TOXICIDADES SISTÊMICAS SIMULTÂNEAS RELACIONADAS À QUIMIOTERAPIA DO CÂNCER DE MAMA: UM RELATO OBSERVACIONAL E PROSPECTIVO

 

CONCURRENT CHEMOTHERAPY-RELATED SYSTEMIC TOXICITIES DURING BREAST CANCER TREATMENT: AN OBSERVATIONAL AND PROSPECTIVE REPORT

 

TOXICIDADES SISTÉMICAS RELACIONADA CON LA QUIMIOTERAPIA CONCURRENTE DURANTE EL TRATAMIENTO DEL CÁNCER DE MAMA: UN INFORME OBSERVACIONAL Y PROSPECTIVO

 


1Pabliane Matias Lordelo Marinho

2Ricardo Barbosa Lima

3José Cleyton de Oliveira Santos

4Dayane Ketlyn da Cunha Santos

5Jéssica dos Santos Costa

6Glebson Moura Silva

7Simone Yuriko Kameo

8Namie Okino Sawada

 

1Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. https://orcid.org/0000-0001-6190-0844.

 

2Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. https://orcid.org/0000-0001-5274-4800.

 

3Departamento de Enfermagem - Universidade Federal de Sergipe - campus Prof. Antônio Garcia Filho, Lagarto, Sergipe, Brasil. https://orcid.org/0000-0001-5616-7625.

 

4Departamento de Medicina - Universidade Federal de Sergipe - campus Prof. Antônio Garcia Filho, Lagarto, Sergipe, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-9312-4891.

 

5Universidade Federal de Sergipe - campus Prof. Antônio Garcia Filho, Lagarto, Sergipe, Brasil. https://orcid.org/0000-0003-2404-6604.

 

6Departamento de Enfermagem - Universidade Federal de Sergipe - campus Prof. Antônio Garcia Filho, Lagarto, Sergipe, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-4977-2787.

 

7Departamento de Educação em Saúde - Universidade Federal de Sergipe - campus Prof. Antônio Garcia Filho, Lagarto, Sergipe, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-0035-2415.

 

8Escola de Enfermagem - Universidade Federal de Alfenas, Alfenas, Minas Gerais, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-1874-3481.

 

Autor correspondente

Pabliane Matias Lordelo Marinho

Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, R. Prof. Hélio Lourenço, 3900 - Bairro: Vila Monte Alegre | CEP 14040-902 | Ribeirão Preto - SP, Brasil

Fone: +55 79 99900-3859

E-mail: marinho.pabliane@gmail.com

 

 

 

RESUMO

Objetivo: avaliar quantitativamente um cluster de toxicidades sistêmicas relacionadas à quimioterapia em mulheres com câncer de mama ao longo do tratamento. Métodos: foi realizado um estudo observacional e prospectivo, de natureza quantitativa, envolvendo 140 mulheres com câncer de mama expostas à quimioterapia como modalidade de tratamento. A ocorrência de 14 toxicidades sistêmicas (baseadas no Common Terminology Criteria for Adverse Events, versão 4.03) foi avaliada nos prontuários médicos em dois segmentos: no ciclo intermediário e ao fim da quimioterapia. As frequências foram comparadas entre os dois segmentos do estudo, associando separadamente cada toxicidade e agrupando a quantidade de toxicidades simultâneas de cada paciente, considerando o nível de significância (p) de 5%. Resultados: observou-se que a maioria das toxicidades sistêmicas foram associadas entre os segmentos do estudo, bem como a maioria se manifestou com maior frequência ao final da quimioterapia. As toxicidades mais frequentes (considerando ambos os segmentos) foram vômito (90.7%), cefaleia (88.6%) e astenia (87.9%). As mais incomuns foram leucopenia (7.1%), neutropenia (13.6%) e parestesia (32.1%). Ao comparar a quantidade de toxicidades sistêmicas simultâneas entre os segmentos, observou-se um aumento significativo ao final da quimioterapia em relação ao ciclo intermediário (p <0.001). Conclusão: as mulheres com câncer de mama experimentaram uma quantidade maior de toxicidade sistêmicas simultâneas ao final da quimioterapia, bem como uma alta frequência de toxicidades sistêmicas ao longo do tratamento foi observada.

Palavras-chave: Quimioterapia; Efeitos Colaterais e Reações Adversas Relacionados a Medicamentos; Neoplasias da Mama; Oncologia; Epidemiologia.

 

ABSTRACT

Objective: to quantitatively evaluate a cluster of chemotherapy-related systemic toxicities in women with breast cancer throughout treatment. Method: an observational, prospective and quantitative study was carried out, involving 140 women with breast cancer exposed to chemotherapy as a treatment modality. The occurrence of 14 systemic toxicities (based on the Common Terminology Criteria for Adverse Events, version 4.03) was evaluated in the medical charts in two segments: in the intermediate cycle and at the end of chemotherapy. The frequencies were compared between the two study segments, associating each toxicity separately and grouping the amount of simultaneous toxicities of each patient, considering the significance level (p) of 5%. Results: it was observed that most systemic toxicities were associated between the segments of the study, as well as most manifested more frequently at the end of chemotherapy.

The most frequent toxicities (considering both segments) were vomiting (90.7%), headache (88.6%) and asthenia (87.9%). The most uncommon were leukopenia (7.1%), neutropenia (13.6%) and paresthesia (32.1%). When comparing the amount of concurrent systemic toxicities between the segments, a significant increase was observed at the end of chemotherapy in relation to the intermediate cycle (p <.001). Conclusion: women with breast cancer experienced a greater amount of concurrent systemic toxicities at the end of chemotherapy, as well as a high frequency of systemic toxicities throughout treatment was observed.

Keywords: Chemotherapy; Drug-Related Side Effects and Adverse Reactions; Breast Neoplasms; Medical Oncology; Epidemiology.

 

RESUMEN

Objetivo: evaluar cuantitativamente un grupo de toxicidades sistémicas relacionadas con la quimioterapia en mujeres con cáncer de mama durante el tratamiento. Métodos: se realizó un estudio observacional y prospectivo de carácter cuantitativo, en el que participaron 140 mujeres con cáncer de mama expuestas a quimioterapia como modalidad de tratamiento. Se evaluó la ocurrencia de 14 toxicidades sistémicas (con base en Common Terminology Criteria for Adverse Events, versión 4.03) en las historias clínicas en dos segmentos: en el ciclo intermedio y al final de la quimioterapia. Se compararon las frecuencias entre los dos segmentos del estudio, asociando cada toxicidad por separado y agrupando la cantidad de toxicidades simultáneas de cada paciente, considerando el nivel de significancia (p) del 5%. Resultados: se observó que la mayoría de las toxicidades sistémicas se asociaron entre los segmentos del estudio, así como la mayoría se manifestó con mayor frecuencia al final de la quimioterapia. Las toxicidades más frecuentes (considerando ambos segmentos) fueron vómitos (90.7%), cefalea (88.6%) y astenia (87.9%). Las más infrecuentes fueron leucopenia (7.1%), neutropenia (13.6%) y parestesia (32.1%). Al comparar la cantidad de toxicidades sistémicas concurrentes entre los segmentos, se observó un aumento significativo al final de la quimioterapia en relación al ciclo intermedio (p <.001). Conclusión: las mujeres con cáncer de mama experimentaron una mayor cantidad de toxicidad sistémica concurrente al final de la quimioterapia, así como también se observó una alta frecuencia de toxicidades sistémicas a lo largo del tratamiento.

Palabras clave: Quimioterapia; Efectos Colaterales y Reacciones Adversas Relacionados con Medicamentos; Neoplasias de la Mama; Oncología Médica; Epidemiología.


 


INTRODUÇÃO

 

A quimioterapia é uma modalidade de tratamento comum para pacientes com câncer. Existem vários agentes quimioterápicos disponíveis, sendo frequentemente usados ​​em combinações para potencializar o efeito terapêutico. No entanto, eventos adversos induzidos pela quimioterapia também são comuns. Em casos graves, é necessário interromper o tratamento para lidar com os mesmos, o que tem impactos negativos e significativos nos pacientes. Os eventos adversos relacionados à quimioterapia podem afetar vários sistemas orgânicos, alterando o funcionamento do órgãos e desencadeando complicações para a homeostase corporal, colocando em risco a saúde dos pacientes ao longo do tratamento(1,2).

 

O papel da quimioterapia no tratamento do câncer de mama é amplamente discutido na literatura. De fato, as neoplasias mamárias implicam em alto impacto na saúde da mulher e a quimioterapia tem sido oportunamente utilizada como ferramenta para lidar com diferentes estágios da doença, seja neoadjuvante, adjuvante ou paliativo(2,3). Entretanto, é necessário reconhecer que, em pacientes com câncer de mama, a ocorrência e tolerância de eventos adversos relacionados à quimioterapia são cruciais para a sobrevida do paciente. Entre outras formas, o registro de alterações sistêmicas durante o tratamento é uma forma de avaliar os efeitos do tratamento e mensurar os eventos adversos relacionado, utilizando critérios propostos pelo Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE), do National Cancer Institute, por exemplo(4,5).

 

Não é incomum que estudos avaliando mulheres com câncer de mama relatem a ocorrência diversas toxicidades ao longo do tratamento quimioterápico, bem como o seu impacto na qualidade de vida relacionada à saúde. Há, em paralelo, uma discussão sobre a subnotificação e subtratamento de tais toxicidades. É fato que a persistência de reações adversas ao longo dos ciclos quimioterápicos pode impactar fortemente a saúde das mulheres com câncer de mama(6,7). Entretanto, no melhor do nosso conhecimento, embora uma gama de eventos adversos sejam amplamente reconhecidos, ainda há uma lacuna no que se refere ao estudo longitudinal da quantidade de toxicidades sistêmicas simultâneas (TSS) relacionadas à quimioterapia em mulheres com câncer de mama.

 

Sendo assim, um questionamento surgiu: ao longo da quimioterapia para o câncer de mama, as mulheres experimentam um alto ou baixo volume de TSS? Portanto, o objetivo deste estudo foi avaliar quantitativamente um cluster de toxicidades sistêmicas relacionadas à quimioterapia em mulheres com câncer de mama ao longo do tratamento. A hipótese alternativa testada é de que, ao decorrer dos ciclos de quimioterapia, um alto volume de toxicidades sistêmicas seja observado.

 

MÉTODOS

 

Esta investigação é parte de um estudo observacional, prospectivo e quantitativo envolvendo 140 mulheres com câncer de mama em tratamento quimioterápico em três centros de oncologia em Aracaju, Sergipe, Brasil. O estudo foi realizado entre 2017 e 2019 após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de São Paulo (CAAE: 63009616.4.0000.5393), bem como da anuência dos centros de oncologia. As participantes foram apropriadamente esclarecidas sobre o estudo e concordaram livremente em participar, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi pautado nas diretrizes éticas nacionais e internacionais de pesquisa com seres humanos e o relato baseado nos itens da diretriz STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology)(8).

 

O estudo principal foi desenhado com segmento único para observar desfechos relacionados à quimioterapia em mulheres com câncer de mama, especialmente mucosite oral e qualidade de vida relacionada à saúde. Dados secundários, como a ocorrência de toxicidade sistêmicas, foram coletados simultaneamente. As participantes foram selecionadas pelos prontuários médicos para alcançar a amostra necessária, caracterizando uma amostragem por conveniência. Foram incluídas mulheres com idade igual ou superior a 18 anos, com diagnóstico de câncer de mama, sem histórico de tratamento oncológico, nas quais a quimioterapia foi a modalidade de tratamento selecionada. Foram excluídas as mulheres expostas à terapias direcionadas, diabéticas (fator de confusão nos desfechos relacionados ao câncer de mama)(9,10) ou com comprometimento cognitivo.

 

As participantes foram avaliadas em dois segmentos: no ciclo intermediário de quimioterapia (CI) e ao final da quimioterapia (FQ). Em cada intervalo, os prontuários médicos foram verificados para a presença ou ausência de um cluster de toxicidades sistêmicas relacionadas à quimioterapia (alterações ungueais, hiperpigmentação, cefaleia, parestesia, leucopenia, neutropenia, cólica, constipação, diarreia, náusea, vômito, astenia, fadiga e dor na mama), baseados no critério da Common Terminolgy Criteria for Adverse Events (CTCAE; v4.03) do National Cancer Institute (2010)(11). As toxicidades sistêmicas foram registradas como variável nominal dicotômica (sim ou não). Em seguida, em cada segmento, foi verificada a quantidade de TSS em cada paciente.

 

A análise estatística foi realizada no the jamovi software (versão 2.3.15, Sidney, Austrália). O nível de significância (p) foi ajustado em 5% (α = 0.05) em todas as operações. O teste de Shapiro-Wilk analisou a normalidade dos resíduos. A ocorrência das toxicidades sistêmicas foi apresentada em frequência absoluta (n) e relativa (%). O teste de McNemar examinou a associação entre cada toxicidade nos segmentos CI e FQ. O teste Wilcoxon comparou a quantidade de TSS entre os segmentos CI e FQ, considerando a diferença média e seu intervalo de confiança de 95%. O tamanho do efeito foi avaliado pelo coeficiente de correlação ponto-bisserial (rrb). O coeficiente de correlação de Spearman (ρ) examinou a interação das TSS entre os segmentos CI e FQ.

 

RESULTADOS

A Tabela 1 demonstra a frequência absoluta e relativa das toxicidades sistêmicas relacionadas à quimioterapia em mulheres com câncer de mama, tanto em CI quanto FQ. Após o teste de correlação de McNemar, observou-se que apenas fadiga e dor na mama não estavam associadas entre os segmentos. Em relação às alterações ungueais, os mesmos pacientes manifestaram em CI e FQ, não sendo possível testar a hipótese. É possível observar que a maioria dos eventos adversos se apresentaram mais frequentemente ao final da quimioterapia, especialmente os que estão relacionados ao sistema nervoso e gastrointestinal, bem como os funcionais. As hematotoxicidades foram comuns no ciclo intermediário de quimioterapia.


 

Tabela 1 - Frequência absoluta e relativa das toxicidades sistêmicas relacionadas à quimioterapia em mulheres com câncer de mama em Aracaju, Sergipe, Brasil (2019).

Toxicidade sistêmica

CI

FQ

CI ou FQ

p

n

%

n

%

n

%

Alterações ungueais

[116]

82.9

[116]

82.9

116

82.9

N/A

Hiperpigmentação

64

45.7

[77]

55.0

77

55.0

<.001*

Cefaleia

71

50.7

[113]

80.7

124

88.6

<.001*

Parestesia

28

20.0

[45]

32.1

45

32.1

<.001*

Leucopenia

[10]

7.1

1

0.7

10

7.1

.003*

Neutropenia

[17]

12.1

6

4.3

19

13.6

.005*

Cólica

23

16.4

[83]

59.3

89

63.6

<.001*

Constipação

25

17.9

[105]

75.0

114

81.4

<.001*

Diarreia

12

8.6

[83]

59.3

86

61.4

<.001*

Náusea

9

6.4

[118]

84.3

118

84.3

.020*

Vômito

63

45.0

[119]

85.0

127

90.7

<.001*

Astenia

69

49.3

[103]

73.6

123

87.9

<.001*

Fadiga

40

28.6

[111]

79.3

118

84.3

0.138

Dor na mama

[70]

50.0

65

46.4

95

67.9

0.588

n: frequência absoluta; %: frequência relativa; CI: ciclo intermediário de quimioterapia; FQ: final da quimioterapia; p: valor de significância; *valores p <.05; N/A: não aplicável. []: maior frequência absoluta.

Fonte: Elaboração dos autores

 


A Tabela 2 apresenta a quantidade de toxicidades sistêmicas simultâneas relacionadas à quimioterapia em mulheres com câncer de mama nos segmentos CI e FQ. Após o teste pareado de Wilcoxon, observou-se que a quantidade de toxicidades sistêmicas simultâneas aumentou dramaticamente entre os segmentos CI e FQ, com tamanho do efeito (magnitude) elevado pelo coeficiente de correlação ponto-bisserial. A matriz de correlação de Spearman identificou uma correlação significativa e positiva em TSS entre CI e FQ (p = .005), mas de intensidade muito baixa (ρ = .239).


 

Tabela 2 - Toxicidades sistêmicas simultâneas relacionadas à quimioterapia em mulheres com câncer de mama em Aracaju, Sergipe, Brasil (2019).

Segmento

TSS média

(IC95%)

DP

Diferença média (IC95%)

 rrb

p

CI

4.39 (4.11, 4.68)

±1.72

-4.00 (-4.50, -3.50)

0.986

<.001*

FQ

8.18 (7.89, 8.46)

±1.70

CI: ciclo intermediário de quimioterapia; FQ: final da quimioterapia; TSS: toxicidades sistêmicas simultâneas; DP: desvio-padrão; IC: intervalo de confiança; rrb: magnitude (coeficiente de correlação ponto-bisserial); p: valor de significância; *valores p <.05.

Fonte: Elaboração dos autores


 

DISCUSSÃO

 

A hipótese alternativa testada foi aceita ao observar um alto volume de toxicidades sistêmicas no final da quimioterapia em relação ao ciclo intermediário. É importante considerar que se trata de um perfil incipiente de mulheres com câncer de mama, nunca expostas ao tratamento do câncer. Ainda assim, além de uma média elevada de TSS, ao considerar a ocorrência de cada toxicidade em ambos os segmentos (CI ou FQ), uma frequência expressiva (>50%) foi observada para 11 das 14 avaliadas, indicando que a maioria das participantes apresentaram diferentes toxicidades ao longo do tratamento do câncer com quimioterapia.

 

Em relação às toxicidades gastrointestinais, observou-se um padrão tardio de ocorrência, embora associada ao ciclo intermediário de quimioterapia. É digno de nota que tais toxicidades estão entre as mais frequentes entre pacientes oncológicos, incluindo mulheres com câncer de mama(12,13). O desenvolvimento das toxicidades no sistema gastrointestinal é desencadeado por interações e reações metabólicas entre os agentes quimioterápicos (tipo e dose), os tecidos/células e a microbiota do trato gastrointestinal, levando em consideração os processos fisiológicos naturais desse sistema(14). Estima-se que, em pacientes expostos à dose padrão e elevada, a frequência de toxicidades gastrointestinais está em 40% e 60-100%, respectivamente(12). Em um estudo transversal prévio, 49,5% das 194 pacientes apresentaram entre três a cinco toxicidades gastrointestinais. A frequência destas toxicidades foram 74,2% para náusea, 43,3% para dor abdominal, 40,7% para diarreia, 39,2% para vômito e 37,6% para constipação(13). A ausência de um marco temporal não permite comparar apropriadamente tais frequências com o presente estudo, sendo uma vantagem deste relato em relação ao estado da arte.

 

Além disso, duas toxicidades dermatológicas foram incluídas no cluster de TSS deste relato: alterações ungueais e hiperpigmentação. Em um padrão semelhante às gastrointestinais, investigações anteriores demonstraram frequências importantes de alterações ungueais e hiperpigmentação da pele(15,16). Respectivamente em tais estudos, a frequência de alterações ungueais foi 77,9%, 34,0% e 45,20%%, enquanto a de hiperpigmentação foi 48,4% e 88,4% e 5,26%. É digno de nota que as alterações ungueais resumem um conjunto de alterações específicas, enquanto a hiperpigmentação é uma alteração específica da pele. Por fim, além do impacto nos desfechos do tratamento oncológico previamente mencionados para toxicidades gastrointestinais, toxicidades dermatológicas também podem afetar a aparência e a autoestima, favorecendo o sofrimento psicológico das mulheres com câncer de mama(15-18).    

Em relação às toxicidades hematológicas, uma baixa frequência de leucopenia e neutropenia foram observadas, especialmente ao final da quimioterapia. É importante salientar que tal desfecho pode ser observado sob duas óticas. Em uma compreensão óbvia, a redução de leucócitos pode tornar o indivíduo suscetível ao desenvolvimento de doenças infecciosas, afetando o curso do tratamento (e.g. redução da dose, atraso do esquema e aumento dos custos). Por outro lado, a redução da quantidade de neutrófilos tem sido investigada como um marcador positivo substituto para a resposta/sobrevida ao tratamento, tornando os relatos sobre a ocorrência de tais toxicidades importantes para compreender a experiência com a quimioterapia(18,19).

 

Em uma perspectiva distinta, atuando como uma toxicidade significativamente impactante para sobreviventes do câncer de mama, a fadiga tem sido observada com alta frequência durante e após a quimioterapia, podendo alcançar até 80-90% dos pacientes, variando de acordo com o tipo de câncer(20-22). Aqui, observou-se que houve um aumento expressivo ao final da quimioterapia em mulheres com câncer de mama. É importante reconhecer que estabelecer a origem (patogênese) da fadiga associada ao tratamento do câncer é uma tarefa difícil, visto que múltiplos aspectos da terapia podem influenciá-la, como o potencial de cardiotoxicidade dos agentes/esquemas quimioterápicos, sobrepeso e sedentarismo, além do aspecto emocional. Ainda sim, em que pese o potencial debilitador da fadiga enquanto toxicidade relacionada à quimioterapia, são necessárias investigações para explorar a ocorrência da mesma com outros eventos adversos, como insônia e declínio cognitivo(20-22).

 

Por fim, entre as toxicidades investigadas, a dor está entre os relatos mais comuns do câncer e seu tratamento, seja provocada pela própria doença ou pelos meios empregados para tratá-la. A experiência com a dor é subjetiva ao longo do tratamento e pode se manifestar de diferentes formas, como ardor e formigamento. É certo que os agentes quimioterápicos podem desencadeá-la como uma toxicidade esperada, a exemplo da dor de cabeça(23,24) (que aumentou expressivamente ao final da quimioterapia nesta investigação). A presença de dor pode ser um indicativo de lesão tecidual decorrente do tratamento ou recidiva do câncer (o que se aplica ao câncer de mama). Ainda assim, embora reconhecida e com um amplo espectro de medidas terapêuticas, nem sempre o controle satisfatório da dor é alcançado, o que pode desencadear impactos negativos ao tratamento e a qualidade de vida dos pacientes, pois pode gerar sofrimento emocional, como ansiedade e depressão, além de interferir na capacidade cognitiva, no sono e nas atividades sociais(23,24).   

Ao comparar a investigação de clusters em mulheres com câncer de mama, o estado da arte indica que existem sintomas que interagem entre si e são independentes de outros sintomas, como ansiedade e depressão, náusea e vômito, dor e cansaço. Ao lidar com eventos adversos simultâneos, pode ser mais viável compreendê-los e intervir no cluster, considerando que podem estar correlacionados e compartilharem aspectos etiopatogênicos. Como as mulheres com câncer de mama podem experimentar muitos clusters simultâneos, é importante identificá-los e monitorá-los ao longo do tratamento, identificando toxicidades com manifestação mais incipiente ou tardia, bem como quais tendem ao agravamento ou melhora conforme os ciclos de quimioterapia são realizados, em paralelo ao impacto de tais cluster nos demais desfechos relacionados ao tratamento do câncer e à saúde da mulheres com câncer de mama(25-26).

 

Investigações futuras podem apropriadamente explorar o impacto do volume de TSS em outros desfechos relacionados ao tratamento do câncer de mama, como funcionalidade, qualidade de vida relacionada à saúde e sobrevida. Ainda sim, as limitações deste relato devem ser consideradas ao interpretar e aplicar os resultados, especialmente o fato de que as TSS foram categorizadas apenas como “presente” ou “ausente”, sendo a gravidade de cada evento adverso um fator não explorado. Além disso, como se tratam de dados coletados em prontuários médicos, configura-se um potencial viés de informação. Por fim, embora as participantes tenham sido acompanhadas até o final da quimioterapia, houve apenas um intervalo intermediário.

 

CONCLUSÕES

 

Por fim, é possível concluir que as mulheres com câncer de mama expostas à quimioterapia como modalidade de tratamento experimentaram uma frequência elevada de toxicidades sistêmicas. Além disso, ao final da quimioterapia, a quantidade de toxicidades sistêmicas simultâneas foi significativamente maior quando compara ao ciclo intermediário. É imprescindível direcionar o cuidado ao manejo de tais toxicidades, buscando intervir para proporcionar a continuidade do tratamento planejado para cada paciente e melhoria na qualidade de vida relacionada à saúde, seja durante ou após a exposição aos agentes quimioterápicos.

 

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Submissão: 01-09-2022

Aprovado: 07-10-2022