MARCOS DE VISIBILIDADE DA ENFERMAGEM NA ERA CONTEMPORÂNEA: UMA REFLEXÃO À LUZ DE WANDA HORTA
MILESTONES OF VISIBILITY OF NURSING IN THE CONTEMPORARY ERA: A REFLECTION IN THE LIGHT OF WANDA HORTA
HITOS DE VISIBILIDAD DE LA ENFERMERÍA EN LA ÉPOCA CONTEMPORÁNEA: UNA REFLEXIÓN A LA LUZ
DE WANDA HORTA
1Jefferson Wildes da Silva Moura
2Débora Rinaldi Nogueira
3Fábila Fernanda dos Passos da Rosa
4Thiago Lopes Silva
5Evangelia Kotzias Atherino dos Santos
6Soraia Dornelles Schoeller
1Discente de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7192-1099
2 Discente de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Docente do Instituto Federal de Santa Catarina. Joinville, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6653-1830
3Discente de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4171-9965
4Discente de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6310-5825
5Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5970-020X
6Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2822-4407
RESUMO
Objetivo: refletir acerca dos marcos da visibilidade da Enfermagem na era contemporânea à luz de Wanda Horta. Método: trata-se um estudo teórico-reflexivo, fundamentado na base teórica e dos pressupostos de Wanda Horta. Resultados: foram elencadas duas categorias centrais: Enfermagem na percepção de Wanda Horta e Enfermagem enquanto arte e ciência. Wanda Horta participou ativamente do processo de transformação da profissão Enfermagem no Brasil, corroborando para a uma assistência sistematizada através do desenvolvimento do Processo de Enfermagem, bem como na cientificidade da profissão por meio da elaboração de sua teoria voltada para as necessidades humanas básicas. Além disso, colaborou no processo de ensino-aprendizagem e de formação de novos enfermeiros, assim como na divulgação da Enfermagem enquanto arte e ciência. Considerações finais: Horta contribuiu para o avanço da Enfermagem na dimensão prática, científica e profissional, revolucionando a assistência de Enfermagem no Brasil.
Palavras-chave: Enfermagem; Cuidados de Enfermagem; Filosofia em Enfermagem; Teoria de Enfermagem; História da Enfermagem.
ABSTRACT
Objective: to reflect on the milestones of nursing visibility in the contemporary era in the light of Wanda Horta. Method: this is a theoretical-reflexive study, based on the theoretical basis of Wanda Horta's assumptions. Results: two central categories were selected: Nursing in the perception of Wanda Horta and Nursing as art and science. Wanda Horta actively participated in the process of transformation of the nursing profession in Brazil, corroborating for systematized care through the development of the Nursing Process, as well as in the scientific of the profession through the elaboration of its theory focused on basic human needs. In addition, he collaborated in the teaching-learning process and training of new nurses, as well as in the dissemination of Nursing as art and science. Final considerations: Horta contributed to the advancement of Nursing in the practical, scientific and professional dimension, revolutionizing nursing care in Brazil.
Keywords: Nursing; Nursing Care; Philosophy, Nursing; Nursing Theory; History of Nursing.
RESUMEN
Objetivo: reflexionar sobre los hitos de la visibilidad de la enfermería en la era contemporánea a la luz de Wanda Horta. Método: se trata de un estudio teórico-reflexivo, basado en la base teórica de los supuestos de Wanda Horta. Resultados: se seleccionaron dos categorías centrales: Enfermería en la percepción de Wanda Horta y Enfermería como arte y ciencia. Wanda Horta participó activamente en el proceso de transformación de la profesión de enfermería en Brasil, corroborando para la atención sistematizada a través del desarrollo del Proceso de Enfermería, así como en la cientificidad de la profesión a través de la elaboración de su teoría centrada en las necesidades humanas básicas. Además, colaboró en el proceso de enseñanza-aprendizaje y formación de nuevas enfermeras, así como en la difusión de la Enfermería como arte y ciencia. Consideraciones finales: Horta contribuyó al avance de la Enfermería en la dimensión práctica, científica y profesional, revolucionando el cuidado de enfermería en Brasil.
Palabras clave: Enfermería; Atención de Enfermería; Filosofía en Enfermería; Teoría de Enfermería; Historia de la Enfermería.
Autor correspondente
Jefferson Wildes da Silva Moura
Rua Delfino Conti, S/N, Trindade, Florianópolis – SC
(Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da
Universidade
Federal de Santa Catarina). CEP: 88040-370.
Telefone: +55(81) 99560-9384.
E-mail: jefferson.wsmoura@gmail.com
Fomento e Agradecimento: O presente trabalho foi realizado
com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil
(CAPES) – Código de Financiamento 001. Bolsa de Doutorado,
processo nº 88887.666427/2022-00 do Programa de Excelência Acadêmica
INTRODUÇÃO
O cuidar é uma atividade essencial para a manutenção da vida humana, sendo esta tarefa incumbida, culturalmente, à mulher no decorrer do tempo. No contexto do cuidado em saúde, até meados do século XVIII, esta responsabilidade era das religiosas, que atuavam nas Santas Casas de Misericórdia cuidando dos enfermos acolhidos. Com o surgimento dos hospitais, a assistência em saúde é (re)organizada, ficando sob responsabilidade do médico. Por consequência, coube às religiosas exercerem um cuidado subordinado à disciplina médica(1-3).
Constata-se a importância do cuidado/trabalho da enfermagem no cenário hospitalar, sendo necessário realizar o treinamento das “enfermeiras”, que era apenas prático e sem conhecimento teórico/científico próprio da Enfermagem. Apesar de estar à frente das narrativas de cuidado e mesmo com a institucionalização da Enfermagem enquanto profissão no século XIX, nota-se que a mulher/enfermeira é colocada numa posição de subserviência ao homem/médico. Os conhecimentos e práticas de cuidados que corroboraram para embasar as ciências da saúde e, consequentemente, da Enfermagem foram desqualificados(2-3).
A história da prática da Enfermagem é indissociável das mulheres que a realizavam e que repassavam os seus conhecimentos às novas gerações de mulheres. Há uma romantização quanto à imagem da enfermeira, que deixa de ser a "dama de vermelho" que serve ao médico, para ser a "dama de branco" ou "dama da lâmpada", uma mulher abnegada, decente e que serve ao outro sem esperar retribuição. Apesar do preconceito, que perdura até os dias atuais e do ambiente “hostil”, percebe-se que as mulheres contemporâneas mantiveram-se fiéis ao seu propósito de ofertar um cuidado de qualidade, humano e eficaz. Esse cenário instigou o avanço e mudanças nas práticas de Enfermagem, por meio da reformulação dos cuidados(4,2).
No cenário internacional, Florence Nightingale revolucionou a Enfermagem e contribuiu para a sua profissionalização, bem como sua solidificação enquanto ciência a partir de sua vivência na Guerra da Crimeia (1853-1856), reconhecendo a influência do ambiente no estado de saúde do paciente, o que gerou a Teoria Ambientalista, a primeira teoria na área da Enfermagem. No Brasil, Anna Nery atuou como enfermeira na Guerra do Paraguai (1864-1870), tendo que enfrentar os preconceitos da época relacionados ao seu gênero. Apesar da dificuldade, conseguiu aliviar o sofrimento dos soldados feridos, retornando ao seu país como uma heroína da Enfermagem Brasileira(2-3,5).
Ainda no Brasil, outra mulher que contribuiu para o reconhecimento da Enfermagem enquanto ciência autônoma foi Wanda Horta, precursora do Processo de Enfermagem utilizado na Sistematização da Assistência de Enfermagem e responsável pela Revista Enfermagem em Novas Dimensões (REND), que ficou em vigor entre os anos de 1975 e 1979. A REND tinha por objetivo promover o debate acerca dos avanços na área da Enfermagem e além das publicações científicas, havia espaço para o compartilhamento da concepção de cuidado também como arte(3).
A arte na Enfermagem não era apenas um recurso utilizado no processo de ensino e aprendizagem, mas que deveria ser praticado. Horta, por exemplo, utilizou a arte como autocuidado para as feridas de sua alma causadas principalmente pela doença degenerativa esclerose múltipla da qual era portadora. Ela reforçava que o cuidado não se tratava de apenas uma atividade profissional primordial para a área da saúde, mas que seria uma necessidade básica do ser humano. Logo, ela propôs uma Enfermagem científica, mas com práticas assistenciais humanizadas, pois somos “gente que cuida de gente”, olhando não apenas para o paciente, mas também para o profissional(2).
Para Horta, a filosofia da Enfermagem está além de um serviço prestado a outros indivíduos, pois está embasada em uma relação complexa e subjetiva entre seres da Enfermagem. A produção de Horta, uma das principais teóricas de Enfermagem do Brasil, contribuiu com o movimento de desenvolvimento do conhecimento acerca do cuidado no século XX que levou ao que chamamos de Ciência da Enfermagem(2). Mediante o exposto, este trabalho tem como objetivo refletir acerca dos marcos da visibilidade da Enfermagem na era contemporânea à luz de Wanda Horta.
MÉTODO
Trata-se um estudo teórico-reflexivo, fundamentado na base teórica dos pressupostos de Wanda Horta, além da literatura científica atual pertinente à temática. Este trabalho foi gerado a partir das provocações ocorridas na disciplina eletiva “Filosofia da Ciência, da Enfermagem e da Saúde”, inerente a um Programa de Pós-Graduação em Enfermagem de uma universidade federal localizada no sul do Brasil. Sendo incumbido aos discentes do curso de doutorado em Enfermagem, como etapa do processo avaliativo da disciplina, realizar uma análise crítica e reflexiva do tema proposto. Para uma melhor apresentação, foram elencadas duas categorias centrais: Enfermagem na percepção de Wanda Horta e Enfermagem enquanto arte e ciência.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Enfermagem na percepção de Wanda Horta
A compreensão acerca do conhecimento que envolve a ciência Enfermagem exige um olhar para os tempos vividos e percorridos pela profissão e suas personagens históricas que deram luz, sustentabilidade e cientificidade ao Ser-enfermeiro, as teóricas de Enfermagem.
No Brasil, a enfermeira, pesquisadora e teórica, Wanda de Aguiar Horta foi responsável por determinar um marco exponencial na Enfermagem brasileira, que refletiu internacionalmente. Foi visionária ao dizer que o enfermeiro é um ser integrante ativo e detentor de conhecimento na equipe de saúde, e não submisso apenas a executar ações preestabelecidas pelo profissional médico. Diante dessa inquietação, somada ao vivido no dia a dia da prática hospitalar, na década de 60, Horta deu início a revolução e modernização da profissão, com a elaboração de uma teoria que estava centrada nas necessidades humanas básicas e um método assistencial, o processo de Enfermagem, ambos tinham o objetivo de ordenar o cuidado, de somar as partes, de ver o todo corpo-mente-espírito.
Para uma melhor reflexão sobre todo o processo de construção de uma enfermagem científica e contemporânea proposto por esta enfermeira, faz-se necessário de forma muito humilde e resumida conhecer quem foi esta mulher à frente de seu tempo e como suas bases influenciaram sua arte. Nascida em Belém do Pará, em 11 de agosto de 1926, filha de pai militar, e de mãe muito abnegada aos cuidados com a casa e educação dos filhos, Horta cresceu dentro da cultura esperada para a época e a região norte do país. Os relatos históricos de familiares trazem a descrição de uma menina muito recatada, religiosa, apreciadora ímpar de leitura e música (piano), muito estudiosa, e com excelente desempenho escolar(6).
Logo na adolescência desenvolveu um interesse nato pelas ciências humanas/biológicas, mais especificamente, nas áreas da microbiologia, anatomia e fisiologia. Foi matriculada no ginásio e pré-médico, uma orientação ao trabalho que existia na época. Essa iniciativa de seus pais aflorou em Horta o desejo pelo cuidar, potencializado também por outro movimento ocorrido no mesmo período, a 2ª Guerra Mundial, descrita por ela como um ato desumano e desprovido de profissionais capacitados para o cuidado aos feridos e seus familiares. Fato tal que a motivou a se inscrever aos 16 anos em um curso para voluntários na Cruz Vermelha em Ponta Grossa, no Paraná, onde sua família residiu por um período(7).
Em 1944, já residindo em Curitiba com a família, surgiu o desejo de cursar Medicina por desconhecer o curso de Enfermagem, porém por não ter idade para cursar o vestibular e condições financeiras para tal, resolveu ir trabalhar. Por intermédio de uma conhecida chamada Rosalina Niepce da Silva, iniciou suas atividades no Posto de Puericultura da Legião Brasileira de Assistência, onde começou a praticar a enfermagem, de forma muito rudimentar, executando procedimentos como administração de medicação intramuscular e provas tuberculínicas. No ano seguinte foi contemplada com uma bolsa de estudos para a Escola de Enfermagem na Universidade de São Paulo (EEUSP). Os primeiros anos de profissão foram praticados no campo da saúde pública, saúde mental e pronto socorro em diferentes lugares do país, até meados de 1959, quando retornou para USP como docente(7).
A partir desse momento, Horta muda o curso da profissão Enfermagem, não só enquanto ciência, mas também seus pressupostos filosóficos, seus construtos tanto no mestrado como no doutorado e professora adjunta posteriormente, se comprometem a sistematizar e identificar os problemas de enfermagem, buscando equilibrar os desequilíbrios biológicos, psicossociais e espirituais, traçando as necessidades, planejando cuidados executados tanto por profissionais como pelo próprio indivíduo, pensando em um conceito de autocuidado, visando prevenção, promoção e reabilitação em saúde(8).
Com a proposta de cientificar a profissão, estudou diversas teóricas de outros países, especialmente as norte-americanas, que na época já demostravam interesse e discutiam um novo horizonte para a Enfermagem, tais como, McDowell (homeostasia), Levine (holística), Roy (adaptação), King (percepção, transação e interação) e Rogers (homem no tempo e no espaço), que de alguma forma influenciaram sua teoria. Para sustentar suas ideias voltadas para as necessidades básicas do ser humano baseou-se em dois paradigmas, e de Maslow e Mohana(8).
Ao longo de sua vida acadêmica publicou muitos artigos com temáticas que abordavam as diferentes necessidades humanas básicas e seus conceitos, bem como, trazia detalhadamente possibilidades para o planejamento assistencial, publicados inclusive na REND, a qual foi fundadora, trabalhando com editora e redatora. Os dez anos que atuou na assistência, serviram para alertá-la para um problema estabelecido, a Enfermagem não tinha um método de cuidado, executava uma prática solta, rudimentar, sem fundamentação, esse último olhar lhe rendeu uma disciplina no curso de Enfermagem, intitulada Fundamentos de Enfermagem, na Escola de Enfermagem Anna Nery(9).
O fato de não existir uma Enfermagem teórico-metodológica, fez com que Horta elaborasse o processo de Enfermagem, que tinha por objetivo sistematizar as ações voltadas ao ser humano, contemplando seis etapas: Histórico de Enfermagem; Diagnóstico de Enfermagem; Plano assistencial; Plano de cuidados; Evolução de Enfermagem e Prognóstico de Enfermagem. Concomitante a essa construção, ela foi elaborando, baseada em evidências científicas, uma teoria que se preocupou em provar que o homem faz parte de um todo, que pode ser visto como universo, e que sofre o reflexo do todo e responde a essa interferência, e isso afeta seu bem-estar. Prova também que a Enfermagem é parte integrante da equipe de saúde e desse todo e que por meio de seu conhecimento e técnica se torna o ser responsável por garantir a assistência ao ser humano e de suas necessidades, tornando-o elemento ativo e participativo do seu autocuidado(10).
Em uma análise modesta fica claro perceber que a base familiar sustentada pela teórica garantiu-lhe uma postura ética, centrada e muito segura de seus propósitos, mesmo em um tempo difícil para a ascensão profissional. O fato de ser poliglota garantiu-lhe informação e engajamentos em eventos científicos em diversos países, provando que conhecimento transcende extramuros. A vivência em campos de trabalhos distintos garantiu o olhar e sensibilidade para as diversas nuances do ser humano, bem como suas necessidades, dando base para os pressupostos de sua teoria. Separar as necessidades por categorias e estratificá-las demonstrou que o enfermeiro deve ser portador de conhecimento para realizar uma avaliação pautada em padrões não só biológicos.
Horta faleceu em 1981, no auge dos seus cinquenta e cinco anos, decorrente de uma doença degenerativa(8) que não a impediu de construir conhecimento até o final da sua existência, deixando um legado, uma teoria não finalizada, porém fundamentada, atual e inovadora que serve como referencial em muitas instituições de saúde e de ensino para subsidiar o planejamento da assistência de Enfermagem. Essa teórica brasileira, representa um marco para a Enfermagem, para o cuidado e para a ciência.
Enfermagem enquanto arte e ciência
As discussões, no que diz respeito a classificação de um trabalho como ocupação ou profissão são significativas e fundamentam-se nas características dos diferentes trabalhos, na capacidade de seus profissionais demonstrarem a importância de seu trabalho e a necessidade de disporem de prerrogativas legais de proteção. Nessa perspectiva, analisar o trabalho da Enfermagem comparado às peculiaridades de profissão, necessita olhar para a utilidade social deste trabalho, assim como para os determinantes histórico-sociais de seu papel no campo multiprofissional de saúde. A Enfermagem enquanto profissão vem construindo sua identidade, mas encontra-se em processo de transformação e desenvolvimento contínuo, o que a consolida enquanto ciência, ao passo que incrementa a prática evidências científicas(11).
Do início dos anos 1920 ao final dos anos 1940, no Brasil foram criados 16 cursos de Enfermagem, sendo o começo do ensino superior no país. Tal fato está profundamente ligado às transformações que o crescimento urbano e industrial produziu no país(12). Apesar de, neste período, a criação dos cursos de Enfermagem estarem em evidente expansão, o aumento foi intensificado após a Lei nº 2.024/61 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Com a Lei nº 5.540/68 de Normas de Organização e Funcionamento do Ensino Superior inicia-se a estimulação da pesquisa e a expansão do ensino superior, com as criações das pós-graduações Stricto Sensu. Atualmente, o Brasil, segundo o Censo de Educação Superior conta com um total 1.041 cursos de Graduação de Enfermagem(13).
A pós-graduação em Enfermagem no Brasil está celebrando 50 anos e tem qualificado enfermeiros para o atendimento, assistência e administração de distintas e complexas necessidades e exigências da população, dos setores de saúde e da continuidade da formação de novos enfermeiros, sendo um marco para Enfermagem brasileira possibilitando a sustentação da cientificidade da profissão ao evidenciar a eficiência de suas ações.
Importante destacar que para implantação da pós-graduação na área da Enfermagem no país, houve a atuação de uma personagem fundamental para tal feito, Wanda Horta, que colaborou para criação dos dois primeiros cursos de mestrado em Enfermagem no Brasil, o primeiro na Escola de Enfermagem Anna Nery e o segundo na EEUSP, e no estabelecimento do primeiro curso de doutorado em Enfermagem da América Latina na EEUSP junto com a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP(14). Além disso, Horta também contribuiu na organização da pós-graduação de Enfermagem na Universidade Federal de Santa Catarina(15).
Outro fator importante para a Enfermagem brasileira foram as criações das revistas científicas de Enfermagem no país, sendo importantes meios de divulgação científica de suas atividades e pesquisas. Encabeçada em 1932 pelo ANNAES DE ENFERMAGEM, editado no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1932, que depois se tornou a Revista Brasileira de Enfermagem (REBEn), em 1967 iniciou a Revista da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (REEUSP) e em 1973 começa a revista Enfoque. A criação da quarta revista de Enfermagem brasileira, foi a REND, liderada por Horta em 1975(9).
As primeiras publicações de Horta, que tem conexão com a teoria que ela viria desenvolver mais adiante, foram na REBEn, onde ela defende a prática de enfermagem fundamentada na ciência. Ao longo de sua trajetória, Horta publicou 25 artigos na REBEn e REEUSP e 14 na REND(9). Vale ressaltar que a ampliação da quantidade de revistas de Enfermagem se intensificou após o estabelecimento dos cursos de pós-graduação, gerando o progresso da pesquisa e, por consequência, na cientificidade da enfermagem.
Outro importante marco para a Enfermagem foram as criações das Teorias de Enfermagem, expressão formal do padrão empírico de conhecimento - Ciência da Enfermagem, elas se desenvolveram, nos Estados Unidos, impulsionadas pela necessidade de alterações na formação educacional da enfermagem e pela necessidade de sua confirmação como uma disciplina científica, bem como profissional(16). Apesar de terem tido seu início nos anos 1950, no Brasil passaram a ter destaque nos anos 1970.
Ao utilizar-se de uma teoria como fundamentação para a prática clínica, há um impacto direto na gestão do cuidado. Isso ocorre, pois, a assistência fundamentada indica meios, metas, resultados específicos e ações de enfermagem para uma prática racional e sistemática(17). Horta ao desenvolver a teoria baseada nas necessidades humanas básicas, além de instituir o Processo de Enfermagem contribuiu a cientificidade da Enfermagem no Brasil. Salienta-se que o Processo de Enfermagem caracteriza-se como tecnologia de cuidado, fazendo com que a enfermagem evolua como profissão, preferencialmente voltada para a compreensão da integralidade do ser humano, apoiada na reflexão sobre a sua prática(18).
Desse modo, o Processo de Enfermagem, permitiu a construção de uma identidade profissional para a Enfermagem, diferenciando-a das demais profissões da área da saúde, pois estabeleceu um espaço como profissão de consulta, onde o profissional apresenta o compromisso de atender as necessidades das pessoas e manter relacionamento direto com elas. Igualmente, oportunizou a construção e a aplicação de um corpo de conhecimentos próprio da Enfermagem, ou seja, sua expertise, condição que contribui para um fazer profissional autônomo, fator essencial para a construção da identidade profissional(18).
Horta, pensava os cuidados em Enfermagem como sendo um instrumento emancipatório. Compreendia o atendimento ao paciente como um meio por onde os profissionais da enfermagem, através da atenção às vulnerabilidades do outro, do diálogo e da assistência, seriam capazes de promover saúde, contribuindo com pessoas de diferentes idades e contextos, instruindo-as de maneira que não viessem a sofrer de adoecimentos, pela privação de informações sobre o cuidado de seus próprios corpos(2).
Em sua teoria, Horta defendia a primícia de que a ciência do cuidado não deveria ser voltada à doença, mas sim ao paciente e suas necessidades. As teorias, quando estudas no meio acadêmico, evidenciam que o foco da assistência devem ser as necessidades humanas, ou seja, cada pessoa é única e a Enfermagem deve preocupar-se com a subjetividade de cada ser humano, papel que abrange mais do que a técnica, mas engloba o social, o psíquico e a saúde na sua forma mais complexa(19).
Suas publicações, datadas da década de 1970, foram consideradas um marco no desenvolvimento e no processo de modernização das práticas em Enfermagem. Fundamentado na teoria em questão, o cuidado prestado pela Enfermagem necessita ser um cuidado que considere o ser humano como um todo - corpo, mente e espírito, pois, ao adoecer somente o corpo ou somente a mente, a pessoa é afetada em sua totalidade(6).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Wanda Horta contribuiu para o avanço e visibilidade da Enfermagem na dimensão prática, científica e profissional. Na ciência, desenvolveu uma teoria de Enfermagem em consonância com a realidade brasileira, percebendo o ser humano como um ser biopsicossocial, estimulando que a prática da Enfermagem fosse holística, integral e humanização. Na prática, revolucionou a assistência de Enfermagem ao propor o Processo de Enfermagem que passou a orientar/sistematizar os cuidados prestados pela equipe de Enfermagem. Além disso, dedicou-se a publicação científica e artística dos princípios e pressupostos da Enfermagem e foi pioneira no estabelecimento da pós-graduação Stricto Sensu em Enfermagem no país. Tal cenário, fortaleceu a Enfermagem enquanto profissão autônoma, científica e responsável por fornecer/gerir o cuidado nos serviços de saúde.
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