MARCOS DE VISIBILIDADE DA ENFERMAGEM NA ERA CONTEMPOR�NEA: UMA REFLEX�O � LUZ DE WANDA HORTA

MILESTONES OF VISIBILITY OF NURSING IN THE CONTEMPORARY ERA: A REFLECTION IN THE LIGHT OF WANDA HORTA

HITOS DE VISIBILIDAD DE LA ENFERMER�A EN LA �POCA CONTEMPOR�NEA: UNA REFLEXI�N A LA LUZ


DE WANDA HORTA


 

1Jefferson Wildes da Silva Moura

2D�bora Rinaldi Nogueira

3F�bila Fernanda dos Passos da Rosa

4Thiago Lopes Silva

5Evangelia Kotzias Atherino dos Santos

6Soraia Dornelles Schoeller

 

1Discente de Doutorado do Programa de P�s-Gradua��o em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Florian�polis, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7192-1099

 

2 Discente de Doutorado do Programa de P�s-Gradua��o em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Docente do Instituto Federal de Santa Catarina. Joinville, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6653-1830

 

3Discente de Doutorado do Programa de P�s-Gradua��o em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Florian�polis, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4171-9965

 

4Discente de Doutorado do Programa de P�s-Gradua��o em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Florian�polis, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6310-5825

 

5Docente Permanente do Programa de P�s-Gradua��o em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Florian�polis, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5970-020X

 

6Docente Permanente do Programa de P�s-Gradua��o em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Florian�polis, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2822-4407

 

 

 

RESUMO

Objetivo: refletir acerca dos marcos da visibilidade da Enfermagem na era contempor�nea � luz de Wanda Horta. M�todo: trata-se um estudo te�rico-reflexivo, fundamentado na base te�rica e dos pressupostos de Wanda Horta. Resultados: foram elencadas duas categorias centrais: Enfermagem na percep��o de Wanda Horta e Enfermagem enquanto arte e ci�ncia. Wanda Horta participou ativamente do processo de transforma��o da profiss�o Enfermagem no Brasil, corroborando para a uma assist�ncia sistematizada atrav�s do desenvolvimento do Processo de Enfermagem, bem como na cientificidade da profiss�o por meio da elabora��o de sua teoria voltada para as necessidades humanas b�sicas. Al�m disso, colaborou no processo de ensino-aprendizagem e de forma��o de novos enfermeiros, assim como na divulga��o da Enfermagem enquanto arte e ci�ncia. Considera��es finais: Horta contribuiu para o avan�o da Enfermagem na dimens�o pr�tica, cient�fica e profissional, revolucionando a assist�ncia de Enfermagem no Brasil.

Palavras-chave: Enfermagem; Cuidados de Enfermagem; Filosofia em Enfermagem; Teoria de Enfermagem; Hist�ria da Enfermagem.

 

ABSTRACT

Objective: to reflect on the milestones of nursing visibility in the contemporary era in the light of Wanda Horta. Method: this is a theoretical-reflexive study, based on the theoretical basis of Wanda Horta's assumptions. Results: two central categories were selected: Nursing in the perception of Wanda Horta and Nursing as art and science. Wanda Horta actively participated in the process of transformation of the nursing profession in Brazil, corroborating for systematized care through the development of the Nursing Process, as well as in the scientific of the profession through the elaboration of its theory focused on basic human needs. In addition, he collaborated in the teaching-learning process and training of new nurses, as well as in the dissemination of Nursing as art and science. Final considerations: Horta contributed to the advancement of Nursing in the practical, scientific and professional dimension, revolutionizing nursing care in Brazil.

Keywords: Nursing; Nursing Care; Philosophy, Nursing; Nursing Theory; History of Nursing.

 

RESUMEN

Objetivo: reflexionar sobre los hitos de la visibilidad de la enfermer�a en la era contempor�nea a la luz de Wanda Horta. M�todo: se trata de un estudio te�rico-reflexivo, basado en la base te�rica de los supuestos de Wanda Horta. Resultados: se seleccionaron dos categor�as centrales: Enfermer�a en la percepci�n de Wanda Horta y Enfermer�a como arte y ciencia. Wanda Horta particip� activamente en el proceso de transformaci�n de la profesi�n de enfermer�a en Brasil, corroborando para la atenci�n sistematizada a trav�s del desarrollo del Proceso de Enfermer�a, as� como en la cientificidad de la profesi�n a trav�s de la elaboraci�n de su teor�a centrada en las necesidades humanas b�sicas. Adem�s, colabor� en el proceso de ense�anza-aprendizaje y formaci�n de nuevas enfermeras, as� como en la difusi�n de la Enfermer�a como arte y ciencia. Consideraciones finales: Horta contribuy� al avance de la Enfermer�a en la dimensi�n pr�ctica, cient�fica y profesional, revolucionando el cuidado de enfermer�a en Brasil.

Palabras clave: Enfermer�a; Atenci�n de Enfermer�a; Filosof�a en Enfermer�a; Teor�a de Enfermer�a; Historia de la Enfermer�a.


Autor correspondente

Jefferson Wildes da Silva Moura

Rua Delfino Conti, S/N, Trindade, Florian�polis � SC

(Programa de P�s-Gradua��o em Enfermagem da Universidade �����������
Federal de Santa Catarina). CEP: 88040-370. ������������
Telefone: +55(81) 99560-9384. ����
E-mail: jefferson.wsmoura@gmail.com

 

Fomento e Agradecimento: O presente trabalho foi realizado

com apoio da Coordena��o de Aperfei�oamento de Pessoal de N�vel Superior � Brasil

(CAPES) � C�digo de Financiamento 001. Bolsa de Doutorado,

processo n� 88887.666427/2022-00 do Programa de Excel�ncia Acad�mica


 

INTRODU��O

 

O cuidar � uma atividade essencial para a manuten��o da vida humana, sendo esta tarefa incumbida, culturalmente, � mulher no decorrer do tempo. No contexto do cuidado em sa�de, at� meados do s�culo XVIII, esta responsabilidade era das religiosas, que atuavam nas Santas Casas de Miseric�rdia cuidando dos enfermos acolhidos. Com o surgimento dos hospitais, a assist�ncia em sa�de � (re)organizada, ficando sob responsabilidade do m�dico. Por consequ�ncia, coube �s religiosas exercerem um cuidado subordinado � disciplina m�dica(1-3).

Constata-se a import�ncia do cuidado/trabalho da enfermagem no cen�rio hospitalar, sendo necess�rio realizar o treinamento das �enfermeiras�, que era apenas pr�tico e sem conhecimento te�rico/cient�fico pr�prio da Enfermagem. Apesar de estar � frente das narrativas de cuidado e mesmo com a institucionaliza��o da Enfermagem enquanto profiss�o no s�culo XIX, nota-se que a mulher/enfermeira � colocada numa posi��o de subservi�ncia ao homem/m�dico. Os conhecimentos e pr�ticas de cuidados que corroboraram para embasar as ci�ncias da sa�de e, consequentemente, da Enfermagem foram desqualificados(2-3).

A hist�ria da pr�tica da Enfermagem � indissoci�vel das mulheres que a realizavam e que repassavam os seus conhecimentos �s novas gera��es de mulheres. H� uma romantiza��o quanto � imagem da enfermeira, que deixa de ser a "dama de vermelho" que serve ao m�dico, para ser a "dama de branco" ou "dama da l�mpada", uma mulher abnegada, decente e que serve ao outro sem esperar retribui��o. Apesar do preconceito, que perdura at� os dias atuais e do ambiente �hostil�, percebe-se que as mulheres contempor�neas mantiveram-se fi�is ao seu prop�sito de ofertar um cuidado de qualidade, humano e eficaz. Esse cen�rio instigou o avan�o e mudan�as nas pr�ticas de Enfermagem, por meio da reformula��o dos cuidados(4,2).

No cen�rio internacional, Florence Nightingale revolucionou a Enfermagem e contribuiu para a sua profissionaliza��o, bem como sua solidifica��o enquanto ci�ncia a partir de sua viv�ncia na Guerra da Crimeia (1853-1856), reconhecendo a influ�ncia do ambiente no estado de sa�de do paciente, o que gerou a Teoria Ambientalista, a primeira teoria na �rea da Enfermagem. No Brasil, Anna Nery atuou como enfermeira na Guerra do Paraguai (1864-1870), tendo que enfrentar os preconceitos da �poca relacionados ao seu g�nero. Apesar da dificuldade, conseguiu aliviar o sofrimento dos soldados feridos, retornando ao seu pa�s como uma hero�na da Enfermagem Brasileira(2-3,5).

Ainda no Brasil, outra mulher que contribuiu para o reconhecimento da Enfermagem enquanto ci�ncia aut�noma foi Wanda Horta, precursora do Processo de Enfermagem utilizado na Sistematiza��o da Assist�ncia de Enfermagem e respons�vel pela Revista Enfermagem em Novas Dimens�es (REND), que ficou em vigor entre os anos de 1975 e 1979. A REND tinha por objetivo promover o debate acerca dos avan�os na �rea da Enfermagem e al�m das publica��es cient�ficas, havia espa�o para o compartilhamento da concep��o de cuidado tamb�m como arte(3).

A arte na Enfermagem n�o era apenas um recurso utilizado no processo de ensino e aprendizagem, mas que deveria ser praticado. Horta, por exemplo, utilizou a arte como autocuidado para as feridas de sua alma causadas principalmente pela doen�a degenerativa esclerose m�ltipla da qual era portadora. Ela refor�ava que o cuidado n�o se tratava de apenas uma atividade profissional primordial para a �rea da sa�de, mas que seria uma necessidade b�sica do ser humano. Logo, ela prop�s uma Enfermagem cient�fica, mas com pr�ticas assistenciais humanizadas, pois somos �gente que cuida de gente�, olhando n�o apenas para o paciente, mas tamb�m para o profissional(2).

Para Horta, a filosofia da Enfermagem est� al�m de um servi�o prestado a outros indiv�duos, pois est� embasada em uma rela��o complexa e subjetiva entre seres da Enfermagem. A produ��o de Horta, uma das principais te�ricas de Enfermagem do Brasil, contribuiu com o movimento de desenvolvimento do conhecimento acerca do cuidado no s�culo XX que levou ao que chamamos de Ci�ncia da Enfermagem(2). Mediante o exposto, este trabalho tem como objetivo refletir acerca dos marcos da visibilidade da Enfermagem na era contempor�nea � luz de Wanda Horta.

 

M�TODO

 

Trata-se um estudo te�rico-reflexivo, fundamentado na base te�rica dos pressupostos de Wanda Horta, al�m da literatura cient�fica atual pertinente � tem�tica. Este trabalho foi gerado a partir das provoca��es ocorridas na disciplina eletiva �Filosofia da Ci�ncia, da Enfermagem e da Sa�de�, inerente a um Programa de P�s-Gradua��o em Enfermagem de uma universidade federal localizada no sul do Brasil. Sendo incumbido aos discentes do curso de doutorado em Enfermagem, como etapa do processo avaliativo da disciplina, realizar uma an�lise cr�tica e reflexiva do tema proposto. Para uma melhor apresenta��o, foram elencadas duas categorias centrais: Enfermagem na percep��o de Wanda Horta e Enfermagem enquanto arte e ci�ncia.

 

RESULTADOS E DISCUSS�O

 

Enfermagem na percep��o de Wanda Horta

A compreens�o acerca do conhecimento que envolve a ci�ncia Enfermagem exige um olhar para os tempos vividos e percorridos pela profiss�o e suas personagens hist�ricas que deram luz, sustentabilidade e cientificidade ao Ser-enfermeiro, as te�ricas de Enfermagem.

No Brasil, a enfermeira, pesquisadora e te�rica, Wanda de Aguiar Horta foi respons�vel por determinar um marco exponencial na Enfermagem brasileira, que refletiu internacionalmente. Foi vision�ria ao dizer que o enfermeiro � um ser integrante ativo e detentor de conhecimento na equipe de sa�de, e n�o submisso apenas a executar a��es preestabelecidas pelo profissional m�dico. Diante dessa inquieta��o, somada ao vivido no dia a dia da pr�tica hospitalar, na d�cada de 60, Horta deu in�cio a revolu��o e moderniza��o da profiss�o, com a elabora��o de uma teoria que estava centrada nas necessidades humanas b�sicas e um m�todo assistencial, o processo de Enfermagem, ambos tinham o objetivo de ordenar o cuidado, de somar as partes, de ver o todo corpo-mente-esp�rito.

Para uma melhor reflex�o sobre todo o processo de constru��o de uma enfermagem cient�fica e contempor�nea proposto por esta enfermeira, faz-se necess�rio de forma muito humilde e resumida conhecer quem foi esta mulher � frente de seu tempo e como suas bases influenciaram sua arte. Nascida em Bel�m do Par�, em 11 de agosto de 1926, filha de pai militar, e de m�e muito abnegada aos cuidados com a casa e educa��o dos filhos, Horta cresceu dentro da cultura esperada para a �poca e a regi�o norte do pa�s. Os relatos hist�ricos de familiares trazem a descri��o de uma menina muito recatada, religiosa, apreciadora �mpar de leitura e m�sica (piano), muito estudiosa, e com excelente desempenho escolar(6).

Logo na adolesc�ncia desenvolveu um interesse nato pelas ci�ncias humanas/biol�gicas, mais especificamente, nas �reas da microbiologia, anatomia e fisiologia. Foi matriculada no gin�sio e pr�-m�dico, uma orienta��o ao trabalho que existia na �poca. Essa iniciativa de seus pais aflorou em Horta o desejo pelo cuidar, potencializado tamb�m por outro movimento ocorrido no mesmo per�odo, a 2� Guerra Mundial, descrita por ela como um ato desumano e desprovido de profissionais capacitados para o cuidado aos feridos e seus familiares. Fato tal que a motivou a se inscrever aos 16 anos em um curso para volunt�rios na Cruz Vermelha em Ponta Grossa, no Paran�, onde sua fam�lia residiu por um per�odo(7).

Em 1944, j� residindo em Curitiba com a fam�lia, surgiu o desejo de cursar Medicina por desconhecer o curso de Enfermagem, por�m por n�o ter idade para cursar o vestibular e condi��es financeiras para tal, resolveu ir trabalhar. Por interm�dio de uma conhecida chamada Rosalina Niepce da Silva, iniciou suas atividades no Posto de Puericultura da Legi�o Brasileira de Assist�ncia, onde come�ou a praticar a enfermagem, de forma muito rudimentar, executando procedimentos como administra��o de medica��o intramuscular e provas tubercul�nicas. No ano seguinte foi contemplada com uma bolsa de estudos para a Escola de Enfermagem na Universidade de S�o Paulo (EEUSP). Os primeiros anos de profiss�o foram praticados no campo da sa�de p�blica, sa�de mental e pronto socorro em diferentes lugares do pa�s, at� meados de 1959, quando retornou para USP como docente(7).

A partir desse momento, Horta muda o curso da profiss�o Enfermagem, n�o s� enquanto ci�ncia, mas tamb�m seus pressupostos filos�ficos, seus construtos tanto no mestrado como no doutorado e professora adjunta posteriormente, se comprometem a sistematizar e identificar os problemas de enfermagem, buscando equilibrar os desequil�brios biol�gicos, psicossociais e espirituais, tra�ando as necessidades, planejando cuidados executados tanto por profissionais como pelo pr�prio indiv�duo, pensando em um conceito de autocuidado, visando preven��o, promo��o e reabilita��o em sa�de(8).

Com a proposta de cientificar a profiss�o, estudou diversas te�ricas de outros pa�ses, especialmente as norte-americanas, que na �poca j� demostravam interesse e discutiam um novo horizonte para a Enfermagem, tais como, McDowell (homeostasia), Levine (hol�stica), Roy (adapta��o), King (percep��o, transa��o e intera��o) e Rogers (homem no tempo e no espa�o), que de alguma forma influenciaram sua teoria. Para sustentar suas ideias voltadas para as necessidades b�sicas do ser humano baseou-se em dois paradigmas, e de Maslow e Mohana(8).

Ao longo de sua vida acad�mica publicou muitos artigos com tem�ticas que abordavam as diferentes necessidades humanas b�sicas e seus conceitos, bem como, trazia detalhadamente possibilidades para o planejamento assistencial, publicados inclusive na REND, a qual foi fundadora, trabalhando com editora e redatora. Os dez anos que atuou na assist�ncia, serviram para alert�-la para um problema estabelecido, a Enfermagem n�o tinha um m�todo de cuidado, executava uma pr�tica solta, rudimentar, sem fundamenta��o, esse �ltimo olhar lhe rendeu uma disciplina no curso de Enfermagem, intitulada Fundamentos de Enfermagem, na Escola de Enfermagem Anna Nery(9).

O fato de n�o existir uma Enfermagem te�rico-metodol�gica, fez com que Horta elaborasse o processo de Enfermagem, que tinha por objetivo sistematizar as a��es voltadas ao ser humano, contemplando seis etapas: Hist�rico de Enfermagem; Diagn�stico de Enfermagem; Plano assistencial; Plano de cuidados; Evolu��o de Enfermagem e Progn�stico de Enfermagem. Concomitante a essa constru��o, ela foi elaborando, baseada em evid�ncias cient�ficas, uma teoria que se preocupou em provar que o homem faz parte de um todo, que pode ser visto como universo, e que sofre o reflexo do todo e responde a essa interfer�ncia, e isso afeta seu bem-estar. Prova tamb�m que a Enfermagem � parte integrante da equipe de sa�de e desse todo e que por meio de seu conhecimento e t�cnica se torna o ser respons�vel por garantir a assist�ncia ao ser humano e de suas necessidades, tornando-o elemento ativo e participativo do seu autocuidado(10).

Em uma an�lise modesta fica claro perceber que a base familiar sustentada pela te�rica garantiu-lhe uma postura �tica, centrada e muito segura de seus prop�sitos, mesmo em um tempo dif�cil para a ascens�o profissional. O fato de ser poliglota garantiu-lhe informa��o e engajamentos em eventos cient�ficos em diversos pa�ses, provando que conhecimento transcende extramuros. A viv�ncia em campos de trabalhos distintos garantiu o olhar e sensibilidade para as diversas nuances do ser humano, bem como suas necessidades, dando base para os pressupostos de sua teoria. Separar as necessidades por categorias e estratific�-las demonstrou que o enfermeiro deve ser portador de conhecimento para realizar uma avalia��o pautada em padr�es n�o s� biol�gicos.

Horta faleceu em 1981, no auge dos seus cinquenta e cinco anos, decorrente de uma doen�a degenerativa(8) que n�o a impediu de construir conhecimento at� o final da sua exist�ncia, deixando um legado, uma teoria n�o finalizada, por�m fundamentada, atual e inovadora que serve como referencial em muitas institui��es de sa�de e de ensino para subsidiar o planejamento da assist�ncia de Enfermagem. Essa te�rica brasileira, representa um marco para a Enfermagem, para o cuidado e para a ci�ncia.

 

Enfermagem enquanto arte e ci�ncia

As discuss�es, no que diz respeito a classifica��o de um trabalho como ocupa��o ou profiss�o s�o significativas e fundamentam-se nas caracter�sticas dos diferentes trabalhos, na capacidade de seus profissionais demonstrarem a import�ncia de seu trabalho e a necessidade de disporem de prerrogativas legais de prote��o. Nessa perspectiva, analisar o trabalho da Enfermagem comparado �s peculiaridades de profiss�o, necessita olhar para a utilidade social deste trabalho, assim como para os determinantes hist�rico-sociais de seu papel no campo multiprofissional de sa�de. A Enfermagem enquanto profiss�o vem construindo sua identidade, mas encontra-se em processo de transforma��o e desenvolvimento cont�nuo, o que a consolida enquanto ci�ncia, ao passo que incrementa a pr�tica evid�ncias cient�ficas(11).

Do in�cio dos anos 1920 ao final dos anos 1940, no Brasil foram criados 16 cursos de Enfermagem, sendo o come�o do ensino superior no pa�s. Tal fato est� profundamente ligado �s transforma��es que o crescimento urbano e industrial produziu no pa�s(12). Apesar de, neste per�odo, a cria��o dos cursos de Enfermagem estarem em evidente expans�o, o aumento foi intensificado ap�s a Lei n� 2.024/61 de Diretrizes e Bases da Educa��o Nacional. Com a Lei n� 5.540/68 de Normas de Organiza��o e Funcionamento do Ensino Superior inicia-se a estimula��o da pesquisa e a expans�o do ensino superior, com as cria��es das p�s-gradua��es Stricto Sensu. Atualmente, o Brasil, segundo o Censo de Educa��o Superior conta com um total 1.041 cursos de Gradua��o de Enfermagem(13).

A p�s-gradua��o em Enfermagem no Brasil est� celebrando 50 anos e tem qualificado enfermeiros para o atendimento, assist�ncia e administra��o de distintas e complexas necessidades e exig�ncias da popula��o, dos setores de sa�de e da continuidade da forma��o de novos enfermeiros, sendo um marco para Enfermagem brasileira possibilitando a sustenta��o da cientificidade da profiss�o ao evidenciar a efici�ncia de suas a��es.

Importante destacar que para implanta��o da p�s-gradua��o na �rea da Enfermagem no pa�s, houve a atua��o de uma personagem fundamental para tal feito, Wanda Horta, que colaborou para cria��o dos dois primeiros cursos de mestrado em Enfermagem no Brasil, o primeiro na Escola de Enfermagem Anna Nery e o segundo na EEUSP, e no estabelecimento do primeiro curso de doutorado em Enfermagem da Am�rica Latina na EEUSP junto com a Escola de Enfermagem de Ribeir�o Preto da USP(14). Al�m disso, Horta tamb�m contribuiu na organiza��o da p�s-gradua��o de Enfermagem na Universidade Federal de Santa Catarina(15).

Outro fator importante para a Enfermagem brasileira foram as cria��es das revistas cient�ficas de Enfermagem no pa�s, sendo importantes meios de divulga��o cient�fica de suas atividades e pesquisas. Encabe�ada em 1932 pelo ANNAES DE ENFERMAGEM, editado no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1932, que depois se tornou a Revista Brasileira de Enfermagem (REBEn), em 1967 iniciou a Revista da Escola de Enfermagem da Universidade de S�o Paulo (REEUSP) e em 1973 come�a a revista Enfoque. A cria��o da quarta revista de Enfermagem brasileira, foi a REND, liderada por Horta em 1975(9).

As primeiras publica��es de Horta, que tem conex�o com a teoria que ela viria desenvolver mais adiante, foram na REBEn, onde ela defende a pr�tica de enfermagem fundamentada na ci�ncia. Ao longo de sua trajet�ria, Horta publicou 25 artigos na REBEn e REEUSP e 14 na REND(9). Vale ressaltar que a amplia��o da quantidade de revistas de Enfermagem se intensificou ap�s o estabelecimento dos cursos de p�s-gradua��o, gerando o progresso da pesquisa e, por consequ�ncia, na cientificidade da enfermagem.

Outro importante marco para a Enfermagem foram as cria��es das Teorias de Enfermagem, express�o formal do padr�o emp�rico de conhecimento - Ci�ncia da Enfermagem, elas se desenvolveram, nos Estados Unidos, impulsionadas pela necessidade de altera��es na forma��o educacional da enfermagem e pela necessidade de sua confirma��o como uma disciplina cient�fica, bem como profissional(16). Apesar de terem tido seu in�cio nos anos 1950, no Brasil passaram a ter destaque nos anos 1970.

Ao utilizar-se de uma teoria como fundamenta��o para a pr�tica cl�nica, h� um impacto direto na gest�o do cuidado. Isso ocorre, pois, a assist�ncia fundamentada indica meios, metas, resultados espec�ficos e a��es de enfermagem para uma pr�tica racional e sistem�tica(17). Horta ao desenvolver a teoria baseada nas necessidades humanas b�sicas, al�m de instituir o Processo de Enfermagem contribuiu a cientificidade da Enfermagem no Brasil. Salienta-se que o Processo de Enfermagem caracteriza-se como tecnologia de cuidado, fazendo com que a enfermagem evolua como profiss�o, preferencialmente voltada para a compreens�o da integralidade do ser humano, apoiada na reflex�o sobre a sua pr�tica(18).

Desse modo, o Processo de Enfermagem, permitiu a constru��o de uma identidade profissional para a Enfermagem, diferenciando-a das demais profiss�es da �rea da sa�de, pois estabeleceu um espa�o como profiss�o de consulta, onde o profissional apresenta o compromisso de atender as necessidades das pessoas e manter relacionamento direto com elas. Igualmente, oportunizou a constru��o e a aplica��o de um corpo de conhecimentos pr�prio da Enfermagem, ou seja, sua expertise, condi��o que contribui para um fazer profissional aut�nomo, fator essencial para a constru��o da identidade profissional(18).

Horta, pensava os cuidados em Enfermagem como sendo um instrumento emancipat�rio. Compreendia o atendimento ao paciente como um meio por onde os profissionais da enfermagem, atrav�s da aten��o �s vulnerabilidades do outro, do di�logo e da assist�ncia, seriam capazes de promover sa�de, contribuindo com pessoas de diferentes idades e contextos, instruindo-as de maneira que n�o viessem a sofrer de adoecimentos, pela priva��o de informa��es sobre o cuidado de seus pr�prios corpos(2).

Em sua teoria, Horta defendia a prim�cia de que a ci�ncia do cuidado n�o deveria ser voltada � doen�a, mas sim ao paciente e suas necessidades. As teorias, quando estudas no meio acad�mico, evidenciam que o foco da assist�ncia devem ser as necessidades humanas, ou seja, cada pessoa � �nica e a Enfermagem deve preocupar-se com a subjetividade de cada ser humano, papel que abrange mais do que a t�cnica, mas engloba o social, o ps�quico e a sa�de na sua forma mais complexa(19).

Suas publica��es, datadas da d�cada de 1970, foram consideradas um marco no desenvolvimento e no processo de moderniza��o das pr�ticas em Enfermagem. Fundamentado na teoria em quest�o, o cuidado prestado pela Enfermagem necessita ser um cuidado que considere o ser humano como um todo - corpo, mente e esp�rito, pois, ao adoecer somente o corpo ou somente a mente, a pessoa � afetada em sua totalidade(6).

 

CONSIDERA��ES FINAIS

 

Wanda Horta contribuiu para o avan�o e visibilidade da Enfermagem na dimens�o pr�tica, cient�fica e profissional. Na ci�ncia, desenvolveu uma teoria de Enfermagem em conson�ncia com a realidade brasileira, percebendo o ser humano como um ser biopsicossocial, estimulando que a pr�tica da Enfermagem fosse hol�stica, integral e humaniza��o. Na pr�tica, revolucionou a assist�ncia de Enfermagem ao propor o Processo de Enfermagem que passou a orientar/sistematizar os cuidados prestados pela equipe de Enfermagem. Al�m disso, dedicou-se a publica��o cient�fica e art�stica dos princ�pios e pressupostos da Enfermagem e foi pioneira no estabelecimento da p�s-gradua��o Stricto Sensu em Enfermagem no pa�s. Tal cen�rio, fortaleceu a Enfermagem enquanto profiss�o aut�noma, cient�fica e respons�vel por fornecer/gerir o cuidado nos servi�os de sa�de.

REFER�NCIAS

1. Padilha MICS, Sobral VRS, Leite LMR, Peres MAA, Ara�jo AC. Enfermeira - a constru��o de um modelo a partir do discurso m�dico. Rev. Esc. Enf. USP [Internet]. 1997; [acesso em 4 jun 2022]; 31(3):437-51. Dispon�vel em: https://doi.org/10.1590/S0080-62341997000300007

2. Goulart VA. Gente que cuida da gente: a trajet�ria de Wanda Horta na arte e ci�ncia do cuidado (1926-1981). [Disserta��o]. S�o Paulo: Pontif�cia Universidade Cat�lica de S�o Paulo; 2020. 140 p.

3. Carregal FAS, Santos BM, Souza HP, Santos FBO, Peres MAA, Padilha MICS. Historicity of nursing graduate studies in Brazil: an analysis of the Sociology of the Professions. Rev Bras Enferm. [Internet]. 2021; [acesso em 4 jun 2022]; 74(6):e20190827. Dispon�vel em: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0827

4. Padilha MICS, Nazario NO, Moreira MC. A compreens�o do ide�rio da enfermagem para a transforma��o da pr�tica profissional. Rev Bras Enferm. [Internet]. 1997; [acesso em 4 jun 2022]; 50(3):307-322. Dispon�vel em: https://doi.org/10.1590/S0034-71671997000300002

5. Peres MAA, Aperibense PGGS, Bellaguarda MLR, Almeida DB, Santos FBO, Luchesi LB. Recognition to Anna Justina Ferreira Nery: woman and personality in nursing history. Rev Escola Anna Nery [Internet]. 2021; [acesso em 2 jun 2022]; 25(2):e20200207. Dispon�vel em: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2020-0207

6. Pires SMB, M�ier MJ, Danski MTR. Fragmentos da trajet�ria pessoal e profissional de Wanda Horta: contribui��es para a �rea da enfermagem. Rev. eletr�nica Hist. enferm. [Internet]. 2011; [acesso em 3 jun 2022; 2(1):3-15. Dispon�vel em: http://www.here.abennacional.org.br/here/n3vol2artigo1.pdf

7. Gon�alves JV. Wanda de Aguiar Horta: biografia. Rev. Esc. Enf. USP [Internet]. 1988; [acesso em 4 jun 2022]; 22(n. especial):3-13. Dispon�vel em: https://doi.org/10.1590/0080-62341988022ESP00003

8. Cianciarullo TW. Teoria das necessidades humanas b�sicas - um marco indel�vel na enfermagem brasileira. Rev. Esc. Enf. USP [Internet]. 1987; [acesso em 4 jun 2022]; 21(n. especial):100-107. Dispon�vel em: https://doi.org/10.1590/0080-62341987021ESP00100

9. Lucena ICD, Barreira IA. Revista enfermagem em novas dimens�es: Wanda Horta e sua contribui��o para a constru��o de um novo saber da enfermagem (1975-1979). Texto Contexto Enferm. [Internet]. 2011; [acesso em 5 jun 2022]; 20(3):534-40. Dispon�vel em: https://doi.org/10.1590/S0104-07072011000300015

10. Horta WA. Enfermagem: teoria, conceitos, princ�pios e processo. Rev. Esc. Enf. USP [Internet]. 1974; [acesso em 5 jun 2022]; (8):7-15. Dispon�vel em: https://doi.org/10.1590/0080-6234197400800100007

11. Pires DEP. Transforma��es necess�rias para o avan�o da enfermagem como ci�ncia do cuidar. In: Anais do 17� Semin�rio Nacional de Pesquisa em Enfermagem [Internet]; 2013 jun 3-5; Natal, RN: Associa��o Brasileira de Enfermagem � Se��o Rio Grande do Norte; 2013; [acesso em 5 jun 2022]. Dispon�vel em: http://www.abeneventos.com.br/anais_senpe/17senpe/pdf/9002cf.pdf

12. Erdmann AL, Fernandes JD, Teixeira GA. Panorama da educa��o em enfermagem no Brasil: gradua��o e p�s-gradua��o. Enfermagem em foco [Internet]. 2011; [acesso em 5 jun 2022]; 2(n. supl):89-93. Dispon�vel em: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2011.v2.nSUP.91

13.� Saraiva AKM, Macedo CM, Leonello VM, Oliveira MAC. A expans�o dos cursos de gradua��o em Enfermagem: cen�rio, interesses e desafios do ensino a dist�ncia. Revista da Escola de Enfermagem da USP [online]. 2021, v. 55 [Acessado 9 jul 2022], e03784. Dispon�vel em: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2020009903784

14. Freitas GF, Bonini BB, Silva EC, Ara�jo TA, Mattozinho FCB. Escola de Enfermagem da Universidade de S�o Paulo: vest�gios da hist�ria da profissionaliza��o da Enfermagem no Brasil. Cultura de los Cuidados [Internet]. 2016; [acesso em 5 jun 2022]; 20(46):74-85 Dispon�vel em: http://dx.doi.org/10.14198/cuid.2016.46.07

15. Padilha MICS, Borenstein MS, Maia AR, Guedes JAD, Lessmann JC, Machado CA. Uma hist�ria de sucesso: 30 anos da p�s-gradua��o em enfermagem da UFSC. Texto Contexto Enferm. [Internet]. 2006; [acesso em 5 jun 2022]; 15(n. especial):20-30. Dispon�vel em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=71414366002

16. Moraes TCP, Ribeiro MC. Teorias, sistematiza��o e processo de Enfermagem: a busca pela cientificidade nas pr�ticas assistenciais. In: Neves RS, Reis KMC, Fonseca LHB, F�lix NDC, Moraes TCP. Processo de Enfermagem: m�todo baseado em teorias, sistemas de classifica��es e casos cl�nicos. Goi�nia: Editora IGM; 2022. p. 19-28.

17. Rodrigues PHA, Reis KMC. Teorias de Enfermagem no processo de trabalho do enfermeiro na dimens�o da gest�o, assist�ncia e participa��o pol�tica. In: Neves RS, Reis KMC, Fonseca LHB, F�lix NDC, Moraes TCP. Processo de Enfermagem: m�todo baseado em teorias, sistemas de classifica��es e casos cl�nicos. Goi�nia: Editora IGM; 2022. p. 67-80.

18. Benedet AS, Padilha MI, Peres MAA, Bellaguarda MLR. Essential characteristics of a profession: A historical analysis focusing on the nursing process. Rev. Esc. Enf. USP [Internet]. 2020; [acesso em 4 jun 2022]; 54:e03561. Dispon�vel em: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2018047303561

19. Veiga TM, Leivas DVP, Ehmke JS, Linck IMD. O profissional de enfermagem e sua fun��o social: cuidar do paciente e n�o da doen�a. In: Anais do 24� Semin�rio Interinstitucional de Ensino, Pesquisa e Extens�o [Internet]; 2019 nov 4-7; Cruz Alta, RN:� Universidade de Cruz Alta - Campus Universit�rio Dr. Ulysses Guimar�es; 2019.

 

Submiss�o: 11-07-2022

Aprovado: 18-07-2022