ARTIGO ORIGINAL

 

PLANEJAMENTO FAMILIAR: CONHECIMENTO E APLICABILIDADE POR ENFERMEIROS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

 

FAMILY PLANNING: KNOWLEDGE AND APPLICABILITY BY NURSES IN PRIMARY HEALTH CARE

 

PLANIFICACIÓN FAMILIAR: CONOCIMIENTO Y APLICABILIDAD DEL ENFERMERO EN LA ATENCIÓN PRIMARIA DE SALUD

 

https://doi.org/10.31011/reaid-2023-v.97-n.2-art.1602 

 

1Monique Pereira da Silva

2Ana Cláudia de Queiroz

3Andrielly Cavalcante Fonseca

4Maria Clara Soares Dantas

5Edlene Régis Silva Pimentel

6Alana Tamar Oliveira de Sousa

7Glenda Agra

8Elicarlos Marques Nunes

 

1Enfermeira pela Universidade Federal de Campina Grande, campus Cuité, Paraíba, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3497-9064

2Enfermeira pela Universidade Federal de Campina Grande, campus Cuité, Paraíba, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7842-567X

3Enfermeira pela Universidade Federal de Campina Grande, campus Cuité, Paraíba, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2560-0147

4Enfermeira pela Universidade Federal de Campina Grande, campus Cuité, Paraíba, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4206-7954

5Mestrado em sistemas Agroindustrial pela UFCG. Docente da Universidade Federal de Campina Grande, campus Cuité. Paraíba, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000.0003-0352- 5825

6Doutora em Enfermagem. Docente da Universidade Federal de Campina Grande, campus Cuité, Paraíba, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000.0002-1683-2851

7Universidade Federal de Campina Grande, campus Cuité, Paraíba, Brasil. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-7628-9029

8Universidade Federal de Campina Grande, campus Cuité, Paraíba, Brasil ORCID:

 

Autor correspondente

Monique Pereira da Silva

Rua José Bonifácio, nº 622, Bairro do Juá, Guarabira-PB, Brasil - CEP 58200000 83996383627 E-mail: Moniquep175@gmail.com

 

Submissão: 07-12-2022

Aprovado: 19-05-2023

RESUMO

Devido os entraves da gravidez indesejada na adolescência no Brasil, a prática do cuidado familiar é uma atribuição da Equipe de Saúde da Família, assim o Planejamento Familiar (PF) é direito da população amparado pela Constituição Federal.  A Enfermagem desempenha um papel imprescindível nesta atenção. Objetivou-se compreender o conhecimento dos enfermeiros da Atenção Primária à Saúde sobre o PF. Tratou-se de pesquisa exploratória com abordagem qualitativa, desenvolvida no município de Guarabira, Paraíba. A amostra foi composta por enfermeiros que atuam na Estratégia Saúde da Família. Foi utilizado um formulário semiestruturado, analisado pela técnica de Análise de Conteúdo de Bardin em paralelo com a técnica de saturação. Os resultados foram divididos em quatro categorias: PF e sua operacionalidade, Dificuldades na aplicabilidade do PF, Facilidades na aplicabilidade do PF, Capacitações acerca do PF para profissionais de saúde. Reconhece-se a importância de que os gestores de saúde forneçam subsídios para que os profissionais de saúde elaborem estratégias em prol da população, como recursos materiais, recursos humanos e educação permanente.

Palavras-chave: Planejamento Familiar; Saúde da Família; Saúde Reprodutiva; Cuidados de Enfermagem.

 

ABSTRACT

Due to the obstacles of unwanted teenage pregnancies in Brazil, the practice of family care is received by the Family Health Team, thus Family Planning (FP) is a right of the population supported by the Federal Constitution. Nursing plays an important role in this care. The objective was to understand the knowledge of Primary Health Care nurses about FP. It was an exploratory research with a qualitative approach, developed in the municipality of Guarabira, Paraíba. The sample consisted of nurses who work in the Family Health Strategy. A semi-structured form was used, analyzed by Bardin's Content Analysis technique in parallel with the saturation technique. The results were divided into four categories: FP and its operability, Difficulties in the applicability of the FP, Facilities in the applicability of the FP, Training about the FP for health professionals. Recognize the importance of health managers granting credits for health professionals to develop strategies in favor of the population, such as material resources, human resources and permanent education.

Keywords: Family Development Planning; Family Health; Reproductive Health; Nursing Care.

 

RESUMEN

Debido a los obstáculos de los embarazos no deseados de adolescentes en Brasil, la práctica del cuidado familiar es acogida por el Equipo de Salud de la Familia, por lo que la Planificación Familiar (PF) es un derecho de la población avalado por la Constitución Federal. Enfermería juega un papel importante en este cuidado. El objetivo fue comprender el conocimiento de las enfermeras de Atención Primaria de Salud sobre la PF. Fue una investigación exploratoria con enfoque cualitativo, desarrollada en el municipio de Guarabira, Paraíba. La muestra estuvo constituida por enfermeros que actúan en la Estrategia Salud de la Familia. Se utilizó una forma semiestructurada, analizada por la técnica de Análisis de Contenido de Bardin en paralelo con la técnica de saturación. Los resultados se dividieron en cuatro categorías: PF y su operatividad, Dificultades en la aplicabilidad de la PF, Facilidades en la aplicabilidad de la PF, Capacitación sobre la PF para profesionales de la salud. Reconocer la importancia de que los gestores de salud otorguen créditos para que los profesionales de la salud desarrollen estrategias a favor de la población, tales como recursos materiales, recursos humanos y educación permanente.

Palabras clave: Planificación Familiar; Salud de la Familia; Salud Reproductiva; Atención de Enfermería.

 

INTRODUÇÃO

         A Atenção Primária (AP) é o primeiro nível de atenção à saúde caracterizada por um conjunto de ações e estratégias que visam prestar atendimento individual e coletivamente por meio da integração de medidas de promoção, proteção e reabilitação da saúde, prevenção de agravos, da oferta do diagnóstico, tratamento de doenças e cuidados paliativos. A prática do cuidado familiar é uma atribuição da Equipe de Saúde da Família (eSF) por meio da AP pelo qual responde às necessidades básicas de saúde da comunidade juntamente com sua participação. Dentre estes cuidados está a realização do Planejamento Familiar (PF), o qual tem sido discutido no âmbito da Saúde Pública, pois seus entraves trazem sérias consequências políticas e socioeconômicas. (1-2)

Neste ínterim, o Planejamento Familiar é um direito da população amparado pela Constituição Federal no § 7º do art. 226 e pelo projeto de lei 9.263 de 12 de janeiro de 1996 que o regulamenta, estabelece penalidades e dá outras providências em que Planejamento Familiar é entendido como “o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal”.(3)

O enfoque no campo dos direitos reprodutivos e sexuais, atenção obstétrica, combate à transmissão de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), prevenção do aborto, e Planejamento Familiar foram dados na Política de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), reforçando o compromisso do Sistema Único de Saúde (SUS) e Ministério da Saúde (MS) com o bem-estar da população.(4-5)

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do MS, cerca de 1 milhão de pessoas apresentaram diagnóstico de ISTs no Brasil em 2019.(6) Além disso, a gravidez indesejada na adolescência também é uma realidade no país, apresentando a maior taxa de adolescentes e jovens que dão à luz na América Latina e Caribe, com cerca de 930 por dia. Percebe-se, dessa forma, a vulnerabilidade em que a população se encontra e a necessidade urgente de estratégias de saúde que previnam este evento. (7)

No que concerne à concepção, a lei que cria o PF dispõe em seu 9º artigo “Para o exercício do direito ao PF, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitas e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção”. (3)

Assim, os profissionais da saúde têm um importante papel no Planejamento Familiar na transferência de informações, aconselhamento e educação em saúde. (8-9) O enfermeiro, como integrante da eSF, desempenha um papel crucial na prática da atenção, posto que, está centrado na integralidade do indivíduo e não apenas na cura da doença. Desse modo, este deve realizar ações de Planejamento Familiar por meio da garantia da abrangência de orientações e disponibilidade de métodos e técnicas para o controle da fecundidade, bem como, saúde sexual e reprodutiva aos indivíduos e famílias, tanto no domicílio como em espaços comunitários em todas as fases do desenvolvimento humano, acompanhar e manter a continuidade da atenção ao paciente em todos os pontos da Rede de Atenção à Saúde (RAS).(10,5)

Diante disso, este estudo surge a partir da necessidade de qualificar a pratica da assistência da enfermagem frente ao PF no interior paraibano, e facilitar a implementação de práticas que corroborem com a lei 9.263 de 12 de janeiro de 1996.

Dessa forma, o objetivo deste estudo foi compreender o conhecimento dos enfermeiros da Atenção Primária à Saúde sobre o Planejamento Familiar, analisando sua realização por enfermeiros da Atenção Primária à Saúde e averiguando pontos positivos e negativos do PF na população adscrita, sob a óptica dos profissionais.

 

PERCURSO METODOLÓGICO

Trata-se de uma pesquisa exploratória com abordagem qualitativa, na qual são válidas as percepções individuais de cada sujeito da pesquisa, do participante e do pesquisador. Diante dos discursos ao longo da indagação, nenhuma perspectiva é mais importante que a outra, todas são analisadas e desenvolvidas a partir da construção do conhecimento de cada indivíduo, valores, crenças e vivências. (11)

A pesquisa foi desenvolvida nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) do Município de Guarabira, localizada no interior do estado da Paraíba, Brasil, atualmente a sua população é 59.389 mil habitantes, é constituída com 20 UBS e 4 postos âncoras. (12)

A população foi formada por profissionais da Enfermagem que atuam na Atenção Primária à Saúde. A amostragem final foi composta por enfermeiros membros da eSF. Sendo a amostragem do tipo não probabilística por conveniência. Excluiu-se enfermeiros que atuam na eSF mas que estavam em afastamento por férias ou de forma temporária (tirando férias ou licença de outro profissional) por questão de vínculos.

A coleta de dados aconteceu no período de Abril a Maio de 2022, por meio de entrevista semiestruturada, gravada e transcrita, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O instrumento foi composto por 10 perguntas abertas e para cada entrevistado utilizou-se apenas o registro das iniciais dos nomes e sobrenomes, assim se atribuiu a letra “E” de entrevistado seguido de um número que representou a ordem de entrevistas, a exemplo: E1, E2, E3 e assim sucessivamente.

No tocante a técnica utilizada para a análise dos dados foi empregada a de análise de conteúdo de Laurence Bardin, comumente utilizada em estudos qualitativos da área da saúde, que por sua vez, não pode ser quantificado, pois busca enxergar a subjetividade, motivações e atitudes dos participantes, com análise e explicação das relações e os fenômenos que os rodeiam. Além disso, essa técnica possibilita a categorização do conteúdo a fim de facilitar o entendimento das ideias. (13-14)

A técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (2006) (15) é composta por três etapas: I) pré-análise 2) exploração do material e 3) tratamento dos resultados. Paralelamente à análise do conteúdo empregada para desenvolvimento do projeto foi empregada ainda a técnica de saturação. Considerou-se saturada quando, no ponto de vista do autor, o acréscimo de informações torna-se desnecessário devido a grande quantidade de informações repetidas ou redundantes, de modo a não contribuir de forma significativa para o estudo. Dessa forma, a técnica de saturação consiste na interrupção da coleta de dados. (16)

Os procedimentos desse estudo foram norteados pela Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que preconiza a regulamentação ética em pesquisas envolvendo seres humanos no Brasil. Teve o parecer aprovativo e CAAE: 53937621.9.0000.0154 pelo CEP da Universidade Federal de Campina Grande, Campus Cuité - PB.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na pesquisa presente, dos 17 enfermeiros (a) entrevistados, 16 (dezesseis) foram do sexo feminino e um do sexo masculino, a idade dos entrevistados variou entre 28 a 58 anos. O tempo de formação variou de quatro a vinte e cinco anos. Quanto à formação um entrevistado possuía pós-graduação Stricto Sensu em Saúde Pública, um em Saúde Coletiva, e um em Gestão pública da qualidade de saúde. Em pós-graduação Lato Sensu, 14 em Saúde da Família, três em Enfermagem Dermatológica, dois em Enfermagem do Trabalho, dois em Auditoria em Saúde, dois em Terapia Intensiva, e um em: Linhas do Cuidado, Gestão em Saúde, Acupuntura, Saúde Pública, Atenção Domiciliar, Saúde da Criança.

 

1.1    Categoria 1 – Planejamento familiar e sua operacionalidade

Quando perguntado aos entrevistados o que é PF, responderam que é a regulação da fecundidade pelo casal por meio de métodos e técnicas orientados pelo profissional de saúde.

Diálogo aberto com as pessoas, sejam eles homens ou mulheres para pensar o que é que eles querem a curto, médio, longo prazo em relação a estrutura familiar, se quer ter filho se não quer ter filho, e qual o método que eles querem utilizar para que isso seja atingido (E4). É planejar em família tanto a não chegada de uma criança naquele momento quanto à chegada de uma criança quando desejada, e aí fazer todo o preparo, a quanto tempo, tomar ácido fólico, ver se não está com anemia, alguma doença pré-existente, pessoa acima do peso (E17).

 

De acordo com o parágrafo único do artigo 3º da Lei 9.263, de 1996, o PF não se limita apenas a ações de concepção e contracepção, também devem ser elucidados atendimento ao pré-natal, a assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato, o controle das ISTs, o controle e a prevenção dos cânceres cérvico-uterino, de mama, de próstata e de pênis, assim como perspectivas dos direitos sexuais e reprodutivos.(3) Estudo corroborou ao evidenciar que os enfermeiros se baseiam apenas na anticoncepção e não no planejamento familiar como um todo. (17)

Devido à baixa adesão da população ao PF, as ações acontecem por meio de consultas individuais de demanda espontânea e por aproveitamento de outras consultas como pré-natal, citológico e visita puerperal, conforme os discursos abaixo:

Eu não deixo um turno só pra planejamento familiar porque é meio que perdido sabe, porque não vai ter tanta gente, então eu acho que eu conto nos dedos as pacientes que procuram (E3). Por demanda espontânea, aqui tem uma procura boa por citológico, então eu aproveito pra fazer um pouquinho disso (E5).

A gente tem dificuldade em recrutar as pessoas, geralmente a gente consegue quando acompanha no citológico, pré-natal e depois do pré-natal a gente consegue fazer esse planejamento, são pouquíssimas as pessoas que vem aqui querendo iniciar o planejamento, conseguimos contar nos dedos. Mas quando chega uma que quer trocar de receita a gente já aproveita pra tentar inserir. Mas aquelas que vêm pra se programar, iniciar algum método são muito poucas. Mas quando a gente acompanha no pré-natal fica mais fácil de depois recrutar no planejamento familiar (E9).

 

Pesquisadores identificaram em seus estudos que essas ações também acontecem nas agendas de preventivo, pré-natal, puericultura. (18)

Estudo realizado no Rio Grande do Sul identificou que as abordagens nesta ordem acontecem por consultas individualizadas, dependendo somente da enfermeira.(19) Há um contraponto da literatura acerca de qual seria a melhor abordagem entre profissionais e pacientes, se por forma individualiza, a qual evita constrangimento, ou em formato coletivo por meio de reuniões em grupo a qual permite troca de saberes entre profissionais e clientes, e melhor retirada de duvidas.( 19, 20)

Quando perguntado quem realiza o PF dentro da equipe da unidade, a maioria dos entrevistados respondeu que o enfermeiro é o principal mediador dessa assistência, por vezes o único, outrora compactua com a parceria do médico principalmente em algumas situações clínicas.

Sou eu, sempre é o enfermeiro (E1). Eu, o médico da unidade às vezes quando precisa fazer alguma troca de medicamento por exemplo, e quando é um caso mais específico eu encaminho para a ginecologista a exemplo de hipertensas (E15).

A médica sempre faz a primeira receita porque tem que fazer toda uma investigação, se ela tem algum problema, alguma comorbidade, algum problema vascular (E2).

Eu e médico, mas a maioria é pra mim, às vezes quando é uma paciente que tem muito efeito (colateral) é que vão pra ele (E7).

Eu e o médico. Em clientes como hipertensos, adolescentes muito jovens a gente encaminha para a ginecologia na referência (E10).

 

Em estudo, 100% dos enfermeiros relataram ser vistos como referência na realização do PF. (17)

Os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) possuem um papel importante dentro da eSF, pois permite que as demandas da população cheguem aos demais profissionais de forma mais efetiva para intervir junto à comunidade, o que permite a melhor expansão e consolidação da APS.(21) Porém, poucos citaram a participação dos ACS no recrutamento dos pacientes, por vezes esta ação se restringia apenas ao enfermeiro.

Eu, médico, ACS participa na parte de divulgação e comunicação (E13).

Eu, a médica e os ACS e os NASF quando tinha (E17).

 

As ações de PF ocorrem por meio de consultas individualizadas, na oportunidade são repassados os métodos disponíveis, modo de uso, eficácia, riscos. Os métodos disponibilizados segundo os entrevistados são: pílula, minipílula, injetável hormonal, preservativo masculino e feminino, laqueadura tubária e vasectomia, os quais também são os mais conhecidos pelos profissionais. Espermicida, diafragma, implante, anel vaginal e DIU não são ofertados pela Unidade de Saúde da Família. Em consequência disso, quando perguntado quais métodos conheciam os profissionais não possuem conhecimento prático dos métodos que não são ofertados pela unidade, tornando limitado seu conhecimento acerca de outros métodos eficazes.

1.2    Categoria 2 – Dificuldades na aplicabilidade do PF

Quando questionados acerca das dificuldades para a aplicação do PF, as mais citadas pelos entrevistados incluem pouca diversidade de métodos, dificuldades socioeconômicas, cultura da automedicação e localização da farmácia básica.

A escolha dos métodos deve ser livre e de maneira autônoma, de forma segura e confiável para cada fase reprodutiva e situação clínica. A atenção básica se depara com alguns entraves que interrompe a continuidade da assistência. (22) A indisponibilidade dos métodos no serviço de saúde tem repercussão em clientes de menor renda:

Questão da disponibilidade dos métodos mesmo, que nem sempre tem, às vezes você prescreve, elas vão lá e não tem aí tem que comprar (E3). 

As vezes a gente não tem quantidade de preservativo suficiente, a gente tem que entregar racionado que é pra dar pra todo mundo (E9)

.Quando o método está em falta no serviço, o paciente deve arcar com o custo financeiro, isto interfere negativamente quando é um paciente de baixo poder aquisitivo.

A localização da farmácia básica foi considerada um fator que dificulta o acesso

Falta de suprimento muitas vezes, a pessoa não tem condição de comprar, aqui é zona rural e as pessoas têm que ir pegar na cidade, aqui tem farmácia, mas anticoncepcionais não tem (E16).

Eu acho que seria mais fácil se nós tivéssemos aqui a pronta entrega, porque você tem que ir pegar lá na secretaria de saúde, quem mora aqui muitas vezes vai pra lá com a criança no colo, o marido tá trabalhando o dia todo, o horário lá é comercial, na hora que o marido chega em casa lá já está fechado (E6).

Como aqui é distante eu acho que a dificuldade que a gente tem é não ofertar dentro da farmácia básica na unidade, mas isso é uma coisa que vai ser resolvida porque já está sendo providenciado (E13).

A localização geográfica é considerada uma dimensão do acesso, pois pode exigir do usuário transporte, tempo de viagem, custo financeiro. (23)

Em muitos casos o uso de anticoncepcionais acontece de forma indiscriminada por influência de amigos e familiares, o que traz consequências para a saúde. (24) Neste estudo, foi a automedicação sem orientação do profissional foi considerado uma barreira para a aplicação do PF.

Maior dificuldade é essa cultura de quem não tem necessidade de pensar na reprodução ou de cuidar da saúde reprodutiva (E4).

Começa errado por conta própria e aí só quando aparece um efeito colateral vem pra gente corrigir (E7).

Dificuldade é que as pacientes já chegam utilizando algum método, elas não vêm se planejar; quando a gente vai iniciar o pré-natal e pergunta se foi planejado, elas dizem sim, aí suspendem o anticoncepcional sem vir na unidade, sem falar com o profissional, sem iniciar o acido fólico, sem ter feito os exames, sem ter atualizado o cartão de vacina, então ainda é muito difícil pra população entender o que é o planejamento familiar (E9).

O injetável que é pra tomar de 30 em 30 dias ela chega aqui com um mês e meio descontrolando a parte hormonal dela completamente e diz: ah engravidei tomando a medicação, eu digo: você tomou correto? ele não vai fazer milagre (E2).

1.3    Categoria 3 – Facilidades na aplicabilidade do PF

No âmbito das facilidades emergiram 4 pontos: Das ações que facilitam a aplicação do PF estão o Programa Saúde na Escola (PSE); A participação dos ACS no recrutamento dos pacientes; Disponibilidade dos métodos mesmo com pouca diversidade; A ordenação do fluxo dentro da rede de atenção a saúde facilitou a aplicação do PF.

Das ações que facilitam a aplicação do PF está o Programa Saúde na Escola (PSE):

O Programa Saúde na Escola né, a gente levava algumas palestras pra escola, falava sobre planejamento familiar pros adolescentes (E3).

A participação dos ACS no recrutamento dos pacientes:

Meus ACS são muito bons, todos são formados e me dão um suporte muito bom de fazer palestras, de tá junto (E17).

Facilidade aqui são os agentes de saúde daqui sempre comunicam as informações pra as famílias (E16).

Disponibilidade dos métodos mesmo com pouca diversidade:

Acredito que essa dispensação dos métodos ainda seja uma facilidade porque podia nem ter né, embora seja o básico (E4). Facilidade é ter ao alcance as medicações e os preservativos, além dos agentes daqui são ótimos (E12).

A ordenação do fluxo dentro da rede de atenção a saúde facilitou a aplicação do PF:

De facilidade o que melhorou nos últimos meses foi em relação a esterilização cirúrgica porque nunca houve um fluxo bem definido entre atenção básica e rede hospitalar, a gente agia de acordo com informações que a gente sabia de profissionais de lá (rede hospitalar) de como a gente orientaria o paciente, e agora ficou um fluxo organizado porque a gente recebeu como é, tanto eu como o médico temos um impresso que fazemos com o casal, enviamos para o hospital e lá eles dão continuidade (E15).

 

1.4    Categoria 4 - Capacitações acerca do planejamento familiar para profissionais de saúde

O tema planejamento familiar foi abordado no currículo dos cursos de graduação dos entrevistados, porém quanto às capacitações, a maioria dos participantes relatou já terem participado de capacitações cedidas por uma Organizações Não Governamental (ONG), com sede localizada na cidade de João Pessoa-PB, a qual hoje não mais existente. A minoria foi oferecida pelas secretarias, dois relataram nunca terem participado de capacitações acerca desse tema.

Já, quando tinha a ONG tinha uma semana de treinamentos, era muito organizado, sei nem se ainda existe, agora faz muito tempo que eu já tive treinamento de planejamento familiar aqui viu (E3).

Já participei de várias linhas de cuidado, mas de planejamento reprodutivo não (E8).

Faz muito tempo, a última vez que a gente teve capacitação era quando a gente trabalhava com ONG que acho que nem existe mais (E9).

 

É importante que ao prescrever o método contraceptivo ao paciente o profissional deve considerar como idade, quantidade de filhos, tolerância e compreensão ao método, desejo de uma gravidez futura, existência de doenças que podem ser agravas com o uso de algum método, disponibilidade no serviço, eficácia. É importante a indicação de proteção dupla, isto é, uso de preservativo concomitantemente com outro método, a fim de evitar, ao mesmo tempo, a gravidez e a contaminação por ISTs. (25) Para que isso aconteça é necessário que os serviços ofereçam e o profissional obtenha conhecimentos e habilidades adequadas por meio de atualizações sobre a saúde sexual e reprodutiva para um atendimento de qualidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo possibilitou reconhecer que o conhecimento dos enfermeiros sobre planejamento familiar se baseia na fecundidade e quais as potencialidades (pouca diversidade de métodos, dificuldades socioeconômicas, cultura da automedicação e localização da farmácia básica falta de insumos) e fragilidades (participação dos ACSs, disponibilidade de métodos e organização dos fluxos dentro da RAS) permeiam suas ações, sendo eles o principal mediador deste cuidado.

A maioria dos profissionais já participou de capacitações, porém reconhecem que necessitam de mais atualizações. Desse modo, reconhece-se a importância de que os gestores de saúde forneçam subsídios para que os profissionais de saúde elaborem estratégias em prol da população, como recursos materiais, recursos humanos, educação permanente. Identificou-se escassa publicação acerca desse tema, assim faz-se necessário mais evidência científica acerca da atuação do enfermeiro neste cuidado.

 

REFERÊNCIAS

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Fomento e Agradecimento: “Não há”

Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519


Editor Associado: Edirlei Machado dos-Santos. Orcid: 
https://orcid.org/0000-0002-1221-0377

 

Rev Enferm Atual In Derme 2023;97(2):e023091