ARTIGO ORIGINAL
SIGNIFICADOS DA VIVÊNCIA DA SEXUALIDADE FEMININA APÓS O PARTO VAGINAL
MEANINGS OF THE EXPERIENCE OF FEMALE SEXUALITY AFTER VAGINAL BIRTH
SIGNIFICADOS DE LA EXPERIENCIA DE LA SEXUALIDAD FEMENINA DESPUÉS DEL PARTO VAGINAL
Elayne Arantes Elias1
Dayanne Teresinha Granetto Cardoso Floriani2
Andyara do Carmo Pinto Coelho Paiva3
Letycia Sardinha Peixoto Manhães4
Lauanna Malafaia da Silva5
Daniele Maria Alves Torres6
Glaucimara Riguete de Souza Soares7
1Faculdade de Ciências, Educação, Saúde, Pesquisa e Gestão (CENSUPEG), São Fidélis, RJ, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5380-8888.
2Faculdade de Ciências, Educação, Saúde, Pesquisa e Gestão (CENSUPEG), Joinville, SC, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7831-856X.
3Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3567-8466.
4Faculdade de Ciências, Educação, Saúde, Pesquisa e Gestão (CENSUPEG), São Fidélis, RJ, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4224-2158.
5Faculdade de Ciências, Educação, Saúde, Pesquisa e Gestão (CENSUPEG), São Fidélis, RJ, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8904-5245.
6Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro, Santo Antônio de Pádua, RJ, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5162-5682.
7Universidade Federal do Rio de Janeiro, Macaé, RJ, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2211-7854.
Autor correspondente
Elayne Arantes Elias
Ria Cora de Alvarenga, 364, casa 1 – Parque Julião Nogueira, Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil. CEP: 28053-227. Tel: +55(22) 998432256. E-mail: elayneaelias@hotmail.com.br
Submissão: 03-11-2022
Aprovado: 25-04-2023
RESUMO
Objetivo: compreender os significados da vivência da mulher na sexualidade após o parto vaginal. Método: estudo fenomenológico heideggeriano realizado com 14 mulheres utilizando entrevista aberta na constituição das unidades de significação e da compreensão vaga e mediana. Resultados: a maioria delas decidiu pelo parto vaginal, mas não recebeu informação sobre ele e nem sobre a vida sexual no puerpério. A vivência delas significou: ter levado um tempo para o sexo ficar normal ou até não sentir diferença; não ter tido problemas com a sexualidade e com o corpo; não se importar com os tabus e não se confirmar o que muitas pessoas falavam de ruim da sexualidade após o parto vaginal. Considerações finais: Essa vivência se mostrou de forma positiva, contrariando o que se ouve culturalmente falar, de que a atividade sexual piora após o parto vaginal. Assim, reafirma-se o compromisso do cuidado holístico na saúde sexual e reprodutiva desde o pré-natal ao pós-parto. A contribuição para a prática é fortalecer a atuação da enfermagem obstétrica, visto que há fragilidades na assistência prestada às gestantes/puérperas pelo enfermeiro generalista e/ou médico nas unidades de saúde.
Palavras-chave: Mulheres; Parto Normal; Sexualidade; Enfermagem Obstétrica; Pesquisa Qualitativa.
ABSTRACT
Objective: to understand the meanings of women's experience of sexuality after vaginal delivery. Method: Heideggerian phenomenological study carried out with 14 women using an open interview in the constitution of meaning units and vague and median understanding. Results: most of them decided on vaginal delivery, but did not receive information about it or about their sexual life in the puerperium. Their experience meant: it took some time for sex to become normal or even feel no difference; not having problems with sexuality and body; not worrying about taboos and not confirming what many people said about sexuality after vaginal delivery. Final considerations: This experience was shown to be positive, contrary to what is heard culturally, that sexual activity worsens after vaginal delivery. Thus, the commitment to holistic care in sexual and reproductive health from prenatal to postpartum is reaffirmed. The contribution to the practice is to strengthen the performance of obstetric nursing, since there are weaknesses in the assistance provided to pregnant/postpartum women by generalist nurses and/or physicians in health units.
Keywords: Women; Normal Birth; Sexuality; Obstetric Nursing; Qualitative Research.
RESUMEN
Objetivo: comprender los significados de la experiencia de la sexualidad de las mujeres después del parto vaginal. Método: Estudio fenomenológico heideggeriano realizado con 14 mujeres mediante entrevista abierta en la constitución de unidades de significado y comprensión vaga y mediana. Resultados: la mayoría optó por el parto vaginal, pero no recibió información al respecto ni sobre su vida sexual en el puerperio. Su experiencia significó: tomó algún tiempo para que el sexo se normalizara o incluso no sintiera ninguna diferencia; no tener problemas con la sexualidad y el cuerpo; no preocuparse por los tabúes y no confirmar lo que mucha gente decía sobre la sexualidad después del parto vaginal. Consideraciones finales: Esta experiencia se mostró positiva, contrario a lo que se escucha culturalmente, que la actividad sexual empeora después del parto vaginal. Así, se reafirma el compromiso con la atención holística en salud sexual y reproductiva desde el prenatal hasta el posparto. La contribución a la práctica es fortalecer la actuación de la enfermería obstétrica, una vez que existen debilidades en la asistencia brindada a las gestantes/puerperantes por parte de enfermeros generalistas y/o médicos en las unidades de salud.
Palabras clave: Mujeres; Parto Normal; Sexualidad; Enfermería Obstétrica; Investigación Cualitativa.
INTRODUÇÃO
A sexualidade é parte fundamental da vida humana, está relacionada às experiências de satisfação, afetividade, prazer e sentimentos livres de censuras, tabus e preconceitos, além de estar intimamente ligada às boas condições de saúde, devendo ela ser apoiada pelos profissionais de saúde, sobretudo os enfermeiros, cumprindo com as políticas públicas de saúde da mulher existentes no Brasil (1).
A saúde sexual e reprodutiva feminina vai além da ausência de doenças ou alterações relacionadas à sexualidade, estando pautada no bem-estar físico, psicológico e social de homens e mulheres (1). Voltando o olhar para o ciclo gravídico-puerperal, a sexualidade deve estar inserida no contexto da integralidade da assistência desde o pré-natal até o puerpério, momento de declínio do desejo e da frequência da atividade sexual em comparação com o período pré-gravídico (2).
O puerpério, como um período de transformações e de processo de retomada ao estado pré-gravídico, tende a deixar a mulher fragilizada com as alterações físicas (até mesmo no local de parto) e emocionais, que são agravadas quando ela passa por experiências de procedimentos como a episiotomia, que podem dificultar o autocuidado e a vivência da sexualidade após o parto com esse tipo intervenção(3-4).
O retorno à atividade sexual após o parto vaginal vai depender de cada mulher e seu contexto de vida, sem seguir protocolos generalizados. Além disso, para a vida sexual satisfatória após o parto, é preciso considerar o autoconhecimento para que a mulher saiba lidar com o seu corpo e com o momento oportuno para o sexo, que geralmente é cerca de seis semanas após o parto. Para tal, a equipe de saúde deve estar próxima, criar vínculo, orientar e promover a discussão sobre o assunto durante as consultas de pré-natal e de puerpério (5).
É necessário repelir a falta de orientação, de apoio profissional e as práticas hospitalares que restringem a autonomia da mulher com a utilização de procedimentos desnecessários como: a restrição de posição da parturiente, a epsiotomia e a manobra de kristeller. A Organização Mundial da Saúde (OMS) visa à fisiologia do parto, o protagonismo feminino, as medidas não farmacológicas para alívio da dor, o respeito às decisões e a satisfação da mulher. Assim, a OMS embasa também um modelo de assistência ao parto humanizado preconizado pela atuação da enfermagem obstétrica (6).
O momento da consulta de pré-natal, preferencialmente com um enfermeiro obstetra, é oportuno para tratar essas questões relacionadas ao parto e à sexualidade, bem como os encontros realizados coletivamente. Neles, é importante a mulher receber informações completas e de qualidade para que não seja movida pelo senso comum, buscando mais bem-estar e conhecendo as práticas intervencionistas para ter o poder de decisão e de consentimento sobre elas (7).
O estudo se justifica pela necessidade dos profissionais de saúde cumprirem com a educação e a promoção da saúde, ainda insuficientes para as gestantes e seus acompanhantes na consulta de pré-natal. Essa deficiência colabora para a limitação da autonomia feminina e para as imposições profissionais do modelo biomédico na assistência ao parto, afetando a vivência da sexualidade no puerpério (8).
Diante das implicações acerca do parto vaginal para a sexualidade das mulheres e do incentivo a esse tipo de parto através das políticas públicas de saúde, tem-se a questão norteadora do estudo: De que maneira as mulheres vivenciaram a sexualidade no período que sucedeu o parto vaginal? Assim, objetivou compreender os significados da vivência da mulher na sexualidade após o parto vaginal.
MÉTODOS
Estudo de natureza qualitativa sustentado pela abordagem fenomenológica heideggeriana. Eleger a fenomenologia significa considerar a experiência humana e a subjetividade, pois ela é a ciência dos fenômenos nas experiências tal quais foram vividas. Para conhecer essas experiências, a entrevista fenomenológica, como uma abordagem existencial, não impõe julgamentos, o pesquisador está aberto para encontrar o fenômeno que será revelado. Tal abordagem para as pesquisas em enfermagem permite a aproximação entre as pessoas, compreendendo os significados que elas atribuem às suas experiências (9).
A coleta de dados contou com 14 participantes. Foram incluídas: mulheres que passaram pelo parto vaginal, maiores de 18 anos e com idade inferior a 60 anos das cidades de Campos dos Goytacazes e São Fidélis, no Estado do Rio de Janeiro. Foram excluídas as mulheres adolescentes pela necessidade do assentimento para a participação na pesquisa, o que poderia atrasar a etapa de campo. Excluídas também as mulheres de 60 anos ou mais, por terem tido a experiência do parto em espaço de tempo passado, o que poderia impossibilitar a recordação de detalhes do processo de parturição.
As mulheres foram selecionadas de forma aleatória pela técnica Bola de Neve. A primeira participante foi convidada por acaso, estando dentro dos critérios de participação na pesquisa, o que era sabido pela entrevistadora, e a partir daí ela foi indicando outras mulheres para participarem. A entrevistadora iniciou os contatos através das indicações e agendou os encontros para a explicitação da pesquisa e a formalização do convite aceito, com o agendamento das entrevistas.
As entrevistas aconteceram entre setembro de 2018 e abril de 2019. Não houve um local específico de estudo, pois a pesquisa não foi condicionada às mulheres de um local/instituição a ser também considerado na análise. Elas ocorreram nos horários e locais escolhidos pelas mulheres, algumas em suas casas e outras em seus locais de trabalho ou estudo. O número total de participantes não foi preestabelecido e se deu a partir da suficiência dos dados, alcançando os objetivos do estudo. Pesquisas qualitativas e fenomenológicas não impõem um tempo de permanência do pesquisador na coleta de dados, sendo o bastante haver a compreensão de que as informações estão se mostrando mais de uma vez, se repetindo. Sabendo assim, o pesquisador, que esse é o momento de completude dessa etapa (10).
Após o aceite da participante, foi agendado o encontro, mediado pela ambientação, empatia, diálogo e subjetividade. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi lido e assinado, bem como o roteiro foi preenchido com informações referentes às mulheres, como: idade, se possuíam companheiro e vida sexual ativa, se optaram pelo parto normal, se receberam informações sobre ele, as experiências vividas na gestação e no parto e a assistência recebida. As participantes foram identificadas por códigos e números, de acordo com a ordem de realização das entrevistas (E1, E2 e assim por diante).
Na etapa seguinte, foi iniciada a entrevista aberta audiogravada, na modalidade fenomenológica, para posterior escuta, transcrição fidedigna e análise. Para a obtenção do discurso aberto, foram utilizadas as seguintes questões orientadoras: Como foi para você vivenciar o parto normal/vaginal? Como você se sentiu em relação à sua sexualidade? O que significou para você o parto vaginal e a sua sexualidade? Os depoimentos foram escutados e transcritos pela entrevistadora, que procedeu à leitura atentiva em busca das estruturas essenciais que respondiam aos objetivos.
A entrevista fenomenológica, que vem sendo bastante utilizada nas pesquisas em enfermagem, não objetiva captar informações no sistema pergunta-resposta, mas acessar a essência fenomenal através das experiências vividas e considerando o ser tal como ele se mostra. Dessa forma, a compreensão é viabilizada ao valorizar a perspectiva de quem vivenciou o fenômeno (11).
A etapa analítica fenomenológica é iniciada a partir da transcrição dos depoimentos e pode se estender até a hermenêutica, mas neste estudo, ela se desdobrou até a compreensão vaga e mediana, construída a partir da compreensão dos significados. Esses significados são revelados pela descrição vinda do discurso da entrevistada e constituem a unidade de significação (US). A fenomenologia heideggeriana, ao buscar a essência do ser, possibilita que facetas do fenômeno sejam desveladas, que a descrição das coisas aconteça e que a compreensão dos significados deste ser, se revele. A fenomenologia então, demonstra que o fenômeno se mostra tal como ele é, por si mesmo, assim, para compreendê-lo, não deve haver reflexão ou julgamento prévios por parte do investigador (12).
A compreensão do ser, dessas mulheres, é referente à existência humana, que nos mostra o ser-aí na abordagem fenomenológica heideggeriana e esse ser-aí é mostrar a essência de si mesmo. Por isso, ser só pode se fazer compreender a partir da sua existência, da sua possibilidade própria, da sua experiência vivida e tudo isso indivisível de sua relação no mundo e com ele, criando a via de compreensão e interpretação (13). Os significados das depoentes relatam o modo de ser delas no mundo cotidiano de sua sexualidade após o parto vaginal.
Este estudo, como outros da área da Enfermagem com abordagem qualitativa, utilizou o guia Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade São Fidélis - Sociedade de Educação, Cultura e Tecnologia São Fidelis Ltda, sob número 2.763.518/2018 e CAAE 92477618.1.0000.8046 respeitando o que consta nas Resoluções n° 466/2012 e n° 516/2016 do Conselho Nacional de Saúde no que concerne aos aspectos éticos, ao anonimato e à confidencialidade.
RESULTADOS
Foram entrevistadas 14 mulheres que tiveram a experiência do parto vaginal com idades entre 22 e 41 anos. A maioria tem companheiro e vida sexual ativa. Desvelou-se que a maioria das mulheres decidiu pelo parto vaginal, ao passo que, nessa mesma proporção, elas não receberam informação nenhuma sobre esse tipo de parto. Algumas buscaram se informar através de mídias virtuais. Sobre ter recebido informações sobre a vida sexual após o parto, foi revelado que, também, a maioria não recebeu e, ainda teve preocupação de como seria o sexo no puerpério. No entanto, nenhuma delas se arrependeu de ter passado pelo parto vaginal.
Os significados desvelados pelo acesso às experiências e à essência dos sujeitos, revelou facetas do fenômeno vivido. Assim, as US foram constituídas com partes dos depoimentos, compondo também o enunciado dela. A vivência da mulher na sexualidade e na atividade sexual após o parto vaginal significou: na US1 - Ir se acostumando com o sexo até ficar tranquilo e normal, pois o local (canal de parto) parecia apertado; ou até mesmo não sentir diferença e ter melhorado em relação ao casal:
[...] com o tempo foi acostumando (atividade sexual) [...] parecia que estava tudo apertado [...] a gente foi tentando [...] nada de mais não[...] tranquilo (E1)
[...] as outras vezes foram ficando cada vez mais suaves[...] melhorou[...] fica normal, eu não sentia mais nada [...] ele (marido) [...] viu que voltou tudo ao normal [...] eu achava que nunca mais eu ia sentir prazer [...] voltou [...] o corpo é perfeito (E2)
[...] foi tudo normal (sexo) [...] não vejo diferença (E3)
[...] ficou normal[...] Não teve alteração de nada [...] eu falava com o meu marido: cara, o brinquedo acabou agora[...]ele: acabou nada! Rs (E4)
[...] melhorou[...] já não tem dor alguma, foi momentâneo... a gente conversava na casa de parto, sobre a transa depois[...] eu pensava muito com relação à mudança de rotina da vida do casal sobre o sexo (E5)
[...] foi bem tranquilo... tava até brincando[...] parece que eu voltei a ser virgem de novo, é impressionante! [...] aflorou mais ainda... de acordo com o que a gente podia[...] (E6)
[...] pra mim, não mudou nada! Nada de diferente (sexo) [...] será que vai ser diferente? Será? Mas, pra mim foi normal... eu levo a vida normal (E7)
[...] depois, foi normal! Dor, diferença, não! [...] já tinha cicatrizado, já tinha passado esse medo [...] ele (companheiro) sempre falou também que não teve problema... tá a mesma coisa (E8)
[...] primeira após o parto[...] sexo normal, sem dor [...] pro homem [...] nada! [...]foi tranquilo, não teve dor (E9)
[...] me acostumei[...] o ginecologista falou... tudo normal (E10)
[...] eu fiquei com medo do corte [...], mas foi normal (E11)
[...] normal! Nunca tive problema quanto a isso [...] “o seu libido” fica [...] muito mais aflorado [...] acaba esse cansaço todo [...] volta a vida normal (E12)
[...] não foi nada absurdo [...] Não foi tão insuportável [...] é só por um tempo, depois melhora [...] volta ao normal (E14).
A vivência da mulher na sexualidade e na atividade sexual após o parto vaginal também significou. US2 - não se importar com os tabus, não sentir vergonha e não se confirmar o que muitas pessoas falavam, e também não ter tido problemas com a sexualidade e com o corpo:
[...] a questão da sexualidade foi como eu te falei anteriormente[...] eu no começo, por eu ter levado ponto dela, eu fiquei um pouco com medo, né[...], mas depois foi tranquilo, entendeu (E1)
[...]nem parecia que eu tinha parido[...] um períneo tão íntegro... meu marido gostava do meu corpo[...] a vaidade[...] foi voltando[...] eu pensava mais em ficar frouxa como todo mundo falava[...] eu vi que não era assim! (E2)
[...] a barriga voltou pro lugar[...] amamentar[...]o peito já cresce[...] aí foi de boa pra sexualidade, não é à toa que saiu um segundinho (E3)
[...]foi de boa pra sexualidade[...] fui ter filho normal arrebentou tudo[...]acabou! Acabou nada! (E4)
[...] não tive problema nenhum com relação à sexualidade[...] não tive medo, nem vergonha (E5)
[...]com relação à sexualidade, eu me senti melhor[...]mais disposta[...] não teve problema não[...] todo mundo fala assim: nossa, vai alargar[...] nossa vida até melhorou (E6)
[...]e na sexualidade não mudou nada[...] foi tranquilo[...] o pessoal falava que a gente fica totalmente diferente[...] e eu ficava com medo. Mas, pra mim foi normal (E7)
[...]com relação à sexualidade, eu não vi mudar, não vi nada de diferente[...] quantas vezes eu já ouvi dizer que mulher que teve filho normal[...] Não é a mesma coisa! Piadinhas que a gente ouve (E8)
[...]a gente ouve muito tabu[...] eu tinha esse medo da primeira após o parto (E9)
[...]eu tinha peito, eu fiquei tão feliz (E10)
[...] não tive problema com isso não (a sexualidade) (E11)
[...]eu amamentei[...] a sensibilidade que eu tenho no seio hoje é a mesma que eu tinha antes[...] é algo natural[...] você não diz que passou um crânio por ali (E12).
As unidades de significação dão abertura para a compreensão vaga e mediana, representada pela discussão desse estudo.
DISCUSSÃO
Mesmo que as mulheres estivessem em idade reprodutiva e com vida sexual ativa, a demonstração do medo de como seria a vida sexual após o parto normal foi intensificado com a falta de orientações sobre o assunto. A saúde sexual e reprodutiva acaba sendo negligenciada em diversos contextos: histórico, cultural, social e de saúde, e o entendimento sobre ela tende a ser limitado desde a idade jovem, quando o exercício da sexualidade, o autocuidado e o apoio às questões psicológicas e socioculturais, numa abordagem holística do cuidado/educação em saúde, deveriam ocorrer de forma plena, autônoma, segura, não-reducionista, livre de preconceitos e cumprindo os diretos sexuais e reprodutivos, bem como os direitos humanos(1).
A falta de informações acerca do parto vaginal advindas de profissionais de saúde é uma fragilidade da assistência e confronta a decisão da maioria das mulheres por esse tipo de parto como uma experiência, da qual não houve arrependimento. Dados corroboram que essa fragilidade pode impactar negativamente no momento de parto e pós-parto. Assim, para experiências positivas, a mulher deve ser informada desde o pré-natal, pois estudos evidenciam que o cuidado de qualidade prestado nas consultas reflete positivamente na vivência da gestante/parturiente/puérpera(14).
O tempo depois do parto para se adaptarem à atividade sexual de forma satisfatória é necessário, até mesmo porque o puerpério é marcado por transformações físicas e psicológicas. Essas repercussões para a puérpera, incluindo a sexualidade, podem permanecer até um ano após o parto. Portanto, a mulher deve ser apoiada, não só pelo parceiro e pela rede de apoio, mas também por um profissional de saúde que atenda às necessidades físicas e emocionais com ações como: gerar sentimentos positivos, manter o vínculo mãe-filho, apoiar o aleitamento materno e promover o planejamento familiar(15).
Mesmo diante das alterações no puerpério e da necessidade de adaptação para o retorno à atividade sexual, ao desvelar que muitas mulheres não sentem diferença e nem têm problemas com a sexualidade e com o corpo, observa-se a importância do cuidado de saúde sexual, para a vivência plena, segura e satisfatória da sexualidade e da prática sexual.
Essa satisfação/prazer sexual representa também qualidade de vida, pois o sexo é uma necessidade humana, dentro do campo da saúde sexual, esta, conceituada pela Organização Mundial da Saúde como um estado físico, emocional, mental e de bem-estar social em relação à sexualidade de cada ser humano sendo, e não meramente a ausência de doença, disfunção ou enfermidade, garantindo que as pessoas façam escolhas informadas sobre ela. A sexualidade é ampla e envolve sexo, identidades e papéis de gênero, intimidade, desejo, erotismo e reprodução, aspectos relevantes para o ser humano (16).
O cuidado de saúde sexual é importante, não só por ser o sexo uma necessidade fisiológica, mas também para o preparo da puérpera nesse momento, de modificações na genitália e no canal vaginal, e para o cuidado de si mesma, também relacionado à contracepção. Os profissionais devem apoiá-las, capacitá-las e incentivá-las ao diálogo aberto sobre sua vida sexual através de consultas e de programas de educação para a saúde. Dessa forma, a comunicação proporciona benefícios e elenca a saúde e a sexualidade como importantes na saúde humana. Uma das dificuldades que precisa ser rompida nesse cuidado é a escassez de recursos humanos e materiais para lidar com essas questões adicionais além daquelas relacionadas especificamente ao cuidado de saúde habitual(17).
A demonstração de não valorizarem os tabus conhecidos sobre como ficariam fisicamente após o parto vaginal: com a elasticidade vaginal prejudicada, com canal do parto e a genitália diferentes e com a vida sexual pior, traz à tona o contraste ao que é ditado pelo senso comum. Este, carregado de crenças, pode trazer barreiras entre profissionais e parturientes, dificultando a assistência ao parto e nascimento(18).
Mesmo que os resultados apontem que a atividade sexual teve retorno satisfatório, é corriqueira a mulher se preocupe com a vida sexual após o parto desde quando está vivendo o momento da gestação em relação a: diminuição da frequência da atividade sexual, diminuição do desejo e excitação sexual, dor durante a penetração vaginal e falta de lubrificação, porém, a resposta sexual envolve não só a dimensão fisiológica, mas também experiências psicológicas (ou seja, cognitivas, emocionais e comportamentais) (19). Tais preocupações podem ser amenizadas com orientações profissionais de fácil compreensão e com outros fatores positivos como o cuidado sem protocolo impositivo e o bom nível educacional e financeiro da mulher(18).
O predomínio do discurso positivo das experiências sexuais no puerpério é paradoxal à deficiência no recebimento de informações sobre a sexualidade após o parto vaginal durante a assistência pré-natal. A desvalorização da sexualidade feminina é um problema muito conhecido, devendo o sistema de saúde prezar pela humanização e qualidade profissional, pela presença de enfermeiras obstétricas e pelo cuidado continuado sem discriminação, autoritarismo e iatrogenia, bem como também, se faz necessário romper com as dificuldades na inserção dos parceiros em todo o processo da gestação ao pós-parto(18).
A abordagem da saúde sexual situa o enfermeiro, principalmente o obstetra, na assistência integral à saúde das mulheres, com saberes sobre o que pode esta afetada durante o ciclo gravídico-puerperal e com ações para a melhor vivência deste. Isso é importante porque existe um risco alto de surgirem problemas sexuais nos três primeiros meses do puerpério e preocupações da mulher/casal em relação ao desempenho sexual. Assim, a gestante/puérpera e/ou o casal devem ser acolhidos e esclarecidos sobre possíveis modificações da função sexual(20). Toda essa abordagem deve ser realizada em momento oportuno desde o pré-natal e não somente quando a mulher já se encontra no puerpério.
As limitações do estudo se referem a não ter sido estabelecido um local específico de coleta de dados, como por exemplo, uma unidade de saúde que atendesse as mulheres, de forma que fosse possível também avaliar a assistência recebida e a influência desta na decisão das mulheres em vivenciarem o parto vaginal e na vivência da sexualidade após esse tipo de parto. Sendo que isso, não interferiu na significância da sexualidade das depoentes após o parto vaginal.
As contribuições são no sentido de fortalecer a atuação da enfermagem obstétrica, visto que há fragilidades na assistência prestada às gestantes e puérperas pelo enfermeiro generalista e/ou o médico nas unidades de saúde, enquanto que a saúde sexual e reprodutiva das mulheres é um dos pilares de atenção integral da enfermagem obstétrica. É preciso que as unidades de saúde priorizem/viabilizem a atuação desses enfermeiros obstetras especializados, que estão disponíveis no mercado de trabalho, a fim de contemporizar com as políticas de saúde para as boas práticas de atenção materno-infantil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A vivência da sexualidade/vida sexual após o parto se mostrou de forma positiva, apesar do puerpério ser um momento de diversas adaptações físicas e emocionais da mulher, contrariando o que se ouve culturalmente falar, de que a atividade sexual piora após o parto vaginal. Isso vai de encontro ao senso comum de que a função sexual é prejudicada, com a região do canal de parto com frouxidão. Tal fato pode ser justificado pela maior visibilidade da enfermagem obstétrica, que preza pela redução de intervenções desnecessárias no trabalho de parto e por orientações de qualidade quanto ao puerpério para que a mulher vivencie a sexualidade de maneira segura e prazerosa.
A atuação do enfermeiro obstetra se faz necessária no cuidado holístico que prepara a mulher para a vivência da sexualidade após a gestação e o parto e também no puerpério, sendo um compromisso na atenção à saúde sexual e reprodutiva.
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Fomento e Agradecimento: Não há.
Critérios de autoria (contribuições dos autores)
1. Contribui substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo: Elayne Arantes Elias, Dayanne Teresinha Granetto Cardoso.
2. Obtenção na análise e/ou interpretação dos dados: Elayne Arantes Elias, Dayanne Teresinha Granetto Cardoso Floriani, Andyara do Carmo Pinto Coelho Paiva, Letycia Sardinha Peixoto Manhães, Lauanna Malafaia da Silva, Daniele Maria Alves Torres, Glaucimara Riguete de Souza Soares.
3. Redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada: Elayne Arantes Elias, Dayanne Teresinha Granetto Cardoso Floriani, Andyara do Carmo Pinto Coelho Paiva, Letycia Sardinha Peixoto Manhães, Lauanna Malafaia da Silva, Daniele Maria Alves Torres, Glaucimara Riguete de Souza Soares.
Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519
Editor Associado: Edirlei Machado dos-Santos. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1221-0377