ARTIGO DE REVISÃO INTEGRATIVA

 

AUTONOMIA DO ENFERMEIRO NO TRATAMENTO DE FERIDAS: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

 

NURSES' AUTONOMY IN WOUND TREATMENT: INTEGRATIVE LITERATURE REVIEW

 

AUTONOMÍA DEL ENFERMERO EN EL TRATAMIENTO DE HERIDAS: REVISIÓN INTEGRADORA DE LA LITERATURA

 

https://doi.org/10.31011/reaid-2024-v.98-n.2-art.1635

 

¹Alessandra da Rocha Magalhães*

² Alana Braga Sportitsch

³ Alcione Matos de Abreu

 

¹Enfermeira pela Universidade de Nova Iguaçu- UNIG, Residente de Enfermagem em Clínica Médica e Cirúrgica pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro- UNIRIO, Rio de Janeiro, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4786-5899.

² Enfermeira pela Universidade do Grande Rio- UNIGRANRIO, Residente de Enfermagem em Clínica Médica e Cirúrgica pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro- UNIRIO, Rio de Janeiro, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6422-595X.

³ Enfermeira pela Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa EEAAC/Universidade Federal Fluminense UFF, Mestrado Acadêmico em Enfermagem pelo Programa de Pós Graduação em Ciências do Cuidado em Saúde MACCS/ da Universidade Federal Fluminense/ UFF , Doutorado Acadêmico pelo Programa de Pós Graduação em Ciências do Cuidado em Saúde PACCS da Universidade Federal Fluminense/UFF,  Professora do Departamento Médico Cirúrgica da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro- UNIRIO RJ. Membro do Grupo de pesquisa: CICATRIZAR, Rio de Janeiro, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6078-7149.

 

Autor correspondente *

Alesssandra da Rocha Magalhaes

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Av. Pasteur, 296 - Urca, Rio de Janeiro - RJ, Brasil CEP 22290-250.

E-mail: alleerochamagalhaes@gmail.com

 

Submissão: 09-01-2023

Aprovado: 25-02-2024

 

RESUMO

OBJETIVO: Analisar as produções científicas sobre a autonomia do enfermeiro frente ao tratamento do paciente com feridas. METODOLOGIA: Trata-se de uma Revisão Integrativa da Literatura realizada em setembro de 2022, nas bases de dados eletrônicas: LILACS, BBDENF via BVS e na SciELO, utilizando os seguintes descritores: Cuidados de Enfermagem; Ferimentos e Lesões; Autonomia Profissional e Cicatrização de Feridas. Para a busca dos artigos utilizou-se o recorte temporal de 2010 a 2022, e selecionou-se os artigos que responderam a pergunta do estudo. RESULTADOS: Foram selecionados 05 artigos, os mesmos foram organizados em duas categorias para analise: 1ª- Atuação e Autonomia do Enfermeiro frente ao processo de tratamento e recuperação de feridas e 2ª- Autonomia do Enfermeiro fundamentada na legislação do exercício profissional com o foco no tratamento de feridas. CONCLUSÃO: Apesar de existirem resoluções que discursam sobre a autonomia do trabalho dos enfermeiros que tratam pacientes com feridas, muitos enfermeiros desconhecem essas resoluções do COFEN. A falta deste conhecimento, impacta diretamente nas ações/intervenções do enfermeiro no tratamento do paciente com feridas. As práticas clínicas relacionadas a prevenção e ao tratamento das feridas realizadas pelo enfermeiro, devem ser atualizadas e baseadas em evidências científicas.

Palavras- Chaves: Cuidados de Enfermagem; Ferimentos e Lesões; Autonomia Profissional; Cicatrização de feridas.

 

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze scientific productions on nurses' autonomy in the treatment of patients with wounds. METHODOLOGY: This is an Integrative Literature Review carried out in September 2022, in the electronic databases: LILACS, BBDENF via VHL and SciELO, using the following descriptors: Nursing Care; Wounds and Injuries; Professional Autonomy and Wound Healing. To search for articles, the time frame from 2010 to 2022 was used, and articles that answered the study question were selected. RESULTS: 05 articles were selected, they were organized into two categories for analysis: 1st - Nurse's Performance and Autonomy in the process of treatment and recovery from wounds and 2nd - Nurse's Autonomy based on the legislation of professional practice with a focus on treatment of wounds. CONCLUSION: Although there are resolutions that discuss the work autonomy of nurses who treat patients with wounds, many nurses are unaware of these COFEN resolutions. The lack of this knowledge directly impacts the nurse's actions/interventions when treating patients with wounds. Clinical practices related to the prevention and treatment of wounds carried out by nurses must be updated and based on scientific evidence.

Keywords: Nursing Care; Wounds and Injuries; Professional Autonomy; Wound healing.

 

RESUMEN

OBJETIVO: Analizar las producciones científicas sobre la autonomía del enfermero en el tratamiento de pacientes con heridas. METODOLOGÍA: Se trata de una Revisión Integrativa de la Literatura realizada en septiembre de 2022, en las bases de datos electrónicas: LILACS, BBDENF vía BVS y SciELO, utilizando los siguientes descriptores: Atención de Enfermería; Heridas y Traumatismos; Autonomía Profesional y Curación de Heridas. Para la búsqueda de artículos se utilizó el período de tiempo de 2010 a 2022 y se seleccionaron los artículos que respondieran a la pregunta de estudio. RESULTADOS: Se seleccionaron 05 artículos, organizados en dos categorías para su análisis: 1º - Actuación y Autonomía del Enfermero en el proceso de tratamiento y recuperación de las heridas y 2º - Autonomía del Enfermero basado en la legislación de la práctica profesional con enfoque en el tratamiento de las heridas. . CONCLUSIÓN: Si bien existen resoluciones que discuten la autonomía laboral de las enfermeras que atienden a pacientes con heridas, muchas enfermeras desconocen estas resoluciones del COFEN. La falta de este conocimiento impacta directamente las acciones/intervenciones del enfermero en el tratamiento de pacientes con heridas. Las prácticas clínicas relacionadas con la prevención y tratamiento de heridas realizadas por enfermeras deben estar actualizadas y basadas en evidencia científica.

Palabras Clave: Atención de Enfermería; Heridas y Lesiones; Autonomía Profesional; Cicatrización de la herida.

 

 

INTRODUÇÃO

De acordo com os principios fundamentais do código de ética dos profissionais, o Enfermeiro deve atuar com autonomia e em consonância com os preceitos éticos e legais, técnico-científico e teórico-filosófico, ele exerce suas atividades com competência para a promoção do ser humano na sua integralidade, de acordo com os Principios da Ética e da Bioética(1).

Atualmente, há um grande interesse dos enfermeiros na área do tratamento de feridas crônicas, sendo uma especialidade, que, cada dia exige mais conhecimento para a atuação, o que contribui para uma prática profissional mais autônoma, visível e valorizada(2).

O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) por meio da Resolução 567/2018(3) regulamenta e amplia a atuação do enfermeiro nessa área, sendo responsável por avaliar, prescrever e executar cuidados à pessoa com ferida, bem como coordenar e supervisionar a equipe de enfermagem em ações de promoção da saúde, prevenção, tratamento e reabilitação, além de ter autonomia para abertura de Clínica/Consultório de Prevenção e Cuidados de pessoas com feridas, respeitadas as competências técnicas e legais. Para isso, lança mão do uso de recursos e novas tecnologias que irão impactar positivamente a vida das pessoas com lesões cutâneas e seus familiares(3).

É considerado autônomo o enfermeiro que age com consciência de seus espaços de atuação e visa tanto a própria satisfação como a daqueles que usufruem de seu trabalho, considerando a relevância de suas ações para as pessoas, os processos de trabalho e os serviços de saúde(4).

O enfermeiro e a equipe de enfermagem têm capacidade de intervir na definição de prioridades assistenciais. O exercício da autonomia, no entanto, fundamenta-se em crenças do indivíduo e é influenciado por aspectos socioculturais, uma característica importante, visto que a convivência com lesões crônicas é justamente um fator de interferência nas relações sociais, laborais e até mesmo familiares(2).

O trabalho do enfermeiro que trata pacientes com feridas é compartilhado com atividades de outras categorias da saúde, porém quando o cuidado a esta clientela não é realizado de forma interdisciplinar e com fluxos bem delimitados, pode gerar impactos diretos na autonomia do enfermeiro, inclusive na tomada de decisão e resolução de problemas dentro do seu espaço de atuação/consulta de enfermagem(5).

A utilização de protocolos clínicos confere maior autonomia, organização e sistematização da assistência ao paciente portador de ferida crônica, para que assim sejam respaldadas as condutas de avaliação, diagnóstico, planejamento, cuidado, tratamento, evolução da ferida e registro de todos os dados do paciente(6).

A aplicação do processo de enfermagem, com a identificação dos diagnósticos, resultados e intervenções de enfermagem, são fundamentais para se realizar uma assistência de enfermagem diferenciada, adequada às necessidade individuais de cada paciente e pautada no racíciocinio clínico para a tomada de decisão(7).

Dessa forma, ressalta-se a importância do enfermeiro que trata pacientes com feridas, se empoderar das suas habilidades, conhecimentos científicos e técnicos, mas também conhecer as limitações relacionadas a sua categoria. Com isso, o enfermeiro consegurirá exercer com segurança e com autonomia a tomada de decisão relacionada ao cuidado integral do paciente com feridas.

Esta revisão objetivou a responder à seguinte pergunta de pesquisa: O enfermeiro apresenta autonomia para tratar feridas?

Frente a todo exposto, este estudo tem por objetivo analisar as produções científicas sobre a autonomia do enfermeiro frente ao tratamento do paciente com feridas.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo realizado por meio de revisão integrativa da literatura. Este método de investigação viabiliza a busca, avaliação crítica e a síntese das evidências disponíveis sobre o tema. Para que seja realizada a revisão integrativa de literatura é necessário que o pesquisador siga as seis etapas inerentes a esse método(8).

A revisão integrativa possui as seguintes etapas: estabelecimento da questão de pesquisa; critérios de inclusão e exclusão; categorização e avaliação dos estudos; interpretação dos dados e síntese do conhecimento(8).

Na primeira etapa foi realizada a escolha da temática de pesquisa e a delimitação da questão que norteou a revisão integrativa. Em seguida, houve o estabelecimento dos critérios de inclusão e de exclusão dos estudos e a busca na literatura(8).

A partir do levantamento dos problemas, surgiram a seguinte questão de pesquisa: O enfermeiro apresenta autonomia para tratar feridas?

A pergunta de pesquisa foi elaborada por meio da estratégia PICo, em que P: corresponde aos participantes, no caso os Enfermeiros, I: fenômeno de interesse, Autonomia do Enfermeiro, Co:  contexto do estudo, que é área do tratamento de feridas.

Foram considerados os seguintes critérios de inclusão: Período de 2012 a 2022; artigos publicados em português; que fossem localizáveis com os descritores: cuidados de enfermagem; ferimentos e lesões; autonomia profissional; cicatrização de feridas. Como critério de exclusão, optou se pela eliminação dos artigos que não estivessem em conformidade com os objetivos do estudo e aqueles indisponíveis para leitura na integra.

Os dados sobre o tema foram levantados nas bases de dados: literatura latino americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Base de Dados de enfermagem (Bdenf), acessadas através da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Google Acadêmico. Após o cruzamento dos descritores com a palavra-chave utilizando o operador booleano AND, foi verificado o quantitativo de textos que atendessem às demandas do estudo. Foram utilizados os descritores selecionados após consulta aos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), com a combinação dos operadores boleanos “cuidados de enfermagem” AND “ferimentos e lesões”, “autonomia profissional” AND “tratamento de feridas”, “cuidados de enfermagem” AND “autonomia profissional” AND “cicatrização de feridas”.

A partir da combinação desses descritores, foram localizados um total de 223 artigos. Foram incluídos artigos disponíveis na íntegra e com data de publicação entre os anos de 2012 ao ano de 2022, que resultou em 199 artigos. 

Após a leitura do título e resumo dos artigos filtrados, foram selecionados os artigos que atenderam aos objetivos do trabalho, e foram selecionados 05 artigos.

Na terceira etapa ocorreu a categorização dos estudos com objetivo de agrupá-los de maneira clara para facilitar a compreensão dos tópicos abordados. Para organizar os estudos foi confeccionada uma tabela com as seguintes variáveis: ano de publicação, base de dados, periódico título do artigo e principais resultados (síntese).

Na quarta etapa foi realizada a avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa. A interpretação dos resultados, quinta etapa deste estudo, foi composta pela discussão dos resultados da pesquisa.

Na sexta e última etapa foi apresentada a revisão/síntese do conhecimento. Essa etapa consiste na elaboração do documento que deve conter as etapas percorridas pelo revisor para o alcance dos resultados. Entre as produções encontradas foram selecionadas apenas aquelas que passaram pelo crivo dos critérios de inclusão e exclusão deste estudo.

RESULTADOS

Baseado nos resultados dos 05 artigos selecionados foram encontradas peculiaridades especificas entre os artigos referente a atuação do enfermeiro no tratamento de ferida e de sua autonomia como profissional, através desses estudos descritos no quadro I podemos detalhar a importância do enfermeiro para as etapas da cura do paciente.  A seguir será apresentado o quadro 1 com a síntese dos estudos incluídos nesta revisão.


 

 

Quadro 1 - Quadro-síntese com os principais resultados por ano, base de dados, revista, título do artigo e resultados

Ano Base de Dados Autores

Revista

Objetivo do estudo

Tipo de estudo

Titulo de Artigo

Resultados

2013 Lilacs

 

Vieira (9).

Revista de Pesquisa: Cuidado é fundamental online

Identificar os tópicos trabalhados pelos professores de enfermagem sobre prevenção e tratamento de feridas e analisá-los sob a perspectiva ética e de autonomia profissional

Pesquisa descritiva qualitativa

O ensino e a autonomia do enfermeiro na prevenção e no tratamento de feridas

Constata-se que as legislações são ferramentas primordiais e essenciais para o profissional enfermeiro implementar sua autonomia e buscar subsídios para sua prática com todo respaldo ético legal, dispondo ao cliente portador de feridas qualidade e segurança.

2015 Bdenf

 

Brum, et al (6).

Revista de Enfermagem  da UFSM

Conhecer   se   os enfermeiros  utilizam  os  protocolos  no  cuidado  aos  usuários  com  feridas  crônicas  e  se  os identificam como instrumentos de promoção da autonomia profissional

Estudo prognóstico

Protocolo de Assitencia de enfermagem a pessoas com feridas como instrumento para autonomia profissional

Os enfermeiros, embora entendam o significado da autonomia no cuidado com feridas, poucos aplicam os protocolos existentes e,ocasionalmente exercitam sua autonomia.

2017 Bdenf

 

Silva (2)

Revista Cubana de Enfermagem

analisar as representações sociais elaboradas por enfermeiros acerca de sua autonomia profissional na prevenção e tratamento de feridas.

Estudo prognóstico / Pesquisa Qualitativa

Representações sociais de autonomia profissional do enfermeiro na prevenção e tratamento de feridas

Os enfermeiros afirmam que para ter autonomia profissional no cuidado a feridas é necessário adquirir conhecimentos técnicos e científicos pertinentes as coberturas.

2021 Lilacs

 

Silva Filho, et al (4)

Revista Bioética

Refletir sobre a autonomia do enfermeiro no cuidado à pessoa com lesão crônica.

Estudo prognóstico

Autonomia do enfermeiro no cuidado à pessoa com lesão crônica

A autonomia do enfermeiro é essencial nas áreas afins ao cuidado da pessoa com lesão de pele. Desse modo, as reflexões teórico-conceituais sobre ética, bioética e direito tornam-se ainda mais necessárias. Tais reflexões são fundamentais para garantir a segurança e o bem-estar do paciente, oferecendo-lhe uma assistência integral, sistematizada e livre de danos.

2021 Lilacs

 

Oliveira, et al (10)

Revista Nursing

Descrever as ações do enfermeiro no atendimento ao 

Revisão Sistemática

Ações de enfermagem na atenção ao portador de feridas na atenção básica em saúde

O enfermeiro deve  respaldar  a  autonomia e exercer papel de acompanhamento e  orientação  das  práticas  desenvolvidas  pelo  usuário  e  família  através  do  uso  da  tecnologia  de  educação  em  saúde .

Fonte: Elaborado pelos autores, 2024.

 


DISCUSSÃO

De acordo com os dados levantados e apartir dos artigos selecionados, escolheu-se duas categorias: 1ª- Atuação e Autonomia do Enfermeiro frente ao processo de tratamento e recuperação de feridas e 2ª - Autonomia do Enfermeiro fundamentada na legislação do exercício profissional com o foco no tratamento de feridas.

Categoria 1: Atuação e Autonomia do Enfermeiro frente ao processo de tratamento e recuperação de feridas.

 

O termo "autonomia" pode ser entendido como competência humana em seguir suas próprias leis, ou, ainda, a ser exercida por pessoa capaz de fixar as normas de sua conduta, sendo esta diretamente relacionada à personalidade de cada um e proporcionada pela valorização do seu trabalho(11).

Relata-se que, a expressão da autonomia profissional do enfermeiro pode ser compreendida quando este(12), dotado de independências moral e intelectual, usufrui da capacidade de governar-se pelos próprios meios e toma decisões livremente, estabelecendo sua prática individual ou coletiva(12). A autonomia profissional pressupõe competência e liberdade para se proceder às escolhas conscientes, dentre as opções possíveis.

Com a evolução da enfermagem, necessitou-se aprofundar igualmente as questões relacionadas à sua autonomia. Este tema é de importante compreensão da profissão ao longo do tempo, tanto na definição de seus desafios e objetivos, quanto na forma como os enfermeiros se relacionam e se apresentam para a equipe de saúde e para a sociedade(9).

O Enfermeiro sempre esteve inserido no cuidado de lesões de pele desde o surgimento da profissão. O papel desse profissional não se dá apenas na execução de curativos, visto que, o cuidado com feridas é uma atividade intrínseca do cotidiano do enfermeiro. Por essa razão o enfermeiro deve estar preparado para assumir o processo do cuidar e do cuidado com autonomia, exercitando a prática do cuidado, ainda que, em alguns aspectos exista interdependência com o trabalho médico, em muitos outros aspectos as ações são independentes (2).

O enfermeiro têm capacidade de intervir na definição de prioridades assistenciais. O exercício da autonomia, no entanto, fundamenta-se em crenças do indivíduo e é influenciado por aspectos socioculturais. Pacientes com lesões se tornam mais vulneráveis a situações como desemprego, abandono e isolamento social, que prejudicam planos de vida e geram sentimentos de tristeza, ansiedade, raiva e vergonha. Tudo isso afeta o estado de equilíbrio, a autoimagem e a autoestima do indivíduo (4).

A temática ferida remete a diversos problemas de ordem de saúde pública no Brasil, especialmente pelas complicações e alto custo envolvidas no seu gerenciamento   e tratamento. Estudos apontam que pessoas portadoras de feridas podem desenvolver algum tipo de complicação de ordem física ou emocional ao longo da vida e que a educação em saúde promovida pelos enfermeiros é algo essencial, pois o diálogo e a interação são as principais formas de construção de conhecimentos e empoderamento dos usuários e familiares para o desenvolvimento da autonomia no cuidado e promoção à saúde(10).

Considera-se fundamental que enfermeiro exerça a autonomia nessa área de cuidados, tendo em vista que este profissional pode melhorar a recuperação e/ou reabilitação do usuário com feridas, que necessita de avaliação contínua dos serviços de saúde(6).

A ferida não deve ser tratada ou prevenida como um fato patológico isolado do contexto do ser. Pelo contrário, refletem em si outros problemas que não necessariamente são estritamente orgânicos, inflamatórios ou teciduais. Portanto temos que enxergar além da ferida, ocupando-nos do cliente como um todo, de forma holística(9).

A escolha da terapêutica adequada acaba por influenciar diretamente no tempo de internação hospitalar. Levando-se em consideração os fatores envolvidos na tomada de decisão e responsabilidade do enfermeiro da realização da avaliação clínica(2).

No Brasil, desde os primórdios da enfermagem, há registros de diversas opções de curativos disponíveis aos enfermeiros, que envolviam diversos e complexos recursos materiais e técnicas de aplicação. Muitos termos descritos de difícil entendimento de conceito e aplicação e, outros, descritos com melhor sistematização de ideias o que contribuiu no conhecimento e na formação dos profissionais de enfermagem(2).

As ações desenvolvidas pelo enfermeiro no manejo do cuidado, devem abordar o usuário de forma integral e individualizada, sendo capaz de viabilizar além da cicatrização ou cura da lesão a melhora clínica e social do mesmo, através de procedimentos eficientes e otimização do atendimento, assegurando o direito dos usuários à assistência de qualidade e equânime(10).

De acordo com o histórico de tratamento de feridas, observa-se um despontar da enfermagem, que participa de forma direta e ativa, tanto nos processos de prevenção quanto no de tratamento de feridas. Os enfermeiros estão se destacando na pesquisa clínica e em alternativas de intervenção de enfermagem ao cliente portador ou com risco de desenvolver lesões. Outro campo de atuação direta do enfermeiro é a avaliação da conduta do tratamento de feridas junto à equipe interdisciplinar. O enfermeiro realiza o curativo diariamente, com avaliação criteriosa da ferida e para desenvolvê-la, é necessário conhecimento técnico e científico(9).

As habilidades para a tomada de decisão compõem-se do pensamento crítico sobre as situações com base na análise e julgamento sobre as perspectivas de cada proposta de ação e de seus desdobramentos. A tomada de decisão ocorre nas diversas dimensões da atuação do enfermeiro, com níveis de complexidade diferentes e exigem que o enfermeiro percorra as etapas de seu processo de forma sistematizada(12).

Entende-se, dessa forma, que a busca pela autonomia deve ser sustentada por uma prática cientificamente embasada. Sendo a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), uma atribuição específica do enfermeiro, sustentando uma prática autônoma , proporcionando maior visibilidade ao trabalho do enfermeiro(2).

Com base no exposto, percebe-se que os enfermeiros devem estar preparados cientificamente, assumindo o paradigma que determina a sistematização global do saber humanizado, visualizando o cliente como único em todas as suas necessidades. Devem possuir sensibilidade para cuidar além do que os olhos vêem, para poder intervir de forma correta nos fatores que influenciam na prevenção e na evolução de uma ferida(9).

Categoria 2: Autonomia do Enfermeiro fundamentada na legislação do exercício profissional com o foco no tratamento de feridas.

 

O exercício da enfermagem exige que o profissional desenvolva postura autônoma, ética e tenha liberdade na tomada de decisões, sendo importante considerar a opinião dos demais membros da equipe, assim como do usuário, que recebe influência direta na decisão terapêutica tomada. O profissional deve conhecer as tecnologias disponíveis para o cuidado, buscando a forma mais adequada de avaliar o usuário em sua integralidade(6).

A autonomia gera motivação e rendimento nas atividades de forma satisfatória. O profissional tem liberdade de estabelecer os procedimentos operacionais à equipe de enfermagem, como exercício legal da sua profissão(6).

De acordo com o art. 1 do Capítulo 1 da Resolução COFEN n. 240/2000, “A enfermagem é uma profissão comprometida com a saúde do ser humano e da coletividade. Atua na promoção, proteção, recuperação da saúde e reabilitação das pessoas, respeitando os preceitos éticos e legais”. O art. 6 da mesma lei diz que “O profissional de enfermagem exerce a profissão com autonomia, respeitando os preceitos legais da enfermagem”(9:1).

Os estudos apontam que o tratamento de feridas é uma atividade reconhecida como de competência do enfermeiro, o mesmo, necessita de um conhecimento teórico baseado em evidências para uma prática com qualidade. O saber quando assimilado e construído facilita na autonomia do profissional na tomada de decisão, que se estende ou se limita de acordo com a competência do profissional. Para ter atos responsáveis em sua prática, o enfermeiro deve conhecer seus direitos, deveres e responsabilidades providos do Código de Ética dos profissionais de enfermagem (2).

Na busca da autonomia o enfermeiro tem amparo na Lei do Exercício Profissional, que traz subsídios para atuação com respaldo ético-legal. Conforme a Resolução do COFEN Nº 567/2018, o Art. 3º ressalta que “cabe ao enfermeiro da área a participação na avaliação, elaboração de protocolos, seleção e indicação de novas tecnologias em prevenção e tratamento de pessoas com feridas”(2:1).

A prescrição de medicamentos e coberturas, bem como a solicitação de exames, deve ser realizada conforme protocolos, guias, manuais e notas técnicas estabelecidas por instituições e programas de saúde pública, considerando a Lei 7.498/1986, que regulamenta o exercício da enfermagem. Essa lei estabelece que cabe ao Enfermeiro da área a participação na avaliação, elaboração de protocolos, seleção e indicação de novas tecnologias em prevenção e tratamento de pessoas com feridas(4).

A prescrição da cobertura é embasada no conhecimento fisiopatológico da lesão, nas atribuições éticas e legais do profissional e nas normas de vigilância sanitária. Além disso, uma mesma tecnologia pode não ser eficaz para todas as fases de cicatrização ou para todos os pacientes, cabendo ao enfermeiro, em sua autonomia e com seu conhecimento, prescrever a terapêutica mais indicada em cada fase do processo(4).

Apesar de existirem resoluções que abordam a autonomia dos profissionais de enfermagem relacionadas ao tratamento de feridas, muitos enfermeiros desconhecem as leis de seu próprio conselho. Há dúvidas frequentes a respeito de consultas, prescrições, requisição de exames, escolha de medicamentos etc. Essas dúvidas sobre autonomia geram insegurança por parte do profissional e consequentemente, o cliente a ser tratado, não recebe o cuidado correto e integral que deveria(9).

Constata-se que as legislações são ferramentas primordiais e essenciais para o profissional enfermeiro implementar sua autonomia e buscar subsídios para sua prática com todo respaldo ético legal, dispondo ao cliente portador de feridas qualidade e segurança. Cabe aos órgãos de classe legislar sobre temas pertinentes a prática profissional que ocorrem diariamente nas atividades dos profissionais(9).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente, nota-se que é crescente o interesse do enfermeiro para as questões políticas/ éticas relacionadas a sua categoria, inclusive sobre seus direitos, deveres, responsabilidades e limitações dentro da sua atuação profissional.

O avanço conquistado nesses últimos anos pelos enfermeiros que tratam pacientes com feridas, foi notório e ajudou na construção da autonomia e do empoderamento da categoria, já que o enfermeiro, atualmente tem o respaldo legal pelo COFEN, para elaborar protocolos, avaliar e prescrever produtos para o tratamento e prevenção de feridas, e realizar consultas de enfermagem em consultórios, clínicas e em domicílio.

Apesar desta temática ser recente, ela também é pouco abordada, inclusive no processo de formação do enfermeiro nas universidades, por esta razão se faz necessário ampliar, divulgar sobre todas as áreas de atuação do enfermeiro e suas especialidades, e inclusive a área do tratamento e prevenção de feridas.

O enfermeiro que trabalha na área do tratamento de feridas, vem se mostrando cada vez mais empenhado e interessado em aumentar a sua autonomia, buscando valorização e conhecimento científico para cuidar dos pacientes e da comunidade.

 

REFERÊNCIAS

1 Conselho Federal de Enfermagem (BR). Resolução Cofen nº 564, de 6 de novembro de 2017. Aprova o novo Código de Ética dos Profissional de Enfermagem. [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; 13 fev 2007 [cited 2024 Mar 26]. Seção I. Available from: https://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-5642017/.

 

2 Silva VS. Autonomia do enfermeiro no tratamento de feridas crônicas no âmbito hospitalar: uma revisão integrativa [dissertação]. Salvador: Universidade Católica do Salvador; 2019 [cited 2024 Mar 26]:20. Available from: http://ri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/938/1/VANESSASANTOS.pdf

 

3 Conselho Federal de Enfermagem (BR). Resolução Cofen nº 567, de 29 de janeiro de 2018. Regulamenta a atuação da Equipe de Enfermagem no Cuidado aos pacientes com feridas. [Internet]. 29 jan 2018 [cited 2024 Mar 26]. Available from: https://www.cofen.gov.br/resolucao-cofenno-567-2018/.

 

4 Filho S, Duque CB, Yarid SD, Vitório E, Sena S, Narriman R. Autonomia do enfermeiro no cuidado à pessoa com lesão crônica. Rev Bioética (Online) [Internet]. 2021 Jul 1 [cited 2024 Mar 26];29(3):481–6. Available from: https://www.scielo.br/j/bioet/a/9ShV9SPwrLpwDGLhSL8MfWS/

 

5 Hermann AP, Fentanes LRC, Chamma RDC, Lacerda MR. Autonomia profissional do enfermeiro: revisão integrativa. Cogitare Enferm [Internet]. 2011 Sept 30 [cited 2024 Mar 25];16(3). Available from: http://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/24227

 

6 Brum MLB, Poltronieri A, Adamy EK, Krauzer IM, Schmitt MD. Protocolo de assistência de enfermagem a pessoas com feridas como instrumento para autonomia profissional. Rev Enferm UFSM [Internet]. 2015 Apr 6 [cited 2024 Mar 26];5(1):50-7. Available from: https://periodicos.ufsm.br/reufsm/article/view/1517

 

7 Glycia AN, Camacho ACLF, Oliveira BRB, Santana RF, Silva RCL, Cardoso RSS, et al. Diagnósticos, resultados e intervenciones de enfermería en la asistencia ambulatoria al paciente con úlcera venosa. Rev Cubana Enfermería [Internet]. 2020 [cited 2024 Apr 6];36(2). Available from: https://revenfermeria.sld.cu/index.php/enf/article/view/3169/582

 

8 Mendes KDS, Silveira RCDCP, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2008 Dec 1 [cited 2024 Apr 6];17(4):758–64. Available from: https://www.scielo.br/j/tce/a/XzFkq6tjWs4wHNqNjKJLkXQ

 

9 Vieira CZ, Oliveira BGRB, Valente GSC. Education and autonomy of nurses in the prevention and treatment of wounds. Rev. Pesqui. (Univ. Fed. Estado Rio J., Online) [Internet]. 2º de outubro de 2013 [cited 2024 Mar 25];5(4):706-15. Available from: https://seer.unirio.br/cuidadofundamental/article/view/2352

 

10 Pereira R, Lima, Rayanne C, Maria S, Maria S, Silva EP, et al. Ações de enfermagem na atenção ao portador de feridas na atenção básica em saúde. Nursing (Ed bras, Impr) [Internet]. 2021 [cited 2024 Apr 6];5544–55. Available from: http://www.revistas.mpmcomunicacao.com.br/index.php/revistanursing/article/view/1196.

 

11 Santos FOF, Montezeli JH, Peres AM. Autonomia profissional e sistematização da assistência de enfermagem: percepção de enfermeiros. REME Rev Min Enferm [Internet]. 2012 Jul 1 [cited 2024 Mar 26];16(2). Available from: https://periodicos.ufmg.br/index.php/reme/article/view/50309

 

12 Santos YRA, Gomes AMT, Ramos RS, Silva ACSS, Espirito Santo CC. Representações sociais da autonomia profissional do enfermeiro para profissionais de saúde não enfermeiros. Rev Enferm UERJ [Internet]. 2015 Sep 29 [cited 2024 Apr 6];23(4). Available from: https://www.e-publicacoes.uerj.br/enfermagemuerj/article/view/17944

 

 

Fomento e Agradecimento: A pesquisa não recebeu financiamento.

Contribuição dos autores

¹Alessandra da Rocha Magalhães: Contribuiu substancialmente na concepção e no planejamento do estudo;

² Alana Braga Sportitsch: Contribuiu na obtenção, na análise e interpretação dos dados;

³ Alcione Matos de Abreu: Contribuiu na redação e revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519


Editor Associado: Edirlei Machado dos-Santos. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1221-0377

 

Rev Enferm Atual In Derme 2024;98(2): e024282