ARTIGO ORIGINAL

 

SAÚDE MENTAL DO POLICIAL MILITAR: PERCEPÇÕES, CONDIÇÕES DE TRABALHO E POSSIBILIDADES DE MELHORIA

 

MENTAL HEALTH OF THE MILITARY POLICE: PERCEPTIONS, WORKING CONDITIONS AND POSSIBILITIES FOR IMPROVEMENT

 

SALUD MENTAL DE LA POLICÍA MILITAR: PERCEPCIONES, CONDICIONES DE TRABAJO Y POSIBILIDADES DE MEJORA


 

https://doi.org/10.31011/reaid-2023-v.97-n.2-art.1502 

 

1Samara Raquel de Sousa Rocha

2Quézia Ellen da Silva Santos

3Arthur Alexandrino

4Elicarlos Marques Nunes

5Mariana Albernaz Pinheiro da Carvalho

6Gigliola Marcos Bernardo de Lima

 

1Enfermeira, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Cuité – PB, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5743-7703

2Acadêmica do Curso de Bacharelado em Enfermagem, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Cuité – PB, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4215-0624

3Enfermeiro, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Cuité - PB. Mestrando em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal – RN, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5817-4335

4Enfermeiro. Doutor em Ciências da Saúde pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), São Paulo - SP. Professor Adjunto do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Cuité – PB.  ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2135-6017

5Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa – PB. Professora Adjunta I do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Cuité – PB.  ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2911-324X

6Enfermeira. Doutora em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública (FIOCRUZ), Rio de Janeiro - RJ. Docente do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Cuité – PB.  ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7413-7726

 

Autor correspondente

Samara Raquel de Sousa Rocha

Rua José de Almeida Filho, nº 358, Bairro Vida Nova, Pombal, Paraíba, CEP: 58.840-000. Telefone: +55(83) 99972-3324.
E-mail: samararaquel308@gmail.com

 

Submissão: 10-09-2022

Aprovado: 10-04-2023

 

RESUMO

Objetivos: identificar como se encontra a saúde mental de policiais militares masculinos de um Batalhão do estado da Paraíba; identificar como o trabalho afeta a saúde mental deste público; e identificar estratégias que os participantes acreditam poder melhorar a saúde mental destes a partir de suas falas. Método: estudo qualitativo do tipo exploratório-descritivo com 38 homens policiais militares de um Batalhão da Polícia Militar da Paraíba. Na coleta de dados foi utilizado um roteiro semiestruturado criado pelos pesquisadores para atender o recorte qualitativo da pesquisa, sendo aplicado de forma presencial e online devido a pandemia da Covid-19. Resultados: os participantes do estudo se encontravam em maior parte na faixa etária entre 30 e 39 anos e com ensino superior completo, eram majoritariamente negros (pardos e pretos), casados, católicos e se encontravam acima do peso ideal. Quanto a saúde mental, os militares se mostraram ansiosos, com pensamentos negativos e problemas de humor. Relataram que o trabalho provoca estresse emocional e apontaram meios que visam melhorar a saúde mental destes. Além disso, o estudo demonstrou uma situação de carência de assistência à saúde em que esses profissionais estão submetidos. Considerações finais: o estudo retratou o estado de saúde mental dos militares participantes, em sua maioria aspectos negativos. Ademais, manuscrito apontou possíveis meios para se buscar uma melhor condição de saúde mental e frisa a importante da prevenção e promoção da saúde mental, de modo que se possa compreender as especificidades dessa profissão, buscando uma assistência à saúde de forma acessível.

Palavras-chave: Militares; Saúde Mental; Saúde do Trabalhador.

 

ABSTRACT

Objectives: to identify the mental health of male military policemen of a Battalion in the state of Paraíba; to identify how the work affects the mental health of this public; and to identify strategies that the participants believe can improve their mental health from their speeches. Method: qualitative exploratory-descriptive study with 38 male military policemen from a Military Police Battalion in Paraíba. In the data collection a semi-structured script created by the researchers was used to meet the qualitative cut of the research, being applied in person and online due to the Covid-19 pandemic. Results: The study participants were mostly in the 30 to 39 age bracket and had completed college education, were mostly black (brown and black), married, Catholic, and were overweight. As for mental health, the military showed anxiety, negative thoughts, and mood problems. They reported that the work causes emotional stress and pointed out ways to improve their mental health. Furthermore, the study demonstrated a situation of lack of health care in which these professionals are submitted. Final considerations: the study portrayed the state of mental health of the military participants, mostly negative aspects. Furthermore, the manuscript pointed out possible ways to seek a better mental health condition and emphasized the importance of the prevention and promotion of mental health, so that one can understand the specificities of this profession, seeking health care in an accessible way.

Keywords: Military Personnel; Mental Health; Occupational Health.

 

RESUMEN

Objetivos: identificar la salud mental de policías militares del sexo masculino en un batallón en el estado de Paraíba; identificar cómo el trabajo afecta la salud mental de este público; e identificar estrategias que los participantes creen que pueden mejorar su salud mental en base a sus declaraciones. Método: estudio cualitativo exploratorio-descriptivo con 38 policías militares de un Batallón de Policía Militar de Paraíba. En la recolección de datos se utilizó un guión semiestructurado creado por los investigadores para cumplir con el enfoque cualitativo de la investigación, siendo aplicado de manera presencial y en línea debido a la pandemia del Covid-19. Resultados: los participantes del estudio tenían en su mayoría entre 30 y 39 años de edad y con estudios superiores completos, eran en su mayoría negros (morenos y negros), casados, católicos y estaban por encima del peso ideal. En cuanto a la salud mental, el militar mostró ansiedad, con pensamientos negativos y problemas anímicos. Informaron que el trabajo causa estrés emocional y señalaron formas de mejorar su salud mental. Además, el estudio demostró una situación de falta de atención a la salud en la que se encuentran sometidos estos profesionales. Consideraciones finales: el estudio retrató el estado de salud mental de los militares participantes, en su mayoría aspectos negativos. Además, el manuscrito apunta posibles caminos para buscar una mejor condición de salud mental y enfatiza la importancia de la prevención y promoción de la salud mental, para que se pueda comprender las especificidades de esta profesión, buscando atención en salud de forma accesible.

Palabras clave: Personal Militar; Salud Mental; Salud Laboral.           


 

 

INTRODUÇÃO

Na sociedade moderna, o trabalho que o ser humano desenvolve exerce um importante papel em sua vida, visto que é onde se passa a maior parte do seu tempo diário. Atrelado a isto, existem diversos fatores relacionados à rotina da profissão que podem ocasionar prejuízos a quem executa essas atividades. Para além, os fatores socio-organizacionais, as relações entre a equipe e a própria afetividade ou a falta desta relacionadas ao trabalho, podem influenciar negativamente na saúde dos indivíduos, sobretudo na saúde mental, o que interfere diretamente em sua qualidade de vida(1).

Os policiais militares executam um papel de extrema importância, uma vez que este público tem por objetivo proteger a vida dos cidadãos, mesmo que isso signifique expor a sua própria existência a riscos. Em suma, esta parcela da população mantem a ordem e assim garante que os bens que estruturam a sociedade sejam respeitados, contribuindo para efetividade da justiça, visando sempre o bem-estar coletivo(2).

Os servidores militares são pessoas que se dedicam aos serviços militares, podendo ser de caráter permanente ou transitório, e desempenham atividades no âmbito das esferas federais, estaduais e/ou municipais, garantindo a segurança, ordem e lei, no qual ganham um benefício monetário por este serviço(3).

A ocupação laboral é um dos fatores que interfere consideravelmente na qualidade de vida destes indivíduos, atingindo precisamente a saúde. Dentre as inúmeras profissões existentes, a do policial militar está no topo entre as mais suscetíveis a doenças crônicas não transmissíveis. A literatura aponta que o próprio exercício da função os torna vulneráveis a riscos psíquicos e físicos, o que reflete na diminuição acentuada da qualidade de vida, e consequentemente, elevam-se os riscos à integridade de sua saúde(4).

Sendo permeada de altas exigências, a profissão em questão é permeada por altos níveis de violência e falta de condições de trabalho adequadas como a sobrecarga laboral, falta de materiais, baixa remuneração, pouco descanso e férias, sendo considerada uma das mais desgastantes, o que desencadeia em sofrimento relacionado à ocupação profissional. Além disso, proporciona elevado grau de estresse físico e mental, gerando efeitos negativos a saúde deste público(5, 6, 7). Ao saber que o profissional militar vivencia diferentes situações de risco inerentes a profissão, sabe-se que este público está sujeito a condições materiais precárias, cargas horárias excessivas, dupla vinculação ocupacional, efetivo insuficiente e remuneração incompatível com a função exercida se levar em consideração os riscos e à importância de sua atividade, visto que essas características contribuem para o adoecimento dessa parcela da sociedade.

Assim, considerando os riscos de adoecimentos, o aumento das doenças crônicas não transmissíveis, o aumento crescente da violência e da criminalidade, o papel do policial militar enquanto trabalhador e cidadão na sociedade, bem como a escassez de estudos sobre a saúde mental da população militar, a realização do presente estudo se justifica pela necessidade em identificar como se encontra a saúde mental destes militares segundo os próprios profissionais e como o trabalho pode fragiliza-la, para que com isso, possa existir o desenvolvimento de estratégias voltadas a estes profissionais, visando diminuir os riscos nos quais estes estão expostos e o grau de prejuízo à saúde mental proporcionado.

Neste sentido, este estudo buscou responder as seguintes questões norteadoras: como se encontra a saúde mental de policiais militares masculinos de um Batalhão do estado da Paraíba? Como o trabalho afeta a saúde mental deste público? Quais estratégias os participantes acreditam poder contribuir com a melhoria da saúde mental? Dessa forma, o estudo em tela apresenta os seguintes objetivos: identificar como se encontra a saúde mental de policiais militares masculinos de um Batalhão do estado da Paraíba; identificar como o trabalho afeta a saúde mental deste público; e identificar estratégias que os participantes acreditam poder melhorar a saúde mental destes a partir de suas falas.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo exploratório-descritivo, de abordagem qualitativa. As pesquisas exploratórias são aquelas que através das ideias/intuições buscam se familiarizar com o que se quer estudar. O estudo descritivo tem como objetivo descrever as características dos sujeitos. Já as pesquisas qualitativas se referem aqueles estudos que se ocupam da subjetividade sobre o que se é estudado(8). A pesquisa foi realizada em um Batalhão da Polícia Militar do estado da Paraíba que abrange os municípios de Picuí e Cuité, localizados nas microrregiões do Seridó Oriental Paraibano e Curimataú Ocidental Paraibano, respectivamente. A população do estudo é composta por militares que atuam nessa referida localidade.

A amostra foi constituída por aqueles que desejaram participar livremente do estudo e que se enquadraram nos seguintes critérios de inclusão: ser do sexo masculino e estar em efetivo exercício no momento da coleta de dados. A especificidade pelo público masculino se justifica a partir das construções em sociedade acerca do gênero masculino, em que o homem é visto como forte e invulnerável, o que reflete na falsa ideia de ausência de doenças e da necessidade de autocuidado(9).

A coleta de dados foi realizada de forma presencial, seguindo os protocolos sanitários recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), sendo este preenchido com maior agilidade com variação de tempo entre sete e 14 minutos. Contudo, diante do aumento de caso de COVID-19, de modo a evitar o contato físico, foi utilizado um roteiro semiestruturado com perguntas discursivas criadas pela equipe pesquisadora e anexado em formato de formulário online de aplicativo de gerenciamento de pesquisas via Google Forms, com tempo médio de preenchimento entre 10 e 18 minutos.

Entre os dados coletados, foram colhidas as informações acerca da caracterização sociodemográfica, contemplando as seguintes variáveis: faixa etária, idade, cor/raça, estado civil, religião, nível de escolaridade e Índice de Massa Corporal (IMC). Para além, o roteiro semiestruturado realizou perguntas relacionadas a saúde mental dos policiais militares. Quanto a aproximação com os sujeitos, após a autorização do Comandante do 9º Batalhão da Polícia Militar da Paraíba, foi realizada o contato com policiais militares previamente de forma presencial para falar sobre a pesquisa em tela.

Em seguida, foi acordado do roteiro semiestruturado ser entregue de forma impressa e dentro de envelopes individuais, juntamente com os termos de consentimentos a serem assinados. A medida que os militares fossem respondendo, os mesmos deixavam os documentos preenchidos em um local dentro das instalações da instituição previamente combinado com os mesmos. Por fim, após o encerramento do prazo estabelecido para o preenchimento dos papéis, todos os documentos foram recolhidos e em seguida foi realizado o agrupamento e avaliação das informações.

Após o levantamento dos dados, estes foram categorizados e discutidos à luz da técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) que retrata as expressões das falas dos pesquisados, em síntese e em primeira pessoa do singular, o que representa o pensamento coletivo em uma única fala e possibilita interpretações para fundamentar resultados(10).

A obtenção de descrições de pensamentos, crenças e valores de forma coletiva, pode se dá através da soma de discursos individuais, por intermédio do método do DSC, um procedimento metodológico, de corte qualitativo, próprio de pesquisas sociais empíricas, que consiste numa forma qualitativa de representar o pensamento de uma coletividade. Isto só é possível através da agregação das figuras metodológicas, a saber: Ideias Centrais, Ancoragens, Expressões Chave e DSC. As ideias centrais apontam o sentido das falas analisadas, já a ancoragem compreende as hipóteses e teorias que originam as expressões chave dos depoimentos, essa junção possui sentido semelhante, num só discurso-síntese, emitidas por pessoas distintas, como respostas a perguntas (10, 11).

A amostra total foi constituída por 38 participantes. Vale ressaltar que todo o desenvolvimento deste estudo foi norteado pela Resolução nº 466/2012 e pela Resolução nº 564/2017 do Conselho Federal de Enfermagem que aborda o Código de Ética Profissional de Enfermagem, sendo realizada apenas após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética obtendo parecer nº 4.568.451 e CAAE nº 40191220.3.0000.5182, em março de 2021(12,13). Os dados foram coletados no período de março a abril de 2021.

A participação foi voluntária e assegurada pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e as informações coletadas durante a entrevista são de uso exclusivo do responsável pela pesquisa, sendo utilizados apenas para fins do estudo. Para manter o sigilo dos participantes, cada policial teve seu nome ocultado do texto, sendo substituído pela palavra sujeito (suj.) seguido da ordem em que ocorreram as entrevistas.

Destaca-se também que o presente trabalho foi realizado com apoio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, através do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico por meio da Universidade Federal de Capina Grande, Brasil (PIBIC/CNPq-UFCG).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Quanto ao perfil dos policiais militares participantes do estudo, a maior parte se encontrava na faixa etária entre 30 e 39 anos (idade média de 37 anos) com ensino superior completo, eram em sua maioria negros (pardos e pretos), casados, de religião católica e se encontravam acima do peso ideal.

O discurso foi construído utilizando as falas dos policiais militares. A partir deste, foram organizadas as ideias centrais apresentadas a seguir que representam um discurso representativo do coletivo, a partir dos depoimentos dos participantes, tendo por base o alinhamento dos fragmentos dos seus relatos.

 

Quadro 1- Discurso do Sujeito Coletivo em resposta a pergunta: “Como você se sente em relação a sua saúde mental?”

Ideia Central

 

Discurso do Sujeito Coletivo

Saúde Mental

 

 

 

 

Tenho crise existencial e penso muito negativo (Suj. 6)

 

Assim que saiu do trabalho me sinto estressado, ansioso e com o humor péssimo, é com essa energia que chego em casa [...] Sinto isso mais forte conforme os anos vão se passando (tenho14 anos de PM) (Suj. 13)

 

Tenho problema de ansiedade (Suj. 29)

 

[...] Me sinto ansioso por diversas vezes. Na maioria das vezes nem eu entendo a motivação da ansiedade. (Suj. 31)

Fonte: Elaborado pelo autor, 2021.

O quadro acima demonstra que para os entrevistados, a profissão militar impacta na saúde mental deles, o que demonstra estarem com a saúde mental prejudicada, podendo esta se agravar com o passar dos anos e tempo de serviço. A maioria dos relatos se refere à ansiedade sentida devido a uma série de fatores, sendo muitas vezes intensificada pelos anos de trabalho exercidos.

A ansiedade é um evento emocional natural e fisiológico e é apontada como uma condição muito frequente, geralmente de início precoce e que persiste ao longo da vida dos indivíduos. Esta doença pode se apresentar de forma patológica quando existe uma preocupação excessiva acerca dos acontecimentos, gerando os pensamentos negativos, exposto pelo suj. 6, capazes de gerar a imaginação dos piores cenários do futuro(14). Corroborando com o resultado encontrado nos descritos dessa pesquisa, um estudo realizado com policiais de elite, encontra um número alto de profissionais que relatam ter níveis médios e altos de ansiedade(15).

O trabalho militar é considerado um dos mais desgastantes devido às altas exigências que a área impõe e infelizmente, muitas das corporações negligenciam a saúde mental desses profissionais. Baseando-se nisso, estudo realizado com policiais militares de um batalhão da região sudeste do Brasil, apontou que alguns participantes relataram que a corporação não cuida do profissional militar de maneira preventiva, sendo apenas considerado o aspecto psicológico depois que o trabalhador já está doente e necessita do afastamento(16).

Essas emoções negativas como o medo, tristeza e angústia em decorrência da ansiedade, podem provocar uma exaustão mental decorrente do trabalho no dia a dia, prejudicando a área profissional e quanto mais intensa são as situações vivenciadas, maior a tendência a prejuízos ao bem-estar desse trabalhador. Além disso, esse estado de exaustão pode influenciar diretamente nas relações interpessoais, sejam elas no meio familiar ou ocupacional(17).

Essa situação pode acabar se intensificando com o passar dos anos. Corroborando com a fala do suj. 13, um estudo encontrou a maior prevalência de ansiedade em policiais com média de tempo de serviço de 13 anos, sugerindo que quanto maior o tempo de serviço, maiores são as chances de apresentar crises de ansiedade, devido a própria carga de trabalho pesada, ameaças de violência e intensa pressão que o trabalho demanda, o que se pode configurar como um cenário adoecedor(18).

Nessa perspectiva, os transtornos mentais são considerados incapacitantes, causando maiores taxas de afastamento entre os trabalhadores, diminuindo a chance de progresso e de se manterem ativos na profissão. Ademais, um estudo encontrou sintomas de ansiedade como preditores de desemprego(19). Outro estudo realizado com policiais na China, identifica que os sintomas de ansiedade e depressão em virtude dos episódios de contato físico e violência ocasionado pelo serviço, impactaram na diminuição da qualidade de vida desses profissionais(20).

 

Quadro 2- Discurso do Sujeito Coletivo em resposta a pergunta: “Na sua opinião, as suas condições de trabalho afetam sua saúde mental e qualidade de vida?”

Ideia Central

 

Discurso do Sujeito Coletivo

 

 

 

 

 

 

Trabalho estressante

 

 

 

 

“Serviço estressante, aonde trabalhamos com o que existe de pior na sociedade”. (Suj. 1)

 

“A atividade policial afeta muito o emocional da pessoa [...] Com o passar do tempo atendendo ocorrências [...] adquirimos traumas que nem lembramos de onde nem como foram adquiridos ao certo”. (Suj. 13)

 

“Com relação ao stress e as dificuldades do trabalho, tende a procurarmos válvulas de escape, muitas vezes, o álcool é uma delas”. (Suj. 22)

 

 “Estando já em serviço a tensão é sempre constante [...] em um minuto você está sentado ‘tranquilo’ e no outro você está correndo atrás de um criminoso [...]”. (Suj. 31)

Fonte: Elaborado pelo autor, 2021.

O quadro 2 retrata o cenário de trabalho estressante vivenciado pelos entrevistados desse estudo, a maioria dos participantes expõe como a profissão afeta o emocional dos mesmos, enfatizando a inconstância das ações e o ambiente hostil em que estão submetidos.

A exposição constante a situações que acarretam risco à vida e um ambiente estressante pode gerar um aumento considerável do adoecimento entre os policiais militares(21). As longas jornadas de trabalho em plantões estão ligadas diretamente ao estresse ocasionado pela atividade laboral, visto que a função policial é de alto desgaste e alta exigência emocional, gerando sobrecarga e esgotamento emocional(22).

As atividades exercidas exigem um estado de alerta constante, estando em serviço ou não, acarreta um estado de tensão, o que pode ocasionar quadro de ansiedade e prejudicar o descanso. Essa situação é comprovada em um estudo realizado com policiais de Cacoal-RO no qual 88,9% dos entrevistados afirmaram se sentir em um estado de “superalerta”, sendo um dos sintomas presentes no Transtorno do Estresse Pós-Traumático que é apontada como um transtorno de ansiedade que está relacionado a traumas e fatores estressores, no qual o indivíduo desenvolve sintomas característicos após a exposição a um ou mais eventos traumáticos(23).

Essa associação com esse transtorno é válida, visto que os policiais militares presenciam as mais diversas situações, podendo ser essas geradoras de traumas para o indivíduo, assim como relata o suj.13 nessa pesquisa(24).

Diante dessas circunstâncias, outro fator preocupante é a predisposição que os policiais apresentam para uma adoção de um estilo de vida não saudável em decorrência do declínio de sua saúde mental, recorrendo muitas vezes ao álcool e ao tabaco como alternativas de alívio, assim como consta no relato do suj. 22. Corroborando com esse fato, um estudo feito em unidades da Polícia Militar do Estado de Goiás constatou que 72,9% dos entrevistados consumiram álcool, seguidos de 15,4% que usaram o tabaco, contabilizando porcentagens consideráveis(25). Outro estudo encontra que o uso de álcool se associa as menores médias de qualidade de vida entre policiais(20).

Dessa forma, todos esses fatores negativos identificados contribuem para o prejuízo da saúde mental e qualidade de vida desses policiais, o que foi constatado no estudo citado anteriormente no qual encontrou menores taxas de qualidade de vida entre esses profissionais militares quando comparados à população adulta em geral, evidenciando a ligação entre trabalho e adoecimento(20).

 

Quadro 3- Discurso do Sujeito Coletivo em resposta a pergunta: “Qual a sua sugestão sobre como podemos melhorar sua saúde mental e qualidade de vida?”

Ideia Central

 

Discurso do Sujeito Coletivo

 

 

 

 

Carência de assistência à saúde

 

 

 

Palestras de conscientização acerca dos problemas de saúde comuns no meio militar. (Suj. 2)

 

Horários em meio do plantão para cuidarmos da própria saúde [...]. (Suj. 9)

 

Qualquer forma de melhorar a acessibilidade aos exames médicos de rotina ou às consultas médicas ajudaria grandemente. (Suj. 10)

 

[...] Somos carentes de assistência psicológica [...]. (Suj. 13)

Fonte: Elaborado pelo autor, 2021.

O quadro 3 retrata um cenário de carência de assistência à saúde mental experimentado pelos profissionais participantes, ressaltando a importância do acompanhamento psicológico e de atendimentos concedidos de forma individualizada.

As falas expostas evidenciam a necessidade de melhora na acessibilidade aos serviços de saúde. Fundamentando a fala dos suj. 9 e 10, um estudo traz que os profissionais militares atuam em seu dia-a-dia em trabalhos completamente desconhecidos e imprevisíveis, tornando difícil o estabelecimento de rotina e controle do tempo(26), demonstrando a importância do desenvolvimento de estratégias como atendimentos voltados a saúde em meio aos plantões, sobretudo os atendimentos direcionados à saúde mental, de modo que se possibilite um atendimento prioritário, levando em consideração as necessidades dos militares e assim promover saúde em todos os seus aspectos e evitar agravos.

As ações em saúde são importantes porque previnem as doenças mais prevalentes nesses profissionais, em especial as relacionadas à saúde mental, além de melhorar a qualidade de vida e autoeficácia no serviço, desenvolvendo uma cultura de autocuidado, já que os militares muitas vezes negligenciam sua saúde, deixando para procurar assistência apenas com o surgimento ou agravamento de doenças(27).

Assim como pontua as falas dos policiais, um estudo com policiais militares de Santa Catarina também constata essa carência de atenção psicológica em seus resultados(28). O mesmo desfecho foi encontrado em outro estudo com o público de bombeiros militares(26).

Ao final da pesquisa, foram encontrados poucos estudos sobre a temática, o que evidencia uma lacuna do conhecimento sendo esta apontada como uma limitação do estudo. Além disso, destaca-se que o estudo ocorreu durante o cenário pandêmico causado pela COVID-19, o que levou a realização da pesquisa também por meio virtual que se apresenta como fator limitante que pode alterar a forma como as respostas, sentimentos e expressões são captadas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo evidenciou como se encontra a saúde mental dos participantes ao retratar a vulnerabilidade ao adoecimento psíquico ao qual estes sujeitos estão submetidos, refletindo em uma saúde mental prejudicada, o que pode ser reflexo de um trabalho exaustivo e de alta carga de estresse. A grande maioria apontou a presença de sintomas e pensamentos negativos, sendo a ansiedade o problema mais relatado. Assim, esses fatores podem evidenciar possíveis danos à saúde mental e qualidade de vida desses profissionais.

A pesquisa também revela possibilidades que podem contribuir para a melhoria da saúde mental destes, bem como apontou a carência de assistência à saúde na qual esses profissionais estão submetidos, sobretudo a saúde mental. Nesse contexto, salienta-se a necessidade de estratégias que reduzam a situação de risco à saúde encontrada neste público, enfatizando a perspectivas de que essa seja uma realidade nacional futura. É importante buscar investir na prevenção e na promoção de saúde mental de modo que se possa compreender as especificidades dessa profissão, buscando uma assistência à saúde de forma acessível.

Ademais, o estudo em questão apresenta uma contribuição importante, pois servirá de subsídio para que novos estudos possam ser desenvolvidos, de modo a explorar com maior profundidade o impacto na saúde dos policiais militares.

 

REFERÊNCIAS

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Fomento e Agradecimento: Agradecimento ao apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil (PIBIC/CNPq-UFCG), aos participantes da pesquisa e à instituição colaboradora que foi cenário da pesquisa.

 

Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519



Rev Enferm Atual In Derme 2023;97(2):e023054