ARTIGO ORIGINAL
QUEIMADURAS OCUPACIONAIS NO BRASIL: PERFIL A PARTIR DO ANUÁRIO ESTATÍSTICO DE ACIDENTES DE TRABALHO
OCCUPATIONAL BURNS IN BRAZIL: PROFILE FROM THE STATISTICAL YEARBOOK OF WORK ACCIDENTS
QUEMADURAS OCUPACIONALES EN BRASIL: PERFIL DEL ANUARIO ESTADÍSTICO DE ACCIDENTES DE TRABAJO
https://doi.org/10.31011/reaid-2024-v.98-n.1-art.1887
1Marta Maria Pinheiro
2Aysla Monique Fernandes Ferreira dos Santos
3Daniele Vieira Dantas
4Fernando de Souza Silva
5Neuma Maria da Silva
6Janaina Maciel de Queiroz
1Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Natal, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0009-0008-0294-8352.
2Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Natal, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9778-3010.
3Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Natal, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0307-2424.
4Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Natal, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1874-4521.
5Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Natal, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0009-0007-7924-1104.
6Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA, Mossoró, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6284-9005.
Autor correspondente
Marta Maria Pinheiro
Caixa Postal 1524
- Campus Universitário Lagoa Nova,
CEP 59078-970, Natal/RN – Brasil. Tel.: +55(84) 99934-0626,
E-mail: marta.pinheiro@ufrn.br.
Submissão: 31-05-2023
Aprovado: 30-11-2023
RESUMO
Objetivos: conhecer o perfil de casos de queimaduras ocupacionais no Brasil e regiões, no período de 2015 a 2020. Métodos: estudo retrospectivo, descritivo com série temporal, baseado em dados de acidentes do Anuário Estatísticos de Acidentes de Trabalho por Queimaduras e Corrosões do Ministério do Trabalho e Previdência Social para os triênios 2015 a 2017 e 2018 a 2020. Resultados: foram registrados 92.418 acidentes por queimaduras e corrosões no período estudado, 10 diagnósticos de queimaduras e corrosões estavam presentes entre os 200 itens do Código Internacional de Doenças mais incidentes de acidentes em todos os anos. Houve maior ocorrência do diagnóstico de Queimadura e Corrosão do Punho e da Mão (T23) (25,89%). O ano de 2018 apresentou a maior taxa de incidência (4,79). A região Sul apresentou as maiores taxas de incidência em todos os anos da série e a região Norte a menor. Conclusões: os códigos relacionados às queimaduras estão entre os mais incidentes relacionados a acidentes de trabalho. Esses resultados tornam-se importantes para o planejamento das ações de vigilância em saúde do trabalhador.
Palavras-chave: Queimaduras; Acidentes de Trabalho; Enfermagem.
ABSTRACT
Objectives: to understand the profile of cases of occupational burns in Brazil and regions, from 2015 to 2020. Methods: retrospective, descriptive study with time series, based on accident data from the Ministry's Yearbook of Occupational Accidents Statistics due to Burns and Corrosion of Labor and Social Security for the three-year periods 2015 to 2017 and 2018 to 2020. Results: 92,418 accidents due to burns and corrosion were recorded in the period studied, 10 diagnoses of burns and corrosion were present among the 200 items of the International Code of Diseases plus incidents of accidents every year. There was a higher occurrence of the diagnosis of Burn and Corrosion of the Wrist and Hand (T23) (25.89%). The year 2018 had the highest incidence rate (4.79). The South region had the highest incidence rates in all years of the series and the North region had the lowest. Conclusions: codes related to burns are among the most incidents related to work accidents. These results become important for planning worker health surveillance actions.
Keywords: Burns; Accident, Occupational; Nursing.
RESUMEN
Objetivos: comprender el perfil de los casos de quemaduras ocupacionales en Brasil y regiones, de 2015 a 2020. Métodos: estudio descriptivo, retrospectivo, con series temporales, a partir de datos de accidentes del Anuario Estadístico de Accidentes de Trabajo por Quemaduras y Corrosión del Trabajo del Ministerio. y Seguridad Social para los trienios 2015 a 2017 y 2018 a 2020. Resultados: se registraron 92.418 accidentes por quemaduras y corrosión en el período estudiado, 10 diagnósticos de quemaduras y corrosión estuvieron presentes entre los 200 ítems del Código Internacional de Enfermedades más incidentes de accidentes cada año. Hubo mayor ocurrencia del diagnóstico de Quemadura y Corrosión de Muñeca y Mano (T23) (25,89%). El año 2018 tuvo la tasa de incidencia más alta (4,79). La región Sur tuvo las tasas de incidencia más altas en todos los años de la serie y la región Norte tuvo las más bajas. Conclusiones: los códigos relacionados con quemaduras se encuentran entre los incidentes más relacionados con accidentes de trabajo. Estos resultados cobran importancia para planificar acciones de vigilancia de la salud de los trabajadores.
Palabras clave: Quemaduras; Accidentes de Trabajo; Enfermería.
INTRODUÇÃO
O acidente de trabalho é um evento súbito que ocorre no exercício da atividade laboral, ou no percurso de casa para o trabalho e vice-versa, independente do trabalhador estar inserido no mercado formal ou no informal de trabalho(1). Esses acidentes ocasionam danos sociais, econômicos e psicológicos e podem resultar em incapacidades temporárias ou permanentes e até a morte(2).
Nesse contexto, as queimaduras ocupacionais ganham ainda mais relevância, dado que pode representar um importante fator de impacto social, visto que tem potencial para provocar longo período de internação e recuperação de suas vítimas e a necessidade de atendimento em unidades de alta complexidade, culminando em um pesado ônus social e econômico para pacientes, familiares e para o sistema de saúde(3).
As queimaduras podem ser definidas como lesões dos tecidos orgânicos provocadas por trauma com diversos agentes etiológicos, quais sejam, térmicos, químicos, elétricos, congeladoras e radiações ionizantes, capazes de produzir calor e/ou frio excessivo que prejudica os tecidos corporais podendo levar à morte celular(4-5).
A variedade de agentes etiológicos faz com que esses eventos possam ocorrer em vários ambientes, sendo o ambiente doméstico o principal, seguido dos ambientes de trabalho(6).
Em termos epidemiológicos, a relevância da temática se confirma, pois conforme dados de 2018, há no mundo anualmente 180.000 mortes decorrente de queimaduras, e em 2004 mais de 11 milhões de pessoas sofreram queimaduras que demandaram atenção médica (7).
Estima-se que, no Brasil, ocorram em torno de um milhão de novos casos de acidentes com queimaduras por ano. A literatura é escassa quanto a ocorrência em relação às queimaduras ocupacionais, estudo realizado com os dados da Pesquisa Nacional de Saúde cita que 3,4% da população brasileira com 18 anos ou mais relatou ter sofrido algum acidente de trabalho no Brasil, perfazendo um montante de 4,9 milhões de trabalhadores(1).
Considerando a natureza preventiva dos acidentes com queimaduras no ambiente laboral, podem ser implementadas ações de educação em saúde e uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). A literatura aponta que a educação do trabalhador é um importante fator na redução de acidentes ocupacionais por queimaduras, uma vez que fornece informações sobre a identificação dos e perigos resultantes de práticas inseguras(8).
Nesse contexto, o presente estudo possibilita compreender a dimensão da problemática no contexto brasileiro bem como subsidiar os serviços de saúde, em especial, os serviços de saúde ocupacional na criação de estratégias mais eficazes que reduzam o número de pessoas acidentadas no ambiente de trabalho.
OBJETIVO
Assim, objetiva-se conhecer o perfil de casos de queimaduras ocupacionais no Brasil e regiões, no período de 2015 a 2020.
MÉTODOS
Estudo retrospectivo, descritivo com série temporal, baseado em dados públicos oficiais. Os dados foram levantados a partir das informações acerca de acidentes do Anuário Estatísticos de Acidentes de Trabalho (AEAT) do Ministério da Economia para os triênios 2015 a 2017 e 2018 a 2020.
O AEAT é um documento público, com edição e publicação em meio papel e versão digital acessível por meio do sítio do Ministério do Trabalho e Previdência Social. No documento são apresentados dados sobre acidentes do trabalho, suas principais consequências, setores de atividades econômicas e a localização geográfica da ocorrência. Portanto, constitui-se instrumento relevante de trabalho para profissionais atuantes nas áreas da saúde e segurança do trabalho. O documento subsidia a construção de diagnósticos dos eventos e propicia a elaboração de políticas públicas mais eficazes(9).
O estudo atual analisa dados referentes à seção I, subseção C que apresenta os diagnósticos mais incidentes registrados no Brasil e suas regiões. Seguindo a 10a revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), incluíram-se os casos decorrentes de queimaduras e corrosões.
Neste estudo optou-se por utilizar o total de acidentes em cada variável, portanto, contempla os acidentes típicos, os acidentes de trajeto e as doenças do trabalho.
Para o cálculo da taxa de incidência, foi utilizado como numerador o total de acidentes por queimaduras e corrosões no ano, e como denominador a média simples trimestral de pessoas empregadas no setor privado com carteira assinada (Pessoas de 14 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência como empregado do setor privado, com carteira de trabalho assinada no trabalho principal) para o mesmo período. Os dados foram retirados da Pesquisa Nacional de Amostra em Domicílio (PNAD) contínua(10).
A taxa de incidência foi calculada pela seguinte fórmula:
_______Nº de acidentes por queimaduras e corrosões/ano______ |
x 10.000 |
Média de pessoas no setor privado com carteira assinada/ano |
Os dados necessários para a realização do estudo foram extraídos e armazenados em planilhas no Software Microsoft Excel, e a estatística descritiva foi utilizada para calcular as frequências relativas e absolutas dos casos.
Ressalta-se ainda, que por se tratar de um estudo com dados secundários públicos, não foi necessário a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).
RESULTADOS
Os diagnósticos relacionados ao capítulo XIX da CID-10 referentes aos grupos de diagnóstico por queimaduras e corrosões (T20 ao T32) foram verificados em toda a série temporal, com exceção apenas do T27, T28 e T32, que apesar de ter registro de casos, não estão entre os mais incidentes. Sendo divididas em grupos de códigos como Queimaduras e corrosões da superfície externa do corpo, especificadas por local (T20 - T25); Queimaduras e corrosões limitadas ao olho e aos órgãos internos (T26 - T28) e Queimaduras e corrosões de múltiplas regiões e de regiões não especificadas do corpo (T29 - T32).
Desse modo, 10 diagnósticos estavam presentes entre os 200 códigos de CID mais incidentes de acidentes em todos os anos, com maior ocorrência em 2015 e o com menor verificado em 2020 (Tabela 1).
Tabela 1 - Estatística descritiva dos casos de queimaduras e corrosões no Brasil, 2015 a 2020.
CID |
2015 |
2016 |
2017 |
2018 |
2019 |
2020 |
TOTAL |
Média |
Amplitude |
|||||||
N |
% |
N |
% |
N |
% |
N |
% |
N |
% |
N |
% |
N |
% |
|||
T201 |
1.308 |
7,87 |
1.339 |
8,55 |
1.361 |
8,96 |
1.487 |
9,17 |
1.319 |
8,10 |
779 |
6,26 |
7.593 |
8,22 |
1265,50 |
708 |
T212 |
693 |
4,17 |
598 |
3,82 |
638 |
4,20 |
617 |
3,81 |
563 |
3,46 |
309 |
2,48 |
3.418 |
3,70 |
569,67 |
384 |
T223 |
2.404 |
14,46 |
2.240 |
14,30 |
2.110 |
13,90 |
2.333 |
14,39 |
2.150 |
13,20 |
1.388 |
11,15 |
12.625 |
13,66 |
2104,17 |
1.016 |
T234 |
4.526 |
27,22 |
4.134 |
26,39 |
3.988 |
26,26 |
4.325 |
26,68 |
4.154 |
25,51 |
2.804 |
22,52 |
23.931 |
25,89 |
3988,50 |
1.722 |
T245 |
972 |
5,85 |
902 |
5,76 |
901 |
5,93 |
900 |
5,55 |
867 |
5,32 |
582 |
4,67 |
5.124 |
5,54 |
854,00 |
390 |
T256 |
1.472 |
8,85 |
1.409 |
8,99 |
1.451 |
9,56 |
1.581 |
9,75 |
1.407 |
8,64 |
990 |
7,95 |
8.310 |
8,99 |
1385,00 |
591 |
T267 |
997 |
6,00 |
982 |
6,27 |
895 |
5,89 |
951 |
5,87 |
1.011 |
6,21 |
964 |
7,74 |
5.800 |
6,28 |
966,67 |
116 |
T298 |
1.062 |
6,39 |
1.099 |
7,02 |
903 |
5,95 |
854 |
5,27 |
922 |
5,66 |
1.307 |
10,50 |
6.147 |
6,65 |
1024,50 |
453 |
T309 |
2.603 |
15,66 |
2.441 |
15,58 |
2.470 |
16,27 |
2.691 |
16,60 |
3.471 |
21,32 |
3.096 |
24,87 |
16.772 |
18,15 |
2795,33 |
1.030 |
T3110 |
590 |
3,55 |
521 |
3,33 |
467 |
3,08 |
469 |
2,89 |
419 |
2,57 |
232 |
1,86 |
2.698 |
2,92 |
449,67 |
358 |
Total |
16.627 |
100 |
15.665 |
100 |
15.184 |
100 |
16.208 |
100 |
16.283 |
100 |
12.451 |
100 |
92.418 |
100 |
15403,00 |
4.176 |
Legenda: 1 - Queimadura e corrosão da cabeça e pescoço; 2 - Queimadura e corrosão do tronco; 3 - Queimadura e corrosão do ombro e membro superior, exceto punho e mão; 4 - Queimadura e corrosão do punho e da mão; 5 - Queimadura e corrosão do quadril e membro inferior, exceto tornozelo e do pé; 6 - Queimadura e corrosão do tornozelo e do pé; 7 - Queimadura e corrosão limitadas ao olho e seus anexos; 8 - Queimaduras e corrosões de múltiplas regiões do corpo; 9 - Queimadura e corrosão, parte não especificada do corpo; 10 - Queimaduras classificadas segundo a extensão da superfície corporal atingida.
Fonte: Elaborado pela autora (2023).
Foram registrados 92.418 acidentes por queimaduras e corrosões no período estudado, sendo 51,3% no triênio de 2015 a 2017 e 48,7% no triênio de 2018 a 2020. O diagnóstico com maior ocorrência na série foi o de Queimadura e Corrosão do Punho e da Mão (T23) (25,89%) e o menor foi de Queimadura Classificada Segundo Extensão da Superfície Corporal Atingida (T31) (2,92%). Os códigos T23, T30 e T22 representam mais da metade dos casos (57,7%).
Analisando a amplitude de cada diagnóstico ao longo da série é possível observar que T23 apresentou maior dispersão de casos ao longo da série. A média de casos de queimaduras e corrosões foi de 15.403 casos para o período estudado.
Em relação à taxa de incidência, a maior foi verificada em 2018 (4,79) e a menor em 2020 (3,61). A taxa mantém valores aproximados nos três primeiros anos da série e um discreto aumento no segundo triênio, com uma diminuição mais acentuada no último ano, conforme Figura 1.
Figura 1 - Taxa de incidência de acidentes de trabalho por queimaduras e corrosões no Brasil, 2015 a 2020.
Fonte: Elaborado pela autora (2023).
Quando analisado por região geopolítica, é possível observar que a tendência mantém semelhança. Em todas, o diagnóstico mais incidente durante todos os anos da série é o Queimadura e Corrosão do Punho e da Mão (T23). Quanto ao menos incidente, há variações nas regiões geopolíticas, sendo o de Queimaduras Classificadas Segundo a Extensão da Superfície Corporal Atingida (T31), o menor incidente, com exceção do Centro-Oeste, onde Queimadura e Corrosão Limitadas ao Olho e Anexos (T26) apresentou menor registro. Além disso, no Centro-Oeste, T29 e T30 tiveram maior incidência registrada na série em 2020, enquanto houve diminuição geral das outras causas, padrão seguido também no Brasil e demais regiões, conforme Figura 2.
Figura 2 - Acidentes de trabalho por queimaduras e corrosões nas Regiões do Brasil, segundo CID, 2015 a 2020.
Fonte: Elaborado pelo autor (2023).
Também é possível verificar variações no ano de 2015 e 2019 no Nordeste, em que o diagnóstico de Queimadura e Corrosão Limitadas ao Olho e Anexos (T26) apresentou menor registro, bem como em 2020, em que os códigos T26 e T21(Queimadura e Corrosão do Tronco) apresentaram a menor incidência. Na Região Norte, em 2020, o T31 não teve registro, sendo o menos incidente o T26.
Percebe-se que tanto em número absoluto quanto relativo, a região Sudeste apresenta maior registro de acidentes por queimaduras e corrosões e a região Norte com menor ocorrência. Sendo que a região Sudeste, acumula mais da metade dos casos. Já quando se calcula a taxa de ocorrência por região, a região Sul apresenta as maiores taxas em todos os anos e a região Nordeste, as menores taxas em toda série, segundo a Figura 3.
Figura 3 - Taxa de incidência de acidentes de trabalho por queimaduras e corrosões nas Regiões do Brasil, 2015 a 2020.
Fonte: Elaborado pelo autor (2023).
As regiões Sudeste e Centro Oeste apresentam taxa semelhante nos dois primeiros anos da série e a partir de 2017, o Centro Oeste apresenta um crescimento, sendo a segunda maior taxa até o fim da série.
DISCUSSÃO
O diagnóstico com maior ocorrência encontrada neste estudo refere-se à queimadura de punho e mão. Na literatura, é possível verificar que a região de membro superior é frequentemente relatada como mais atingida. Um estudo com vítimas de queimadura com base nos do inquérito Vigilância de Violências e Acidentes em Unidades Sentinelas de Urgência e Emergência, de 2017, verificaram que os membros superiores foram os mais atingidos (30,5%)(11). Em outro, com vítimas de queimaduras internadas em um hospital público foi encontrado que os membros superiores foram os locais anatômicos mais atingidos, correspondendo a 52,2% dos casos, sendo as mãos o segmento mais afetado(12).
Também encontraram que as ocupações que tiveram maior envolvimento com o número de casos de acidentes com queimaduras foram trabalhadores da área têxtil, eletricistas, soldadores, mecânicos, cozinheiros, garçons, encanadores e outros não especificados nos artigos(8).
A identificação, neste estudo, da queimadura e corrosão do punho e mão como mais incidente em queimaduras ocupacionais pode ser justificada pelo fato dessas regiões anatômicas estarem mais expostas na realização de atividades laborais, em especial, nos trabalhos manuais, e, portanto, mais propensas a serem atingidas na ocorrência de acidentes.
Sobre a taxa de incidência, diminuição das taxas de queimaduras no ano de 2020, provavelmente está relacionada à pandemia pela COVID-19 que impactou no número de trabalhos formais, bem como o distanciamento social diminuiu a exposição ocupacional, uma vez que o trabalho remoto foi priorizado em vários âmbitos. Um estudo retrospectivo sobre o impacto do distanciamento social pela COVID-19 no número e no perfil epidemiológico de queimados no estado de Minas Gerais percebeu que houve alteração, como a queda no número de ocorrências no local de trabalho e na faixa etária economicamente ativa. Conforme a pesquisa, o número de queimaduras provindas de acidentes de trabalho reduziu 25% se comparados os primeiros quadrimestres de 2019 e 2020(5).
Estudo descritivo com objetivo de analisar o perfil epidemiológico dos casos notificados de queimaduras no Brasil, no período entre 2015 a 2019 a partir dos dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS) obteve resultado de distribuição regional semelhante ao nosso estudo, com o Sudeste apresentando maior prevalência de notificações de queimaduras (33,8%) e o Norte (6,1%) a menor prevalência, convergindo com nossos resultados(13).
Neste estudo, a maior taxa de incidência na região Sul precisa ser mais bem detalhada em estudos futuros, mas pode ser correlacionada com a maior quantidade de ocupações com maior exposição a acidentes por queimaduras e corrosões nesta região.
Descrevendo o perfil de ocorrência dos acidentes de trabalho na população brasileira a partir da Pesquisa Nacional de Saúde 2013, identificaram ocorrência maior de acidentes na região Norte e no Estado do Pará, a menor na região Sudeste e no Estado do Rio de Janeiro. Esses dados foram divergentes dos encontrados no estudo em tela, visto que a região Nordeste apresentou as menores taxas em toda a série(1).
O diagnóstico T23 está entre os 51 códigos de diagnósticos que representam 80% ou mais do número total de acidentes para a série, conforme o aplicativo AEAT InfoLogo(14). No entanto, é importante considerar que o aplicativo forneceu dados para o ano de 2017, diferente dos dados disponíveis no anuário. Desse modo, para este trabalho utilizamos os valores disponibilizados pelos anuários.
Apesar de não ser objetivo deste trabalho, em um recorte de gênero, é possível verificar na literatura que a ocorrência de queimaduras em mulheres está mais relacionada a situações em ambiente doméstico, principalmente no ambiente da cozinha, no preparo dos alimentos, que podem estar ou não relacionados ao risco ocupacional. Já nos homens as queimaduras estão mais relacionadas ao ambiente laboral, onde os acidentes de trabalho mais relatados envolvem as queimaduras por eletricidade de alta voltagem, agentes térmicos e agentes químicos(8).
Em estudo transversal com pacientes queimados com CID semelhante a este trabalho evidenciou que a maioria dos acometidos era do sexo masculino, no entanto, apresentou resultado diferente da maior parte da literatura, em que apenas 38,6% da amostra estava empregada o que é justificado pelos autores pelo número importante de crianças na amostra(15).
Dentre os adultos jovens, a queimadura em ambiente ocupacional encontra-se como importante circunstância do acidente e, em alguns estudos, aparece como a principal causa em indivíduos masculinos nessa faixa etária(1-3-16). Os óbitos por acidente de trabalho também são maiores no sexo masculino(17).
Achado semelhante também pode ser verificado em estudo realizado no hospital escola de Ribeirão Preto em 1998, onde as autoras verificaram que os acidentes de trabalho são a segunda causa de queimadura representando 17%, desses, 55% dos pacientes possuíam idade entre 20 e 39 anos(18).
Estudo descritivo realizado sobre lesões não fatais em bombeiros na Filadélfia identificou que a queimadura foi a segunda causa de lesões (19,8%), no entanto, ocupou o primeiro lugar quanto ao custo pelo afastamento(19). Outro estudo traz que 20% a 29% das queimaduras estão relacionadas a acidentes de trabalho(12).
Percebe–se que os achados entre os estudos são semelhantes quando apontam o ambiente ocupacional como cenário recorrente na ocorrência de queimaduras. Desse modo, corroboram com a importância epidemiológica de estudos sobre queimadura neste âmbito.
Compreendendo que essa problemática significa ônus para os cofres públicos, esse trabalho parte do pressuposto de que é possível e extremamente viável a elaboração de estratégias de promoção da saúde e prevenção dos acidentes no ambiente de trabalho.
Além disso, destaca-se o papel do profissional enfermeiro, sua atuação no cenário laboral vem sendo fomentada, seja através da legislação trabalhista vigente que prevê sua participação nos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT), bem como no âmbito do SUS com atuação nos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST)(20).
Em estudo qualitativo realizado em um CEREST, sobre a importância do uso de equipamentos de proteção individual para prevenção de acidentes de trabalho por queimadura, os autores apontam que o enfermeiro é um profissional fundamental na criação de ações de educação em saúde no âmbito das empresas, atuando por meio de intervenções individuais ou coletivas, com base no diálogo e na troca de experiências, chamando os trabalhadores à reflexão acerca dos aspectos que afetam sua saúde e segurança no ambiente de trabalho(21).
Destaca-se ainda, sua atuação nas notificações de acidente de trabalho, apesar de não se configurar como competência exclusiva deste profissional, o registro da CAT e no Sistema de Notificação de Agravos de Notificação (SINAN) dos acidentes notificáveis, são importantes, pois possibilitam a construção do cenário epidemiológico. Corroborando, os autores(22) destacam que a participação do enfermeiro é de suma importância nas questões referentes à notificação, uma vez que possibilita orientar todos os profissionais acidentados a procurar por um serviço especializado não só para um atendimento clínico, mas também para registrar oficialmente este acidente contribuindo para programar medidas de segurança eficazes baseadas na realidade do serviço(22).
Os prejuízos econômicos e sociais dos acidentes de trabalho, em especial das queimaduras ocupacionais continuam com pouca literatura disponível e dados oficiais ainda restritos a uma parcela dos trabalhadores, ditos formais, excluindo uma grande parcela de trabalhadores informais ou sem carteira de trabalho registrada. Destarte, fomentar pesquisas que desenvolvam atividades prioritárias definidas na Política Nacional de Saúde do Trabalhador, buscando conhecer a magnitude do problema, identificar áreas e trabalhadores de risco, desenvolver ações de intervenção e educação permanente são campos para futuros estudos sobre a temática.
Como limitação, pode-se apontar a escolha do denominador para o cálculo da taxa de incidência, uma vez que foi escolhido o número total de pessoas com carteira assinada, esse, no entanto, não retira os trabalhadores que não estão cobertos contra os riscos decorrentes de acidentes do trabalho como os contribuintes individuais (trabalhadores autônomos e empregados domésticos), além disso, não elimina os casos de trabalhadores que possuem mais de um vínculo, bem como os trabalhadores informais.
CONCLUSÕES
Essa pesquisa teve como objetivo conhecer o perfil de casos de queimaduras ocupacionais no Brasil e regiões, no período de 2015 a 2020. Como resultados, é possível verificar que dez dos treze CIDs relacionados a esses diagnósticos estão contidos entre os 200 códigos mais incidentes relacionados a acidentes de trabalho com maior taxa de incidência verificada no ano de 2018, bem como diferenças regionais importantes, sendo maior no Sul e menor no Nordeste. Esses resultados tornam-se importantes para o planejamento das ações de vigilância em saúde do trabalhador.
É notável que os acidentes ocupacionais gerem elevados custos em decorrência da hospitalização e recuperação das vítimas. No contexto dos acidentes com queimaduras, esse cenário torna-se ainda mais complexo uma vez que esses eventos podem ser graves e com longo período de recuperação e assim repercutir negativamente na qualidade de vida do trabalhador, bem como no retorno ao trabalho.
Cabe mencionar a relevância do profissional enfermeiro, que além de competências assistenciais no cuidado direto ao acidentado e às lesões por queimaduras decorrentes dos acidentes de trabalho, também tem fundamental importância no desenvolvimento de práticas educativas e na promoção do uso adequado dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Além disso, contribui na avaliação dos riscos existentes no ambiente laboral, visando à redução e/ou eliminação dos acidentes ocupacionais, contribuindo na criação de um ambiente mais seguro para os trabalhadores.
REFERÊNCIAS
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Fomento e Agradecimento: Nada a declarar
Contribuição dos autores
Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Editor científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519
Editor científico: Ítalo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447