ARTIGO ORIGINAL

 

ANÁLISE CURRICULAR E IDENTIFICAÇÃO DE TEMÁTICAS ÉTNICO-RACIAIS EM UM CURSO DE ENFERMAGEM

 

CURRICULUM ANALYSIS AND IDENTIFICATION OF ETHNIC-RACIAL THEMES IN A NURSING COURSE

 

ANÁLISIS CURRICULAR E IDENTIFICACIÓN DE TEMAS ÉTNICO-RACIALES EN UN CURSO DE ENFERMERÍA

 

https://doi.org/10.31011/reaid-2024-v.98-n.2-art.1965

 


 

1Pamela Correia Castro

2Dayanne de Nazaré dos Santos

3Ana Leia Moraes Cardoso

4Joanete da Costa Negrão

5Rúbia Gabriela Ferreira Lacerda

6Brenda Caroline Martins da Silva

7Juliana Pereira Pinto Cordeiro

8Nádile Juliane Costa de Castro

 

1Enfermeira pelo Faculdade de Enfermagem, Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará. Belém/PA, Brasil. E-mail: pamelacorreiaac@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9027-7932 .

2Enfermeira. Mestranda em Enfermagem pela Universidade do Estado do Pará. Belém/PA, Brasil. E-mail: enfdayannesantos@yahoo.com.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6389-7287 .

3Acadêmica de Medicina pelo Faculdade de Medicina, Instituto de Ciências Médicas, Universidade Federal do Pará. Belém/PA, Brasil. E-mail: analeiamoraescardoso@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-0006-4236-789X .

4Acadêmica de Odontologia Faculdade de Odontologia, Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará. Belém/PA, Brasil. E-mail: joanete.negrao@ics.ufpa.br . ORCID: https://orcid.org/0009-0006-8144-9679 .

5Acadêmica de Enfermagem, Curso de Graduação em Enfermagem, Faculdade da Amazônia. Ananindeua/PA, Brasil. E-mail: gabriella.silva5433@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-0008-5808-6261 .

6Enfermeira. Mestranda em Enfermagem pelo Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará. Belém/PA, Brasil. E-mail: carol.brenda1994@gmail.com. ORCID: 0000-0002-3474-2921.

7Enfermeira, Curso de Graduação em Enfermagem, Faculdade da Amazônia. Ananindeua/PA, Brasil.
E-mail:
julikaenf@gmail. ORCID: https://orcid.org/0009-0002-9440-3451.

8Enfermeira. Doutora em Ciências Socioambientais.  Programa de Pós-graduação em Enfermagem pelo Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará. Belém/PA, Brasil.
E-mail: nadiledecastro@ufpa.br. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-7675-5106 .

 

Autor correspondente

Nádile Juliane Costa de Castro

Rua Augusto Correa, 01 Guamá, Belém – Brasil. CEP: 66075110. Telefone: +55(91) 32016862.    E-mail: nadiledecastro@ufpa.br

 

Submissão: 15-08-2023

Aprovado: 24-03-2024

 

RESUMO

Objetivo: Estuda a inclusão da temática étnico-racial de um Projeto Pedagógico de Enfermagem de uma instituição privada da região Norte. Métodos: A metodologia foi qualitativa, exploratória e base documental, por meio da análise curricular sustentado pelas recomendações das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Enfermagem e a Política Nacional de Atenção Integral a Saúde das Populações Negras. Foi coletado no período de outubro a dezembro de 2022, organizado em uma matriz instrumental e interpretada pela análise de conteúdo. Os dados foram coletados e discutidos na perspectiva da análise do conteúdo, usado para referenciar as Relações Étnico-Raciais e Saúde da População Negra, a fim de apurar gradualmente por todo o conteúdo, o conjunto emergente que atenda aos aspectos objetivos e subjetivos inclusos. Resultados: Emergiu três categorias: Relações étnico-raciais e saúde e suas implicações na formação de Enfermagem; Perspectivas étnico-raciais afro-brasileiro nos objetivos, habilidades e competências; Aspectos étnico-raciais na estrutura e temática. Considerações Finais: Notou-se que a instituição possui elementos transversais e disciplinares que fomentam a discussão sobre o tema ao longo da formação em Enfermagem. Contudo, identificou-se que existe um silenciamento acerca da realidade sobre a saúde da população negra na estrutura, organização, intencionalidade e conteúdo descritos.

Palavras-chave: Enfermagem, Projeto Pedagógicos, Minorias Étnicas e Raciais, Ensino.

 

ABSTRACT

Objective: Study the inclusion of the ethnic-racial theme in a Nursing Pedagogical Project of a private institution in the North region. Methods: The methodology was qualitative, exploratory and documentary based, through curriculum analysis supported by the recommendations of the National Curriculum Guidelines for the Nursing course and the National Policy for Comprehensive Health Care for Black Populations. It was collected from October to December 2022, organized into an instrumental matrix and interpreted through content analysis. Data were collected and discussed from the perspective of content analysis, used to reference Ethnic-Racial Relations and Health of the Black Population, in order to refine, gradually throughout the content, the emerging set that meets the included objective and subjective aspects. Results: Three categories emerged: Ethnic-racial relations and health and their implications for nursing education; Afro-Brazilian ethnic-racial perspectives on objectives, skills and competences; Ethnic-racial aspects in structure and theme. Final Considerations: It was noted that the institution has cross-cutting and disciplinary elements that encourage discussion on the subject throughout Nursing training, however, it was identified that there is a silencing about the reality about the health of the black population in the structure, organization, intentionality and content described.

Keywords: Nursing, Pedagogical Project, Ethnic and Racial Minorities, Teaching.

 

RESUMEN

Objetivo: Estudiar la inclusión del tema étnico-racial en un Proyecto Pedagógico de Enfermería de una institución privada de la región Norte. Métodos: La metodología fue cualitativa, exploratoria y documental, a través del análisis curricular sustentado en las recomendaciones de las Directrices Curriculares Nacionales de la carrera de Enfermería y la Política Nacional de Atención Integral a la Salud de la Población Negra. Fue recolectada de octubre a diciembre de 2022, organizada en matriz instrumental e interpretada a través del análisis de contenido Los datos fueron recolectados y discutidos desde la perspectiva del análisis de contenido, utilizados para referenciar las Relaciones Étnico-Raciales y la Salud de la Población Negra, con el fin de afinar, paulatinamente a lo largo del contenido, el conjunto emergente que cumple con los aspectos objetivos y subjetivos incluidos. Resultados: Emergieron tres categorías: Relaciones étnico-raciales y salud y sus implicaciones para la formación en enfermería; Perspectivas étnico-raciales afrobrasileñas sobre objetivos, habilidades y competencias; Aspectos étnico-raciales en estructura y tema. Consideraciones finales: Se constató que la institución cuenta con elementos transversales y disciplinarios que favorecen la discusión sobre el tema a lo largo de la formación de Enfermería, sin embargo, se identificó que existe un silenciamiento sobre la realidad sobre la salud de la población negra en la estructura, organización, intencionalidad y contenido descrito.

Palabras clave: Enfermería, Proyecto Pedagógico, Minorías étnicas y Raciales, Enseñanza.

 


                                                               


INTRODUÇÃO

O contexto social do Brasil é caracterizado pela diversidade étnica-racial e representada por diversidades culturais, historicamente multicultural com preponderância de afrodescendentes em virtude da política escravagista do Brasil(1). Há inúmeros debates acerca das identidades que permearam a sociedade brasileira, que muito tem contribuído para diálogos sobre heterogeneidade e a incapacidade de reconhecer a diversidade de relações existentes no país(2)​.

Nesse cenário, destaca-se também a desigualdade social, educacional e econômica entre os grupos populacionais, resultado das políticas colonialistas. Portanto, é necessário compreender a existência de várias dimensões que integram o cotidiano e fazem parte da realidade social, compondo-se como elementos que estruturam os currículos, sobretudo que envolvem em paralelo debates sobre saúde, renda e educação (3,4,5).

Nesse sentido, as lutas do movimento negro foram protagonistas e necessárias para o processo de inclusão dessas temáticas nos currículos, haja vista que dialogam sobre o racismo, a discriminação racial, a valorização e afirmação da história e da cultura negras no Brasil, e a sua ocupação nos diferentes espaços e lugares da sociedade(6). Outrora, quando se debate sobre formação em saúde é necessário associar os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) em articulação com o Ministério da Educação (MEC), a fim de impulsionar mudanças significativas e sugeridas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a formação de profissionais da área da saúde(7).

Como norteador da formação e prática dos agentes de saúde, o SUS tem buscado desenvolver políticas nas quais busca alinhar as diretrizes da educação em saúde aos paradigmas emergentes, entre elas a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN)(8)​. Esta visa promover a saúde e a equidade e desenvolver planos de ação para prestar mais cuidados no setor da saúde a esta parcela populacional, onde permanecem as marcas das condições de vida desfavorecidas e da falta de serviços de saúde(4).

No que diz respeito à política educacional, a legislação atual visa reunir um conjunto de requisitos para promover o desenvolvimento de processos de compreensão e reconhecimento das identidades afro-brasileiras(9)​. Nesse contexto, destaca-se o Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – DCNERER - que estabelece de forma obrigatória, o ensino da história da África e dos africanos no campo da educação básica brasileira(10). Diante disso, torna-se imprescindível questionar o campo dos currículos e, portanto, da formação em saúde no acordo político/pedagógico das relações étnico-raciais(11).

Também é relevante considerar a possibilidade de uma educação em que as diferentes matrizes curriculares que compõem a saúde, estabeleçam um diálogo proporcional, com suas respectivas epistemologias e, assim, mais respeito e compreensão das diferenças e saberes culturais(12)​.  Esses ajustes visam atender às demandas da população negra, por políticas de ação afirmativa em educação, a saber, por meio da compensação, reconhecimento e valorização de sua história, cultura e identidade(13).

Para a enfermagem em particular, entende-se que a formação profissional na área deve adequar os valores que possibilitem o exercício da enfermagem para além da competência técnica e as necessidades da saúde, ou seja, que seja capaz de atuar conforme os princípios disseminados pelo SUS, para a formação de profissionais com habilidades e competências sociais e equânimes(14). Para tanto é imprescindível a integração de novos marcos curriculares que possibilitem a inclusão de questões sociais no debate do ponto de vista formal, especialmente do ponto de vista da saúde(15).

Diante dessas inquietações, este estudo tem por objetivo analisar e identificar a existência de temáticas étnico-raciais no currículo de Enfermagem de uma faculdade do estado do Pará. Para tanto, foi utilizada uma análise da estruturação do Projeto Político Pedagógico do Curso (PPC) em suas proporções políticas-pedagógicas, e relacionada ao contexto evolutivo das relações étnico-raciais no que se refere à saúde da população negra.

 

 

MÉTODOS

 

Trata-se de um estudo qualitativo, de base documental exploratório(16), visando responder os questionamentos sobre inclusão de temáticas étnico-raciais no currículo de Enfermagem considerando as 1) Relações Étnico-raciais contempladas no Projeto Político Pedagógico; 2) Quais as áreas que contemplam esse tema; e 3) Quais as potencialidades e desafios encontrados(17).

Como fonte de dados, foi usado o Projeto Político Pedagógico (PPP) de um Curso de Enfermagem de uma instituição privada de ensino superior do Norte do Brasil, localizado no município de Ananindeua, região metropolitana de Belém, Estado do Pará. O curso foi autorizado no ano de 2017 e credenciado em 2022. Atualmente, o curso não passou pela avaliação do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE).  A versão do PPP não estava disponível no site da instituição, sendo necessário contato prévio por e-mail para seu acesso. A coleta de dados ocorreu no período de setembro de 2022 a janeiro de 2023.

Para identificar a presença da temática étnico-racial no conteúdo programático e ementas do PPP da referida faculdade, foram analisados as ementas e planos de 58 disciplinas presentes na matriz curricular. Para a organização dos dados foi elaborada uma matriz instrumental, com informações das categorias e subcategorias, conforme evidenciado no Quadro 1.


 

Quadro 1 – Categorias e subcategorias

CATEGORIA1  

Evidências das Relações Étnico-Raciais e Saúde e implicações na Formação da Enfermagem.

 

Elementos que expressam a abordagem do perfil epidemiológico, condições de vida, e contexto social da população negra.  

CATEGORIA 2  

Perspectivas étnico-raciais afro-brasileiros nos objetivos, habilidades e competências.

 

Elementos que indiquem os aspectos éticos/humanísticos considerando o viés racial para a formação em enfermagem.  

CATEGORIA 3  

Aspectos Étnico-Raciais na estrutura temática curricular.

 

Elementos que considerem o viés étnico racial nas abordagens de temas sobre da Saúde da População Negra na graduação em enfermagem. 

 

Subcategorias

 

 

Contextualização da Saúde da População Negra 

Humanização SPN

 

 

Política da SPN

 

Nosologia da SPN, Ética, Bioética e espiritualidade 

 

Semiologia 

Atendimento da SPN 

 

 


A análise do documento se baseou na análise de conteúdo(18), utilizando como parâmetro as Diretrizes Curriculares Nacionais da Enfermagem (DCNE)(19); Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais (DCERER)(10); e Política de Saúde Integral da População Negra(10)

Não foi necessário submeter a pesquisa ao Comitê de Ética em Pesquisa, uma vez que esta pesquisa se constitui em um estudo documental realizado a partir de dados disponíveis de acesso público e irrestrito, conforme descrito pela Resolução de Ética em Pesquisa 510/2016.

RESULTADOS

Para realizar a análise documental do conteúdo PPP, foram necessárias a elaboração de categorias com base em sua estrutura, assim como Unidades de Registros (UR). Para tanto, emergiram as seguintes categorias: Categoria 1: Explicitação das Relações Étnicas Raciais e a Saúde da População Negra que fundamentam e Justificam a formação em enfermagem. Categoria 2: Características étnicas dos afro-brasileiros em objetivos, competências e habilidades. Categoria 3: Relação étnico-racial e étnico-brasileiro na organização e nos conteúdos curriculares e as subcategorias.

Nestas categorias, buscou-se estabelecer unidades de registros conectadas à aspectos relevantes da saúde da população negra e afro-brasileira. Diante da análise das 58 disciplinas inseridas no eixo teórico-prático, 30 propõem conteúdos capazes de integrar os temas descritos nas unidades de registros. Das 23 unidades de registro listadas, 21 foram identificadas após levar em consideração o raciocínio implícito no assunto abordado. No que diz respeito às nosologias consideradas prevalentes nas populações negras, apenas as de condições genéticas emergem de forma específica, porém nenhuma delas incorpora explicitamente o viés racial em seu conteúdo.  

Além destas unidades de registro foram consideradas as citações referentes a doenças de condições genéticas, as doenças adquiridas pelas condições de vida desfavoráveis, as doenças agravadas pelas condições de acesso e condições fisiológicas que sofrem interferências ambientais e evoluem para doenças referentes ao perfil de populações negras. Esta abordagem aparece em sua maioria, vinculadas às disciplinas Semiologia, Propedêutica, Saúde do Adulto e do Idoso, Saúde da Mulher, Saúde da Criança e do Adolescente e Psiquiatria de Urgência.

Durante a análise, os elementos buscados consideraram as especificidades da inclusão de termos de identidade étnico-racial, a exemplo de raça e cor, a compreensão dos conceitos de saúde-doença no universo mitológico e religioso afro-brasileiro, e a avaliação genética e das condições socioeconômicas que são sinalizados nas políticas vigentes(20).

Também foi considerada a postura crítica e reflexiva frente às crenças, as atitudes, aos valores discriminatórios e preconceituosos, ao cuidado centrado na pessoa, na família e comunidade, população livre de estereótipos, racismo e seus efeitos pessoais, interpessoais e institucionais, alteridade e a relação profissional - paciente e bioética, bem como suas razões e emergência, as especificidades da saúde, compreensão e visão crítica antirracista quanto aos fatores desencadeadores e determinantes do racismo na atenção à saúde.

No que diz respeito aos protocolos de tratamento e processo de distribuição de medicamentos pela rede de medicamentos do SUS, considerou-se os registros, haja vista que estes são relevantes para a política de atenção às farmacêuticas - e para a diversidade, parecem ser ignorados.  Para as subcategorias Ética, Bioética e Espiritualidade, refere-se à evidência de uma cosmovisão africana vista a partir de uma perspectiva de cuidado. Não há menção da unidade registrada listada para ela. 

Considerando a Instituição analisada, não foram identificados registros em suas recomendações de implementação, de forma explícita, a abordagem acerca das relações étnico-raciais e afro-brasileiras, preconizadas pela DCNERER e pela PNSIPN. O projeto pedagógico do Curso tem como base as Diretrizes Curriculares (DCN´s) do curso de Enfermagem, e não trazem indicativos para essa abordagem. No entanto, há referência sobre relações étnico-raciais, SPN onde não foram especificamente mencionadas, sendo indiretamente citadas nos seguintes trechos sobre a formação:

“Formação generalista [...] compromisso com o indivíduo e a intervir nos problemas/situações de saúde-doença (PPC, p. 44)”. 

“Desenvolver as competências e habilidades [...] contextos sociopolítico-cultural nacional e local (PPC, p. 44)”. 

“Implementar metodologias no processo ensinar-aprender que estimulem o aluno a refletir sobre a realidade social e aprenda a aprender (PPC, p. 44)”. 

“Fomentar a valorização das dimensões éticas e humanísticas da profissão, desenvolvendo no aluno atitudes e valores orientados para a cidadania e para a solidariedade (PPC, p. 45)”. 

“Fortalecer o reconhecimento do futuro profissional como agente transformador do processo de trabalho, procurando contribuir no aperfeiçoamento das dinâmicas institucionais, observando os princípios éticos e humanísticos (PPC, p. 45)”. 

“Desenvolver o senso de valor profissional e da atuação do enfermeiro como diferencial para a transformação da sociedade (PPC, p. 45)”. 

 

DISCUSSÃO

Destaca-se que na categoria 1 as informações contidas no PPP evidenciam dados sociodemográficos populacionais, socioeconômicos, educacionais, dados socioambientais, geografia in loco regional, indicadores de saúde n Estado e Município (20).

Contudo, essa representação é feita de forma homogênea, sem contextualizar as disparidades étnico-raciais, impactos e necessidades de saúde da população negra assim como em outros estudos(21,22)

Os achados demonstram que as condições de vida e a realidade social da população negra na apresentação da realidade e a importância da discussão sobre as questões étnico-étnicas (2,3), para o curso de enfermagem, descritas no PPC são importantes para incluir o tema na formação(12), assim como aponta outro estudo(12). Sobre isso, no ensino superior, as DCN’s propõem agregar a questão racial a atenção à saúde, observando a pluralidade humana e as coletividades no artigo 9º descrito(19).

 Assim, os processos de formação em enfermagem passaram a se concentrar em realidades loco-regionais, tendo em conta as diferenças culturais, políticas e sociais (demográficas, perfis epidemiológicos e socioeconômicos) de cada região(20). Logo, o objetivo é compreender melhor os processos produtivos do binômio saúdem/doença com base no meio ambiente e sociocultural, promovendo efetivamente a formação em saúde a partir do bem-estar e a qualidade de vida da população(14)

Desse modo quando analisamos os elementos da categoria 2, nota-se que o PPP é orientado por competências a serem apoiadas por elementos que valorizam os aspectos éticos e bioéticos. O cuidado é enfatizado para garantir que o PPC é compatível com os valores apoiados pela instituição, construindo uma sociedade mais justa e comprometida com os princípios do SUS(23).

No entanto, o PPC, não demonstra referência explícita, nas habilidades e competências gerais e específicas de preparo para subsidiar os profissionais a lidar com o problema da "diferença", e não há abordagens aos aspectos étnico-raciais e suas particularidades em relação aos afro-brasileiros(24). As informações contidas no documento em análise demonstram uma simples explicitação acerca da intenção da instituição em garantir uma formação do enfermeiro com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania(25), sendo que não há identificação de menções às necessidades de reflexão crítica sobre como as relações étnico-raciais(12) poderiam ser abordadas.

Já em referência a categoria 3, reitera-se que os dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 mostraram que o estado de saúde em relação aos não negros, continua sendo considerado ruim, indicando que o estado de saúde dessa população permanece insuficiente(20). São realidades que mostram claramente as necessidades de desenvolvimento de competências e habilidades que incluam dimensões étnico-raciais na formação de profissionais da área da saúde(12), dentre os quais profissionais da enfermagem(26)

A Resolução CNE/CP 01/2004 Art. 4º e 5º tornou obrigatória o estudo das relações étnico-raciais, conteúdo obrigatório da formação de enfermeiros, porém algumas instituições ainda apresentam descumprimento, afinal, o currículo nacional de educação étnico-étnico orienta o ensino das relações raciais e afro-brasileiras, e história e cultura africana. Desse modo, ações devem ser tomadas em todos os níveis e de forma a garantir respeito, igualdade, conhecimento e valorização entre as “raças”(8)

As evidências apontam que é necessário rever alguns pontos do currículo, pois a forma como o currículo está organizado explica a dinâmica do curso em termos de conteúdos disciplinares, mas não há conexão entre as disciplinas e as atividades a serem desenvolvidas que proporcionem uma formação adequada no sentido etno-racial(22). A partir dessa dinâmica formativa, e os conteúdos passarem a serem inseridos na matriz curricular (21,22), incentiva o compromisso das instituições de ensino, e são uma alternativa de assegurar para que se desconstruam os estigmas e preconceitos, e se fortifiquem as diferenças étnicas com base na PNSIPN, inclusive de modo transversal por atividades extensionistas(27).

A Resolução CNE/CP nº 01/2004 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana trazem propostas em relação a essa última modalidade. A resolução, em seu artigo 7º, define que as instituições: “incluirão nos conteúdos de disciplinas e atividades curriculares dos diferentes cursos que ministram, a Educação das Relações Étnico-Raciais”.

Entende-se que nesse processo é possível observar o comprometimento da disciplina com uma precisão burocrática, pois é instituída por lei, não por uma obrigação ou compromisso social e política (12, 25, 27), já que o curso de enfermagem tem se colocado em diversos outros contextos em relação a outras questões e necessidades de saúde da população loco regional(28)

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

É imprescindível que haja estudos sobre a inclusão de conteúdos étnico-racial nos currículos de formação em saúde, pois ao estudar o currículo de cursos se oportuniza a identificação de silenciamentos acerca da realidade sobre a saúde da população negra, seja na estrutura, organização, intencionalidade e conteúdo descritos no projeto pedagógico.

Notou-se sua inclusão, de modo transversal, mas reitera-se que a organização deste currículo está alicerçada em paradigmas que permitem uma abordagem das relações étnico-raciais de forma superficial. Portanto, devem ser feitas adaptações e ajustes na organização da matriz curricular e ementas das disciplinas, além de planejamento para a integração efetiva destas disciplinas obrigatórias em todos os eixos formais do currículo. As análises deste estudo limitaram-se a documentos relacionados ao ensino, o que nos leva a questionar se esses são dados preocupantes e demonstram a invisibilidade do tema, também replicado em pesquisa e extensão. 

É perceptível e fundamental que um estudo sobre a temática étnico racial em curso de graduação, ressalte a importância do negro na sociedade e proporcione aos demais conhecer a sua história. Dessa maneira, o graduando terá uma visão de mundo mais ampla relacionado ao assunto e terá subsídio para o tratar de maneira individualizada, sabendo que cada ser humano apresenta um padrão e perfil de vida diferente e único, mas que todos são capazes de contribuir para uma vivência harmônica em uma sociedade construída por diferentes realidades.      

Para além disso, precisamos tratar o racismo como realmente se reflete na saúde da população negra, um dos principais “determinantes e condicionantes” fatores de risco para a saúde da referida população, considerando que a sociedade brasileira foi construída e institucionalizada em bases racistas com reflexo direto nas condições socioeconômicas e educacionais dos negros brasileiros. A falta de implementação da Resolução CNE/CP nº 01/2004 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, ajuda a perpetuar o preconceito e a discriminação racial dentro dos diversos setores da sociedade, e nas IES não é diferente, visto que o acesso ainda é majoritariamente de pessoas não negras, principalmente nos cursos da saúde.

Ainda existe uma visão muito deturpada do impacto social do racismo na vida em sociedade. Diante disso, é imprescindível antes mesmo da abordagem técnica do processo saúde – doença, a necessidade de se fazer dentro dos currículos um recorte histórico, com o objetivo de situar os discentes agora como consequência de um passado triste e recente. A partir dessa compreensão, introduzir conteúdos capazes de formar profissionais capazes de desenvolver habilidades que realmente comecem a mover as estruturas dos serviços de saúde, fazendo com que a equidade seja uma realidade e que as estatísticas possam mostrar essa mudança.

Outro ponto a ser considerado é que, como a prática docente é dinâmica e o currículo é uma ferramenta em constante atualização, documentos como o projeto pedagógico podem não refletir com precisão o que é realmente implementado nas salas de aula e em outros ambientes de ensino-aprendizagem. Isso traz as limitações deste estudo, mas ao mesmo tempo abre espaço para outros estudos que enfoquem os participantes envolvidos no currículo e na implementação prática. 

REFERÊNCIAS

1. Silva, GV. A Diversidade étnico-racial negra no contexto da Educação Básica e seu marco legal pós LDB: entre limites e controvérsias. Rev Cocar [Internet]. 2020 [citado 2022 Abr 12];14(30):. Doi: https://doi.org/10.31792/rc.v14i30

 

2. Santos ARJ, Araújo JF, Chingulo MGC, Tiroli LG, Mazzafera BL. Questões étnico-raciais no ambiente escolar: reflexões a partir de teses e dissertações sobre práticas pedagógicas desenvolvidas na Educação Básica. Práxis Educativa. 2022; 17 (1): 1-16. doi: 10.5212/PraxEduc.v.17.18338.006

 

3. Cavalcante P. A questão da desigualdade no Brasil: como estamos, como a população pensa e o que precisamos fazer. Texto para discussão. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília-DF; Rio de Janeiro: Ipea; 2020; 28. doi: http://dx.doi.org/10.38116/td2593

 

4. Tomasiello DB et al. Desigualdades raciais e de renda no acesso à saúde nas cidades brasileiras. Texto para discussão. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Rio de Janeiro: Ipea; 2021. doi: http://dx.doi.org/10.38116/td2832

 

5. Albuquerque MV, Ribeiro LHL. Desigualdade, situação geográfica e sentidos da ação na pandemia da COVID-19 no Brasil. Cad Saúde Pública. 2020;36(12):e00208720. doi:  https://doi.org/10.1590/0102-311X00208720

 

6.  Moura JTV, Ramos PC. As narrativas do movimento negro no campo político brasileiro: do protesto à política institucionalizada. Revista Contemporânea de Antropologia. 2020; (50): 224-47. doi: 10.22409/antropolitica2020.i50.a42029

 

7. Ferreira MJM, Ribeiro KG, Almeida MM, Sousa MS, Ribeiro MTAM, Machado MMT, et al. New National Curricular Guidelines of medical courses: opportunities to resignify education. Interface (Botucatu). 2019;23:e170920. doi: https://doi.org/10.1590/Interface.170920

 

8. Ministério da Saúde (BR). Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: uma política do SUS. 2 ed. Brasília-DF: Ministério da Saúde; 2013.  

 

9. Gouveia EAH, Silva RO, Pessoa BHS. Competência Cultural: uma Resposta Necessária para Superar as Barreiras de Acesso à Saúde para Populações Minorizadas. Rev bras educ med. 2019;43(1):82–90. doi: https://doi.org/10.1590/1981-5271v43suplemento1-20190066

 

10. Ministério da Educação (BR). Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica. Brasília (DF): Ministério da Educação. 2004.

 

11. Bitencourt RR, Buchmann MG, Mengatto CM, Bernardi JR, Silva VL da, Ruiz ENF, Pires FS. O processo de formação em saúde: uma análise dos planos de ensino das atividades curriculares obrigatórias. Saberes Plur. 2020;4(1):62-78. Doi:  https://doi.org/10.54909/sp.v4i1.102022

 

12. Santana RAR, Akerman M, Faustino DM, Spiassi AL, Guerriero ICZ. A equidade racial e a educação das relações étnico-raciais nos cursos de Saúde. Interface (Botucatu). 2019;23:e170039. doi: https://doi.org/10.1590/Interface.170039

 

13. Da Silva PGR et al. Ações afirmativas como garantia e direito à educação da população negra no Brasil. Educ.: Teor. e Prat.  2021; 31(64):e17. doi: https://doi.org/10.18675/1981-8106.v31.n.64.s14647

 

14. Chicharo SCR, Costa RM, Silva RA, Pereira ER, Araujo STC, Carneiro SCSP, Prado LDSR. Significado de competências pedagógicas na formação docente de enfermagem: um estudo fenomenológico. Rev Enferm UERJ. 2021; 29: p. e62701, doi: https://doi.org/10.12957/reuerj.2021.62701

 

15. Sampaio B, Xavier S, Machado L, Nunes S, Rodrigues A, Machado M. Competências para promoção da saúde na formação do enfermeiro. Rev Enferm UFPE. 2021; 15(1)e-246122. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963.2021.246122

 

16.  Lima Junior EB, Oliveira GS, DOS Santos ACO, Schnekenberg GF. Análise documental como percurso metodológico na pesquisa qualitativa. Cad Fucamp, 2021; 20(44):36-51. Disponível em: https://revistas.fucamp.edu.br/index.php/cadernos/article/view/2356

 

17. Oliveira MC, Austrilino L, Riscado JLR. Análise curricular do curso de medicina na perspectiva da saúde da população negra. New Trends in Qualitative Research, 2021; 7:341-349. Doi: https://doi.org/10.36367/ntqr.7.2021.341-349

 

18. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.

 

19. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional da Saúde. Resolução Nº 573, De 31 De Janeiro De 2018. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação Bacharelado em Enfermagem. Brasília-DF: Diário Oficial da União, Poder Executivo; 2018.

 

20. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil. Estudos e Pesquisas: Informações Demográficas e Socioeconômicas. Rio de Janeiro: IBGE; 2019. 41, p. 1–12.

 

21. Castro NJC, Cavalcante IMS, Palheta ASE, Santos DNS. Inclusão de disciplinas em graduação de enfermagem sobre populações tradicionais amazônicas. Cogitare Enfermagem. 2017; 22(2): 49730. doi: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v22i2.49730.

 

22. Castro NJC et al. Ensino da saúde das populações tradicionais em cursos de enfermagem. Enferm. Foco, 2019; 10(6): 36-41.  doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n6.2258

 

23. Magnago C, Pierantoni CR. A formação de enfermeiros e sua aproximação com os pressupostos das Diretrizes Curriculares Nacionais e da Atenção Básica. Ciência Saúde Coletiva, 2020;25(1):15–24. doi:  https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.28372019 

24. Pereira MG et al. Historicidade e singularidade da saúde da mulher negra: repercussões do cuidado do enfermeiro na atenção primária a saúde. Rev Recien, 2022; 12(37):463-71. doi:  10.24276/rrecien2022.12.37.463-471

 

25. Chirelli MQ, Sordi MRL. Critical thinking in nursing training: evaluation in the area of competence Education in Health. Rev Bras Enferm, 2021;74(5): e20200979. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0979

 

26. Monteiro RB, Santos MPA, Araujo EM de. Saúde, currículo, formação: experiências sobre raça, etnia e gênero. Interface (Botucatu). 2021;25:e200697. doi: https://doi.org/10.1590/interface.200697

 

27.  Araújo JS, Santos RA, Carvalho JFC, CastroI NJC. Public policy for social inclusion in higher education and extension practices with ethnic groups. Rev Bras Enferm., 2022;75:e20210970. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0970

 

28. Silva ER, Alencar EB, Dias EAD, Rocha LC, Carvalho SCM. Transculturalidade na enfermagem baseada na teoria de Madeleine Leininger. Rev Eletr Acervo Saúde, 2021; 13(2):e556. doi: https://doi.org/10.25248/reas.e5561.2021

 

 

Contribuições de autoria

 

Autor 1. Pamela Correia Castro

Contribuições: 1. contribui substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

Autor 2. Dayanne de Nazaré dos Santos

Contribuições: 1. contribui substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

Autor 3. Ana Leia Moraes Cardoso

Contribuições: Revisão final com participação crítica e análise intelectual no manuscrito.

Autor 4. Joanete da Costa Negrão

Contribuições: Revisão final com participação crítica e análise intelectual no manuscrito.

Autor 5. Rúbia Gabriela Ferreira Lacerda

Contribuições: Revisão final com participação crítica e análise intelectual no manuscrito.

Autor 6. Brenda Caroline Martins da Silva

Contribuições: Revisão final com participação crítica e análise intelectual no manuscrito.

Autor 7. Juliana Pereira Pinto Cordeiro

Contribuições: Revisão final com participação crítica e análise intelectual no manuscrito

Autor 8. Nádile Juliane Costa de Castro

Contribuições: 1. contribui substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

 

 

Fomento / Agradecimento: Não há fomento e agradecimentos.

 

Editor Científico: Ítalo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447           

 Rev Enferm Atual In Derme 2024;98(2): e024292