ABSTRACT

Objective: To know the notions of health, illness and assistance from the perspective of women deprived of their liberty. Method: Case study developed in a prison in the south of the country, in which 11 women deprived of their liberty participated. The data were produced through interviews, observation and document analysis, between July and October 2017, and the statements were submitted to thematic analysis. Results: Concerning the notions of health, the women highlighted the absence of diseases and limiting physical symptoms associated with the non-use of drugs and poor diet. Regarding to illness, the interviewees evidenced precariousness in the prison system, anguish and concerns with their children and families. The assistance provided in the health services was considered good and resolute, with easy access, despite the barriers in accessibility, due to the logistics of the prison system. Conclusion: The prison precariousness and inadequate care for basic needs negatively affected the female health-disease process. Improvements are suggested in the prison unit with a view to promoting health, human rights and citizenship for women deprived of their liberty.

Keywords: Women; Women’s Health; Prisons; Comprehensive Health Care; Nursing.

 

RESUMEN

Objetivo: Conocer las nociones de salud, enfermedad y asistencia a partir de la óptica de las mujeres en privación de libertad.  Método: Estudio de caso desarrollado en un presidio en el sur de Brasil, donde participaron 11 mujeres en privación de libertar. Los datos fueron producidos mediante encuesta, observación y análisis documental entre julio y octubre de 2017, y las enunciaciones sometidas a un análisis temático Resultados: cuanto, a las nociones de salud, las mujeres destacaron la ausencia de enfermedades y síntomas físicos limitantes asociado al no uso de fármacos y mala alimentación. En lo que se refiere a las enfermedades, las deponentes evidenciaron las precariedades del sistema carcelario, angustias y preocupaciones con los hijos y familia. Relacionado a la asistencia prestada por los servicios de salud, fue considerada buena y resolutiva, con acceso facilitado, a pesar de que las barreras de accesibilidad por la logística del sistema carcelario. Conclusión: la precarización carcelaria y el atendimiento inadecuado de necesidades básicas afectaron negativamente el proceso de salud-enfermedad femenino. La sugerencia es que se implemente mejorías en la unidad carcelaria a buscar a la búsqueda de promoción de la salud, de los derechos humanos y de ciudadanía de mujeres en privación de libertad.   

Palabras clave: Mujeres; Salud de la Mujer; Prisiones; Atención Integral de Salud; Enfermería.


 

 


INTRODUÇÃO

O aprisionamento feminino é uma problemática mundial crescente, em que o Brasil ocupa o quarto lugar, sendo precedido apenas pelos Estados Unidos, China e Rússia. No país, entre os anos 2000 e 2016, essa taxa aumentou 656%, enquanto a masculina nesse período foi de 293%(1). Em junho de 2017, 37.828 mulheres estavam privadas de liberdade nas 1.507 penitenciárias cadastradas, correspondendo a taxa de ocupação de 118,8% e déficit total de 5.991 vagas(2). Ademais, o sistema prisional brasileiro originalmente constituído aos homens foi, posteriormente, adaptado às mulheres(3). Cerca de 75% dos estabelecimentos prisionais são masculinos, 18% são mistos, 7% são femininos e outros possuem ala adaptada às mulheres em estabelecimento masculino e, apenas 14,2% das unidades possuem espaço reservado para gestantes e lactantes(2). Para enfrentar a problemática do crescente aprisionamento feminino foi criada a Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional (PNAMPE), a fim de melhorar suas condições de vida e de saúde(4).

Para os profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS) cuidar de população prisional é desafiador, pois a atenção à saúde nesse cenário se diferencia dos demais contextos devido as suas especificidades, a exemplo das desigualdades de gênero que conformam processos de adoecimentos singulares na privação de liberdade(5-6). Dentre essas especificidades se impõe a urgência de que o sistema de atenção à saúde feminina no sistema prisional ultrapasse o tradicional enfoque biologicista, medicalizante e fragmentário das ações de saúde, mediante a incorporação de perspectivas como a da humanização, da integralidade, da longitudinalidade do cuidado nos diferentes ciclos de vida e da transversalidade de gênero(4).

Destaca-se que a atenção à saúde de mulheres privadas de liberdade, ancorada em tais perspectivas, favorece a ampliação desse enfoque na compreensão de diferentes vulnerabilidades e denota desafios à coordenação de ações intersetoriais e interprofissionais para o atendimento de suas demandas que tendem a ser invisibilizadas, tanto pelo Estado como pelos serviços de saúde. Tendo em vista o panorama do aprisionamento feminino como problemática para o campo da saúde coletiva, elenca-se a questão deste estudo: “Quais as noções de saúde, adoecimento e assistência na ótica de mulheres privadas de liberdade?”

O estudo se justifica frente as demandas de problematizar as noções de saúde, adoecimento e assistência de mulheres privadas de liberdade e apresentar elementos que contribuirão ao planejamento e implementação de intervenções acerca da promoção da saúde destas em unidade prisional. Para uma atenção à saúde de mulheres privadas de liberdade, convergente as demandas singulares desta população, faz-se necessário conhecer as noções de saúde e adoecimento a partir da perspectiva das mesmas. Este manuscrito objetiva conhecer as noções de saúde, adoecimento e assistência na ótica de mulheres privadas de liberdade. 

 

MÉTODOS

Estudo de caso(7), de abordagem qualitativa, que tem por unidade de análise um presídio Estadual localizado no sul do país. No período da pesquisa, encontravam-se abrigadas 241 pessoas privadas de liberdade, distribuídas entre os sistemas fechado, semiaberto e aberto, e 28 dessas eram do sexo feminino(8). A unidade prisional possui dez celas projetadas para abrigar 48 detentos em sistema fechado, das quais nove destinam-se a pessoas do sexo masculino, com cerca de 22 detentos em cada, e uma cela foi adaptada para abrigar mulheres em sistema fechado, e estava com 18 detentas à época. No local, há um prédio com capacidade para 148 pessoas dos sistemas semiaberto e aberto, distribuídas em sete alojamentos, sendo 81 homens e 10 mulheres(8).

Os critérios de inclusão foram: estar reclusa em sistema fechado há pelo menos três meses e possuir condições cognitivas para responder a entrevista. Foram excluídas aquelas privadas de liberdade em sistema semiaberto ou aberto. Das 18 mulheres privadas de liberdade em sistema fechado convidadas para o estudo, 11 demonstraram interesse e aceitaram o convite. Os dados foram produzidos de julho a outubro de 2017, mediante entrevista semiestruturada, observação não participante registrada em diário de campo e análise documental.

Na unidade prisional, a assistente social foi a referência profissional para a viabilização da pesquisa, assim foi acordado que seriam agendadas previamente duas entrevistas semanais, em sala disponibilizada pela instituição. Apesar do contato telefônico prévio na data agendada das entrevistas para certificação de sua viabilidade, por três vezes houve o cancelamento destas, pela falta de profissional para escolta das participantes e imprevistos na dinâmica da unidade prisional.

As entrevistas foram gravadas em mídia digital e duraram cerca de trinta minutos cada. Seu roteiro continha informações sociodemográficas, questões sobre saúde, processos de adoecimento na privação de liberdade, necessidades de saúde e práticas de autocuidado no ambiente prisional. A transcrição das entrevistas foi devolvida às participantes para validação de seus depoimentos.

Outra estratégia de produção de dados foi a observação não participante, realizada semanalmente, após as entrevistas. Nesses momentos, uma das autoras circulava pela unidade prisional, acompanhada por membro da equipe para conhecer a estrutura física, a rotina e o cotidiano das pessoas que ali se encontravam. Esse processo perdurou quatro meses, com total de 20 horas de observação registradas em diário de campo, cujas notas foram identificadas pelas letras NDC, referente a nota de diário de campo.

Os dados produzidos foram submetidos à análise temática, operacionalizada pelas etapas: pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados obtidos; e interpretação. Na pré-análise, realizou-se a transcrição das entrevistas gravadas, seleção, sistematização e releitura do material para visão geral dos dados produzidos a fim de atender aos critérios de validação dos temas emergentes como exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência. Logo, esses dados foram classificados, categorizados e interpretados(9). A redação do artigo seguiu a diretriz COREQ (Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research).

A pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa, sob parecer nº 2.121.735, de acordo com a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, e todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias.

Para preservar a identidade das participantes, suas falas foram identificadas pela letra ‘M’ de mulher, seguida de números arábicos de 1 a 11. Também houve a análise de documentos institucionais da unidade prisional e legislações específicas.

 

RESULTADOS

Compuseram o estudo 11 mulheres privadas de liberdade em sistema fechado, a maioria se autodeclarou branca, jovem, solteira, com poucos anos de estudo e baixa qualificação profissional antes da prisão. Todas estavam presas por tráfico de drogas, das quais (4) eram reincidentes, e o tempo de reclusão variou entre quatro meses a três anos. As características sociodemográficas podem ser observadas no Quadro 1.


 

Quadro 1 - Características sociodemográficas de mulheres privadas de liberdade. Palmeira das Missões, 2022.

 

Variáveis                                                         N

Raça/etnia

 

Branca

10

Negra

1

Faixa etária

 

19 a 29 anos

5

30 a 40 anos

4

Mais de 50 anos

2

Estado civil

 

Solteiras

5

Casada

2

União estável

3

Viúva

1

Religião

 

Evangélica

6

Católica

5

Escolaridade

 

Ensino fundamental incompleto

7

Ensino médio incompleto

3

Ensino médio completo

1

Ocupação anterior à prisão

 

Doméstica

8

Cuidadora de crianças

1

Desempregada

2

 

 

 

 

 

 

 

 

       

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Fonte: Dados da Pesquisa, 2022.

 


Em relação à saúde sexual e reprodutiva, o número de gestações variou entre um e oito, e o número maior de partos foi seis, e três participantes tiveram mais de um aborto. Desde a privação de liberdade, nenhuma recebeu vista íntima. No Quadro 2 são apresentadas informações sobre a saúde sexual e reprodutiva das participantes.


 

Quadro 2 - Saúde sexual e reprodutiva de mulheres privadas de liberdade. Palmeira das Missões, 2022.

Variáveis                                                                                    N

Uso de preservativos

0

Não faz contracepção

5

Uso de contraceptivo injetável

3

Uso de anticoncepcional hormonal oral

1

Menopausa

2

Testes rápidos para HIV, Hepatite B e C e sífilis

11

Exame colpocitológico

9

Não realizaram exame colpocitológico

2

Exame de mamografia

3

Não realizaram exame de mamografia

3

Fora da faixa etária para o rastreamento de mamografia

5

Fonte: Dados da Pesquisa, 2022.

 


MULHERES PRIVADAS DE LIBERDADE: SAÚDE, ADOECIMENTO E ASSISTÊNCIA

 

As enunciações das participantes deste estudo revelam que ter boas condições de saúde é um fator essencial à vida, inerente às necessidades do ser humano. Identifica-se ainda, que é atribuído à saúde a noção de ausência de doenças e sintomas físicos limitantes associada ao não uso de fármacos. 

Acho que é tudo na vida. Não ter dor, nem doença. A gente com dor não é fácil! (M4)

 

É não precisar de medicamentos. É ter uma saúde normal. (M5)

 

Saúde é tudo. Ficar nesse lugar do jeito que estou vivendo é horrível! Então, ter saúde para mim é não ter dor. Se tu não sentes dor, o tempo passa que a gente nem vê. (M7)

 

É tudo, depende de estar bem, sem doenças, sem dor. Quem tem saúde tem tudo! (M8)

 

Ainda sobre as concepções de saúde, as narrativas das mulheres evidenciaram cuidados para uma vida saudável, especialmente em relação à alimentação. Nesse aspecto, foi unânime a queixa sobre a má qualidade da alimentação fornecida na unidade prisional e a necessidade de uma dieta equilibrada. A problemática da alimentação inadequada foi recorrente, em vários momentos, nas visitas na unidade prisional, observou-se as participantes reclamarem da pouca qualidade da alimentação recebida, quando mostravam alimentos trazidos por familiares como frutas e bolachas. (NDC)

Ter uma vida saudável, uma alimentação boa. A alimentação teria que ser diferente, aqui ela é fraca, é uma comida que não tem nenhum molho, sem sabor. (M3)

 

A comida não é boa, quando não vem beterraba, vem chuchu, ovo frito ou salsicha com arroz e feijão. No fim de semana é melhor, tem salsichão, maionese e galeto. Dá até briga para pegar mais carne. (M1)

 

Ter saúde é se cuidar, ter boa alimentação, mas a comida aqui é ruim, é difícil até de comer, isso prejudica nossa saúde. (M6)

 

Os depoimentos abaixo reforçam essa insatisfação, especialmente por desconsiderar demandas nutricionais específicas no período gestacional. 

A comida aqui é péssima, eu e a colega estamos grávidas, precisamos comer frutas, legumes, mas o que vem é feijão malcozido, arroz e beterraba, às vezes, tem ovo cozido ou linguiça, carne, só de vez em quando, mais no domingo. (M9)

 

A gente não tem alimentação saudável, como mais a comida que trazem lá de casa na visita, no resto dos dias, passo só com porcarias. (M5)

 

Dentre os aspectos que fragilizam a saúde das mulheres, salienta-se a relação entre o ambiente e saúde, visto que, por estarem em uma unidade prisional, existem precariedades na estrutura como superlotação e falta de privacidade.  

A cela é pequena, tem 18 mulheres para 8 camas, muitas dormem no chão. (M1)

 

O ambiente tem que ser melhor, porque interfere muito na nossa saúde. (M3)

 

A gente tem que se cuidar, não andar descalço para não ter problema de bexiga, a situação é constrangedora. Quem dorme no chão, tem que andar bem agasalhada, porque molha bastante aqui dentro. (M2)

 

Outros obstáculos citados pelas mulheres privadas de liberdade, tem relação com a reclusão em cela pequena e tabagismo passivo. Os depoimentos demonstram que a reclusão em uma cela pequena, úmida e sem ventilação, onde a maioria dorme em colchões no chão pela falta de camas foi considerado um ambiente adoecedor.

Aqui, o lugar contribui para adoecer, é úmido, sem ventilação, a maioria das colegas fuma na cela, então, o local nos faz adoecer. (M2)

 

O lugar, você dorme mal, nem todas têm cama, não tem como não adoecer. (M3)

 

É muito cigarro, o lugar é pequeno para muita gente, daí acaba agravando para quem já tem doença, então tudo colabora para ficar doente. (M11)

        

Foi consenso de que o atendimento inadequado de necessidades básicas como sono e repouso são demandas urgentes que precisam ser atendidas, assim como a ampliação do número de celas, do quantitativo adequado de camas e separação entre fumantes e não fumantes. Demandas estas que, segundo as entrevistadas, ainda não tiveram escuta e acolhimento.

O cano da pia está quebrado, fica tudo molhado, a gente sempre pede para arrumar, mas não nos ouvem. (M1)

 

Podia ter mais celas, o lugar é pequeno, úmido, durmo no chão, tenho muita dor nas costas, não durmo bem, isso prejudica a saúde, a alimentação podia melhorar. (M6)

 

No outro presídio, tem cela só para fumantes, mas se não tem lugar nem para dormir, quem dirá para quem não fuma. Se vier mais uma, dorme debaixo da pia, no chão molhado. (M9)

 

Temos muitas necessidades, mas no momento, ter outra cela é urgente. Isso podia melhorar, mas não adianta pedir, reclamar, nunca resolvem. (M8)

 

As enunciações das depoentes revelam que o convívio coletivo na cela pode levar ao adoecimento, especialmente relativos aos aspectos de sofrimento psíquico, potencializado pela superlotação desse espaço. 

Às vezes, a gente se estressa umas com as outras, é muita mulher nesse cubiculozinho, para uma passar, outra tem que se virar de lado. (M3)

 

Na cela tem muita gente deprimida, tem muita fofoca, você vê uma surrando a outra, elas brigando entre si, isso dá um abalo, um estresse. (M7)

 

Não ficar tensa, nervosa, ficar bem com todas, senão enlouquece, é tenso aqui! (M10)

 

Os achados apontam ainda, a presença de tristeza, angústias e preocupações com os filhos relacionadas falta de comunicação. O abandono afetivo do companheiro, a saudade dos filhos e demais familiares e o arrependimento dos atos cometidos foram elementos que afetaram negativamente a saúde, geraram estresse, ansiedade e sintomas depressivos que colaboraram, em alguma medida, para manifestações como insônia, cefaleia, hipertensão arterial e crises de asma.

A maioria é pelo estado nervoso, a gente pensa nos filhos, nos netinhos lá fora, não é fácil ficar sem ver as crianças. Na cela, a gente passa direto com dor de cabeça, a pressão sobe pelo nervosismo. Minha asma também piora se ando nervosa. (M4)

 

Tua vida muda, é muita solidão, vergonha, arrependimento, separei quando entrei aqui, ele não quis mais saber de mim. A família visita pouco, aqui não é bom para as crianças, é triste, difícil para todos. Aqui pagamos nossos erros, lá fora eles sofrem por nós. (M6)

 

Olha, é forte dizer, porque daí entra a saudade do filho, da mãe, o arrependimento de ter feito coisa errada, aí gente começa a ficar doente. (M7)

 

A saudade cresce, tenho filho adolescente, temo que faça algo errado. Se penso, me ataca os nervos, perco o sono, quanto menos coisa pôr na cabeça, melhor. (M11)

 

Das onze participantes, sete usavam medicação psicotrópicas e outras duas relataram a interrupção desse fármaco por estarem gestantes.

Depois que vim para cá, tomo medicação para os nervos, a maior parte do tempo passo dopada de remédios, é difícil ficar aqui. (M5)

Tomo o remédio dos nervos, desses antidepressivo, aqui quase todas tomam. (M7)

 

A utilização de psicofármacos se constitui na ótica dessas mulheres em uma estratégia de manutenção da saúde pelo fato de o ambiente prisional gerar sofrimento psíquico e, consequentemente, produzir processos de adoecimento.  Na mesma direção, outros medicamentos também são utilizados em agravos físicos como hipertensão, problemas cardíacos e respiratórios, diabetes, artrite reumatoide, reações inflamatórias e dores musculares.   

Tomo muitos tipos de medicações, tenho artrite reumatoide, agora, tomo o remédio do coração, relaxante muscular para dor nas costas e no corpo, desses tipos para inflamação, é que dói tudo de dormir no chão. (M3)

 

Me cuido bem, tenho aparelho de pressão, termômetro, tomo remédio para a pressão, coração, diabetes, colesterol e bombinha para a asma. (M4)

 

Foram apontadas dificuldades em relação a disponibilidade de medicação nos serviços de saúde e, nesses casos, cabe a família comprá-los, o que nem sempre é possível pelas limitadas condições socioeconômicas dessas.

Quando preciso de remédio, minha família compra e traz no dia de visitas. (M4)

 

Tive que tomar remédio para a pressão, como não tinha no posto, tive que comprar, mas tem gente aqui que não têm essa condição. (M5)

 

Poderia melhorar a questão de ter mais remédios aqui, tipo os que a gente precisa ser gratuito. A gente cometeu um erro, estamos aqui pagando, mas muitas não têm dinheiro para comprar quando está em falta no posto. (M7)

 

Quanto à assistência à saúde recebida desde a privação de liberdade, atendimentos médico, odontológico e de enfermagem foram os mais citados. Esses foram considerados bons, resolutivos e acolhedores, pois atenderam suas necessidades de saúde com respeito as suas singularidades.

Quando passei mal, me levaram no hospital, fui bem atendida, respeitada. (M3)

 

Se tenho crises de nervos, ansiedade e faltar ar, me levam no posto ou no hospital. (M4)

 

Falei no dentista que sempre estou com dor de cabeça, ele viu que minha pressão estava alta e pediu para o doutor me atender, se importou, se interessou, foi muito humano comigo. (M5)

 

Agora no fim da gravidez, me levam no médico e na enfermeira de 15 em 15 dias. (M9)

 

Os principais serviços de saúde acessados pelas participantes foram Unidades de Saúde da Família, hospital e Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) para infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e hepatites. Essa busca foi motivada por quedas, questões emocionais, agravos crônicos não transmissíveis e saúde sexual e reprodutiva.

Quando caí, machuquei a boca, tive que ir no dentista e fazer curativo no posto. (M1)

 

Vou no posto, tenho problema de nervos, dor de cabeça e pressão alta. Nunca tinha feito preventivo, daí fiz e descobri a sífilis, tratei e fiquei curada. (M2)

 

Se tenho dor, peço remédio e dão aqui mesmo. Se é um problema maior, me levam no postinho ou no hospital. Também fui no CTA, fiz aqueles testes, deu sífilis e tratei. (M6)

 

Algumas participantes evitam de ir ao serviço de saúde, buscando atendimento apenas quando indispensável, pois são conduzidas algemadas e escoltadas. Uma gestante relatou que nas consultas de pré-natal, as algemas são removidas se os procedimentos requerer, o que lhe causa constrangimento e vergonha pelo preconceito social.

Cuido para não adoecer, para evitar de consultar, tenho vergonha de sair algemada. (M4)

 

Ninguém se faz de doente só para sair algemada, passar pelo constrangimento só por bonito, é que realmente precisa. Como estou grávida, todo mês passo por isso, dá vergonha. Você sente o preconceito das pessoas, ficam se olhando, comentado. (M9)

 

Apesar do acesso facilitado das participantes aos serviços de saúde quando necessário, há dificuldades na acessibilidade destas por problemas de logística da unidade prisional que depende de transporte e escolta por agentes penitenciários. Como estes nem sempre estão disponíveis, por vezes, os atendimentos precisam ser reagendados.

Às vezes, marcam a consulta e no dia não tem escolta, daí ligam lá e desmarcam. (M9)

 

É mais o transporte, às vezes, o carro está estragado, ou está viajando com outros presos, ou não tem escolta. Mas, se o caso for grave, eles chamam a Samu. (M11)

 

A assistência prestada nos serviços de saúde foi considerada boa e resolutiva no atendimento das demandas de saúde singulares apresentadas pelas mulheres, com acesso facilitado, apesar de barreiras na acessibilidade pela logística do próprio sistema prisional. Entretanto, as condições precárias da ambiência da unidade prisional afetaram de forma contundente o atendimento das necessidades de saúde dessas mulheres nas dimensões física, psicoemocional e social, assim como a restrição de possibilidades para a construção de práticas de autocuidado integrais.

 

DISCUSSÃO

No Brasil, o perfil sócio demográfico das mulheres privadas de liberdade é majoritariamente composto por jovens, pardas e negras, em idade reprodutiva, solteiras, com filhos, baixa escolaridade e pouca qualificação profissional exercida antes da reclusão por envolvimento com o tráfico de drogas(2-3,10-12). Estudo sobre a realidade de mulheres presas na Colômbia evidencia semelhante perfil(13) e pesquisa nos Estados Unidos aponta predomínio de mulheres negras oriundas de estratos socioeconômicos mais baixos(14). Neste estudo, o elemento divergente desse perfil foi em relação ao quesito cor/raça em que apenas uma participante se autodeclarou como negra. 

Na privação de liberdade, a maioria das participantes recebeu assistência à saúde sexual e reprodutiva para rastreamento de ISTs, câncer de colo do útero e mama. Essa abrange o período gravídico-puerperal, planejamento reprodutivo, prevenção e tratamento de ISTs e rastreamento para os cânceres do colo do útero e mama(12,15). Estudo com mulheres presas no Mato Grosso verificou soroprevalência de sífilis de 15,69% e taxa de 9,8% de infecção ativa em tratamento, e a prática de relações sexuais desprotegidas também foi destacada(16). Na Colômbia, problemas de saúde sexual e reprodutiva e ISTs são prevalentes na população prisional feminina(13).

As noções de saúde de mulheres privadas de liberdade foram percebidas como fenômenos vitais, com centralização em funções orgânicas da esfera psicoemocional, baseadas no modelo biomédico. Pesquisa em cadeia feminina do Mato Grosso ressaltou conceitos de saúde que também versaram noções reduzidas (práticas biologicista e curativistas) e outras ampliadas, abrangendo percepção de saúde ligada à liberdade e a possibilidade de exercerem atividades laborais(17).

As condições de saúde de mulheres privadas de liberdade são precárias e a prestação de cuidados deficitários, as quais são abrigadas em contextos que aviltam direitos de cidadania e o atendimento de necessidades básicas à vida digna e saudável(10). Essa complexa realidade do sistema carcerário, além de perpetuar iniquidades em saúde, também é atravessada por vulnerabilidades, com repercussões negativas na vida e na saúde dessas mulheres(8,11,17-18).

O processo de adoecimento de mulheres em privação de liberdade foi afetado por fatores como precariedade de condições relacionadas à superlotação de celas e acomodação, alimentação de baixa qualidade, ociosidade e falta de lazer, ambiente hostil e convivência conflituosa, consumo abusivo de tabaco e outras drogas e barreiras na acessibilidade à saúde(5-6,10-11). Esse panorama de saúde de mulheres reclusas no país se coaduna ao cenário deste estudo de caso.

O não atendimento de necessidades básicas de sono e repouso, fundamentais para um viver saudável, identificados neste estudo também foi apontado como condicionante do processo de adoecer dessa população em outras pesquisas(10-12,17). Alterações importantes do padrão de sono estiveram associadas a piores escores de qualidade de vida nessa população(15).

O caso estudado retrata a precária infraestrutura do sistema prisional brasileiro, com déficit de vagas e insuficiência de camas e colchões para abrigar número de mulheres maior do que sua capacidade comporta. Desse modo, se instauram processos de despersonalização e perpetuam-se violências institucionais, numa dinâmica desumanizada e desumanizadora, que reforçam estigmas e exclusão social, caracterizando-se como locais insalubres, de suplício e sofrimento(3). De modo semelhantes, na Colômbia, a situação carcerária também é atravessada por problemas organizacionais e precarização da infraestrutura das instituições prisionais(13). Estudo Peruano em penitenciária feminina em Chorrillos indicou que condições précárias não favorecem a prestação de serviços mínimos de saúde, com repercussões na saúde física e mental dessa população(19).

Outra necessidade basilar é o direito à alimentação de qualidade, que pressupõe a garantia da segurança alimentar. Estudo realizado no sistema penitenciário feminino da Paraíba revelou cenário de escassez, em que a pouca qualidade da alimentação (monótona e sem variabilidade), associada a má nutrição infringem a Constituição e se configuram em instrumento de penalização(20). Realidade semelhante foi identificada em pesquisa sobre atitude e hábitos alimentares de mulheres em penitenciária no sul do país, em que a alimentação também tinha baixa qualidade, padrão alimentar monótono e pouca variedade nutricional(21). Tais fatos se contrapõe à PNAMPE que assegura o direito alimentar adequado no ambiente prisional, considerando especificidades nutricionais de cada mulher (jovem, idosa, gestante, lactente) e elaboração de cardápio por nutricionista(4,6).

Para as depoentes, os principais problemas de saúde adquiridos ou agravados na privação de liberdade foram hipertensão arterial, problemas respiratórios, queixas álgicas, depressão e ansiedade. Em uma cadeia mista no Ceará, as doenças cardiovasculares, respiratórias e queixas álgicas surgiram ou se agravaram após a prisão, e podem ser manifestações do não atendimento de necessidades biológicas e psicossociais daquelas detentas(10). Em penitenciária no Estado do Rio de Janeiro, a exposição feminina a diversos fatores de risco à saúde naquele ambiente predispôs a comorbidades com prevalência para hipertensão e diabetes(11). No Recife, os principais problemas foram: musculoesqueléticos (53,0%), respiratórios (25,4%), depressão (20,6%), hipertensão arterial (19,2%) e diabetes (4,5%)(15). Outros estudos evidenciam ainda que, o encarceramento potencializa problemas físicos e de saúde sexual e reprodutiva, e outros de ordem psicoemocionais(5-6,12,18).

No ambiente prisional, circunda-se o contato próximo, contíguo e ininterrupto de pessoas com personalidades distintas, histórias de vida e trajetórias delituosas diversas. Essa condição, por vezes, torna a convivência cotidiana difícil e estressante devido a relações interpessoais tensas e conflituosas(3,15,17). Pesquisa em delegacias de polícia de Curitiba identificou que, sintomas psíquicos foram percebidos pelas detentas como doença e não receberam atendimento. Essas ressaltaram que apoio mútuo atuou como protetor à saúde. Possivelmente, seja por isso que boas relações e suporte foram reconhecidos como protetores a saúde mental(6).

O afastamento dos filhos torna mais difícil de suportar o encarceramento, que força a reorganização familiar, desestabiliza e fragiliza vínculos e interrompe laços afetivos. Ainda gera solidão, sofrimento, tristeza, revolta, desamparo, ansiedade, insegurança quanto à situação conjugal e abandono, em especial dos parceiros com quem conviviam antes do cumprimento da reclusão. Tais elementos são estressores que contribuem ao comprometimento da saúde mental dessa população(17-18).

A dimensão da saúde psicoemocional das participantes e suas queixas de sofrimento psíquico, depressão e ansiedade tendem a ser invisibilizadas por não demandarem assistência por quem as vivencia, pelos profissionais de saúde, pela da unidade prisional e Estado que as tutela. Em detrimento do não reconhecimento de demanda dessa natureza, que complexificam o processo de reclusão, a medicalização parece foi o recurso adotado pelas participantes para que o (re)existir na unidade prisional fosse suportável. Na privação de liberdade, devido ao sofrimento psíquico e problemas psicoemocionais, o uso de medicações psicotrópicas é comum nesse cenário. Associa-se a isso, a falta de ações de promoção da saúde mental que fragiliza a assistência integral à saúde(6,18). Na região sul, sintomas depressivos, transtornos de ansiedade e in­sônia foram reconhecidos pelas equipes de Atenção Básica prisional como principais problemas de saúde entre as detentas(5). Pesquisa sobre mulheres presas na Colômbia aponta alta prevalência de diferentes transtornos mentais nessa população(13).

No contexto estudado, a assistência à saúde às mulheres privadas de liberdades está balizada essencialmente pela terapia medicamentosa (anti-hipertensivos, analgésicos, relaxantes musculares e psicotrópicos), numa dinâmica de medicalização de fenômenos humanos (dores, angústias, solidão, saudades, sofrimento, depressão e ansiedade), o que se constitui em estratégia de enfrentamento da realidade por elas vivenciadas. Essa corrobora o que a literatura denomina de ‘fenômeno de medicalização da vida no ambiente prisional’, em que o uso de psicotrópicos se constitui como recurso terapêutico à autopreservação e sobrevivência frente a precariedade, negligências, omissões, violações (institucionais, direitos humanos e de cidadania), violências Estatais e o atendimento pouco adequado das necessidades de saúde na reclusão(5-6,18).

A falta recorrente de medicamentos no ambiente prisional foi outra necessidade evidenciada, os quais deveriam ser disponibilizados pela APS. Nessas situações, estes costumam ser custeados e trazidos por familiares ou amigos na visitação e, na ausência de condições financeiras, tal demanda costuma ser negligenciada pelo Estado(6,10). Estudo sobre acesso e uso racional de medicamentos no sistema prisional da Paraíba aponta que, quando a penitenciária não fornece esses medicamentos, o tratamento costuma ser interrompido devido a dificuldades financeiras da família para a aquisição, o que pode comprometer a saúde dessa população(22).

Percebe-se que, apesar de as ações de saúde terem caráter curativo, e ainda, da ausência de ações de cunho promocional que favoreçam a assistência à saúde feminina, os serviços de saúde têm atendido as demandas em saúde mais imediatas das detentas. Destaca-se, ainda, que, tais problemáticas não são específicas do caso em análise, mas se coadunam as demandas não enfrentadas no país, cujos gargalos impõe ao sistema prisional brasileiro o desafio de atender as políticas vigentes nacionais e internacionais para o abrigamento dessa população(5-6).

No cenário estudado, apesar de o acesso à saúde ser garantido, há obstáculos estruturais, logísticos e po­lítico-gerenciais da unidade prisional (ausência de Unidade de saúde prisional, falta de recursos humanos para escolta e de viatura para transporte) que afetam o acesso a saúde de mulheres privadas de liberdade. Ainda, o fato destas retardarem a busca por cuidados de saúde por vergonha, humilhação, constrangimento, preconceito e estigma social configura-se em dinâmica que tanto produz, como potencializa processos de adoecimento. Para além da abjeção e exclusão social dessas mulheres pela privação de liberdade, também incidem vulnerabilidades de gênero, pois o ingresso na criminalidade e condutas delituosas violam e transgridem o ideário social normativo de papeis que lhes designam atributos como sexo frágil, boas mães e cuidadoras da família(3,5-6).

Como limitação do estudo aponta-se ao fato deste ter sido realizado com mulheres privadas de liberdade do sistema fechado de apenas uma unidade prisional e, apesar de similaridades com outros estudos, estes resultados não possibilitam generalizações. Entretanto, para além do espaço da macrogestão (unidade prisional), o caso em análise visibiliza aspectos do macro sistema prisional.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As noções de saúde de mulheres privadas de liberdade se coadunam a concepções negativas circunscritas a funções orgânicas, da esfera psicoemocional e ausência de doenças (ancoradas no modelo biomédico). Esse enfoque resulta do atendimento inadequado de necessidades básicas que complexifica e torna o aprisionamento mais difícil, bem como o (re)xistir neste ambiente.

Considerando que a saúde acontece no devir da vida, e que a privação de liberdade interferiu negativamente nesta, tem-se um obstáculo à promoção da saúde e do bem viver, com potencial de produção de processos de adoecimento. Nessa perspectiva, destaca-se que suas necessidades de saúde requeriam melhorias nas condições estruturais da unidade prisional e ampliação do número de celas femininas. Ademais, a assistência à saúde das participantes centrou-se na medicalização do cotidiano no ambiente prisional decorrente de problemas psicoemocionais, o que demanda especial atenção à saúde mental destas.

As depoentes enaltecem a necessidade de rearticulação e ampliação de ofertas na assistência à saúde, quando em privação de liberdade, mediante ações intersetoriais e interprofissionais convergentes à promoção da saúde e da cidadania. Essas devem ter por horizonte normativo a transversalidade de gênero, a humanização do cuidado integral e longitudinal e à produção de espaços mais dialógicos, afetivos e efetivos. Além disso, a construção e fortalecimento de vínculos, a escuta de necessidades de saúde invisibilizadas e o encontro cuidador entre subjetividades (mulheres privadas de liberdade, profissionais de saúde, equipe/gestão da unidade prisional) e o Estado que as tutela, são elementos que colaboram nessa assistência.

Este estudo contribui ao campo da saúde coletiva, da gestão de políticas públicas e da atuação interprofissional, bem como à produção de conhecimentos para a formação profissional. Ainda possibilita a compreensão das noções de saúde, adoecimento e assistência à saúde de mulheres privadas de liberdade e os elementos implicados nos processos de adoecer no ambiente prisional.

 

REFERÊNCIAS

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2 Ministério da Justiça e Segurança Pública (BR). Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Atualização: Junho de 2017 [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Justiça e Segurança Pública; 2019 [acesso em 07 fev 2022]. Disponível em: https://www.gov.br/depen/pt-br/servicos/sisdepen/relatorios-e-manuais/relatorios/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017.pdf/

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Submissão: 17-06-2022

Aprovado: 18-11-2022