TECNOLOGIA EDUCATIVA: MANUAL PARA O AUTOCUIDADO DE PESSOAS COM HANSENÍASE
EDUCATIONAL TECHNOLOGY TO SUPPORT SELF-CARE FOR LEPROSY PATIENTS
TECNOLOGÍA EDUCATIVA PARA APOYAR EL AUTOCUIDADO EN PACIENTES CON LEPRA
1Paula Soares Carvalho
2Mirian Alves da Silva
3Valéria Leite Soares
4Maria Helloysa Herculano Pereira de Oliveira Araujo Gonzaga
5Lenilma Bento de Araújo Meneses
6 Maria Júlia Guimarães Oliveira Soares
1 Mestre em Enfermagem. Bacharelada e Licenciada em Enfermagem pela Universidade Federal da Paraíba. Docente do curso de graduação de medicina e enfermagem do Centro Universitário São Lucas. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3680-6981
2 Doutora em Enfermagem. Terapeuta Ocupacional. Docente da Universidade Federal da Paraíba. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2959-4642
3 Doutora em Enfermagem. Enfermeira.
Docente da Universidade Federal da Paraíba. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6605-5907
4 Mestres
em Enfermagem. Enfermeira. Enfermeira assistencial da Policlínica e Maternidade
Professor Arnaldo Marques-Recife. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3002-4639
5Doutora em Enfermagem. Enfermeira. Docente da Universidade Federal da Paraíba. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7966-7411
6 Doutora em Enfermagem. Enfermeira. Docente Titular da Universidade Federal da Paraíba. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8025-9802
Autor correspondente
Paula Soares Carvalho
E-mail: paaula-soares@live.com Endereço.: Rua Elvira Jhonson, 4797 - Flodoaldo Pontes Pinto. Porto Velho- Rondônia – Brasil.
Submissão: 29-04-2023
Aprovado: 07-07-2023
RESUMO
Objetivo: Descrever a construção de um manual educativo para subsidiar a prática do autocuidado de pessoas com hanseníase. Metodologia: Trata-se de um relato de experiência de um estudo metodológico que visa ao desenvolvimento de uma tecnologia educativa, em formato de manual, para auxiliar as pessoas com hanseníase na prática do autocuidado. Realizou-se inicialmente um levantamento bibliográfico entre os meses de abril e maio de 2021, por meio de uma scoping review, busca de materiais educativos já existentes através da plataforma Google Acadêmico e materiais publicados pelo Ministério da Saúde, em seguida ocorreu a elaboração e construção do manual no período de junho a agosto de 2021, seguindo o referencial metodológico de Echer. Resultados: Elaborou-se um manual contendo 112 páginas e dois volumes, possuindo apresentação e sete seções. O volume I, com 48 páginas, contempla as seções: “conhecendo a hanseníase”, “conhecendo o tratamento”, “cuidando da minha alimentação”, “cuidando do meu corpo”, “contatos úteis”, “referências e calendário de medicação”. O volume II, com 64 páginas, inclui as seções: “cuidando da pele”, “cuidando da face”, “cuidando das mãos”, “cuidando dos pés”, “adaptações”, “contatos úteis” e “referências”. Considerações finais: O principal resultado obtido foi a elaboração de um material educativo construído para direcionar a prática do autocuidado de pessoas com hanseníase, tendo sido baseado em evidências científicas, com conteúdo e linguagem clara e com a intenção de preencher lacunas existentes na assistência à saúde prestada a essa população. Espera-se que esse material contribua de forma efetiva na promoção do autocuidado e na qualidade de vida dessas pessoas.
Palavras-chave: Hanseníase; Autocuidado; Tecnologia Educacional; Enfermagem.
ABSTRACT
Objective: To describe the construction of an educational manual to support the practice of self-care for people with leprosy. Methodology: This is a methodological research that aims to develop an educational technology, in manual format, to help people with leprosy in the process of carrying out the practice of self-care. Initially, a bibliographic survey was carried out between April and May 2021, through a scoping review and search for materials published by the Ministry of Health, then the manual was elaborated and constructed from June to August 2021, following Echer's methodological framework. Results: A manual containing 112 pages and two volumes was prepared, with a presentation and seven sections. Volume I, with 48 pages, includes the sections: “getting to know leprosy”, “getting to know the treatment”, “taking care of my diet”, “taking care of my body”, “useful contacts”, “references and medication calendar”. Volume II, with 64 pages, includes the sections: “taking care of the skin”, “taking care of the face”, “taking care of the hands”, “taking care of the feet”, “adaptations”, “useful contacts” and “references”. Final considerations: The main result obtained was the development of an educational material designed to guide the practice of self-care for people with leprosy, based on scientific evidence, with clear content and language and with the intention of filling existing gaps in health care provided to this population. It is expected that this material will effectively contribute to the promotion of self-care and the quality of life of these people.
Keywords: Leprosy; Self-Care; Educational Technology; Nursing
RESUMEN
Objetivo: Describir la construcción de un manual educativo para apoyar la práctica del autocuidado de personas con lepra. Metodología: Se trata de una investigación metodológica que tiene como objetivo desarrollar una tecnología educativa, en formato manual, para auxiliar a las personas con lepra en el proceso de realización de la práctica del autocuidado. Inicialmente se realizó un levantamiento bibliográfico entre abril y mayo de 2021, mediante revisión de alcance y búsqueda de materiales publicados por el Ministerio de Salud, luego se elaboró y construyó el manual de junio a agosto de 2021, siguiendo el marco metodológico de Echer. Resultados: Se elaboró un manual de 112 páginas y dos volúmenes, con una presentación y siete secciones. El Tomo I, de 48 páginas, incluye las secciones: “conociendo la lepra”, “conociendo el tratamiento”, “cuidando mi alimentación”, “cuidando mi cuerpo”, “contactos útiles”, “referencias y calendario de medicamentos”. El volumen II, de 64 páginas, incluye los apartados: “cuidar la piel”, “cuidar el rostro”, “cuidar las manos”, “cuidar los pies”, “adaptaciones”, “contactos útiles” y “referencias”. Consideraciones finales: El principal resultado obtenido fue la elaboración de un material educativo diseñado para orientar la práctica del autocuidado de las personas con lepra, basado en la evidencia científica, con un contenido y lenguaje claro y con la intención de llenar los vacíos existentes en la atención a la salud que se brinda. a esta población. Se espera que este material contribuya efectivamente a la promoción del autocuidado y la calidad de vida de estas personas.
Palabras clave: Lepra; Autocuidado; Tecnología Educacional; Enfermería.
INTRODUÇÃO
A hanseníase é uma enfermidade infectocontagiosa, silenciosa, negligenciada, crônica granulomatosa e de evolução lenta causada pelo bacilo intracelular Mycobacterium Leprae, que possui afinidade por células cutâneas e nervos periféricos. Sua cadeia de transmissão é iniciada pelas vias áreas superiores de um indivíduo multibacilar não tratado para outro. Apesar de curável, traz consigo consequências físicas e psicológicas, mantendo-se como grave problema de saúde pública. Embora possua baixa patogenicidade, a hanseníase apresenta alta infectividade. Possui distribuição mundial, colocando o Brasil como o segundo país mais endêmico do mundo(1).
Além do perfil epidemiológico de grande escala no âmbito nacional, as consequências mais importantes da doença são as sequelas, deformidades e incapacidades físicas e sensoriais que se originam do trajeto fisiopatológico do bacilo Mycobacterium leprae nas estruturas dermatoneurológicas (pele, terminações e troncos nervosos), estando associado à resposta imunológica do hospedeiro diante da infecção(2).
Apesar de ser uma doença capaz de gerar incapacidades e danos psicossociais significativos, é possível prevenir e controlar essas incapacidades físicas quando diagnosticadas e tratadas precocemente, tornando indispensável à efetivação de um acompanhamento sistemático e individualizado durante todo o percurso da doença, inclusive após a alta(1,3,4).
Segundo o Ministério da Saúde (MS), além do diagnóstico precoce, existem outros componentes fundamentais para evitar o aparecimento e o avanço das incapacidades físicas, dentre eles: a educação em saúde, o tratamento regular com as doses de Poliquimioterapia (PQT), a vigilância de contato, detecção e tratamento precoce das reações e neurites, o apoio às condições emocionais e inserção social e a realização do autocuidado(4).
Todavia, torna-se imperativo não excluir a associação do tratamento farmacológico - PQT com as demandas de autocuidado, destacando que o planejamento de ações para o autocuidado deverá ser compartilhado com as pessoas com hanseníase e incorporado na rotina dos serviços de saúde, conforme recomendação do MS(1,4).
Estudos apontam uma deficiência no repasse dessas informações a essa clientela. Este fato se apoia na justificativa das pessoas com hanseníase possuírem uma carência em relação ao conhecimento sobre a doença e, consequentemente, uma não adesão ao autocuidado, sugerindo, por conseguinte, capacitações das equipes assistenciais para que haja implantação de novas práticas de educação em saúde, repassando informações de forma eficaz e esclarecedora para os pacientes e sociedade (5, 6).
Nesse contexto, torna-se relevante desenvolver e implementar estratégias que ajudem a subsidiar o tratamento da hanseníase, assim como incentivar e orientar as práticas do autocuidado. Dessa maneira, a busca de novas tecnologias em saúde para prevenção e controle desse agravo é uma forma de inovar o processo de assistência a essa população visando à melhoria no cuidado dispensado.
No panorama da saúde, compreende-se a tecnologia em saúde como um conjunto de recursos capaz de transformar as reais condições relacionadas à saúde, fundamentando-se em conhecimentos científicos e experiências reais. Estas podem se dividir em três eixos: tecnologia educacional, tecnologia gerencial e tecnologia assistencial (7).
No tocante às tecnologias existentes, será abordado, neste estudo, o uso da tecnologia educacional (TE), a qual representa um conjunto de conhecimento sistemático enriquecido pela ação do homem, em que o planejamento, a execução, o controle e o acompanhamento são possíveis(7).
Este relato de experiência tem por objetivo descrever o percurso metodológico da construção de uma tecnologia educacional no formato de um manual para subsidiar a prática do autocuidado de pessoas com hanseníase, tornando-as capazes de desenvolver atitudes, habilidades e autonomia.
MÉTODOS
Trata-se de um relato de experiência de um estudo metodológico desenvolvido em uma dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) em parceria com especialistas da área de designer gráfico. Optou-se em seguir o referencial metodológico de Echer (8), metodologia composta por quatro etapas a saber: elaboração do projeto e submissão a um Comitê de Ética e Pesquisa; contextualização através da busca do conhecimento científico existente sobre o assunto na literatura especializada; construção da primeira versão do manual; e qualificação com profissionais espertises, de diferentes áreas (saúde, educação, relações públicas e letras) e por pessoas acometidas pela hanseníase e familiares.
Aqui estaremos fazendo o relato da experiência vivenciada nas três primeiras etapas, representadas na figura 1. A quarta etapa da proposta metodológica de Echer, qualificação com diferentes profissionais, não será contemplada neste artigo por estar em desenvolvimento.
Figura 1 - Etapas da Pesquisa
Fonte: Adaptado Echer, 2005.
A 1ª etapa se deu através da construção e submissão do projeto na plataforma Brasil. Foi registrado sob CAAE nº 40792220.3.0000.5183 e aprovado sob o Parecer nº 4.452.659 pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba (HULW/UFPB). Já a 2ª etapa se refere à contextualização da TE, em que foi realizado o levantamento dos estudos disponíveis na literatura científica acerca do tema, acrescido das experiências empíricas vivenciado pela mestranda. A 3ª etapa refere-se ao desenvolvimento/elaboração da TE, dando origem à construção da primeira versão do manual.
A 2a etapa, contextualização, foi composta pelo levantamento da literatura científica acerca das práticas de autocuidado de pessoas com hanseníase em conjunto com às experiências empíricas da mestranda. Nesta etapa foram realizadas a seleção e análise do conteúdo e organização. Assim, esta etapa constou da realização de uma scoping review, busca de materiais publicados pelo MS e outros materiais educativos, somados com as experiências empíricas em projetos de iniciação científica e de extensão universitária conforme ilustrado na figura 1.
Para o
levantamento de evidências, fez-se um estudo de revisão, do tipo scoping
review. A busca na literatura foi feita através da Biblioteca
Virtual em Saúde (BVS), nas bases de dados PubMed, CINAHL, SciELO, LILACS, Base Hanseníase, Bases de Dados de Enfermagem (BDENF) e MEDLINE. Os
descritores definidos para a busca, nos idiomas português, inglês e espanhol,
respectivamente, foram: hanseníase/ leprosy/ lepra; autocuidado/ self-care/
autocuidado; pessoas com deficiência/ disabled persons/ personas con
discapacidad, utilizando-se, para isso, os operadores booleanos AND e OR.
Outra fase do levantamento de evidências acerca das práticas de autocuidado na hanseníase foi feita através da busca de materiais publicados pelo MS através da Biblioteca Virtual da Saúde. Além disso, foi realizado busca de materiais educativos já existentes por meio da plataforma de busca Google Acadêmico®, pois possui abrangência para busca de artigos científicos, visto que seu alcance se estende por toda a Web, encontrando, inclusive, artigos científicos de outras bases de dados(9). O levantamento bibliográfico foi realizado entre os meses de abril e maio de 2021.
As experiências empíricas da mestranda também tiveram contribuições significativas para a escolha de elementos relevantes e indispensáveis na construção do manual, a partir de reflexões e confirmação dos itens elencados nas pesquisas realizadas.
Na 3a etapa deu-se início a construção do manual. Inicialmente, fez-se um esboço primário de todo conteúdo que se pretendia adicionar no material educativo, visando uma escrita clara, organizada e sucinta para que fosse possível abarcar todo o público-alvo.
Para este processo de construção, dois designers gráficos, um com especialidade em diagramação e outro com especialização em desenhos foram consultados e deram suas contribuições profissionais até a finalização do processo. Para a diagramação foram utilizados os programas Corel Draw 2020 e Adobe Photoshop 2021. Para a produção ilustrativa com os desenhos, além dos programas supracitados, também foi utilizado o programa In Desing 2021 e deu-se preferência ao estilo cartoons, com cores alegres e atrativas, pois são mais eficazes no sentindo de facilitarem a compreensão(10). Essa etapa foi realizada no período de junho a agosto de 2021.
Vale ressaltar que concomitantemente as etapas metodológicas acima descritas, uma terapeuta ocupacional com expertise na área de hanseníase, docente, pesquisadora e com vasta experiência no atendimento a este público prestou consultoria no que tange aos assuntos relacionados à montagem do manual, explicando, expondo e compartilhando ideias visando atender o público-alvo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Como resultado da scoping review, obteve-se na busca primária, um total de 828 estudos, sendo selecionados oito estudos, publicados entre os anos de 2001 e 2019, observando-se uma maior quantidade de publicações no ano de 2016.
Diante da análise criteriosa na revisão de escopo, foram extraídas as práticas de autocuidado na hanseníase para compor o manual, entre elas o conhecimento sobre a doença e suas consequências; autocuidado com a pele, face (olhos e nariz), membros superiores e inferiores, uso de tecnologias assistivas (TA); conhecimento sobre o tratamento no que tange ao tratamento com uso de polioquimioterapia (PQT); e práticas de exercícios para fortalecimento muscular.
Outra fase do levantamento de evidências acerca das práticas de autocuidado na hanseníase foi a busca de materiais publicados pelo MS, os quais contêm informações validadas e qualificadas a respeito da doença. Esses materiais representam a maior referência nacional relacionada aos cuidados dentro da assistência à saúde.
Desse modo, optou-se, no estudo, por utilizar os materiais do MS como documentos norteadores das práticas de autocuidado na hanseníase. Para isso, acessou-se a coleção do MS, através da BVS Hanseníase, a qual se constitui como uma fonte de informações que reuni todas as publicações técnicas sobre hanseníase do MS desde o ano de 1950 até 2021.
Quanto à busca pelos materiais educacionais já existentes sobre tecnologia educacional para a promoção do autocuidado na hanseníase, foi encontrado e analisado um acervo que integra uma tese de doutorado intitulada: A palavra & as coisas: produção e recepção de materiais educativos sobre hanseníase, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz(11). Este acervo contém 276 materiais educativos sobre hanseníase produzidos por instituições governamentais e não-governamentais. Destes materiais educativos, 42 abordam o tema autocuidado na hanseníase. Porém, dentre esses materiais encontrados, não foi identificado nenhum manual para a promoção de autocuidado para pessoas com hanseníase.
Ainda como parte da etapa de contextualização, considerou-se as experiências empíricas da mestranda durante o desenvolvimento de pesquisas e projetos de inciação científicas e de extensão e participação como pesquisadora no Grupo de Estudo e Pesquisa em Feridas (GEPEFE/UFPB) na temática de hanseníase.
Após a seleção e análise dos materiais, organização cronológica e coerência de conteúdo para a elaboração do manual, realizou-se a construção do material, etapa 3, no período de junho a agosto de 2021.
O manual é composto por 112 páginas. Devido ao seu tamanho, preferiu-se dividi-lo em dois volumes: volume I e volume II, com 48 e 64 páginas, respectivamente.
Os dois volumes possuem uma seção inicial de apresentação, onde se descreve a intenção e o objetivo de cada manual, uma vez que o volume II é complemento do volume I, e vice-versa. Para identificá-los, além de estar descrito na capa o referido volume, cada um possui cores distintas para dar mais visibilidade na diferenciação entre eles.
O volume I apresenta sete seções, sendo elas: “conhecendo a hanseníase”, “conhecendo o tratamento”, “cuidando da minha alimentação”, “cuidando do meu corpo”, “contato úteis” e “referências e calendário de medicação”.
Na seção “conhecendo a hanseníase”, foi abordada a definição da doença, sinais e sintomas, formas clínicas e modo de transmissão. Na seção “conhecendo o tratamento”, discorreu-se sobre como é realizado o tratamento da hanseníase, mencionando as medicações da PQT com seus respectivos nomes, dosagens, efeitos colaterais, tempo de tratamento, uso devido das medicações e o que deve ser evitado durante o tratamento.
Informou-se também sobre possíveis complicações, as neurites e as reações hansênicas. Devido ao alto número de abandono do tratamento por parte dos pacientes (5), enfatizou-se, nessa seção, a necessidade de realizar o tratamento de forma correta.
Com relação ao conhecimento sobre a hanseníane destaca-se que para êxito do tratamento é indispensável o conhecimento acerca da enfermidade e de suas consequências, do tratamento e do seu processo de reabilitação. Nesta perspectiva, considera como promoção do autocuidado o conhecimento que o indivíduo acometido pela hanseníase possui sobre a sua doença e o seu tratamento (6).
Todavia, estudo com pessoas acometidas pela hanseníase, constatou que mais da metade da sua amostra desconhecia as práticas de autocuidado referentes à face, mãos e pés, e 55,6% não tinham conhecimento acerca da etiologia e transmissão da doença. Diante disso, os autores podem perceber que, apesar de a hanseníase ser endêmica no Brasil, o desconhecimento sobre a patologia ainda é grande, o que influencia diretamente no cumprimento das práticas de autocuidado e no tratamento em geral(12).
As seções “cuidando da minha alimentação” e “cuidando do meu corpo” foram baseadas nas experiências empíricas que se apoiaram nos relatos de pacientes durante os atendimentos. Hábitos alimentares inadequados e hábitos sedentários foram identificados e reconhecidos como desfavoráveis a saúde. Sendo assim, contemplou-se sobre a importância de uma boa alimentação e como ela favorece o tratamento, informando quais alimentos devem ser consumidos e os que devem ser evitados. Em relação aos cuidados com o corpo, discorreu-se sobre a realização de atividades físicas e destacou-se os cuidados necessários à prática.
O consumo de alimentos inapropriados à exemplo dos processados e ultraprocessados em substituição a alimentos in natura frutas, legumes e outros e o sedentarismo ligado à inatividade física são reconhecidos como fatores de risco para as doenças crônicas. (13)
As últimas folhas deste primeiro volume são compostas por calendários de medicação. Estes foram desenvolvidos especificamente com a intenção de serem destacados e foram colocados em um lugar visível para que o usuário possa ter um maior controle do consumo das doses das medicações diárias e das supervisionadas mensais.
A ideia da criação deste calendário veio da observação da pesquisadora em sua vivência empírica com pessoas acometidas pela hanseníase, visto que alguns pacientes relatavam não se lembrarem da rotina diária em relação ao consumo da medicação e, por vezes, expunham a dificuldade em comparecer ao serviço de saúde para a dose supervisionada.
O volume II é composto por sete seções, sendo elas: “cuidando da pele”, “cuidando da face”, “cuidando das mãos”, “cuidando dos pés”, “adaptações”, “contatos úteis” e “referências”.
A seção “cuidando da pele” relatou sobre os sinais e sintomas da doença manifestados na pele e informa como cuidar e tratar dessas manifestações. Em relação às práticas de autocuidado abordadas nessa seção, destaca-se: proteção solar; higiene corporal diária; hidratação e lubrificação da pele, principalmente dos membros superiores e inferiores; cuidados com as unhas; inspeção diária a procura de alguma anormalidade, retirada de calosidade, rachaduras e fissuras.
A hidratação e lubrificação da pele é apontada como uma das práticas de autocuidado usadas em pele seca e hiperqueratósica, compensando as funções sudoríparas e sebáceas que ficam acometidas na hanseníase (7). Além da hidratação e lubrificação da pele, outras ações como autoinspeção para identificação de úlceras e queimaduras, cuidados diários e proteção para que não possa ocorrer ferimentos e queimaduras na pele(14) .
Na seção “cuidando da face”, descreveu-se como a hanseníase pode afetar os olhos e nariz, relatando as práticas de autocuidado específicas, sendo elas: inspeção diária dos olhos; lubrificação ocular; passo a passo da retirada dos cílios invertidos em caso de triquíase; proteção noturna ao dormir dos olhos em caso de lagoftalmo e ectrópio; uso de bonés, chapéus e óculos; exercício para o fortalecimento muscular das pálpebras; manuseio com os olhos ao retirar algum cisco; inspeção diária do nariz para observar o aparecimento de úlceras, perfuração de septo, sangramentos e crostas; e hidratação e lubrificação da mucosa nasal(7).
A seção “cuidando das mãos” abordou possíveis acometimentos e consequências da hanseníase a saber: ressecamento, perca da sensibilidade e força muscular. Foram descritas as práticas de autocuidado como: autoinspeção diária; uso de proteção para as mãos para evitar feridas e queimaduras; e exercícios para o fortalecimento muscular das mãos e dos dedos.
Vale ressaltar que os exercícios para as mãos foram escolhidos levando em consideração a perda da força muscular referentes aos nervos radial, ulnar e mediano (7,14). Optou-se por não colocar exercícios com resistência por perceber que o paciente pode não saber o momento certo de introduzi-los.
A seção “cuidando dos pés” informou sobre os principais acometimentos relacionados aos pés: o ressecamento, perca da sensibilidade e força muscular. Como prática de autocuidado descreveu-se: a inspeção diária dos pés e hidratação, corte de unhas e retiradas de calos; inspeção dos calçados e o uso de sapatos adequados e/ou adaptados para evitar lesões; exercícios para o fortalecimento muscular dos pés e dos dedos. Quanto aos exercícios voltados para os pés, escolheu-se aqueles que trabalham a musculatura inervada pelo nervo tibial, responsável pela elevação e dorsiflexão do pé e pela extensão e elevação do hálux (7, 14).
No que se refere ao autocuidado com os membros superiores e inferior, o MS preconiza a realização de exercícios quando o paciente apresenta paresias e paralisias. A execução desses exercícios tem como objetivo evitar ou diminuir retrações dos tecidos moles, manter ou recuperar a mobilidade articular, evitar deformidades, manter o tônus e melhorar a força muscular (7,14).
Na seção das “adaptações”, mencionou-se a definição de Tecnologia Assistiva (TA), bem como os objetivos, finalidade e vantagens de sua utilização. Para melhor compreensão e conhecimento do leitor, apresentou-se algumas imagens de TA. Essa seção apresentou um diferencial dentre os materiais educativos já desenvolvidos, visto que os materiais educativos encontrados que contemplam o autocuidado para pacientes com hanseníase não mencionavam as TA como práticas de autocuidado.
Alguns pacientes com hanseníase possuem alterações da sensibilidade e podem manifestar diminuição ou perda a sensibilidade protetora, ou seja, a perda da noção de força e pressão, assim como a sensação de calor ou tato. Neste contexto, tem sido recomendado o uso de TA e adaptações de utensílios como recursos que auxiliam e melhoram as habilidades funcionais, pois a utilização de TA pode promover liberdade, independência, autonomia, segurança e cuidado de si, atendendo as necessidades das pessoas com hanseníase(15).
A seção “contato úteis” está contemplada nos dois volumes e é composta pelos contatos de emergência e urgência, como: SAMU, corpo de bombeiros, delegacia da mulher, dentre outros telefones e e-mails que possam ser importantes para os pacientes.
Além da busca criteriosa por evidências científicas para compor o conteúdo do manual, a construção dessa tecnologia educativa também levou em consideração aspectos como a linguagem e qualidade das ilustrações e designer utilizados. O manual em voga se propõe em permitir a fácil leitura e compreensão dos leitores, mesmo os de pouca ou nenhuma escolaridade. Assim sendo, foram então utilizados, de forma adaptada, os critérios de Moreira, Nóbrega e Silva (16), que descrevem os aspectos relacionados à linguagem, ilustração e layout que o profissional de saúde deve considerar para elaborar um material educativo impresso, de modo a torná-lo legível, compreensível, eficaz e culturalmente relevante.
Na perspectiva de haver um melhor entendimento dos leitores e de se construir um material de forma atrativa, dinâmica e interativa, optou-se por colocar as informações em forma de diálogo entre os personagens (profissional de saúde e pacientes), com linguagem mais popular, ilustrações e fotos que facilitassem o entendimento dos ensinamentos para aqueles que não possuem domínio de leitura. Neste sentido, Echer (8) destaca que isso é um fator importante na construção de um material educativo.
Além disso, para a leitura não se tornar desestimulante e cansativa, não foram construídos textos longos e corridos, optando-se sempre por tópicos informativos e passo a passo, já as informações que precisavam de uma maior atenção foram colocadas em destaque dentro de um box.
Em relação as ilustrações criadas para o manual, temos os desenhos no estilo cartoons. Propositalmente tivemos a intenção de trazer representatividade feminina no campo de trabalho como profissional da saúde, que dialoga com os pacientes, esclarecendo dúvidas e compartilhando conhecimentos em relação à hanseníase. Também não demos uma classificação ao núcleo profissional da mesma, transmitindo a ideia de que o cuidado prestado aos pacientes com hanseníase é multiprofissional, ou seja, apresenta atuação interdisciplinar.
Outro detalhe diz respeito à vestimenta da profissional de saúde, sendo esta composta por um jaleco branco com a logomarca do Sistema Único de Saúde (SUS). Destacando que o tratamento da hanseníase se dá através do sistema público de saúde, de forma gratuita, perpassando pela integralidade, universalidade e equidade(17).
Nos desenhos dos demais personagens, que representam os pacientes, optou-se por trazer representatividade racial, social e cultural. Para isso, foram desenvolvidos desenhos de pessoas de diferentes sexos, faixa etária, raça e condições físicas.
Para ilustrar os exercícios, em vez de desenhos, optou-se por utilizar fotografias de situações reais, de autoria própria. A decisão por fotografias foi feita por estas se aproximarem da realidade, por possibilitarem melhor visualização dos movimentos a serem executados e para que os pacientes se sentissem mais familiarizados com o passo a passo a ser desenvolvido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção do manual educativo para subsidiar as práticas do autocuidado de pessoas com hanseníase partiu da idealização de um material robusto que auxiliasse os pacientes em suas necessidades de autocuidado, sendo dinâmico e, ao mesmo tempo, contendo informações para evitar, minimizar e/ou reabilitar o paciente em relação às lesões dermato-neurais produzidas pela doença.
Espera-se que em um futuro breve, esse manual tenha ampla divulgação e utilização. Ademais, almeja-se que este seja usado como um material de apoio educacional para os usuários do Sistema Único de Saúde na realização do autocuidado, visto que sua produção foi embasada cientificamente com a intenção de preencher lacunas existentes na assistência à saúde dessa população. Buscou-se também produzir um material diferenciado no que concerne à vigorosidade e clareza de conteúdo, podendo servir de base para futuras pesquisas tanto da graduação como na pós-graduação.
Como limitação, destaca-se o curto período de tempo para a realização do estudo metodológico, visto que as implicações ocasionadas pelas interferências da pandemia da Covid-19 impossibilitaram a execução da qualificação desta tecnologia educacional. Contudo, já foi dado início a quarta etapa com os profissionais especialistas e em seguida, será dado com o público-alvo (pacientes e familiares) nos serviços de saúde, conforme o referencial teórico proposto.
REFERÊNCIAS
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3. Rodrigues NC, Castro LE, Silva JG, Fontana AP, Couto Neto B, Sá VW, et al. Physical disability and it’s social and functional repercussions in patients with leprosy after discharge from multidrug therapy. Lep Rev [Internet]. 2017 [cited 2021 Mar 22]; 88. Available from: https://pdfs.semanticscholar.org/6a07/b15ba4597fe63582450244770c1040b1f50c.pdf.
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Contribuições dos autores
1,2,6 Concepção da obra, coleta de dados, análise e interpretação de dados, elaboração e revisão crítica do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada.
3 Análise e interpretação de dados, elaboração e revisão crítica do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada.
4,5 Revisão crítica do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada.