FORMAÇÃO DO ENFERMEIRO NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE MENTAL: CONCEPÇÕES DE ESTUDANTES E PROFESSORES
EDUCATION OF NURSES IN MENTAL HEALTH EDUCATION: CONCEPTIONS OF STUDENTS AND TEACHERS
FORMACIÓN DE ENFERMEROS EN EDUCACIÓN EN SALUD MENTAL: CONCEPCIONES DE ESTUDIANTES Y PROFESORES
1Fabiana Porto da Silva
2Mara Regina Caino Teixeira Marchiori
3Daiana Foggiato de Siqueira
4Keity Laís Siepmann Soccol
5Juliana Silveira Colomé
1 Universidade Franciscana, Santa Maria, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5450-2602
2 Universidade Franciscana, Santa Maria, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9412-7755
3 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8592-379X
4 Universidade Franciscana, Santa Maria, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7071-3124
5 Universidade Franciscana, Santa Maria, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8059-1482
Autor correspondente
Keity Laís Siepmann Soccol
Avenida Silva Jardim 1175, bairro Rosário, Santa Maria, RS, Brasil.
CEP: 97010-491 Contato: +55(55) 99950-9201
E-mail: keitylais@hotmail.com
RESUMO
Objetivo: identificar as concepções de estudantes e professores da graduação em enfermagem acerca da formação do enfermeiro relacionada a educação em saúde mental. Métodos: estudo qualitativo, do tipo descritivo e exploratório, realizado com 20 estudantes e 10 professores de dois cursos de graduação em Enfermagem de Instituições de Ensino Superior. A coleta das informações ocorreu por meio de entrevista semiestruturada e os dados analisados de acordo com a análise de conteúdo temática. Resultados: estudantes e professores percebem a formação do enfermeiro ampliada em que houve o predomínio de metodologias de ensino-aprendizagem ativas e problematizadoras. Os desafios apresentados para a formação, é o fato as práticas ocorrerem em uma rede fragmentada, com problemas de acesso e escassez de recursos humanos e materiais. Considerações finais: os cursos de graduação em enfermagem precisam articular-se de modo integrado à gestão, aos serviços e às equipes de saúde, de modo a pensar e atuar coletivamente.
Palavras-chave: Educação; Educação em Enfermagem; Capacitação Profissional; Saúde Mental; Enfermagem
ABSTRACT
Objective: to identify the conceptions of undergraduate nursing students and professors about nursing education related to mental health education. Methods: qualitative, descriptive and exploratory study, carried out with 20 students and 10 professors from two undergraduate courses in Nursing at Higher Education Institutions. The collection of information took place through semi-structured interviews and the data analyzed according to thematic content analysis. Results: students and professors perceive the training of nurses expanded in which there was a predominance of active and problematizing teaching-learning methodologies. The challenges presented for training is the fact that the practices occur in a fragmented network, with access problems and scarcity of human and material resources. Final considerations: undergraduate nursing courses need to be articulated in an integrated way with management, services and health teams, in order to think and act collectively.
Keywords: Education; Education Nursing; Professional Training; Mental Health; Nursing.
RESUMEN
Objetivo: identificar las concepciones de estudiantes y profesores de graduación en enfermería sobre la formación en enfermería relacionada con la educación en salud mental. Métodos: estudio cualitativo, descriptivo y exploratorio, realizado con 20 estudiantes y 10 profesores de dos cursos de graduación en Enfermería de Instituciones de Educación Superior. La recolección de información ocurrió a través de entrevistas semiestructuradas y los datos analizados de acuerdo con el análisis de contenido temático. Resultados: estudiantes y profesores perciben ampliada la formación de enfermeros en la que hubo predominio de metodologías de enseñanza-aprendizaje activas y problematizadoras. Los desafíos que se presentan para la formación es el hecho de que las prácticas se dan en una red fragmentada, con problemas de acceso y escasez de recursos humanos y materiales. Consideraciones finales: los cursos de graduación en enfermería necesitan articularse de forma integrada con la gestión, los servicios y los equipos de salud, para pensar y actuar colectivamente.
Palabras clave: Educación; Educación en Enfermería; Capacitación Profesional; Salud Mental; Enfermería.
INTRODUÇÃO
A saúde mental está alicerçada nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), assim considera-se que é o resultado de um processo de mobilização social de enfrentamento ao modelo manicomial e de um projeto coletivamente produzido a partir das mudanças do modelo de atenção e de gestão do cuidado, e que busca reorganizar a atenção em saúde mental(1-2). O SUS orienta o modelo de atenção e o processo de trabalho pautado na produção do cuidado em saúde(3).
Embora se tenha um modelo de atenção que orienta o modelo de cuidado no país, o Brasil ainda vivencia um cenário que ameaça os direitos humanos no que concerne à saúde mental das pessoas e da coletividade, na qual ainda se prioriza políticas de saúde mental que dão ênfase ao paradigma psiquiátrico hospitalocêntrico medicalizador. Também, incentiva a criação de serviços que atuam sob a lógica da exclusão social e do isolamento(4). Apesar das adversidades decorrentes de propostas políticas, a formação em saúde necessita estar ancorada nos pressupostos do SUS. É imprescindível que o ensino da enfermagem em saúde mental esteja pautado nos modelos que priorizem a reforma psiquiátrica brasileira(5).
Transformações nos projetos pedagógicos dos cursos de graduação em Enfermagem são essenciais para que o conhecimento teórico e as práticas estimulem o estudante para desenvolver um cuidado mediado pela empatia, na comunicação terapêutica e no relacionamento interpessoal com os trabalhadores, usuários e familiares nos diferentes serviços que constituem a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)(6). Para que haja mudanças no cuidado à saúde mental os processos de formação devem incentivar o reconhecimento das singularidades das pessoas e o desenvolvimento de ações pautadas no contexto do SUS.
A enfermagem exerce uma prática social e desenvolve um trabalho próximo às pessoas com transtornos mentais, por isso deve garantir os direitos delas por meio de uma assistência libertadora e que prevê a autonomia e a cidadania(4), na perspectiva de um cuidado integral, com compromisso e em rede(5).
Um novo olhar sobre a saúde mental demanda uma formação de estudantes de enfermagem centrada em processos de inovação do ensino e da prática profissional. Assim, a formação desses profissionais carece de programas que englobem a interdisciplinaridade de ensino que permitam uma compreensão integrada das situações que envolvem a saúde(7). Assim, é importante ampliar as discussões que envolvem a formação e a atuação na saúde mental(8).
Diante da importância que é a formação em saúde mental esse estudo se torna importante à medida em que busca discutir sobre o processo formativo na percepção de estudantes e de docentes de cursos de enfermagem. Ao conhecer sobre como está o processo de ensino aprendizagem será possível desvelar a realidade que permeia a formação e a atuação profissional direcionada à saúde mental, bem como a necessidade de mudanças nos projetos pedagógicos dos cursos. Assim, objetivou-se identificar as concepções de estudantes e professores da graduação em enfermagem acerca da formação do enfermeiro relacionada a educação em saúde mental.
MÉTODOS
Estudo de abordagem qualitativa, do tipo descritivo e exploratório, que teve como cenários dois cursos de graduação em Enfermagem de Instituições de Ensino Superior (IES), sendo uma de natureza pública e outra privada, localizadas na região central do estado do Rio Grande do Sul. A escolha por estas IES justifica-se pelo fato de que ambas são referência para a formação de enfermeiros a nível loco-regional e nacional. O estudo não intencionou uma análise comparativa dos dois cursos, mas sim ampliar as possibilidades de obtenção de informações em mais de uma realidade concreta.
Os participantes do estudo foram 20 estudantes dos cursos de graduação em enfermagem e 10 professores dos mesmos cursos. Os critérios de inclusão para os estudantes foram: ser graduando do curso de enfermagem do último semestre; estar regularmente matriculado e ter cursado todas as disciplinas dos semestres anteriores. Já para os professores, foram: ser professor dos cursos participantes; atuar em disciplinas que possuíam relação com o campo da saúde mental em seu plano de ensino e estar exercendo a atividade docente durante o período de coleta de dados. Quanto os critérios de exclusão tanto para os estudantes, quantos aos professores foram: estar afastado das atividades curriculares por motivo de laudo, licença ou atestado por problemas de saúde.
Para a constituição de uma amostra intencional de 20 estudantes, após serem utilizados os critérios de inclusão e exclusão, foram sorteados 10 (dez) estudantes de cada uma das IES participantes. Em relação ao grupo de professores, após também serem utilizados os critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados aqueles cujas disciplinas possuíam temas relacionados a saúde mental nos planos de ensino. Essa seleção resultou em grupo composto por 10 (dez) professores, sendo 5 (cinco) de cada uma das IES.
A coleta das informações ocorreu no segundo semestre de 2018 por meio de entrevista semiestruturada individual, com tempo médio de aproximadamente 20 minutos, tanto para professores, quanto para estudantes. As entrevistas foram realizadas em horários e locais previamente agendados, conforme a disponibilidade dos participantes. Os locais das entrevistas para os professores selecionados foram nas IES, onde os mesmos atuam na docência. Para os estudantes, foram nas IES privada/pública e em serviços de saúde local, onde os mesmos se encontravam realizando estágios curriculares. O convite tanto para professores, quanto para os estudantes, foi realizado por meio de endereços eletrônicos.
Para a coleta das informações utilizaram-se as seguintes questões norteadoras: Como você percebe a educação em saúde mental nos cursos de graduação em enfermagem? Quais os desafios para a educação em saúde mental no contexto dos serviços de saúde? As questões realizadas nas entrevistas apresentaram a mesma natureza, tanto para professores, quanto para estudantes.
A fim de garantir o anonimato dos participantes, foram utilizadas juntamente às falas, as iniciais da palavra estudante (EST), seguidas da numeração de 1 a 20, e da palavra professor (PROF), seguida de um numeral de 1 a 10. A numeração seguiu a ordem da realização das entrevistas, não identificando, portanto, os cursos participantes.
Os dados foram analisados de acordo com a análise de conteúdo temática(9) e resultaram na elaboração de três categorias. O estudo seguiu os pressupostos éticos de pesquisa envolvendo seres humanos, foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa, aprovado com certificado de apresentação para apreciação ética número 79846417.3.0000.5306 e parecer 2.457.331. Todas as participantes leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
A análise dos dados possibilitou a elaboração de três categorias: Concepções acerca da saúde mental; Processo de ensino aprendizagem em saúde mental; e, Cuidado à saúde mental das pessoas no âmbito dos serviços de saúde.
Concepções acerca da saúde mental
A concepção dos estudantes e professores acerca da saúde mental demonstra um entendimento amplo e contextual, que não se restringe somente à ausência de doenças e às terapêuticas relacionadas com os transtornos psiquiátricos. Nesse sentido, a saúde mental é percebida como uma área de atuação que engloba as diversas dimensões humanas, que integram a vida e a saúde das pessoas, e que levam em consideração a multidimensionalidade.
A saúde mental eu entendo como todo um contexto. Não envolve só ela! Envolve a clínica, assim como no tratamento deve-se atentar a clínica também do paciente. Envolve todo um contexto cultural, social econômico e acredito que a saúde mental também precisaria ser associada ao todo, a todas as áreas. Ela envolve o pensar, as emoções dentro de um contexto (EST10).
A saúde mental incorpora vários elementos do ser humano. Ela delineia na verdade, uma conduta que por vezes pode ser alterada em função da dinâmica do trabalho, da dinâmica social. Não é como antigamente que se dizia: ausência de doenças. É muito mais complexo do que isso. Então, dentro da saúde nós temos a questão da saúde mental e ela requer que nós estejamos muito saudáveis do ponto de vista não só orgânico, mas do ponto de vista psicológico (PROF7).
Também, a saúde mental é compreendida como algo que vai além de especialidades ao cuidado em saúde, considera a multidimensionalidade, a promoção da saúde, e envolve a reflexão acerca do panorama social, político e econômico em que as pessoas estão inseridas:
A saúde mental não é mais uma questão de especialidade, mas acaba sendo uma coisa que está permeando toda nossa vida. Porque na maioria dos casos, a saúde mental ela é vista bem no contexto quando a pessoa está naquele estresse, está naquela situação já de risco, mas esquece também que a saúde mental é lazer, são as atividades, que a gente faz e que acabam surgindo esses momentos bons (EST14).
A saúde mental eu entendo como todo, um contexto, ela não envolve só a clínica. Envolve todo um contexto cultural, social e econômico. E, acredito que a saúde mental também precisaria ser associada a todo, a todas as áreas, porque ela envolve o pensar, envolve as emoções dentro de um contexto (EST10).
Ao se trabalhar com o pensamento da complexidade a teoria sistêmica, você precisa saber conceber a saúde em suas várias dimensões, da mesma forma, de cuidado e compreender a atuação do enfermeiro nesse processo ampliado multidimensional, onde se enquadra a saúde mental. Então, acreditar, apostar, pensar e trabalhar hoje um referencial sistêmico. Isso requer de mim, que eu pense nas diferentes dimensões do ser humano. E a dimensão emocional ou mental ou da saúde mental, isso automaticamente, ali faz parte, não tem como eu fragmentar uma parte das demais (PROF3).
Para os estudantes e professores a saúde mental vai além da saúde física ou da ausência de doenças, portanto é compreendida como um olhar para multidimensionalidade e que envolve a contextualização social, política e econômica. Ainda, expressam que a atuação do enfermeiro necessita ser desenvolvida tendo em vista um pensamento sistêmico.
Processo de ensino aprendizagem em saúde mental
Os diversos cenários onde os estudantes e professores desenvolveram suas aulas práticas ou estágios, demonstram que o ensino de saúde mental nos cursos de graduação em enfermagem é discutido em diferentes disciplinas ao longo da formação acadêmica e transcendem aos planos de ensino:
A saúde mental acaba permeando vários contextos e não apenas aqueles especificados ali no plano, como a dependência, as políticas de saúde. Mas por exemplo, em algum momento eu vou falar dentro da disciplina, sobre quais são os problemas sociais atuais, então a saúde mental está permeada em tudo isso (PROF4).
A gente acaba trabalhando em várias disciplinas. [...] É um tema que sempre surge. A saúde mental sempre está aparecendo (EST11).
Em relação às metodologias utilizadas no processo de ensino-aprendizagem, essas foram desenvolvidas com recursos didáticos variados, por meio de metodologias ativas, o que permitiu as reflexões e a participação ativa dos estudantes. Ainda, o uso de metodologias ativas facilitou a compreensão do papel do enfermeiro:
Eu acho que a questão da visita técnica, de conhecer o trabalho do enfermeiro, a realização de ações estratégicas para implementar a questão da política de saúde mental, a roda de discussão ampliada na sala de aula envolvendo todos os estudantes, e de forma indireta nos demais conteúdos das disciplinas, que são abordados como falando em metodologias em aulas que são interativas, não necessariamente expositivas dialogadas, mas com rodas de discussão, com debates com filme, em que os alunos passam também ter uma participação bastante efetiva nessa construção (PROF6).
Faz com que o aluno tente perceber através de dinâmicas de seminários, de debates de rodas de conversa de leituras de vídeos de filmes, e até muitas vezes em atividades de eventos, em praça pública, em congressos enfim, que ele consiga perceber (PROF4).
A professora abordou toda a teoria sobre legislação. Ela buscava trazer filmes, documentários sobre o manicômio Barbacena, foi bem chocante assim. Ela fazia muita dinâmica em sala de aula, às vezes ela percebia que a turma estava precisando de ajuda, ela chegava e percebia que a turma estava pesada. Então ela fazia um momento de dinâmica com a turma (EST19).
Eu utilizo situações problemas. Onde eles (estudantes) identificam uma determinada situação, e precisam levantar o planejamento de enfermagem para aquela situação. [...] E aí a gente tenta trabalhar na perspectiva de colocá-los como gestores desse cuidado e também o cuidado para o colega, pra esse trabalhador que ta lá no serviço. E tentar fazer com que eles compreendam (PROF7).
Fazemos sempre uso de metodologias ativas. Então hoje a gente trabalha com estudos de caso, ou a gente trabalha com artigos científicos voltados a uma determinada área que trata de Redes de Atenção à Saúde (PROF8).
Desde filme que a gente assistia para debater, documentário, tudo assim que não fosse só o professor colocando para os alunos, de forma vertical. O aluno fazia parte da construção da aula, isso era muito bom. (EST20).
As metodologias ativas utilizadas e desenvolvidas pelos professores durante as aulas apontam para um ensino-aprendizagem autônomo, que estimula os estudantes a assumir um papel ativo, reflexivo e crítico na sua formação. Ainda, aproximam os estudantes do processo de trabalho do enfermeiro nos diferentes serviços de saúde.
Cuidado à saúde mental das pessoas no âmbito dos serviços de saúde
Os estudantes expressam que há a necessidade de a saúde mental ser mais discutida junto aos trabalhadores, para que sejam evitadas posturas permeadas por preconceitos, bem como referem a necessidade de serviços de atenção básica à saúde de promover a saúde mental:
Eu acho que as pessoas têm ainda muito preconceito com a saúde mental. É aquela coisa, questão de chamar: Está com depressão! É falta de trabalho. Falta do que fazer, ou ficou louco! Coisas assim, tu trata a pessoa como se ela já não fosse mais um ser humano ali. Eu acho que falta muito dos profissionais também. Falta gestão, também das unidades básicas de promover esse cuidado (EST6).
A dificuldade de acesso aos serviços, a fragmentação dos fluxos assistenciais, o investimento financeiro escasso e a falta de um trabalho integral com as pessoas na atenção básica de saúde no território, aponta para um modelo de saúde pautado ainda no manicomial.
Dentro do SUS, os pacientes não conseguem ter um acesso, aí, precisa de um psiquiatra, de um psicólogo, é muito difícil a pessoa chegar até o profissional, deveria ser mais rápido (EST15).
Pensando na realidade que a gente vive, a saúde mental, a rede ainda não é estruturada. Isso é um problema bem sério porque os usuários acabam se perdendo nesse caminho, nesse contexto e ainda é muito centralizado nos CAPS e internação. Então por exemplo a atenção básica, não tem muito! Pouca saúde mental no território, muito pouco incentivo, investimento e até interesse. Então para isso eu entendo saúde mental sendo o dia a dia de todas as pessoas. Querendo ou não, afeta nossa formação, porque por mais que gente saiba que é o ideal, que é o melhor não é o modelo que a gente vê, mas ainda, instituições modelo manicômio infelizmente (EST11).
O investimento em profissionais capacitados para trabalharem a saúde de modo integral, junto às pessoas é necessário. Para isso, é importante que a formação nas IES desenvolva ações em saúde transversais, pois a inadequação do perfil profissional para atuação no campo da saúde mental dificulta o atendimento nos serviços de saúde e retrocede com a dinâmica das RAPS.
A dificuldade da rede de atenção à saúde mental no município, ela está muito fragilizada e necessitando de investimento, tanto por parte de recursos humanos, quanto por parte de profissionais que realmente queiram estar ali. Então, a gente precisa trabalhar na perspectiva de formar pessoas que queiram atuar nesta área, comprometidas, responsáveis. Porque senão o negócio não avança e a gente fica sempre na mesma roda (PROF7).
A perspectiva de formação, dos enfermeiros deve estar direcionada a contínua construção do SUS e discussões transversais, que preconize um cuidado ampliado e contextualizado, de acordo com a singularidade de cada pessoa e da comunidade.
DISCUSSÃO
Na concepção dos entrevistados, a educação no cuidado em saúde mental é ampla, contextual e multidimensional, assim como, o cuidar do enfermeiro, o qual deve ser compreendido a partir de saberes mútuos, tanto de quem cuida, quanto daqueles que são cuidados. A sistematização do cuidado requer do enfermeiro um olhar reflexivo, com ações de saúde mental contínuas. Compreende-se que existe um paradigma predominante relacionado ao entendimento sobre o significado do cuidado em saúde mental que está mais alinhado ao conceito de produção social da saúde, incluindo aspectos, culturais, econômicos e ambientais(10).
De acordo com a descrição dos participantes, às metodologias de ensino-aprendizagem, predominaram as práticas inovadoras, ativas e problematizadoras. Os instrumentos metodológicos de práticas inovadoras, agrupadas em seu dia a dia, permitiram ultrapassar a difícil e desafiante realidade da formação na saúde(11) embora ainda ocorram falhas nos serviços de saúde, em que os estudantes realizaram suas práticas/estágios. Conforme os autores(12) pensar, cuidar, agir, foram ampliados, e com isso possibilitaram no âmbito da saúde mental, a inclusão e a possibilidade de reestruturação de Rede de Atenção à Saúde (RAS), capaz de oferecer acolhimento adequado, envolvendo pessoas, familiares, comunidade acadêmica, profissionais da saúde, o próprio território, gestores e a comunidade como um todo.
As práticas inovadoras de ensino estão direcionadas ao uso de atividades colaborativas e metodologias ativas. Essas práticas, relacionam-se, principalmente, a práticas interdisciplinares e uso de tecnologias de ensino, relacionais, de cuidado. O inovar no ensino demanda construir estratégias para ensinar pessoas a cuidar de pessoas, respeitando as particularidades do ser-humano. Neste ínterim, compreende-se a importância da participação dos estudantes nos serviços de saúde para a articulação entre educação e saúde, permitindo o diálogo entre o conhecimento produzido na universidade e o mobilizado nos serviços(7).
As metodologias de ensino-aprendizagem, ativas e problematizadoras, demonstram a responsabilidade dos cursos em promover uma formação crítica e proativa, articulada à realidade dos cenários a partir de um movimento reflexivo e propositivo. A inserção na realidade dos serviços em uma perspectiva que fomenta a articulação do ideal e do real, possibilita novas estratégias em saúde mental. Neste sentido, os cursos passam a articular com a gestão, aos serviços e as equipes de saúde de modo integrado e coletivo no enfrentamento das problemáticas e demandas que se apresentarem nos campos práticos(13-14).
As atividades teórico práticas nos serviços de saúde transcorreram de diversas maneiras, mesclando recursos empregados em sala de aula, em atividades na comunidade e em serviços de saúde, permitindo aos estudantes e professores vivenciar momentos de cuidado integral às pessoas. As atividades curriculares teórico-práticas e metodológicas na formação do enfermeiro relacionadas à educação em saúde mental vem acompanhando as transformações que ocorrem nos contextos de saúde de maneira integrada e articulada a outros saberes profissionais(13,15). Neste ínterim, a prática e o ensino em enfermagem em saúde mental consideram o usuário de serviços de saúde como pessoas de direitos e produtores de sentidos, incluindo em seu cuidado, possibilidades terapêuticas distintas e complexas que valorizem sua autonomia e cidadania(4).
É imprescindível a reestruturação dos projetos pedagógicos dos cursos de graduação em Enfermagem, levando em consideração que os conteúdos lecionados e os campos de prática devem preparar o estudante de Enfermagem para o desenvolvimento da empatia, da comunicação terapêutica e do relacionamento interpessoal com o usuário, família e equipe dentro do território nos diferentes pontos assistenciais que compõem a RAPS(6) e que possibilitem o desenvolvimento e amadurecimento da pessoa na ênfase da promoção do ser(16).
A base para a construção e consolidação de uma profissão na área da saúde é a formação de qualidade, responsável com o bem-estar social e a qualidade de vida das pessoas e comunidades. As propostas de mudanças na formação profissional atendem às necessidades que se apresentam agora e no futuro(6,17). Ademais, a qualificação profissional realizadas nos programas de residências multiprofisissionais contribuem para a capacitação dos profissionais de saúde, aproximando-os da realidade e preparando-os para atuar na rede de atenção à saúde(18).
Como limitações, o estudo foi desenvolvido em dois cursos de graduação em enfermagem, que experimentam a mesma rede de atenção à saúde como local de práticas e estágios e que, portanto, podem demonstrar uma situação específica da realidade loco regional.
Acredita-se que os resultados desse estudo possam contribuir para o fortalecimento de um ensino pautado por uma assistência de enfermagem que atenda às necessidades de saúde mental da população e que a partir disso refletirá em um cuidado integral e qualificado na RAS. Sugere-se o desenvolvimento de novos estudos que busquem desvelar estratégias que facilitem e modifiquem o modo como vem sendo realizada a atuação dos profissionais tendo foco no cuidado em saúde mental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As concepções de estudantes e professores acerca da saúde mental para formação do enfermeiro mostraram que, existem em ambas os cursos de enfermagem pesquisados, o predomínio de uma compreensão ampliada sobre saúde mental, entendendo-a como campo de saberes e práticas que transcende as doenças e as especialidades, e que deve estar integrado a processos de cuidado integrais e multidimensionais. Os cenários teórico-práticos dessa formação se mostraram diversificados, mesclando recursos empregados em sala de aula por meio de metodologias ativas de ensino-aprendizagem, em atividades na comunidade e em serviços de saúde, independentemente de serem diretamente relacionados à rede de saúde mental.
No que se refere aos principais desafios que se apresentam para a formação no campo da saúde mental, ao se considerar que esse processo está ocorrendo em uma rede fragmentada, com problemas de acesso e escassez de recursos humanos e materiais, as abordagens teóricas e metodológicas parecem não conseguir suprir a necessidade de se vivenciar nos cenários teórico-práticos o cuidado integral, humanizado e resolutivo. Por outro lado, a inserção na realidade dos serviços traz uma perspectiva formativa que fomenta a articulação do ideal e do real, apontando possibilidades para novas estratégias em saúde mental.
Como implicações para a prática docente sugere-se o desenvolvimento de atividades de ensino e extensão em serviços da Atenção Primária à Saúde, a fim de que os estudantes possam estar próximos do território e conhecer o panorama da saúde mental em outros pontos da RAS.
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Submissão: 25-07-2022
Aprovado: 22-08-2022