TESTES RÁPIDOS PARA INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS NA ATENÇÃO BÁSICA: DESAFIOS E ESTRATÉGIAS DA ENFERMAGEM
RAPID TESTS FOR SEXUALLY TRANSMITTED INFECTIONS IN PRIMARY CARE: NURSING CHALLENGES AND STRATEGIES
PRUEBAS RÁPIDAS PARA INFECCIONES DE TRANSMISIÓN SEXUAL EN ATENCIÓN PRIMARIA: DESAFÍOS Y ESTRATEGIAS DE ENFERMERÍA
Thalles Silva Menezes Santos1
Arianna Oliveira Santana Lopes2
1 Faculdade Independente do Nordeste - FAINOR, Vitória da Conquista – BA, Brasil. ORCID 0000-0003-4398-9886
2 Faculdade Independente do Nordeste - FAINOR, Vitória da Conquista – BA, Brasil. ORCID 0000-0003-4990-8506
Autor correspondente
Thalles Silva Menezes Santos
Av Jesiel Norberto, 2115, Apto 602, Candeias, Vitória da Conquista – BA – Brasil. CEP - 45028-492. Contato: +55 (77) 99135-5023.
E-mail: thalles.menezes1294@gmail.com.
Fomento: Financiamento próprio.
RESUMO
Introdução: Os testes rápidos levam menos de 30 minutos para realizar e interpretar, sem precisar de laboratório, tornando- se um grande aliado no combate às infecções sexualmente transmissíveis. A Atenção Básica é responsável pelo planejamento familiar e reprodutivo, sendo preciso garantir que os profissionais da enfermagem se sintam seguros ao aplicar estes testes. Objetivo: compreender os desafios e as estratégias desenvolvidas pelos profissionais de enfermagem para a implementação e realização dos testes rápidos para ISTs na Atenção Primária à Saúde. Método: Estudo descritivo, abordagem qualitativa, realizado com enfermeiros componentes de 18 equipes de unidades básicas em um município do interior da Bahia. Os dados foram coletados com o auxílio de instrumento semiestruturado, e em seguida categorizados a partir da análise de conteúdo de Bardin. Resultados: As dificuldades e estratégias encontradas foram divididas em três categorias: 1 - A execução dos testes rápidos e suas dificuldades, 2 - Estratégias adotadas pela enfermagem no enfrentamento das adversidades e 3 - Os protagonistas nas ações de minimização dos problemas, as quais elucidam e respondem o objetivo da pesquisa. Considerações finais: Verifica-se que os desafios dos enfermeiros se associam com dificuldades pessoais, sobrecarga e impasses estruturais; já as estratégias variam entre técnicas para a coleta do material, manejo da agenda, solicitação de novos testes, orientação, entre outros. Diante da importância dos testes, nota-se a necessidade de melhoria na logística por trás da testagem e descentralização do serviço. Ainda assim, é primordial que aconteçam avanços no sistema de qualificação.
Palavras-chaves: Atenção Primária à Saúde. IST. Testes Diagnósticos. Enfermagem.
ABSTRACT
Introduction: Rapid tests take less than 30 minutes to perform and interpret, without the need for a laboratory, making them a great ally in the fight against sexually transmitted infections. Primary Care is responsible for family and reproductive planning, and it is necessary to ensure that nursing professionals feel safe when applying these tests. Objective: To understand the challenges and strategies developed by nursing professionals for the implementation and performance of rapid tests for STIs in Primary Health Care. Method: Descriptive study, qualitative approach, carried out with nurses who are members of 18 teams of basic units in a municipality in the interior of Bahia. Data were collected using a semi-structured instrument, and then categorized using Bardin's content analysis. Results: The difficulties and strategies found were divided into three categories: 1 - The execution of rapid tests and their difficulties, 2 - Strategies adopted by nursing in facing adversities and 3 - The protagonists in the actions to minimize the problems, which elucidate and respond to the research objective. Final considerations: It appears that nurses' challenges are associated with personal difficulties, overload and structural impasses; strategies vary between techniques for collecting material, managing the agenda, requesting new tests, guidance, among others. Given the importance of testing, there is a need to improve the logistics behind testing and decentralizing the service. Evenso, progress in thequalification system is essential.
Keywords: Primary Health Care; Sexually Transmitted Diseases; Diagnostic Tests; Nurses.
RESUMEN
Introducción: Las pruebas rápidas tardan menos de 30 minutos en realizarse e interpretarse, sin necesidad de laboratorio, convirtiéndose en un gran aliado en la lucha contra las infecciones de transmisión sexual. Atención Primaria es responsable de la planificación familiar y reproductiva, y es necesario garantizar que los profesionales de enfermería se sientan seguros al aplicar estas pruebas. Objetivo: Comprender los desafíos y estrategias desarrollados por los profesionales de enfermería para la implementación y realización de pruebas rápidas para ITS en la Atención Primaria de Salud. Método: Estudio descriptivo, abordaje cualitativo, realizado con enfermeros integrantes de 18 equipos de unidades básicas en un municipio del interior de Bahia. Los datos se recopilaron mediante un instrumento semiestructurado y luego se categorizaron mediante el análisis de contenido de Bardin. Resultados: Las dificultades y estrategias encontradas fueron divididas en tres categorías: 1 - La ejecución de las pruebas rápidas y sus dificultades, 2 - Las estrategias adoptadas por la enfermería frente a las adversidades y 3 - Los protagonistas de las acciones para minimizar los problemas, que esclarecen y responder al objetivo de la investigación. Consideraciones finales: Parece que los desafíos de los enfermeros están asociados a dificultades personales, sobrecarga y bloqueos estructurales; Las estrategias varían entre técnicas de recolección de material, manejo de agenda, solicitud de nuevas pruebas, orientación, entre otras. Dada la importancia de las pruebas, es necesario mejorar la logística detrás de las pruebas y descentralizar el servicio. Aún así, el progreso en el sistema de calificación es fundamental.
Palabras clave: Atención Primaria de Salud; ITS; Técnicas y Procedimientos Diagnósticos; Enfermeros.
INTRODUÇÃO
A Atenção Primária à Saúde (APS) tem como principal função a prevenção de agravos à saúde da comunidade. Dessa maneira, precisa ser efetiva, acessível e prática. Entretanto, é possível perceber deficiências que impedem o funcionamento de qualidade e a oferta de ações em saúde, como na aplicação de teste rápidos para Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs).
As ISTs se configuram como um problema de saúde que precisa ser combatido pela coletividade e pelos órgãos públicos. Pode-se citar como exemplos as hepatites virais, sífilis e o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Assim, entende-se a urgência em implantar um plano que permita um diagnóstico antecipado e instantâneo, a fim de iniciar procedimentos terapêuticos rapidamente. Em vista disso, os Testes Rápidos vêm justamente com esse propósito e se tornaram uma eficiente estratégia no combate a esses agravos(1). O resultado é revelado em tempo muito curto e o tratamento pode começar antes que a doença se intensifique ou seja disseminada, o que provoca relevante minimização da propagação dos vírus(2).
Os testes rápidos têm como principal função confirmar ou descartar a presença das ISTs no indivíduo. O resultado é mostrado em, no máximo, meia hora após a coleta de sangue ou fluido oral. Dentre as diversas vantagens, tem-se que não é necessária uma estrutura laboratorial para realização do imunoensaio(3), o que deixa o acesso ao teste maior e mais eficiente.
Dentro da realidade da APS, o papel do enfermeiro é primordial quando se trata de testagem de ISTs, principalmente em gestantes. Uma das assistências mais importantes é durante as consultas de pré-natal, nas quais os testes são realizados, de modo a evitar transmissão perinatal, assim como o planejamento reprodutivo. Com isso, observa-se a importância do profissional desde a Unidade Básica de Saúde até uma assistência mais complexa, como em maternidades(4,5). A detecção precoce das ISTs é um indicador de saúde muito importante, logo, necessita de uma assistência competente, livre de problemas(6).
Portanto, justifica-se que a abordagem a este tema torna-se relevante e essencial, visto que é de suma importância evidenciar quais são os tópicos que geram dificuldade no momento em que o profissional de enfermagem planeja e manipula esses testes. Ao mesmo tempo em que é fundamental também pontuar quais os métodos utilizados para resolução das adversidades e as possibilidades para melhoria da empregabilidade da testagem nas Unidades Básicas de Saúde.
O estudo proporciona destaque ao tema que possui projetos científicos insuficientes e precisa ser amplamente discutido, inclusive a partir da vivência prática dos profissionais envolvidos em sua execução. Nesse contexto, trará clareza à comunidade científica de enfermagem sobre algumas questões, em busca de aprimoramento dos serviços oferecidos à sociedade.
Consequentemente, o estudo tem como objetivo compreender os desafios e as estratégias desenvolvidas pelos profissionais de enfermagem para a implementação e realização dos testes rápidos para ISTs na Atenção Primária à Saúde.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo de natureza descritiva, com método levantamento de campo (survey) e abordagem qualitativa. Realizado com 58% das 31 equipes de Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidades de Saúde da Família (USF) urbanas do município de Vitória da Conquista - BA, totalizando 18 enfermeiros, entre Junho e Agosto de 2022. As unidades foram escolhidas de acordo com o critério de realização de teste na unidade.
Participaram do estudo enfermeiros selecionados por conveniência e responsáveis pela realização dos testes rápidos nas referidas unidades. Foram adotados os seguintes critérios de inclusão: ser profissional da equipe de enfermagem, responsável pela realização dos testes, ter passado por capacitação para aplicação dos testes e possuir experiência com essa prática. Já como critérios de exclusão: profissionais de enfermagem que tenham alguma condição ou limitação que impedisse a participação no estudo, não possuir capacitação e não ter nenhuma experiência com testes. Para coleta de informações, foi utilizado um instrumento semi-estruturado (roteiro) desenvolvido anteriormente pelos pesquisadores do atual projeto, com seis questões norteadoras sobre a rotina diária na aplicação dos testes e que foi inicialmente foi aplicado a um enfermeiro como teste-piloto e após pequenos ajustes, aplicado aos demais.
Logo após a permissão concedida pela Prefeitura Municipal e a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), foram definidos os enfermeiros que preenchiam os critérios estabelecidos, por conveniência e localização geográfica por proximidade. Em seguida, foi realizada ligação telefônica para as unidades da cidade e agendamento com os potenciais participantes.
As entrevistas foram concretizadas por meio da aplicação do roteiro, de forma presencial em seus respectivos locais de trabalho, com curta duração, em horário combinado previamente e ambiente privativo e restrito ao entrevistador e entrevistado. Todos os trabalhadores que foram contatados aceitaram participar, entretanto, um deles não se enquadrou aos preceitos da pesquisa por não possuir o treinamento necessário para aplicar os testes em questão. As entrevistas foram gravadas e armazenadas inicialmente em arquivos de áudio e verificou-se uma saturação dos dados já em algumas questões entre a 8ª e 11ª entrevista, com saturação e alcance dos objetivos na 16ª entrevista. Os entrevistados receberam o código E de enfermeiro, numerados de E1 a E18.
Por se tratar de uma pesquisa de abordagem qualitativa, a análise de dados foi efetuada a partir de interpretação minuciosa das respostas colhidas. O material coletado foi submetido a uma categorização sistematizada por meio de tabelas específicas, de acordo com seu contexto, e análise de Bardin(7).
Após explanação dos objetivos e do instrumento de pesquisa, os participantes foram convidados a assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o qual garante sigilo das informações fornecidas apenas para fins de pesquisa. A autorização do CEP, com aprovação nº 5.428.315, assim como a permissão das instituições envolvidas foram legalmente obtidas. O livre-arbítrio dos participantes foi preservado, com respeito aos seus desejos de participação ou não participação, com conhecimento da relação entre os riscos e os benefícios da pesquisa. Os métodos disponíveis para trazer conforto e minimizar inconveniências aos entrevistados foram utilizados, de acordo com a Resolução nº 466 de 2012(8) e com os princípios éticos da Declaração de Helsinki.
RESULTADOS
Para concretização da pesquisa, foram entrevistados 18 enfermeiros(as), porém, um dos entrevistados não se adequou aos critérios de inclusão e exclusão, resultando em uma amostra de 17 profissionais da enfermagem. Dentre estes, 16 (94,12%) são do sexo feminino e 1 (5,88%) é representante do sexo masculino.
No momento de aplicação do instrumento, o entrevistado mais novo possuía 23 anos e o mais velho 48, com uma média geral de aproximadamente 38 anos. A maior parte informou ter 36 ou mais anos de idade. Quanto à ocupação dentro da equipe, 5 (29,41%) são enfermeiros exclusivos da assistência e 12 (70,59%) também têm atribuições pela gerência compartilhada da unidade.
Os indivíduos tinham entre 06 meses a 27 anos de formação, a maioria (47,06%) com 11 a 15 anos passados desde a graduação. Dois dos profissionais relataram não ter feito qualquer tipo de especialização após o término do ensino superior, o que resulta em 88,24% dos trabalhadores com pós-graduação, mestrado ou residência.
Todos os componentes da amostra final passaram por capacitação ou treinamento para aplicar os testes rápidos, mesmo que alguns não tenham tido um curso prático, somente a parte teórica. Ademais, unicamente uma pessoa teve contato com os testes durante a formação acadêmica, já que a maioria se formou antes da implementação dos testes no município.
Os dados descritos estão apresentados na Tabela 1.
Tabela 1 - Perfil social e profissional dos participantes do estudo, Vitória da Conquista - BA, Brasil, 2022.
CARACTERÍSTICAS DO PERFIL |
N |
PERCENTUAL |
Sexo Feminino Masculino |
16 1 |
94,12% 5,88% |
Idade Menos de 30 30 - 35 anos 36 - 40 anos Mais de 40 anos |
1 4 6 6 |
5,88% 23,53% 35,29% 35,29% |
Função desempenhada Enfermeiro assistencialista Enfermeiro participante da gerência |
5 12 |
29,41% 70,59% |
Tempo de formação Menos de 10 anos 11 a 15 anos 16 a 20 anos Mais de 20 anos |
3 8 4 2 |
17,65% 47.06% 23,53% 11,76% |
Especialização Possui Não possui |
15 2 |
88,24% 11,76% |
Experiência com os testes durante graduação Teve Não teve |
1 16 |
5,88% 94,12% |
TOTAL |
17 |
100% |
Fonte: Elaboração dos autores.
A partir dos relatos dos profissionais foram encontrados dados subjetivos que elucidam o objetivo da pesquisa. Essas informações foram divididas em três categorias: 1 - A execução dos testes rápidos e suas dificuldades, 2 - Estratégias adotadas pela enfermagem no enfrentamento das adversidades e 3 - Os protagonistas nas ações de minimização dos problemas, apresentadas nos quadros abaixo. Essas divisões classificam as respostas dos enfermeiros, os quais são representados pela letra “E” e pela ordem em que a entrevista foi concedida.
A primeira categoria formada se refere às principais dificuldades mencionadas durante a aplicabilidade dos testes. É possível notar que os profissionais, por muitas vezes, se deparam com cenários muito similares, já que inconveniências com a técnica da coleta, comunicação ineficaz, tempo de consulta, falta de testes e de materiais são problemas recorrentes a todos. Tal fato fica explícito com a repetição dos mesmos impasses relacionados à entraves pessoais (11 enfermeiros), problemas com a sobrecarga e suas consequências (11 enfermeiros) e adversidades com a estrutura da unidade (8 enfermeiros), conforme esclarece o Quadro 1.
Quadro 1 - Categoria 1: A execução dos testes rápidos e suas dificuldades, Vitória da Conquista - BA, Brasil, 2022.
CATEGORIA 1: A EXECUÇÃO DOS TESTES RÁPIDOS E SUAS DIFICULDADES |
|
Dificuldades pessoais |
E1, E3, E6, E8, E9, E12, E13, E14, E15, E17 e E18 (11). |
Sobrecarga e gestão de tempo |
E2, E4, E5, E6, E8, E9, E10, E12, E16, E17 e E18 (11). |
Dificuldades estruturais |
E1, E5, E8, E10, E12, E13, E15, E16 (08). |
Fonte: Elaboração dos autores.
O Quadro 2, por sua vez, traz resultados condizentes com as soluções colocadas em prática pelos profissionais para minimizar as dificuldades no cotidiano do trabalho.
Para os obstáculos pessoais, os responsáveis fazem manipulação da mão do paciente para melhor coleta de sangue e observam com atenção as diferentes marcas de testes. Com o intuito de diminuir a sobrecarga, são feitas ações como manejo da agenda, aplicação dos testes antes do final da consulta, e esperar que outros profissionais da equipe também apliquem os testes. A fim de resolver os problemas estruturais, as ações citadas foram o improviso com os recursos disponíveis e a solicitação das faltas para a gestão municipal. A orientação também é utilizada como artifício de variados problemas.
Quadro 2 - Categoria 2: Estratégias adotadas pela enfermagem no enfrentamento das adversidades, Vitória da Conquista - BA, Brasil, 2022.
CATEGORIA 2: ESTRATÉGIAS ADOTADAS PELA ENFERMAGEM NO ENFRENTAMENTO DAS ADVERSIDADES |
|
Manipulação da mão do paciente para melhor ordenha de sangue |
E3, E8, E13 e E15. |
Manejo da agenda e do tempo de consulta |
E4, E8, E9, E10, E12, E17 e E18. |
Aguardo da capacitação dos outros profissionais da equipe |
E9, E16 e E18. |
Improviso com os recursos disponíveis |
E5, E8, E12 e E16. |
Solicitação de novos testes para prefeitura e fechamento de mapa de testes de forma precisa |
E1, E5, E13 e E15. |
Orientação e educação do paciente |
E3, E5, E8, E14 e E17. |
Fonte: Elaboração dos autores.
Além dos itens apresentados, foi solicitado aos profissionais entrevistados que sugerissem ações para acabar ou minimizar os problemas levantados por eles mesmos, compondo a Categoria 3. O Quadro 3 revela quem são os responsáveis por tais propostas, sendo que a gestão municipal foi o órgão mais citado para resolver as adversidades. As outras entidades apontadas foram a própria equipe de enfermagem e a equipe multiprofissional de saúde. Houve ainda aqueles que não citaram nenhum responsável em específico ou acreditam que não há nada a ser feito.
Quadro 3 - Categoria 3: Os protagonistas nas ações de minimização dos problemas, Vitória da Conquista - BA, Brasil, 2022.
CATEGORIA 3: OS PROTAGONISTAS NAS AÇÕES DE MINIMIZAÇÃO DOS PROBLEMAS |
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Prefeitura/ Gestão do município |
E1, E6, E8, E9, E10, E12, E13, E15 e E16. |
Equipe de enfermagem |
E4 e E17. |
Equipe multiprofissional |
E2, E12 e E14. |
Não conseguiu identificar nenhum responsável |
E2, E3, E5, E13, E14, E15 e E18. |
Fonte: Elaboração dos autores.
Entende-se que, de um modo geral, os enfermeiros entrevistados se mostram confortáveis a respeito dos protocolos a serem seguidos em caso de um teste positivo. Encaminhamento, tratamento na unidade, tratamento de parceiros, notificação e testagem dupla são as condutas citadas por todos. Ainda assim, alguns não obtiveram testes positivos para todas as doenças. Os casos de sífilis foram os mais relevantes, enfatizados praticamente pela totalidade dos profissionais. A presença de fluxos de trabalho bem estabelecidos pode ajudar os profissionais no cotidiano, além de dar melhor direcionamento a eles.
DISCUSSÃO
A execução do planejamento reprodutivo é um dos pontos-chaves da Atenção Primária à Saúde (APS), já que proporciona conhecimento ao casal ou pessoa que procura esta ação. São propagados mecanismos, explicações e dados que propiciam a proteção contra doenças, a presença ou ausência de gravidez, em respeito às expectativas pessoais do cliente. Isso tudo ocorre através de escuta qualificada, com comunicação aberta e realista sobre os direitos reprodutivos(9).
Nesse sentido, o SUS observou a necessidade de disponibilizar testes rápidos com a finalidade de estender o acesso da comunidade ao diagnóstico das Infecções Sexualmente Transmissíveis - ISTs. Assim, principalmente durante o período gestacional, passaram a ser oferecidos como forma de garantir uma gravidez segura e diminuir os índices de transmissão vertical, sendo incumbência das equipes de Atenção Básica (AB). Além de garantir qualidade de vida aos parceiros das gestantes, as Secretarias de Saúde também devem propiciar a oferta dos testes, desenvolver estratégias para seu armazenamento e transporte, e garantir que as unidades tenham profissionais capacitados para aplicação desses(10).
A Portaria 77 de 12 de janeiro de 2012 do Ministério da Saúde determinou que a testagem de Hepatites Virais B e C, HIV e Sífilis torna-se descentralizada, ou seja, a AB também passa a ser responsável por este serviço, incluindo as ações de aconselhamento(11). O grande benefício é trazer prontamente a identificação das doenças, para início precoce do tratamento. Dessa forma, acarreta a possibilidade de redução em aproximadamente 50% de quadros graves como o da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), por exemplo. Por conseguinte, os pacientes acometidos por essas enfermidades testáveis têm probabilidade aumentada de conviver com a doença e manter padrão de vida elevado(12).
Apenas aqueles indivíduos que passaram por capacitação podem realizar a testagem. A plataforma TELELAB, indicação do Governo Federal, fornece os cursos capacitantes sem custos, por manuais e aulas online. Porém, para emitir e assinar o laudo com o resultado do exame, o responsável precisa estar habilitado em nível superior na área da saúde(3). Apesar de os profissionais da equipe multiprofissional, como os odontólogos e médicos, terem a possibilidade de se capacitar, na realidade do país percebe-se que o enfermeiro é o principal responsável por tal atividade dentro da AB. Segundo parecer do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), os técnicos de enfermagem podem aplicar os testes se passaram por treinamento e supervisão(13), entretanto, na prática, não é comum.
No que se refere ao perfil social e profissional, pôde-se notar que as estatísticas advindas dos participantes estudados apontam que o gênero, a idade e a ocupação dentro da equipe não interferem na quantidade de adversidades que o funcionário enfrenta em sua rotina. Da mesma maneira, o tempo de formação e a posse de especializações não necessariamente asseguram uma resolução efetiva dos impasses levantados, ainda que alguns tenham se especializado em outra área de atenção. Isso pode ser percebido, visto que um único trabalhador afirmou não possuir problemas, e a grande maioria dos outros demonstram habilidade de criar planos para lidar com as dificuldades.
De acordo com estudo realizado em um município do Rio Grande do Sul, verificou-se que os enfermeiros participantes relataram possuir diversos contratempos ao assumir funções de gerência, devido à recente saída do ensino superior. Dessa forma, relataram se sentir hesitantes, com insegurança em cometer erros devido à pouca experiência, o que contribuiu para queda da qualidade ao realizar suas funções dentro das unidades(14). Por outro lado, no presente estudo, pelo fato de os profissionais em sua grande maioria terem mais de 10 anos desde a conclusão do curso de graduação, percebe-se que o tempo de formação não está diretamente relacionado ao grau de dificuldade encontrado pelo profissional; a adversidade pode estar muito mais atrelada a iniciativa e atualização.
As dificuldades pessoais, sobrecarga e gestão de tempo e as dificuldades estruturais reveladas no Quadro 1podem ser percebidas no cotidiano de outras localidades, como expõem estudos anteriores sobre os testes rápidos nas Unidades de Saúde da Família (USF)(15,1,16,17,18).
Em discordância às descobertas já citadas, as principais dificuldades pessoais de uma pesquisa realizada em Volta Redonda - RJ estão associadas a uma comunicação ineficiente com os companheiros das gestantes, os quais não têm boa adesão ao tratamento da sífilis. As enfermeiras entrevistadas afirmam que essa é uma das causas de reinfecção das mulheres em acompanhamento pré-natal(15). Já no presente estudo, isso não representa o problema mais significativo, pois apenas a E14 relatou ter uma dificuldade desta mesma espécie.
Ainda dentro desta categoria, os enfermeiros declararam ter obstáculos com a técnica de realização dos testes, seja por manuseio ineficaz dos materiais de coleta ou pelos testes que são de marcas diferentes. Fato este que aponta a necessidade de um possível retreinamento. Comunicação pouco efetiva com a própria equipe multiprofissional ou com a comunidade também foram citadas, o que revela a inferiorização do papel do profissional na perspectiva daqueles que o cercam. Tais episódios podem ser identificados nos relatos abaixo:
A única dificuldade é fazer com que os parceiros das gestantes aceitem realizar os testes. (E14)
A pipeta é difícil de manusear a depender do laboratório. (E8)
Testes são de marcas diferentes, tem que ficar muito atento ao manuseio de cada tipo específico. (E15)
Resistência dos técnicos de enfermagem em fazer os testes, porque dizem que já fazem muita coisa. Os outros profissionais também dizem isso, como os médicos e dentistas. (E9)
Na região do Seridó - RN, uma análise revelou que a maior parte dos enfermeiros, por assumirem também a função de gerentes da unidade, acabam tendo a qualidade de suas atividades comprometida e ficam sobrecarregados. “Em um serviço no qual o enfermeiro é rotineiramente sobrecarregado, aderir a uma nova demanda com excelência na execução foi a realidade de poucos”, afirmam os autores(1).
Essas constatações demonstram que, devido à grande quantidade de atribuições naturais a um enfermeiro de USF, exercer com primazia todas as competências torna-se difícil. Associado à conjuntura de objeção dos outros trabalhadores em realizar a testagem, o peso dessa atribuição se torna um grande desafio. Alguns dos entrevistados no presente estudo ainda citaram que a duração da primeira consulta de pré-natal, que já é extensa, fica ainda mais longa devido à necessidade de fazer os testes rápidos. O tempo que é utilizado para aplicação dos testes poderia ser redirecionado para outra das diversas atribuições do profissional ou para outro atendimento, se a prática fosse feita por um profissional diferente. Esse achado não foi mencionado em nenhuma das pesquisas usadas como comparativo, o que torna um dado exclusivo.
Um estudo feito com gestantes em São Luís - MA constatou que elas se sentem realizadas pelo longo período da consulta, pois acreditam estar sendo verdadeiramente ouvidas(16). Isso mostra as perspectivas divergentes da mesma situação, em que a paciente persiste com o sentimento de acolhimento, ao passo que o trabalhador tem sensação de sobrecarregamento. As circunstâncias citadas são corroboradas pelas falas:
Deficiência de pessoas capacitadas para testar, o que gera sobrecarga. (E16)
Só a enfermagem faz testes; na ausência das enfermeiras, a unidade não realiza os testes. (E9)
Gasta o tempo da consulta de pré-natal, fica longa. O resultado dos testes deveria ser impresso [...]. (E2)
A consulta fica mais longa por conta dos testes, os pacientes ficam esperando. Demora para laudar e fazer controle no livro, o que gasta tempo. (E12)
Segundo apuração realizada pelos autores(17), que pesquisaram as impressões de enfermeiros em Recife - PE sobre os testes rápidos para ISTs, as principais dificuldades dos profissionais se relacionam com “[...] demora de entrega dos pedidos de materiais e insumos; aspectos ligados à disponibilidade de equipamentos de proteção individual [...]; e a estrutura e o espaço físico para a testagem”. Ainda sobre as limitações, outro estudo realizado em todo o território brasileiro revelou que a infraestrutura é inadequada em quase metade das unidades estudadas, o que ratifica a perda de qualidade nas consultas de pré-natal, das quais fazem parte os testes rápidos(18).
A partir disso, pode-se inferir que os profissionais do estudo em tela não são os únicos a experienciar abastecimento insuficiente de materiais para realização dos testes. Dessa forma, pacientes ficam por vezes com diagnóstico incompleto, ou com seu atendimento prejudicado pela falta de insumos e equipamentos de proteção individual. Não configura uma realidade favorável para o profissional, o qual dispõe de estrutura ineficaz para prestar assistência, nem para o paciente, que não desfruta por completo dos artifícios oferecidos pela AB, o que pode ser observado através dos relatos abaixo:
Falta de testes, aplica uns e faltam outros, o que causa constrangimento para o paciente. [...]Pacientes ficam com diagnóstico incompleto. (E1)
Espaço inadequado, tem que deixar o teste agindo em local improvisado. (E5)
Material, como luva e algodão, não fica na sala, tem que sair da sala para buscar. Tem que dividir os kits de teste com a colega. (E12)
Quanto às estratégias utilizadas, as quais podem ser observadas no Quadro 2, os fatos apontam que os enfermeiros de AB precisam constantemente reinventar sua atuação dentro das USFs e buscar artifícios para manter um padrão elevado de trabalho.
A destreza na manipulação dos materiais foi apontada como uma das facilidades dos enfermeiros de Porteiras – CE(19), em contraposição ao presente trabalho, no qual os participantes tentam controlar as dificuldades com a técnica de coleta. Isso mostra que o manuseio dos testes é algo particular do enfermeiro, o qual pode ou não ter inconveniências com esta técnica. Ainda assim, os profissionais não deixam de realizar a testagem, mas superaram tais empecilhos e resolvem como for possível, como citado:
Sacudir a mão, espremer o dedo para não furar duas vezes, fazer orientação. (E13)
Usar a pipeta até conseguir captar o sangue e
orientar o paciente sobre o motivo de a coleta estar demorando, o teste não
fica sem fazer por conta disso. (E8)
Em um município de Minas Gerais foram constatados baixos índices de qualificação por parte dos profissionais(20), o que denota a existência de localidades com carência de profissionais verdadeiramente aptos à aplicação dos testes. Apesar de passarem por capacitação, nota-se que alguns enfermeiros ainda persistem com dúvidas em relação à técnica, o que não deveria ser habitual. Medidas precisam ser tomadas para assegurar que o treinamento seja eficiente, uma vez que hesitações persistem.
Os componentes do serviço em município do interior de São Paulo se sentem igualmente sobrecarregados e necessitam de “reorganização do processo de trabalho da equipe e também do serviço” (21), assim como os responsáveis da vigente pesquisa, que fazem manejo da agenda para sistematizar as atividades. Nota-se que não é uma ação exclusiva dos entrevistados no presente trabalho, visto que a sobrecarga é uma realidade da APS e mecanismos necessitam ser desenvolvidos para amenizar isso. Dentro desta temática, os profissionais afirmam:
Não agendar muitas 1ª consultas no mesmo turno, priorizando consultas subsequentes. (E4)
Fazer o teste assim que a paciente entra para a consulta. Conversar com ela enquanto o teste “age”, fazendo anamnese e orientando para otimizar o tempo. (E9)
Organizar agenda, marcar apenas duas 1ª consultas pela manhã. (E18)
Além disso, os profissionais do Ceará revelaram a preferência em transferir a responsabilidade de comunicar um teste positivo para psicólogos e psiquiatra, que poderiam manejar a situação de forma mais adequada(19). Fato que se assemelha com os trabalhadores deste estudo, que desejam melhor distribuição de tarefas e aguardam capacitação de outros profissionais, para otimizar os fluxos de serviço. A situação salienta a autopercepção de insuficiência por determinados enfermeiros, que por muitas vezes não se sentem qualificados o bastante para a ação ou não se avaliam como capazes de desempenhar o serviço sozinhos, exemplificado por:
Já foi passado para a Vigilância Epidemiológica para treinar técnicos, no aguardo do treinamento prometido. Odontólogos são capacitados, mas não testam. (E16)
Já foi conversado com outros profissionais, mas a resistência persiste. (E18)
Em estudo realizado na atenção básica de Porto Alegre - RS, verificou-se que os encarregados pelos testes similarmente afirmaram precisar compartilhar lugares, com o objetivo de melhorar o ambiente físico das unidades, que é limitado e com pouca privacidade ao paciente(22). Portanto, é possível concluir que a gestão dos municípios não se mostra pertinente ao permitir que a assistência ocorra sem estrutura adequada em relação a espaço físico e a insumos necessários para testagem. Isso reitera a urgência em procurar técnicas que amenizem as lacunas criadas por terceiros, como declarado:
Improvisar um local para deixar os cassetes agirem, usando a maca ou a própria mesa de trabalho. (E8)
Não tem mesa acessória, improvisar usando maca ou a própria mesa. (E16)
Tem que sair da sala para buscar as coisas, perde mais tempo. (E12)
Já em Recife - PE, os trabalhadores explanam dificuldades relacionadas à distribuição de materiais nas unidades por parte da gestão do município, já que o tempo que levado é mais longo que o esperado(17). Tal fato contesta a técnica de fechamento de mapa de testes de forma precisa e solicitação de novos testes tida pelos participantes da presente análise, evidenciando que as condutas de cada profissional são diferentes e o planejamento criado deve se adaptar à realidade de cada um. O importante é fazer o que está ao seu alcance, a fim de favorecer a comunidade. A estratégia colocada em prática pode ser percebida pelas narrativas:
Comunicar à coordenação/diretoria da Vigilância Epidemiológica sobre a falta de testes. (E15)
Fechamento do mapa de testes rápidos de forma correta e precisa. Avisar antecipadamente no sistema quando tem campanha e vai precisar de mais testes. (E5)
Por fim, educação do paciente e acolhimento também foram estratégias utilizadas pelos responsáveis em Volta Redonda – RJ(15). Assim como uma pesquisa efetuada em Niterói - RJ constatou que o ambiente era propício para proliferação da educação em saúde, a qual ajuda a compreender as vivências do cliente e proporciona criação de vínculo(23). Dessa maneira, é possível notar que a orientação do paciente é um método acessível e necessário, em virtude de gerar informação a respeito do processo de saúde e do motivo de não estar recebendo um acompanhamento adequado. As estratégias puderam ser identificadas a partir das explanações abaixo:
Educação em saúde, abordagem em saúde, falar sobre os riscos de não testar. (E14)
Comunicar a pessoa sobre o teste positivo e já fazer orientação anterior sobre as doenças que vão ser testadas. (E17)
De acordo com dados do Quadro 3, quando perguntados sobre as ações ou responsáveis envolvidos na solução dos problemas, os enfermeiros demonstram, de uma forma geral, que precisam de auxílio para efetivar suas incumbências, já que as soluções exercidas por eles nem sempre têm resultados.
Estudo realizado em Tubarão - SC verificou a necessidade de o município disponibilizar um grupo para capacitar as equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF) que já haviam sido treinadas para aplicação de testes rápidos, mas apresentaram dificuldades na implantação(24), ou seja, foi iniciativa da gestão acabar com problemas relacionados aos testes.
Essa não é a realidade da maior parte dos entrevistados, já que concordam em responsabilizar os gestores do município sobre ações a serem desenvolvidas. Assim, fica evidente o fracasso da comunicação entre os servidores públicos e aqueles que os comandam, configurando uma circunstância a ser melhorada. É fundamental que os enfermeiros possam contar com o auxílio dos administradores de todas as esferas de governo, no sentido de ter um amparo em casos de falta, o que não se assemelha com a realidade, como exemplificam os enfermeiros a seguir:
Prefeitura deveria fazer levantamento da população e mandar quantidade suficiente para manter estoques atualizados, porque a população sexualmente ativa é grande. (E1)
O ideal seria a Prefeitura contratar uma pessoa só para fazer testes rápidos. (E6)
A Prefeitura melhorar a estrutura da unidade, [...] aumentar o quadro de técnicos. (E8)
A prefeitura poderia disponibilizar mais materiais, como luvas, por exemplo. (E12)
A prefeitura poderia capacitar técnicos e os outros profissionais da equipe. (E16)
A gestão poderia incentivar os técnicos de enfermagem a fazer os testes, financeiramente ou não. (E9)
É orientação do Ministério da Saúde que as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde desenvolvam ações com o objetivo de favorecer o alcance da população aos testes rápidos, sendo responsáveis pelo fornecimento dos mesmos para as USFs, além de toda a logística de distribuição dos insumos. Sua função é assegurar que as localidades tenham suporte suficiente para executar o procedimento e atender aos pedidos realizados(10). Entretanto, o cotidiano dos profissionais sugere que tais entidades não estão exercendo suas funções como esperado, visto que os profissionais precisam criar estratégias para prover uma assistência completa, como visto no Quadro 2, e demonstram o desejo de avanços nas ações da gestão, como esclarece o Quadro 3.
As próprias enfermeiras do sul do Brasil seguem os protocolos indicados para testagem nas unidades de referência. Segundo os autores(25), “a qualificação profissional, a sensibilização e a padronização da conduta dos profissionais de saúde são necessárias [..]” para que a equipe de enfermagem exerça suas funções com qualidade. Da mesma forma pensam alguns profissionais do presente estudo, os quais acreditam que a própria equipe de enfermagem, que utiliza muito do senso crítico no cotidiano, tem capacidade para estabelecer artifícios que solucionem os desafios. Fato que respalda a qualificação do profissional ao criar planos, como sugerem:
Cabe a enfermagem coordenar a própria agenda da melhor forma. (E4)
Os enfermeiros da unidade poderiam treinar os técnicos para aplicar os testes, apesar deles também serem sobrecarregados. (E17)
Outro recurso utilizado pelos trabalhadores de Porteiras - CE é o suporte de toda a equipe multiprofissional, visto que demonstram precisar da ajuda dos colegas de equipe a fim de combater determinadas adversidades(19). Tal declaração serve como exemplo de cumplicidade que deve existir entre os funcionários para benefício da comunidade adscrita. É fundamental contar com o auxílio de todo o time, já que o amparo ao paciente só é integral com a colaboração de todos, como sinalizado pelos profissionais:
Outros profissionais deveriam assumir a função também de gestantes e de rotina. (E2)
A própria equipe disponibilizar cesta de lixo, organiza melhor o fluxo para pedir mais kits de testes. (E12)
A equipe pode fazer palestras, educação em saúde. (E14)
Alguns profissionais não atribuem a ninguém a responsabilidade de resolver os problemas citados, ou não conseguem relacionar a ação pensada a alguma entidade. Isso revela o sentimento de frustração e desesperança que pode ser provocado no trabalhador, como observado:
É uma característica do paciente, não tem como mudar ou acabar com isso. (E3)
Ninguém pode fazer nada, não é um grande problema. (E13)
Padronização das marcas de testes. (E15)
Redividir as áreas, porque o PSF abrange uma comunidade maior do que suporta. (E10)
Sensibilizar os outros profissionais do nível superior, que também podem laudar. (E18)
Apenas um dos entrevistados afirmou não ter nenhum tipo de problema relacionado à aplicação dos testes rápidos. O E11 foi o único a mencionar que os técnicos de enfermagem da sua unidade são os responsáveis pela testagem, ou seja, o enfermeiro(a) em questão apenas faz o laudo com o resultado. Dessa forma, não existe sobrecarga, o tempo de consulta não é tão longo e as outras adversidades que possam surgir são minimizadas. É uma medida que pode servir como um parâmetro a ser seguido, validada pela satisfação do profissional percebida na fala:
Os técnicos de enfermagem que fazem os testes [...]. O fato de os técnicos fazerem os testes é muito útil para o município, não deixa o enfermeiro sobrecarregado. (E11)
Diante do exposto, é possível concluir que os testes rápidos para ISTs são uma ferramenta revolucionária da Atenção Básica, fundamental para a manutenção da saúde de toda a população sexualmente ativa atendida. Com o intuito de aprimorar a oferta à comunidade, é preciso ponderar sobre a qualidade do serviço e acatar as estratégias pensadas pelos trabalhadores interrogados, os quais compõem a linha de frente desta atividade e têm urgência em suprir suas privações.
Entende-se que a assistência pré-natal, um dos principais momentos para aplicação dos testes rápidos, precisa ser acessível e de qualidade, a fim de não propiciar consequências graves como a mortalidade materna(26).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os desafios dos profissionais de enfermagem para a implementação e realização dos testes rápidos de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) na Atenção Primária à Saúde são compreendidos como dificuldades pessoais, sobrecarga e dificuldades estruturais. As estratégias desenvolvidas variam entre as técnicas para a coleta do material, manejo da agenda, aguardo da capacitação dos técnicos, improviso com recursos disponíveis, solicitação de novos testes e fechamento de mapa de testes de forma precisa, orientação e educação do paciente. Os resultados indicam que os agentes possuem habilidades críticas suficientes para perceber os percalços que os envolvem e sistematizar ideias para resolução dos mesmos.
O enfermeiro é um profissional comprovadamente sobrecarregado, portanto, entende-se a demanda de melhora estrutural e na distribuição de insumos por parte da gestão, além da descentralização da operação dos testes rápidos, que podem ser efetuados por todo o time.
Espera-se que os futuros profissionais da enfermagem tenham a oportunidade de realizar testes nos pacientes durante a formação acadêmica, para se habituarem à prática. Ademais, verifica-se a necessidade da volta do curso prático para aplicação dos testes, visto que este era o protocolo no início da implementação, mas atualmente a capacitação ocorre apenas pela internet. Com isso, os trabalhadores teriam a oportunidade de passar por avaliação em relação a sua técnica e sanar dúvidas. Ainda assim, é primordial uma “renovação” da capacitação, na qual toda a equipe seria treinada novamente após uma quantidade determinada de anos. Por conseguinte, as possíveis atualizações também farão parte do repertório.
Não houve grandes limitações para realização da pesquisa, pois os responsáveis, de um modo geral, foram receptivos. O principal problema foi marcar entrevistas por telefone, pois as unidades demoraram muito ou não atenderam as chamadas. Entretanto, uma vez que era atendido, não houve grandes complicações para marcar um encontro. Além disso, pelo fato de não existirem muitos estudos específicos sobre a temática, foi desafiador construir comparativos para a discussão.
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Submissão: 05-11-2022
Aprovado: 17-11-2022