ARTIGO DE REFLEXÃO

 

SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA BRASILEIRA NO CONTEXTO DAS DOENÇAS CRÔNICAS: UMA REFLEXÃO PARA POLÍTICAS PÚBLICAS

 

HEALTH OF THE BRAZILIAN BLACK POPULATION IN THE CONTEXT OF CHRONIC DISEASES: A REFLECTION FOR PUBLIC POLICIES

 

SALUD DE LA POBLACIÓN NEGRA BRASILEÑA EN EL CONTEXTO DE ENFERMEDADES CRÓNICAS: UNA REFLEXIÓN PARA LAS POLÍTICAS PÚBLICAS

 

 

https://doi.org/10.31011/reaid-2023-v.97-n.2-art.1605 


 

1José Gerfeson Alves

2Carolaine da Silva Souza

3Hilderlânia de Freitas Lima

4Leilane Barbosa de Souza

5Flávia Paula Magalhães Monteiro

6Thiago Moura de Araújo

 

1Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Redenção, CE. Brasil.

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0364-3151 

2Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Redenção, CE. Brasil.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6369-5749

3Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Redenção, CE. Brasil.

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3755-0340

4Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Redenção, CE. Brasil.

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0266-6255

5Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Redenção, CE. Brasil.

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9401-2376

6Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Redenção, CE. Brasil.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8410-0337

 

Autor correspondente

José Gerfeson Alves

Rua Josué Castelo Branco, 170, Centro, Redenção-CE, Brasil, CEP 62790000.

E-mail: gerfesondip@gmail.com

 

Submissão: 09-12-2022

Aprovado: 06-04-2023

RESUMO

Objetivo: refletir sobre a saúde da população negra brasileira no contexto das doenças crônicas e sua relação com as políticas públicas. Método: estudo teórico-reflexivo baseado na literatura científica nacional e internacional, como da percepção e análise crítica dos autores. Resultados: apresentaram-se três categorias: indicadores sociais na cronicidade de doenças na população negra; indicadores de saúde da população negra frente às doenças crônicas; e políticas públicas para a saúde da população negra na cronicidade de doenças. Considerações finais: suscitaram reflexões acerca da implementação de políticas públicas a essa população, bem como apontar as limitações voltadas à prevenção de doenças e agravos e promoção da saúde.

Palavras-chave: Negros. Saúde das Minorias Étnicas. Política Pública.

 

ABSTRACT

Objective: reflect on the health of the Brazilian black population in the context of chronic diseases and its relationship with public policies. Method: theoretical-reflective study based on national and international scientific literature, as well as the authors' perception and critical analysis. Results: three categories were presented: social indicators on the chronicity of diseases in the black population; health indicators of the black population in the face of chronic diseases; and public policies for the health of the black population in the chronicity of diseases. Final considerations: raised reflections about the implementation of public policies for this population, as well as pointing out the limitations aimed at the prevention of diseases and injuries and health promotion.

Keywords: Blacks. Health of Ethnic Minorities. Public Policy.

 

RESUMEN

Objetivo: reflexionar sobre la salud de la población negra brasileña en el contexto de las enfermedades crónicas y su relación con las políticas públicas. Método: estudio teórico-reflexivo basado en la literatura científica nacional e internacional, así como la percepción y análisis crítico de los autores. Resultados: se presentaron tres categorías: indicadores sociales sobre la cronicidad de enfermedades en la población negra; indicadores de salud de la población negra frente a enfermedades crónicas; y políticas públicas para la salud de la población negra en la cronicidad de las enfermedades. Consideraciones finales: planteó reflexiones sobre la implementación de políticas públicas para esta población, además de señalar las limitaciones dirigidas a la prevención de enfermedades y lesiones y promoción de la salud.

Palabras clave: Negros. Salud de las Minorías Étnicas. Política Pública.

 

INTRODUÇÃO

O modo pelo qual os contextos social, econômico, político e cultural influenciam sobre a saúde de uma população são múltiplas e diferenciadas.  Em se tratando da saúde da população negra, o meio ambiente, que exclui e nega o direito natural de pertencimento, determina condições especiais de vulnerabilidade. Nesse sentido, essa população compartilha espaços desiguais na sociedade, incluindo desigualdades ao nascer, viver, adoecer e morrer(1).

Esse cenário de desigualdade permitiu a implementação de novas políticas públicas no Sistema Único de Saúde (SUS), voltadas à população negra e às demais populações em situação de vulnerabilidade. Dessa forma, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) surge como um instrumento de promoção da equidade no âmbito da saúde brasileira(1,2).

Tal política tem como marca o reconhecimento do racismo, das desigualdades raciais e do racismo institucional como determinantes sociais de saúde, além de agregar dados epidemiológicos da declaração de cor na declaração de nascidos vivos(2,3).

Comprova-se nos dados do relatório anual das desigualdades raciais no Brasil, que, mesmo após anos de abolição da escravidão, a população negra sofre com sequelas por ela gerada, tendo menor acesso à saúde, maior probabilidade de morte materna e infantil, vulnerabilidade à violência, além de menor qualidade e expectativa de vida(3).

Sabe-se que, a partir do censo de 2010, a população negra passou a ser a maioria da população brasileira (54%)(4). Considerando a completude de pretos e pardos, observa-se que ocorreu um aumento percentual significativo, 27,6%, superior ao crescimento populacional do Brasil nessa mesma década, que foi de 12,3%, percebendo-se ainda uma variação mais relevante quando se comparam pretos (37,6%) e pardos (26,0%), ou seja, a população negra é mais da metade da população brasileira(1,5).

A saúde da população negra se destaca em virtude do seu aumento significativo devido a autodeclaração sobre raça/cor. A autodeclaração remete à percepção que cada um tem em relação à sua raça/cor, o que implica considerar não somente seus traços físicos, mas também a origem étnico-racial, aspectos socioculturais e a construção subjetiva do sujeito, considerado aspecto importante para a construção de políticas públicas, através da consolidação dos indicadores de saúde que traduzem os efeitos dos fenômenos sociais e das desigualdades sobre os diferentes segmentos populacionais(6).

No contexto epidemiológico, a prevalência das doenças no Brasil vem se modificando nos últimos anos. Apesar de se ainda vivenciar atualmente um período de pandemia mundial do coronavírus, o quadro de doenças infecciosas e parasitárias vem dando lugar a outro cenário: as doenças crônica-degenerativas e doenças evitáveis ganham espaço, por se apresentarem mais prevalentes em indivíduos de raça/cor preta, como hipertensão arterial, diabetes mellitus, doenças falciformes, HIV/AIDS, sífilis gestacional, hepatites virais e tuberculose(6).

Por outro lado, a saúde da população negra também é mais susceptível a algumas doenças genéticas e hereditárias, a exemplo da anemia falciforme. Em face da reincidência desse tipo de anemia, em 2005, foi publicada a Política Nacional de Atenção à Doença Falciforme, a qual contempla e ampara os diagnosticados. Além da anemia falciforme, a deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase apresenta frequência relativamente alta em negros americanos e populações do Mediterrâneo, como na Itália e no Oriente Médio. Somando-se a isso, o câncer de mama também evidencia elevado índice de mortalidade entre mulheres negras e a hipertensão arterial que é mais predisponente à etnia negra(2,6).

Na literatura, estudos na área da saúde que utilizaram a variável raça/cor evidenciaram altos índices de adoecimentos e mortes da população negra devido às doenças crônicas. Diante disso, a proposta do estudo justifica-se pela necessidade de refletir sobre esse cenário, com intuito de tecer evidências das desigualdades persistentes enraizadas em políticas, práticas e crenças culturais racistas que permeiam essa população e, assim, suscitar direcionamentos futuros para o planejamento e a criação de políticas públicas pautados nos indicadores de saúde.

Assim, o estudo tem como objetivo refletir sobre a saúde da população negra brasileira no contexto das doenças crônicas e sua relação com as políticas públicas.

 

MÉTODOS

Trata-se de estudo teórico-reflexivo realizado no período de agosto a outubro de 2022 no decorrer da disciplina saúde e a enfermagem no cenário dos países lusófonos, do programa de pós-graduação em enfermagem da universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (PPGENF/UNILAB), baseado na literatura científica nacional e internacional, como da percepção e análise crítica dos autores.

Para a obtenção dos dados, desenvolveu-se uma revisão de literatura nas bases U. S. National Library of Medicine (PubMed), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), e na biblioteca Scientific Electronic Library Online (SciELO).

A seleção dos descritores deu-se através da consulta aos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), sendo estes: Saúde das Minorias Étnicas (Health of Ethnic Minorities), Doença Crônica (Chronic Disease) e Política Pública (Public Policy), e o termo alternativo Saúde da População Negra (Health of the Black Population).

Instituíram-se como critérios de inclusão: artigos disponíveis na íntegra, em português, inglês e espanhol, publicados nos últimos cinco anos que respondessem à temática do estudo. Considerando esses critérios, foram identificadas seis publicações, e ainda foram incluídas cinco da literatura cinzenta e quatro documentos ministeriais.

Após a leitura dos resumos e compilação dos materiais, os documentos selecionados foram lidos na íntegra, seguidos da análise e identificação dos elementos convergentes para a reflexão. A literatura identificada possibilitou a construção de três categorias temáticas, sendo discutidas conforme as principais políticas públicas brasileiras.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados serão apresentados descritivamente em três categorias, a saber: indicadores sociais na cronicidade de doenças na população negra; indicadores de saúde da população negra frente às doenças crônicas; e políticas públicas para a saúde da população negra na cronicidade de doenças.

 

Indicadores sociais na cronicidade de doenças na população negra

As doenças crônicas ocorrem em qualquer momento da vida e caracterizam-se por sua longa permanência, causadas por múltiplos fatores. No Brasil, esse grupo de doenças representa a maior carga de morbimortalidade, constituindo-se em um problema de saúde pública, considerando as elevadas taxas de mortes, como os impactos negativos na qualidade de vida das pessoas acometidas(7).

A população negra é a mais acometida pelas doenças crônicas e está na base da pirâmide social, apresentando os piores indicadores socioeconômicos, com comprometimento da evolução clínica e prognóstico(8). Assim, o conhecimento da situação de saúde dessa população é o primeiro passo para planejar ações e programas que reduzam a ocorrência e a gravidade das doenças crônicas(9).

Logo, é necessário o monitoramento dessas desigualdades com políticas públicas de saúde, priorizando ações de promoção da saúde e prevenção de agravos, além de ampliar e melhorar a capacidade de acesso e oferta aos serviços de saúde para o diagnóstico e tratamento(9).

Dessa forma, a população negra possui particularidades genéticas e culturais que podem sofrer consequências mais significativas na saúde(10). Destacam-se como fatores de risco para o desenvolvimento e/ou agravamento de doenças crônicas, os fatores sociais como discriminação racial, péssimas condições de trabalho, baixa escolaridade, pobreza e as restrições no acesso aos serviços de saúde. A população negra, historicamente, está acometida por esses fatores sociais(7).

O Ministério da Saúde preconiza que os determinantes sociais, as desigualdades sociais, as diferenças no acesso aos bens e serviços, a baixa escolaridade e as desigualdades no acesso à informação, além dos fatores de risco modificáveis, como tabagismo, consumo de bebida alcoólica, inatividade física e alimentação inadequada possuem agregação direta com as doenças crônicas. Desse modo, percebe-se que as doenças crônicas afetam fortemente as camadas mais pobres da população e os grupos vulnerabilizados, como a população negra(11).

As iniquidades em saúde experienciadas pela população negra no Brasil, derivam-se de um processo histórico e social produzido por um somatório de privações nas condições de vida, que se estrutura com base no racismo, diferenças na estratificação de status de poder e privilégios no acesso de bens e serviços. Nesse sentido, considera-se fundamental a discussão dessas iniquidades, nos fatores que condicionam ou determinam diferenças sociais nas condições de saúde, como a distribuição desigual de riquezas em nossa sociedade, diferenças de gênero e de raça/cor(11).

As disparidades em saúde associam-se às altas taxas de morbimortalidade de doenças crônicas à população negra. Esse resultado indica que as baixas condições socioeconômicas culminam em padrões de vida e dietas pobres, menor acesso aos serviços de saúde, exposição a poluentes e estressores ambientais, níveis diminuídos de alfabetização e aumento da probabilidade de comportamentos não saudáveis, como tabagismo, consumo de álcool e baixa atividade física(12).

Estudos apontaram que os indicadores sociais em saúde possuem relação direta no desenvolvimento das doenças crônicas, como a suas comorbidades e maiores taxas de mortalidade, desse modo, estes devem ser considerados, principalmente na população negra que possuem os piores indicadores(13,14).

É válida a necessidade de melhorar a prestação de serviços de saúde a essa população mediante o desenvolvimento de ações que visem à promoção da saúde e à prevenção de agravos, conforme preconiza a PNSIPN, que propõe a garantia da efetivação do direito humano à saúde, deve-se incluir ações de cuidado, atenção, promoção à saúde e prevenção de doenças, bem como de gestão participativa, participação popular e controle social, produção de conhecimento, formação e educação permanente para trabalhadores de saúde, visando à promoção da equidade em saúde da população negra(2).

Refletir sobre o comprometimento do acesso da população negra aos serviços de saúde é necessária, em vista ao impacto dessa situação na qualidade de vida desses sujeitos e na capacidade de participação em ações preventivas de doenças e agravos em saúde(5).

Diante do que foi exposto, pode-se observar que os indicadores sociais contribuem de certa forma para o acompanhamento e orientação, da formulação de políticas públicas relacionados a essa população, de acordo com os indicadores mencionados no presente artigo. Dessa forma proporcionando informações importantes para uma melhor saúde integral oferecida a população negra com acessibilidade nos serviços de saúde.

 

Indicadores de saúde da população negra frente às doenças crônicas

Os indicadores de saúde são o quantitativo de incidência de doenças, agravos e óbitos, permitindo a confrontação dos dados em saúde entre regiões e populações distintas(15). Assim, a ausência de registro ou a carência de quaisquer critérios de classificação sobre cor/raça, ou etnia transpassam a relativa falta de conhecimentos sobre os indicadores de saúde na população negra. A relevância política do saber sobre as circunstâncias de saúde desse importante segmento da população, está condicionada à existência de informações e à forma como as mesmas são registradas e coletadas(16).

Os determinantes socioambientais e os estilos de vida são fatores que podem instigar diretamente as condições de saúde da população. Assim, entende-se que a saúde é consequência de uma diversidade de aspectos associados à qualidade de vida, incluindo padrões apropriados de alimentação, habitação e saneamento, como também possibilidades de educação ao longo da vida, estilos de vida adotados, acesso à assistência à saúde(17).

A partir das condições continentais e das diferenças sociodemográficas, econômicas e étnico-raciais do Brasil, atividades de rastreio das diferentes regiões e populações são fundamentais para o adequado enfrentamento dos diferentes quadros epidemiológicos. Dessa forma, os indicadores de saúde, conforme os grupos étnico-raciais, mostraram pior situação para grupos negros, com destaque as comunidades quilombolas(18).

Autores(8) destacaram a predominância de casos da doença entre pacientes residentes da zona rural e distantes das cidades, fato recorrente a população negra, situação que associa-se ao pior prognóstico, visto que a distância territorial prejudica o seguimento ambulatorial, trazendo uma adesão insatisfatória ao tratamento e ao manejo inadequado das complicações agudas.

A doença tuberculose representa um sério problema de saúde pública e possui relação direta com a pobreza. Entre 2004 e 2013, a taxa de incidência foi maior na população indígena, seguida pela taxa da população negra. Já à hanseníase, observa-se prevalência nas populações negra, parda e indígena em relação às outras populações(2).

Estudos epidemiológicos realizados em comunidades quilombolas no período de 2012 a 2014 identificaram um elevado índice de doenças crônicas em adultos. Nessa pesquisa, 87,8% apresentaram problemas crônicos associados ao sistema digestivo e 48,8% demonstraram algum nível de pré-hipertensão ou hipertensão arterial. Outro estudo realizado no estado da Bahia observou que quase a metade, 45,4% dos quilombolas avaliados mostraram hipertensão arterial e que essa condição estava associada com idade elevada, baixa escolaridade e má situação econômica(7).

Nesse contexto, a prevalência da hipertensão arterial nas comunidades quilombolas têm variado entre 38,4% e 45,4%, apresentando um índice percentual maior que o da população geral do Brasil. Os fatores de risco para progresso e agravo dessa doença são dislipidemia, obesidade abdominal, intolerância à glicose, diabetes mellitus, além de causas modificáveis como os determinantes socioeconômicos e o acesso inadequado aos cuidados de saúde. Desse modo pode causar danos permanentes aos indivíduos mediante o surgimento de doenças cardiovasculares, cerebrovasculares e renais(17).

Mediante os estudos, o câncer de mama também é uma das doenças crônicas que acometem a população negra. Em contrapartida, a maioria dos casos observados foi de pacientes da raça branca (46,4%). Dessa forma, os resultados dos estudos analisados foram bem diversos, discordando de outros estudos que mostram a raça negra como principal etnia associada ao câncer de mama, além de, ter o pior prognóstico quando comparada a outros grupos étnico-raciais. Porém, devido ser uma população com poucas oportunidades nos serviços de saúde, a causa de morte é maior nesta população comparado a população branca. Apontando como possíveis causas o diagnóstico tardio da doença, o acesso mais dificultado aos exames de rastreio e à assistência terapêutica(19).

Estima-se que entre 70% e 85% da população manifestará algum sintoma de doença crônica durante a vida. Todavia, ainda há divergências quanto à predominância e seus fatores predisponentes, principalmente quando consideradas as características étnico-raciais(18).

Ademais a proporção de pacientes que não fazem constantemente os exames de rotina e de rastreio para as complicações crônicas, contrariando as normas propostas pelo Ministério da Saúde para seguimento ambulatorial e manejo das complicações da doença. Por outro lado, muitas pessoas não conseguem realizar os exames, devido à falta de acesso ao serviço de saúde, sendo o caso da população negra. Assim, a detecção precoce de anormalidade indica medidas terapêuticas que reduzem o risco do evento em 92%(8).

Ainda, cita-se a anemia falciforme, doença hereditária mais comum do Brasil, originando uma hemoglobina anormal, chamada de hemoglobina S (HbS), que substitui a hemoglobina A (HbA) nos indivíduos acometidos as infecções que podem estar direta ou indiretamente ligadas como causa de morte em cerca de 62% dos óbitos de pacientes, nos primeiros 10 anos de vida(16).

Em contrapartida, o Ministério da Saúde entende que a situação de iniquidade e vulnerabilidade afeta a saúde da população negra e reconhece que o racismo vivenciado pôr a mesma incide negativamente nesses indicadores, comprometendo o acesso aos serviços públicos de saúde, já que a boa qualidade da saúde gera condições para a inserção dos sujeitos nas diferentes esferas da sociedade(2).

 

Políticas públicas para a saúde da população negra na cronicidade de doenças

As Políticas Públicas são ferramentas de aquisição de resultados, pensadas, planejadas, construídas e aplicadas de forma efetiva e racional para a resolução dos problemas da população, priorizando o bem-estar social(20). Em contrapartida, apesar do avanço na implantação e implementação dessas, voltadas para as populações negras, as evidências científicas mostram fragilidades frente ao que é preconizado, em políticas específicas como a PNSIPN e Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme, e o perfil das condições de vida e saúde observados(7).

A PNSIPN possui como propósito a garantia da equidade no que refere à efetivação do direito humano à saúde em seus aspectos de promoção, prevenção, atenção, tratamento e recuperação de doenças e agravos transmissíveis e não transmissíveis, incluindo os de maior prevalência(2). Essa política não está sendo implementada como deveria, tendo em vista que a população negra ainda encontra-se invisibilizada quanto aos seus direitos em saúde, logo, tornam-se necessárias ações efetivas que visem à mudança dessa realidade(20).

Segundo o IBGE, em 2019, 56,1% dos brasileiros se autodeclaram negros ou pardos, desse modo, a maioria da população necessita dessas políticas. As políticas públicas demandam viabilizar os direitos sociais constitucionalmente garantidos, especialmente na área da saúde, assegurando o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde, contemplando as especificidades da população negra(9).

Na contemporaneidade, observamos que não se tem avançado frente às políticas públicas destinadas à saúde da população negra. Embora haja a existência de leis, portarias e instrumentos normativos que as orientam, faltam investimentos que garantam a equidade e o cumprimento dos direitos à saúde no Brasil dessa população.

Para a eliminação das disparidades raciais na saúde e a produção de respostas adequadas para a promoção de saúde da população negra requerem o desenvolvimento de ações afirmativas em diferentes níveis, implicando o estabelecimento de medidas singulares, baseadas em diagnósticos aprofundados aos quais devem fundamentar o desenho de processos, protocolos, ações e políticas específicos segundo as necessidades e particularidades dessa população(2).

Essas mudanças devem conseguir alterar as formas de atuação cotidiana tanto quanto os processos de planejamento, monitoramento e avaliação, e de envolver ações em três diferentes níveis ou oportunidades, sendo: acesso e utilização; processos institucionais internos; resultados das ações e políticas públicas(20).

Faz-se necessário a garantia de atenção integral à saúde da população negra, por meio de políticas, programas e ações específicas articuladas à política universal de saúde, ou seja, o Sistema Único de Saúde (SUS). Desse modo, defendemos uma concepção de política universal que garanta a todos o direito à saúde, sem perder de vista as diferenças entre os sujeitos que possuem necessidades específicas referentes aos processos de saúde-doença e aos cuidados(15).

Os resultados evidenciados apontam para necessidade de assistência em saúde à população negra, e serve como parâmetro para os governantes brasileiros desenvolverem estratégias de saúde condizentes com as necessidades das comunidades Étnico-Raciais(3).

A morbimortalidade pelas doenças crônicas é predominante e de padrão socioeconômico no Brasil, e associado à população negra. Dito isto, é fundamental intervenções para prevenir e gerenciar essas disparidades com ações direcionadas a essa população, que possui exposição a fatores de risco e enfrentam maiores barreiras no acesso à saúde(12).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabe-se que a história da população negra é pautada pela exclusão social, resultante das práticas racistas em nossa sociedade, que se atualizam e perpetuam com o passar do tempo. Refletir sobre doenças crônicas nesta população considerada vulnerável, tanto em sua condição de vida e saúde, não é uma tarefa fácil, pois ainda há diversos fatores sociais que determinam o estado de saúde desses sujeitos, destacando a iniquidade das condições de saúde no cenário brasileiro.

Nesse sentido, observam-se avanços acerca da elaboração de políticas públicas voltadas para essa população; contudo, ainda há fragilidades na implementação das mesmas. Os achados deste estudo podem suscitar reflexões acerca dos serviços prestados a essa população, bem como apontar as limitações voltadas à prevenção de doenças e agravos e promoção da saúde. Além disso, sensibilizar profissionais de saúde acerca das marcas do racismo institucional nos serviços de saúde brasileiros, que ainda não romperam efetivamente as barreiras de acesso, não oferecendo cuidados em saúde direcionados aos grupos étnicos/raciais em suas especificidades e demandas.

Como limitações, destaca-se a carência de evidências científicas sobre políticas públicas destinadas à população negra. Contudo, os dados apresentados neste estudo reflexivo podem subsidiar pesquisas subsequentes e contribuir na formulação e gestão de políticas públicas adequadas às necessidades expressas em saúde da população negra brasileira.  

 

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Fomento e Agradecimento: Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Não há agradecimentos.

 

Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519



Rev Enferm Atual In Derme 2023;97(2):e023052