ARTIGO ORIGINAL
A MORTE FETAL NO ÂMBITO HOSPITALAR SOB A PERCEPÇÃO DA EQUIPE DE ENFERMAGEM
FETAL DEATH IN THE HOSPITAL SCOPE UNDER THE PERCEPTION OF THE NURSING TEAM
MUERTE FETAL EN EL ÁMBITO HOSPITALARIO BAJO LA PERCEPCIÓN DEL EQUIPO DE ENFERMERÍA
https://doi.org/10.31011/reaid-2024-v.98-n.4-art.1863
1Jéssica Rosiane de Brito
2Cibeli de Souza Prates
1Enfermeira pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo/RS – Brasil. ORCID 0000-0003-3680-7677.
2Mestre em Enfermagem. Enfermeira Obstetra. Docente na Graduação em Enfermagem e na Medicina da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Porto Alegre. Brasil. ORCID: 0000-0002-4729-5622.
Autor correspondente
Jéssica Rosiane de Brito
Endereço: Rua Rio Pardo, nº 663, bairro Mathias Velho – Canoas/RS, Brasil. CEP: 92330-440. Telefone: +55(51) 996883562, E-mail: jessicabrito.jessica@gmail.com
Submissão: 10-05-2023
Aprovado: 11-10-2024
RESUMO
Objetivo: Conhecer as repercussões da morte fetal para os profissionais de enfermagem no âmbito hospitalar, enfatizando os cuidados prestados à mulher e sua família. Método: Pesquisa descritiva e exploratória, de abordagem qualitativa. Participaram do estudo enfermeiros e técnicos de enfermagem atuantes no centro obstétrico e alojamento conjunto de um hospital da região metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, totalizando 15 participantes. A coleta de dados foi realizada em maio de 2022, através de entrevista individual semiestruturada. Para análise dos dados utilizou-se a análise temática. A pesquisa seguiu as diretrizes da Resolução 466/2012 e foi autorizada pela instituição hospitalar e pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) CAAE nº 53678521.2.0000.5344. Resultados: As entrevistas originaram três categorias que abordaram o impacto da morte fetal para os profissionais de enfermagem, o cuidado com a mãe, bebê e família enlutada e as fragilidades no cuidado relatadas pelos profissionais. Considerações finais: Evidenciou- se que a morte fetal é uma situação delicada e desafiadora para todos os envolvidos, por isso, a necessidade de compreender e buscar por melhores formas de assistir a mulher e sua família que vivencia tal fato, qualificando a assistência e possibilitando que os profissionais de enfermagem se sintam mais seguros acerca do cuidado.
Palavras-Chave: Enfermagem. Enfermagem Obstétrica. Humanização da Assistência. Morte Fetal.
ABSTRACT
Objective: Know the repercussions of fetal death for nursing professionals in the hospital environment, emphasizing the care provided to women and thir families. Method: Descriptive and exploratory research, with a qualitative approach. The study included nurses and nursing technicians working in the obstetric center and rooming in a hospital in the metropolitan region of Porto Alegre, Rio Grande do Sul, totaling 15 participants. Data collection was carried out in May 2022, through semi-structured individual interviews. For data analysis, thematic analysis was used. The research project followed the guidelines of Resolution 466/2012 and was authorized by the hospital institution and by the Ethics and Research Committee of the University of Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) CAAE nº 53678521.2.0000.5344. Results: The interviews originated three categories that addressed the impact of fetal death on nursing professionals, care for the mother, baby and bereaved family, and weaknesses in care reported by professionals. Final considerations: It was evident that fetal death is a delicate and challenging situation for all involved, therefore, the need to understand and seek better ways to assist the woman and her family who experience this fact, qualifying the assistance and enabling that nursing professionals feel more secure about care.
Keywords: Nursing. Obstetric Nursing. Humanization of Assistance. Fetal Death.
RESUMEN
Objetivo: Conocer las repercusiones de la muerte fetal para los profesionales de enfermería en el ámbito hospitalario, con énfasis en los cuidados brindados a la mujer y sus familias. Método: Investigación descriptiva y exploratoria, con enfoque cualitativo. Participaron del estudio, con un total de 15 participantes, enfermeros y técnicos de enfermería que actúan en el centro obstétrico y alojamiento conjunto de un hospital de la región metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. La recolección de datos ocurrió en mayo de 2022, a través de entrevistas individuales semiestructuradas. Para el análisis de los datos se utilizó el análisis temático. El proyecto de investigación siguió las directrices de la Resolución 466/2012 y fue autorizado por la institución hospitalaria y por el Comité de Ética e Investigación de la Universidad del Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) CAAE nº 53678521.2.0000.5344. Resultados: Las entrevistas originaron tres categorías que abordaron el impacto de la muerte fetal en los profesionales de enfermería, el cuidado a la madre, al bebé y a la familia en duelo, y las debilidades en el cuidado relatadas por los profesionales. Consideraciones finales: Se evidenció que la muerte fetal es una situación delicada y desafiante para todos los involucrados, por lo tanto, la necesidad de comprender y buscar mejores formas de asistir a la mujer y su familia que viven este momento, cualificando la asistencia y posibilitando que los profesionales de enfermería sentirse más seguro acerca de la atención.
Palabras clave: Enfermería. Enfermería Obstétrica. Humanización de la Atención. Muerte Fetal.
INTRODUÇÃO
A morte de um bebê é demasiadamente difícil de ser compreendida e aceita, pois ela inverte a lógica de que nascemos, crescemos e somente depois morremos(1,2,3), o que torna este um episódio imensamente triste já que acaba com os sonhos, planos, expectativas e promessas que são elaboradas para o bebê que, até então, iria logo chegar(4,5,6), deixando assim marcas dolorosas e traumáticas na vida de todos aqueles que o esperavam ansiosamente(4).
A gravidez e o parto são vivências que agregam novas experiências e desafios a vida reprodutiva da mulher, sendo estes, considerados como um acontecimento social que envolve não somente a mulher e seu parceiro, mas também seus familiares e os profissionais de saúde envolvidos em sua assistência(4). A mulher e o homem contemplam a maternidade e paternidade como um dos momentos mais mágicos e complexos no decorrer de toda a vida, já que este acompanha sentimentos e emoções antes jamais vivenciadas e que são inexplicáveis. Juntamente a ela, emergem sentimentos, expectativas e planos para com
a criança que virá(6). O momento do nascimento de uma criança é causador de grande felicidade para mãe, pai e todos os demais familiares envolvidos e sensibilizados por tal acontecimento(5). Diante de toda a magnitude que é o nascimento de um bebê, no âmbito hospitalar a maternidade é tida como local de alegria e sucesso(5) e, devido a isto, é raramente associada à morte(3).
Diante deste contexto estão os profissionais de saúde, especialmente os profissionais de enfermagem, que prestam assistência diretamente aos pais e famílias enlutadas(6-5). Porém, a literatura refere que os profissionais de enfermagem, principalmente aqueles que estão no âmbito da maternidade, se sentem impotentes frente a estas situações, pois a morte não é comum no seu ambiente de trabalho, sendo difícil o manejo para os profissionais devido ao fato de não saberem como lidar com a família enlutada ou então devido ao impacto que esta vivência acarreta aos profissionais(6).
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Neste estudo utilizamos a definição de óbito fetal como a morte de
um produto da concepção, antes da expulsão ou da extração completa do corpo da
mulher, independente da duração da gestação. No Brasil, quando ocorre o óbito
fetal a partir das 20-22 semanas de gestação, ou com feto de peso ≥ 500 g e/ou
≥25 cm, o feto recebe declaração de óbito e passa a fazer parte do cálculo do
coeficiente de natimortalidade (7).
Estima-se que anualmente, no mundo ocorram cerca de três milhões de óbitos fetais, sendo que estes comumente são oriundos a complicações no parto, infecções na gestação, doenças maternas relacionadas, em especial, a hipertensão e diabetes, malformações congênitas e/ou restrição do crescimento fetal(8). No Brasil, o Ministério da Saúde (2024)(9) declarou que no ano de 2023 foram registrados 20,2 mil óbitos fetais, o menor número registrado desde o início da série histórica em 1996. Naquele ano, o total de óbitos foi de 53,1 mil, ou seja, 62% superior ao número atual.
A morte fetal é ainda ignorada no mundo, porém esta representa um grave problema de saúde pública. Mostra-se como um tema que deveria ser amplamente debatido tanto em países em desenvolvimento, quanto por países desenvolvidos pois, a taxa de mortalidade fetal configura-se como um indicador valioso sobre o acesso e a qualidade da assistência prestada à população, já que revelam dados importantes referentes às condições de saúde, assistência ao pré-natal e parto(10-11-12).
Quando a morte fetal ocorre, em decorrência ao luto pode ser gerada inúmeras repercussões emocionais a todos os que aguardavam pelo feliz momento de conhecer o bebê. Este episódio é sentido e vivenciado por cada pessoa de maneira individual e singular, sendo proporcional às experiências que esta possui sobre situações de morte ou momentos igualmente difíceis, sua cultura e o contexto social ao qual está inserida, o que fará com que cada um adote uma postura particular frente ao ocorrido(1-8). O luto é o processo emocional normal de vivenciar a ausência e o vazio causados por uma perda significativa(8-5-13).
Partindo do pressuposto de que a enfermagem possui o olhar ampliado sob o paciente, atentando não somente para sua situação de saúde, mas também para suas demandas psicológicas, físicas e sociais(5), estes profissionais, quando bem preparados, não poderão impedir a dor dos pais e familiares, mas poderão contribuir fortemente para que estes sejam confortados e apoiados, esclarecendo suas dúvidas e prestando cuidados neste momento que se mostra ser tão delicado(14). Diante deste contexto, a questão norteadora desta pesquisa é: “Qual a percepção da equipe de enfermagem no âmbito hospitalar acerca da morte fetal?”.
4
Os profissionais de enfermagem são os principais cuidadores das
mulheres no decorrer de toda a gestação, portanto, é necessário que saibam como
prestar a melhor e mais adequada assistência frente ao luto ocasionado pelo
óbito fetal. É imprescindível, então, que o profissional esteja munido de
conhecimento referente a este tema para que, sempre que se fizer necessário,
este possa estabelecer estratégias assistenciais adequadas a família enlutada
com o objetivo de melhorar a qualidade dos cuidados(4-5).
Apesar desta temática ser de suma importância, ainda são poucos os estudos voltados especificamente para o cuidado a mulher e sua família em situação de perda fetal. Esta lacuna de conhecimento influencia de forma negativa na criação de novos protocolos e planos de cuidados mais condizentes com a realidade(1).
Frente ao exposto, este estudo teve por objetivo conhecer as repercussões da morte fetal para os profissionais de enfermagem no âmbito hospitalar, enfatizando os cuidados prestados à mulher e sua família.
METODOLOGIA
Pesquisa de abordagem qualitativa, descritiva e exploratória, com entrevista individual semiestruturada. A técnica de entrevista semiestruturada é um uma das principais formas de coleta de dados na pesquisa qualitativa. Esta técnica caracteriza-se por perguntas estabelecidas num roteiro flexível sobre determinado assunto de interesse da pesquisa(15).
A pesquisa qualitativa não possui por objetivo a formulação de dados numéricos, e sim de investigar e aprofundar a compreensão/conhecimento de um determinado grupo, população, organização, etc. Sendo assim, a pesquisa qualitativa preocupa-se com a compreensão e explicação de aspectos da realidade que não podem ser explicados no âmbito das relações sociais(16).
Pesquisa descritiva é aquela que busca a descrição dos acontecimentos e fatos sobre determinado fenômeno, sendo estes não possíveis de constatação através da observação. Esta forma de pesquisa exige que o investigador possua amplas informações sobre o tema escolhido para pesquisa. A pesquisa exploratória proporciona maior compreensão e interação com o problema, objetivando torná-lo mais explícito ou então que se propicie a criação de hipóteses (16).
O local escolhido para realização deste estudo foi um hospital da grande Porto Alegre, que oferece atendimento de forma 100% SUS. Este hospital, durante a realização do estudo, contava com 10 leitos no Centro Obstétrico (CO) e 13 leitos no Alojamento Conjunto (AC) e possuía em seu quadro de funcionários 18 profissionais de enfermagem atuantes no Alojamento Conjunto e outros 40 profissionais no Centro Obstétrico. Participaram deste estudo 15 profissionais de enfermagem, dentre eles, 12 técnicas de enfermagem (8 do CO e 4 do AC) e 3 enfermeiras (1 do CO, 1 do AC e 1 do CO + AC). Para tal participação, os critérios de inclusão foram: profissionais que aceitaram participar do estudo e que estivessem há, pelo menos, um ano atuando na unidade. Já os critérios de exclusão foram acerca dos profissionais que se encontravam afastados devido a férias, licenças ou folgas durante o período de realização da coleta de dados. É importante ressaltar que durante o período da realização das entrevistas, apenas três enfermeiras participaram do estudo devido a escala de trabalho adotada pela instituição hospitalar contar apenas com este quantitativo de profissionais enfermeiras, sendo que estas também atuavam eventualmente em outros setores da maternidade em razão da ausência de outras profissionais, seja por período de férias/afastamentos ou falta destas no quadro de funcionários da instituição no período.
5
A coleta das informações ocorreu por meio de entrevista
semiestruturada, contendo 05 questões abertas, com cada um dos participantes de
cada um dos turnos de trabalho (manhã, tarde, noite I e noite II) e ocorreu no
mês de março de 2022. Durante os encontros, que duraram em média 30 minutos,
foi feita a gravação de áudio por meio de um aplicativo de celular, para
posterior transcrição e análise dos dados coletados.
A análise dos dados coletados a partir das entrevistas semiestruturadas foram tratadas através do método de análise temática. Este tipo de análise de dados é utilizada com a finalidade de identificação, análise e interpretação dos dados para que seja assim oportunizado o encontro de padrões nas respostas referidas pelos participantes, sendo composta em três etapas, sendo elas: pré-análise, exploração do material e interpretação de resultados(17).
O convite para participar desta pesquisa se deu diretamente na unidade e foi feito pela pesquisadora auxiliar, a fim de obter contato com as profissionais de enfermagem atuantes no Centro Obstétrico e Alojamento Conjunto. Para aqueles que aceitaram participar, foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, redigido em duas vias, que deveria ser assinado, sendo que uma das vias permaneceu com o participante e a outra com a pesquisadora. A participação foi voluntária e este consentimento poderia ser retirado a qualquer tempo, sem prejuízos ou constrangimento. Além disso, foi garantida a confidencialidade das informações relacionadas à identificação do participante.
Em relação às considerações éticas, esse estudo seguiu as determinações das Resoluções n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto foi aprovado pela instituição, onde a pesquisa foi realizada, e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (CEP/UNISINOS), CAAE n° 53678521.2.0000.5344 e parecer n° 5.207.566. A identidade das participantes foi preservada e sua identificação ocorreu através de um número acompanhado pela inicial de sua profissão.
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Conhecendo a equipe de enfermagem
Foram entrevistadas para este estudo 15 profissionais de enfermagem, atuantes nos quatro turnos de trabalho na instituição (manhã, tarde, noite I e noite II) totalizando assim 3 enfermeiras e 12 técnicas de enfermagem, sendo que todos os participantes foram identificados como do sexo feminino. A média de idade das participantes foi de 39,9 anos, sendo que a mais jovem possuía 26 anos e a mais velha 56 anos. Em relação ao tempo de formação, a média foi de 10,3 anos, sendo que a formada mais recentemente possuía 2,5 anos de formação e a de maior tempo de formação, 30 anos. O tempo de atuação no CO ou AC foi de, em média, 5,5 anos, sendo a que atuava há mais tempo 24 anos e a de menor tempo 1,6 anos. Em relação à situação conjugal, a maioria das entrevistadas (08) relatou ser casada e as outras disseram ser divorciadas (03) ou solteiras (04). A média de filhos foi de 2,0 para as 11 participantes que disseram ter filhos. Relataram já ter tido aborto ou óbito fetal apenas 04 participantes (28,6%).
Entre as enfermeiras apenas 01 possuía especialização em ginecologia e obstetrícia, as demais possuíam especialização em outras áreas (UTI adulto, UTI Neo e pediatria, urgência e emergência, saúde da mulher, atenção básica). A identidade das participantes foi preservada, sendo utilizado um número acompanhado pela inicial de sua profissão, E para enfermeiras e TE para técnicas de enfermagem.
De acordo com a análise das entrevistas realizadas, foi possível identificar três categorias, sendo elas: o impacto da morte fetal para a equipe de enfermagem; quando a morte antecede o nascimento: Cuidados de enfermagem com a mãe e família enlutada e com o bebê; e fragilidades no cuidado frente à morte fetal.
O impacto da morte fetal para a equipe de enfermagem
As participantes quando questionadas sobre como é trabalhar em uma unidade obstétrica demonstraram grande satisfação pela área.
É gratificante porque aqui, dentre todos os setores do hospital, este é o mais bonito. Aqui nós trazemos vidas. Aqui a gente vê os pais felizes e a vida se renovando todos os dias e para mim isso é muito gratificante. (TE3)
[…] é a parte que me completa porque em casa eu cuido da minha mãe que já é uma senhora idosa e é meio que aquela coisa de final de vida, digamos assim. Já aqui eu tenho um outro astral com essas chegadas […] então esse trabalho para mim é também um resgate de mim como pessoa. (TE2)
É prazeroso. Eu jamais penso: “Ai que saco, tenho que ir trabalhar”. Claro que problemas a gente tem, mas eu tenho prazer em trabalhar aqui […]. É satisfatório e eu amo o que eu faço. (E2)
A literatura demonstra que devido a tantas idealizações e diante de toda a magnitude que o nascimento de um bebê possui, no âmbito hospitalar a maternidade é tida como local de alegria e sucesso e, por este motivo, é raramente associada à morte(5). Em contrapartida, outros autores referem que a maternidade é inevitavelmente o local onde também ocorrem acontecimentos negativos, que ao invés de chegadas cheias de vida e felizes, infelizmente ocorrem partidas (13,18).
Em relação a isto, as falas das participantes demonstram que quando a morte fetal ocorre, o impacto a elas é causador de diversos sentimentos como, por exemplo, tristeza, frustração, sensação de impotência, raiva e revolta(19).
É bem triste. Eu não gostaria de estar no lugar daquela mãe […]. É uma sensação de vazio, como se te tirassem algo e tu está vazia por dentro.” (E1)
É um sentimento de frustração e às vezes a gente fica se questionando o que deu errado na gestação. Já teve momentos em que eu pensei “será que na hora de expulsar o bebê não vai chorar? […]. (E2)
É muito triste. Eu sempre tento me colocar no lugar da mãe e da família que está ali preparada e esperando por aquele bebê e quando menos se espera, saem daqui com um caixão […] para mim é bem difícil. Eu choro junto com as mães […]. (TE3)
O cuidado de enfermagem está intimamente relacionado ao âmbito físico, social e psicológico do ser humano sendo realizado desde o nascimento até seu último instante de vida. Com isto, se dá a atenção, dedicação e preocupação destes profissionais para com seus pacientes com o intuito de oferecer suporte, cuidado e alívio(5). Isto pode ser evidenciado nas seguintes falas das participantes:
[…] o profissional de enfermagem precisa ter empatia com o outro e, com a experiência e com o tempo, a gente aprende a se colocar no lugar do outro. (TE2)
[…] a gente se solidariza com os pais, mas a gente tem que estar dando apoio então, nesse momento infelizmente, o nosso sentimento fica em uma gavetinha. (TE4)
Eu me coloco no lugar dos pais e penso que o meu sonho é ser mãe e que, se eu perdesse o bebê, eu também ficaria arrasada. (TE5)
Não existem dúvidas de que o profissional de enfermagem sofre junto com a família que está enlutada, pois é extremamente difícil para alguns profissionais aceitar este fato sendo que desta forma emergem mais sentimentos dolorosos como, por exemplo, angústia e tristeza(4).
Neste âmbito, estes profissionais carecem de mais atenção, suporte e de possibilidades de conversar com os colegas sobre tais situações e sentimentos oriundos desta ocorrência(1).Porém, essas falas corroboram com o que diversos autores trazem sobre esta temática. Em um estudo fenomenológico realizado em 2020 por Oliveira et al, (2020) por exemplo, percebe-se a semelhança dos diálogos das participantes com o presente estudo,já que ambos demonstram que os profissionais da saúde, sobretudo os profissionais de enfermagem, são preparados a fim de lidar com a vida e como preservá-la, porém, quando se veem frente a eventos de morte, percebem-se fragilizados e limitados(4). Isto é ainda mais evidente quando envolve a morte de uma criança que teve sua expectativa de vida rompida. Exemplo que pode ser observado nas falas a seguir:
Aqui na unidade temos mais momentos felizes do que tristes, mas quando um momento triste acontece ele é muito pior do que quando um adulto falece […]. (TE7)
Quando um bebê morre a carga é muito mais pesada do que se fosse um adulto. (TE11)
[…] nós temos aquela maneira de pensar de que quando é uma adulta ou um idoso que morre a gente pensa que ele viveu, que ele aproveitou a vida e tal. Mas e quando é uma criança? Não aproveitou nada. (TE4)
Para os profissionais atuantes na área obstétrica, lidar com a morte é tema de grande dificuldade entre estes profissionais, assim é imprescindível que estes realizem seus cuidados com o embasamento necessário para propiciar que todos os direitos da mulher sejam ofertados e para que seja pautado na integralidade da atenção destinada a ela e seus familiares, a fim de sanar suas demandas(20).
Sobre estas falas acerca da maior dificuldade dos profissionais em lidar com a morte de uma criança quando comparado a morte de um adulto, a literatura relata que isto se dá pelo fato de que toda e qualquer morte se apresenta como um problema que exige que se faça novos ajustes no arranjo de vida. Mesmo a morte sendo parte do processo natural da vida de todo ser humano, ela ainda é tratada como sendo um tabu(5). A morte fetal por ser um assunto pouco debatido, faz com que o apoio aos pais seja ainda mais difícil e, segundo ela, o processo de luto é realizado então de forma solitária, cercado de incompreensão por parte das outras pessoas(6).
Outro ponto que chamou a atenção durante as entrevistas foi devido ao fato das falas de algumas participantes mostrarem uma diferença existente entreo pesar da morte de um bebê à termo em relação aquele que ainda é pré-termo.
Quanto maior é a idade gestacional, parece que é pior porque a família já tem tudo pronto e espera somente pela chegada do bebê e para levá-lo para casa […]. É muito triste, muito triste mesmo. (TE9)
O que me balança mais é quando é um feto morto porque ele nasce, é um bebê perfeito aos olhos da mãe e aos olhos dos profissionais, mas não tem vida. (TE6)
Quando você vê um bebê a termo morto, tem uma comparação do tipo “poderia ter sido diferente”. Já quando é prematuro é aquilo de “ah, mas ainda estava pequeno”. Com o à termo a gente sempre pensa que está tudo certo já. (TE1)
Não foram encontrados na literatura estudos que pudessem explicar tal diferença relatada pelas participantes deste estudo com relação ao sentimento de que o pesar da morte de um bebê a termo seja maior do que aquele que é pré-termo.
Quando a morte antecede o nascimento: Cuidados de enfermagem com a mãe e família enlutada e com o bebê
Foi expresso pelas entrevistadas a importância de acolher e apoiar a mulher e sua família que vivenciam tal situação dolorosa decorrente do óbito fetal. Para elas, isto pode favorecer o processo de luto e pode também confortá- las, quando feito de forma adequada e respeitosa. Neste sentido, a fala das participantes expressa o que elas buscam fazer para tornar este apoio e acolhimento possível.
No primeiro momento eu sempre procuro deixar ela e o acompanhante sozinhos sofrendo o momento deles. Depois eu vou lá e tento conversar, amparar, abraçar, fazer tudo o que está ao meu alcance para tentar amenizar esta dor […]. (TE3)
Eu acho que o cuidado é o de respeitar e acolher. Acho que se resume a você acolher aquela pessoa que está passando por esse momento tão difícil […]. (E2)
Eu tento acolher ela da maneira menos invasiva possível porque elas precisam daquele momento […] digo que ela está no direito de chorar, de sentir essa dor […]. (TE6)
Em conformidade com as falas das participantes, a literatura descreve que os cuidados que a mulher e sua família recebe após a morte de seu filho são muito importantes e podem ter impacto duradouro no que se refere ao bem-estar destes pais e a enfermagem pode contribuir com isto de modo a oferecer cuidados emocionais condizentes com cada um destes pais e conforme suas individualidades, já que cada um vivencia o luto de forma singular. Diante a estes cuidados é possível aos profissionais identificar as angústias e sentimentos que estes passam a sentir, a fim de minimizar intervenções desnecessárias, o que contribuirá fortemente para a adoção de estratégias que poderão auxiliar neste enfrentamento(21).
Algumas profissionais, no momento da oferta de apoio e acolhimento às mulheres enlutadas pela perda do filho, acabam por usar termos como “mãezinha”, “filhinho” e por dizer que ela é jovem e terá outro filho.
[…] Eu tento dar conforto para ela, digo que vão ter outros filhos e que este virou um anjinho. (TE1)
Em contrapartida, estas falas estão em desacordo com as de outras profissionais que relatam que estas palavras não devem ser escolhidas para se referir a mulher que acaba de perder um filho. É possível perceber esta discordância nos diálogos abaixo:
[…] A gente nunca deve dizer “ah, mas você vai ter outro” ou “você tem mais filhos em casa”, jamais […]. (TE2)
[…] Procuro chamar sempre pelo nome e não por mãezinha, paizinho, bebezinho. Eu acho isso bem importante, mas é uma coisa minha. Tem colegas que só utilizam estes termos […]. (E1)
Estas palavras são utilizadas pelos profissionais na esperança de oferecer a minimização do sofrimento causado pela perda do filho ou também para provocar o silêncio, já que por muitas vezes os profissionais não sabem como confortar as mães(18). Neste sentido, é imprescindível que os profissionais deem legitimidade para a dor e sofrimento que a mãe e a família vivenciam e compreendam assim que estes experienciam uma perda que é considerada irreparável, para que possam melhor adaptar a forma como ofertarão seus cuidados com o objetivo de propiciar uma experiência menos traumática para todos os envolvidos(5).
Como forma de auxiliar na elaboração do luto, as participantes citam que os gestos de apoio e respeito aos pais enlutados como, por exemplo, a oferta para segurar o bebê pelo tempo que for desejado, tirar fotos para guardar como lembrança, assim como impressões dos pés e/ou das mãos, uma pequena mecha de cabelo, além de outros cuidados, auxiliam os pais e favorecem formação do luto e superação da perda.
É sempre importante a mãe ver o bebê e que ela tenha esse vínculo. Tem situações em que ela não quer ver e nós respeitamos esse momento […]. É uma questão de aceitação dela, mas nós falamos que se ela mudar de ideia nós vamos trazer o bebê para ela ver. (TE2)
[…] Eu faço um carimbo do pezinho, coloco o nome que o bebê teria, quanto ele pesou e quantas semanas estava e depois entrego para a mãe. Quando a mãe está muito abalada eu entrego para a família, para eles mostrarem para ela num momento em que faça bem a ela. (TE3)
[…] Nós verificamos as medidas do bebê, pesamos e o enrolamos ou colocamos uma roupinha, quando é possível. Depois o identificamos com o nome da mãe, o horário de nascimento, o peso e o comprimento e depois deixamos separado para a funerária vir buscar. (TE1)
Tais cuidados são fundamentais para estimular a mãe e a família na construção de identidade e também porque podem gerar benefícios à medida que estes são capazes de compartilhar este episódio como sendo uma experiência real de suas vidas(22). Ainda, no que se refere a opção da mãe por não ver o filho, estudos evidenciam que as mães relatam arrependimentos por não ter visto o filho ou ainda por não terem sido estimuladas para tal(18) e que as mães que têm a oportunidade de ver e segurar o bebê pode impactar diretamente na redução dos sintomas de estresse pós-traumático(8).
Com relação à privacidade e oferta de informações à família, as participantes citam que promovem sempre a permanência de um acompanhante para a mulher enlutada e que buscam ofertar as informações à medida que as coisas vão acontecendo para evitar que se sintam sobrecarregados.
Não deixo aquela paciente sozinha. Sempre deixo um acompanhante junto com ela, isso mesmo em época de pandemia foi uma coisa que nós cuidamos muito […]. (E2)
A gente vai aos poucos informando eles das rotinas e de quais serão os próximos passos. Nós damos esse tempo para eles entenderem a situação. (TE2)
Pais que experienciam a perda de um filho esperam dos profissionais de saúde, em especial da enfermagem por estarem mais próximos a eles, que estes ofereçam apoio e suporte para o enfrentamento deste episódio demasiado triste com o intuito de amenizar sua dor. Por isso, é importante que estes profissionais saibam oferecer as orientações e informações necessárias(18). Com relação à inclusão dos familiares no apoio dado as mulheres enlutadas pelos profissionais de enfermagem, é possível citar a escuta ativa aos familiares, permitindo que estes expressem seus sentimentos o que evitará desfechos negativos ocasionados pela falta de diálogo sobre tal situação de perda(5).
Fragilidades no cuidado frente à morte fetal
Durante as entrevistas, as participantes relataram alguns pontos que, na perspectiva delas, impactam negativamente no cuidado à mulher e sua família enlutada. Estas dificuldades foram divididas em subcategorias sendo a primeira relacionada às fragilidades em relação ao serviço de saúde e a categoria seguinte, relacionada às dificuldades dos profissionais em lidar com a morte fetal.
Fragilidades relacionadas ao serviço
As barreiras existentes no que se refere a comunicação da equipe de enfermagem com outros profissionais foi expressa pelas participantes como um dificultador da assistência mais rápida e oportuna para a mulher e que, segundo elas, isto consequentemente, impacta na relação que ambas as classes desempenham. Alguns exemplos encontram-se abaixo:
Nós temos uma grande dificuldade com os médicos aqui porque às vezes acontece que querem transferir esta responsabilidade deles para uma pessoa que não tinha nada haver […] tem que melhorar a responsabilidade deles porque algumas coisas são evitáveis. (TE7)
Às vezes falta comunicação e um pouco de agilidade por parte deles […]. (TE1)
[…] Parece que tentam mascarar a realidade e querem que eu acredite naquilo. Isso é chocante para mim […]. (E2)
A comunicação é importante na garantia de segurança do paciente e a falta dela pode acarretar erros graves no processo de cuidado(5). O trabalho em equipe é um processo que requer tempo e que nem sempre se obtém o sucesso esperado pois, para que este seja propiciado não é necessário apenas a interação das equipes, mas também que haja incentivo por parte das instituições onde estes profissionais exercem suas práticas laborais (24).
Em conformidade com a fala das participantes, a literatura relata que as diferenças hierárquicas podem gerar conflitos no contexto de trabalho e isto se explica diretamente em como a comunicação é exercida, já que quando não propiciada de forma adequada acaba por fazer com que cada categoria profissional atue em paralelo(23).
As dificuldades relativas ao ambiente, para garantir maior privacidade da mulher e sua família foram citadas pelas participantes. Elas demonstram preocupação com relação a isto e referem que gostariam que fosse possível a existência de um espaço mais adequado para preservar a mãe que perdeu o filho das demais mulheres que estão na unidade para darem à luz.
Eu acho que aqui dentro a gente deveria ter um leito reservado para a paciente que tem uma perda porque mesmo que ela fique em um quarto sozinha, ela ainda vai ouvir a mulher que está parindo no quarto ao lado e depois o choro do bebê. Ela vai ficar imaginando que poderia ser o choro do filhinho dela […]. (TE3)
[…] seria melhor se fosse mais isolado porque ela escuta o bebê que está no quarto ao lado chorando. A gente tenta separar, mas os quartos ficam próximos uns dos outros […]. (E1)
A falta de privacidade e de espaços que incentivem o acolhimento da mulher e sua família atuam negativamente no processo de elaboração do luto. Diante disto, o conceito de ambiência que é trazido pela Política Nacional de Humanização é mais do que um aporte físico, mas é também um espaço social que leva em conta as situações do cotidiano das instituições e da realidade existente nelas(20). Nessa perspectiva, mães que ficam em contato com outras mães com bebês podem ter ainda mais desconforto emocional, sendo muito importante ofertar para a mulher a possibilidade de permanecer em um lugar mais privativo ou se a mesma deseja estar com outras mães e seus filhos(13).
13
Outro ponto trazido pelas participantes foi a falta de apoio
psicológico existente para as mães e suas famílias, bem como para com os
profissionais, já que não existe uma profissional desta categoria responsável
pelo aporte psicológico das pacientes do CO. Esta é uma questão importante na
perspectiva delas visto que isto poderia contribuir fortemente para o processo
de elaboração do luto dos pais e no enfrentamento destas situações pela equipe
de enfermagem. Foi citado também a importância do serviço social, como mostra
os diálogos abaixo:
Eu acho que aqui a gente precisava de um apoio psicológico maior porque quando temos alguma demanda temos que pedir apoio das profissionais de outro setor porque aqui no CO nós temos muitas pacientes que precisariam desse cuidado. As questões sociais também impactam muito e um auxílio do serviço social seria bem importante. (TE10)
A psicologia seria importante porque às vezes a mulher diz que está com dor, mas essa dor não é física, então avaliar isso e conduzir da melhor forma seria importante. (TE2)
[…] a gente se ampara em nós mesmos porque aqui no hospital não tem uma equipe que vai nos apoiar e isso faz falta. (TE3)
A presença de profissionais de psicologia é importante pois auxilia na elaboração do luto pela mulher e sua família, assim como também oferece subsídios para o preparo dos profissionais e para o apoio dos mesmos, assim como expressado pelas participantes(13).
A falta de educação permanente com temas relacionados ao centro obstétrico e alojamento conjunto para os profissionais que nessas unidades atuam foi citada pelas participantes.
Acredito que é preciso de um preparo maior, uma orientação de como lidar e oferecer o cuidado. Na faculdade aprendemos a trabalhar com a criança viva né, então acho que poderia ser direcionado palestras específicas aqui para a nossa unidade. Seria bem interessante. (E3)
Eu acho que a enfermagem deveria ter capacitações em relação a isto. É uma coisa que se tem que trabalhar porque alguns colegas têm manejo, sabem como chegar, qual abordagem fazer, mas tem outros que chegam e parecem que não são humanos. (E1)
Em conformidade com os relatos das participantes, a literatura relata que os profissionais de enfermagem atuantes no campo obstétrico almejam por atividades de capacitação e atualização de suas práticas laborais com a finalidade de qualificar a assistência ofertada(25) e que as atividades de educação permanente tornam-se possíveis apenas através da manifestação de desejo pela realização de tal ferramenta potente como propulsora do cuidado(26).
Fragilidades da equipe de enfermagem
Entre as dificuldades da equipe de enfermagem no cuidado frente ao óbito fetal pode ser identificado que vestir o bebê, quando isto é necessário, apresenta-se como algo difícil de ser realizado pela equipe devido a todos os sentimentos que isto acarreta a cada um destes profissionais, conforme fica evidente nas falas a seguir.
Vestir o bebê, sabe. Isto era difícil para mim quando precisávamos fazer. Hoje isto já é como o pessoal da funerária, mas quando eu precisava fazer isto era difícil para mim. (TE2)
[…] eu não consigo pegar no colo para pesar, dar banho e vestir. Isto para mim é uma limitação. (TE12)
Este fato pode ser explicado devido ao profissional de enfermagem sentir pena, sensação de fracasso e impotência quando se veem frente a morte de um paciente. Estes profissionais por vezes passam a se questionar quanto a sua própria habilidade de lidar com momentos tão singulares e difíceis como estes que envolvem morte. Estes sentimentos, acrescidos de insegurança e falta de estratégias podem resultar em dificuldades para lidar frente ao óbito fetal e realizar os cuidados e procedimentos necessários(1), já que os profissionais revivem perdas pessoais significativas. Vale ressaltar que a carga emocional de cada profissional impacta também neste cuidado(4).
O desconhecimento sobre a necessidade de induzir o parto foi apontado pelos profissionais, que relatam não compreender qual a necessidade desta e acreditam que em muitos casos a indicação de cesárea seria a mais adequada e causadora de menos sofrimento para a mulher.
Acho que a pior coisa que pode acontecer é você ter de sentir as dores do parto de um bebê que já está morto dentro de ti. Sabe, isso é horrível. (TE9)
[…] a mãe tem que parir, sentir toda aquela dor e não vai levar o bebê para casa. É difícil de compreender. Por mais que você tenha anos de prática é difícil, é pesado […] (TE2)
[…] até hoje é uma coisa que eu brigo comigo mesma para entender. Hoje eu compreendo um pouquinho melhor que é pelo procedimento e tal, mas eu iria preferir carregar uma cicatriz no corpo do que a dor. A dor vai marcar para o resto da vida porque foi a dor de uma perda. (E2)
A via de parto é uma questão que gera debate e discordância já que apenas o óbito fetal não é indicação de cesárea. A literatura recomenda que os casos de óbito fetal sejam manejados a fim de se realizar o parto vaginal, salvo em casos de contraindicação materna. Estima-se que cerca de 80 a 90% das mulheres entram de forma espontânea em trabalho de parto na primeira e segunda semana após o óbito fetal ser diagnosticado(27).
A cesárea não devem ser a primeira escolha, nem mesmo em casos de mulheres que já possuem histórico de cicatriz uterina, pelo fato de representar maior risco de agravos e complicações a saúde da mulher, especialmente em casos de óbito fetal já podem dificultar a elaboração do luto, adiamento do planejamento e possibilidade de nova gestação e no aumento das chances de cesariana na gravidez seguinte(20).
Outra dificuldade dos profissionais é em relação ao que falar para confortar os pais e família enlutada já que na visão destes profissionais nada do que eles possam falar parece ser correto e/ou acalmar os pais. Devido a isto, alguns profissionais adotam postura silenciosa, optando por não falar sobre o ocorrido. É possível perceber isto nas falas abaixo.
[…] A gente não sabe qual vai ser a abordagem, quais palavras utilizar […] Já aconteceu de eu não conseguir mais entrar no quarto da paciente sabe, de vontade de chorar mesmo e eu olhava para ela e não sabia o que dizer. (E1)
Mesmo a gente estando ali para ajudar, às vezes não sabemos direito o que falar. (TE9)
Tem gente que diz que não devemos abordar e tem gente que diz que devemos, então não sei […]. (TE5)
Eu não fico falando com ela a respeito da situação em si […] Fico ali com ela em silêncio. (TE11)
As falas das participantes estão em conformidade com o que outros estudos demonstram como, por exemplo, em relação ao silêncio se fazer presente em assuntos que são pouco debatidos, assuntos tidos como tabu pela sociedade. A morte fetal é um destes assuntos e se apresenta como uma situação intimidadora e demasiadamente triste onde as palavras se esvaem. Falar sobre estas situações acaba por gerar muita dor e aliado a isto ainda existe a premissa de que a profissão é de lidar com vidas e não mortes. Mesmo que os profissionais de enfermagem identifiquem a importância da comunicação e do diálogo frente a estes episódios, por vezes ele adota postura silenciosa como forma de preservar a mãe e também se preservar(4).
A reação dos familiares x equipe de enfermagem
Durante as entrevistas a reação do acompanhante/familiar frente a notícia do óbito fetal foi elucidada pelas participantes como uma sendo um fator dificultador da relação entre os profissionais e a mulher visto que em alguns casos o familiar tem uma reação agressiva com a equipe, fazendo ameaças ou dirigindo palavras ofensivas a equipe.
Tem gente que fica agressiva, falando que irá processar o hospital. A gente tenta explicar, mas eles acham que foi nossa culpa […]. (TE8)
Às vezes a paciente está tranquila com a gente, mas os familiares são agressivos com a gente. Muitas vezes eles nos dizem que os médicos mataram, que a enfermagem negligenciou. Tudo eles acusam porque eles querem culpar alguém pelo que aconteceu. (E1)
A equipe de enfermagem precisa lidar com diversas demandas na unidade oriundas da morte fetal e, diante desta perda, os familiares podem necessitar de maior apoio destes profissionais já que as perdas tardias, que ocorrem em final de gestação, na maioria das vezes são as mais difíceis de serem compreendidas pela família o que a torna também as mais difíceis de serem manejadas pelos profissionais(18).
Desta forma, torna-se indispensável que o profissional de enfermagem crie um ambiente favorável à expressão das emoções pelos familiares e para que seja possível assim o fornecimento de informações acerca das causas do óbito, quando identificáveis, o que favorece assim a criação de relação de confiança entre familiares e profissionais(6). É fundamental que seja problematizado o acolhimento destas famílias e todos os envolvidos a fim de repensar a organização dos serviços neste âmbito(20).
Assistir a família que vivencia tal momento de dor e sofrimento, como o que a morte de um bebê representa, é extremamente difícil para a equipe de enfermagem, que procura ofertar apoio a todos os envolvidos neste duro e marcante evento. Através das entrevistas realizadas para a coleta de dados do presente estudo, foi possível instigar os profissionais a tecer reflexões sobre o processo de morte e luto, temática que, por muitas vezes, é pouco debatida durante sua formação profissional, especialmente no que se refere à partida de forma precoce de um bebê.
A pesquisa possibilitou descrever o cuidado realizado pela equipe de enfermagem a mulher e sua família em situação de perda fetal, visando a humanização e o acolhimento, porém permeado de diversas dificuldades. Estas fragilidades podem ser oriundas de questões institucionais ou então relacionadas diretamente com os profissionais, já que estes referem sentir-se muitas vezes incapazes de lidar com tal situação e/ou compreendê-la.
No que se refere ao impacto da morte fetal para a equipe de enfermagem, os principais sentimentos que emergiram foram: sofrimento, tristeza, frustração, raiva, revolta e empatia. Foi também citado pelos profissionais a sensação de impotência e despreparo frente a tal situação. Ainda, foi expressado por eles que percebem-se fragilizados e limitados, em especial quando vêem-se frente à morte de um bebê a termo, quando comparado a morte de um bebê ainda prematuro.
Acolher, apoiar e respeitar foi expressado pelos profissionais de enfermagem como as principais formas de cuidado direcionados a mãe e família enlutada pela morte de um filho. Foi citado que palavras como “mãezinha”, “paizinho” e frases como “vocês terão outro bebê”, “você ainda é jovem”é dita por alguns profissionais na tentativa de acalmar, porém outros profissionais mencionam estas como algo negativo a ser dito as famílias já que podem impactar negativamente como uma tentativa de minimizar o sofrimento e a dor dos pais e familiares que vivenciam o luto.
Como estratégias para auxiliar os pais na elaboração do luto os profissionais de enfermagem citaram a oferta em ver o bebê e a possibilidade de segurá-lo nos braços, receber um carimbo com o pezinho da criança e/ou uma pequena mecha de cabelo, estratégias estas que, para os profissionais, acabam por possibilitar que os pais tenham esta experiência como uma experiência real de suas vidas. Propiciar privacidade aos pais e familiares também foi citado pelos profissionais como algo de suma importância, bem como fornecer informações em tempo adequado e oportuno, a fim de não gerar sofrimento ainda maior.
Como fragilidades no cuidado ao que se refere ao serviço, foi apontado a falta de comunicação entre as diferentes categorias profissionais que circulam pela maternidade e centro obstétrico, a dificuldade em oportunizar a privacidade das famílias enlutadas, visto que não há quartos específicos para aqueles que tiveram perda, a falta de apoio psicológico para as famílias e a falta de educação permanente sobre o tema para os profissionais de saúde, em especial os profissionais de enfermagem. Já no que se refere às dificuldades relacionadas a equipe de enfermagem, foi citado a dificuldade em preparar o bebê para a família vê-lo, o desconhecimento sobre a necessidade de indução do parto em casos de óbito fetal e o desconhecimento acerca de como agir com os pais e como comportar-se frente a eles após o óbito fetal. Foi mencionado ainda a reação dos familiares versus a equipe de enfermagem, visto que em alguns casos, os familiares comportam-se de forma hostil e até com agressões verbais dirigidas aos profissionais de enfermagem.
Fica evidente que a morte fetal é uma situação delicada e extremamente desafiadora para todos os envolvidos. Portanto, a necessidade de compreendere buscar por melhores formas de assistir a mulher e sua família que vivencia talfato é imprescindível para qualificar a assistência ofertada, assim como possibilitar que os profissionais de enfermagem se sintam mais seguros acerca do cuidado.
Como limitações do estudo podemos citar a realização das entrevistas no ambiente de trabalho, o que poderia limitar o tempo para explorar com profundidade a temática.
Espera-se que novas pesquisas possam ser desenvolvidas e que este estudo sirva de instrumento para um posterior dimensionamento e planejamento de ações voltadas para melhorar a qualidade da assistência ofertada a mulher e sua família e também de atenção aos profissionais que vivenciam tal situação em suas atividades diárias.
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Fomento
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)
Critérios de autoria (contribuições dos autores)
Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519