RELATOS
FOTOBIOMODULAÇÃO E FOTODINÂMICA NO TRATAMENTO DE LESÕES POR PIODERMA GANGRENOSO: RELATO DE CASO
PHOTOMODULATION AND PHOTODYNAMIC THERAPY IN THE TREATMENT OF PYODERMA GANGRENOSUM LESIONS: A CASE REPORT
FOTOMODULACIÓN Y TERAPIA FOTODINÁMICA EN EL TRATAMIENTO DE LESIONES POR PIODERMA GANGRENOSO: UN INFORME DE CASO
https://doi.org/10.31011/reaid-2024-v.98-n.2-art.2162
Gabriela Machado Silva1
Alexsandra Martins da Silva2
Sabado Gomes Dabó3
Luis Gustavo Ferreira da Silva4
Marlei Sangalli5
Guilherme Luiz Pacher Schmitz6
Maria Elena Echevarría-Guanilo7
1 Enfermeira. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis - SC, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9409-1916.
2 Mestre em enfermagem. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (PEN-UFSC). Florianópolis - SC, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9147-9990.
3 Mestre em enfermagem. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (PEN-UFSC). Florianópolis - SC, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2782-2106.
4 Cirurgião plástico. Coordenador chefe do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago da Universidade Federal de Santa Catarina (HU-UFSC/Ebserh). Florianópolis - SC, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1745-5792.
5 Cirurgiã plástica. Programa de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago da Universidade Federal de Santa Catarina (HU-UFSC/Ebserh). Florianópolis - SC, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2179-3727.
6 Cirurgião plástico. Programa de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago da Universidade Federal de Santa Catarina (HU-UFSC/Ebserh). Florianópolis - SC, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0009-0006-3693-2418.
7 Doutora em enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis - SC, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0505-9258.
Autor correspondente
Gabriela Machado Silva
Delfino Conti s/n - Trindade - Centro de Ciências da Saúde, bloco I - sala 206 - Florianópolis, SC - Brasil - 88040-370. +55 47 999549390. machadogabrielauf@gmail.com
RESUMO
Objetivo: relatar a evolução clínica e o tratamento de um adulto com lesão por pioderma gangrenoso, utilizando fotobiomodulação e fotodinâmica como terapias adjuvantes. Método: relato de caso sobre o tratamento de uma pessoa com lesões por pioderma gangrenoso, acompanhada ambulatorialmente em um Hospital Universitário do Sul do Brasil. Para a organização do estudo foi seguida as diretrizes do guia Case Report Guidelines. Resultados: masculino, 38 anos, com histórico de hipertensão arterial sistêmica, artrite reumatoide e síndrome de Klinefelter. Em 2019, iniciou atendimento junto à enfermagem e cirurgia plástica devido a lesões em ambas as pernas, com queixa de intensa dor, sendo diagnosticado com pioderma gangrenoso. Prosseguiu com tratamento para a doença autoimune, analgesia e antibioticoterapia. Esteve internado devido quadro infeccioso, em cinco ocasiões, e manteve acompanhamento semanal para realização de curativos. Em fevereiro de 2021, iniciou o tratamento com a fotobiomodulação e a fotodinâmica, aplicados nas lesões uma vez por semana. Após 41 sessões de fotobiomodulação e 20 de fotodinâmica, a lesão na perna esquerda reduziu de 34,5cm x 17,5cm para 3,5cm x 0,8cm, com evidente diminuição do exsudato, maior área de tecido de granulação, borda plana e de coloração rósea, além de redução de edema e dor em ambos os membros; e lesão na perna esquerda cicatrizada. Conclusão: a fotobiomodulação e a fotodinâmica, como tratamento adjuvantes, mostraram importante contribuição na cicatrização das lesões por pioderma gangrenoso. O acompanhamento multidisciplinar foi fundamental para o sucesso das estratégias de cuidado.
Palavras-chave: Pioderma Gangrenoso; Enfermagem; Terapia a Laser; Terapia com Luz de Baixa Intensidade.
ABSTRACT
Objective: to report the clinical evolution and treatment of an adult with pyoderma gangrenosum lesion, using photobiomodulation and photodynamic therapy as adjuvant therapies. Method: case report on the treatment of a person with pyoderma gangrenosum lesions, followed up as an outpatient at a University Hospital in Southern Brazil. The study was organized following the Case Report Guidelines. Results: 38-year-old male with a history of systemic arterial hypertension, rheumatoid arthritis, and Klinefelter syndrome. In 2019, he began nursing and plastic surgery care due to lesions on both legs, complaining of intense pain, being diagnosed with pyoderma gangrenosum. He continued treatment for the autoimmune disease, analgesia, and antibiotic therapy. He was hospitalized due to an infectious condition on five occasions and maintained weekly follow-up for dressing changes. In February 2021, he started treatment with photobiomodulation and photodynamic therapy, applied to the lesions once a week. After 41 sessions of photobiomodulation and 20 of photodynamic therapy, the lesion on the left leg reduced from 34.5cm x 17.5cm to 3.5cm x 0.8cm, with evident reduction of exudate, larger granulation tissue area, flat and pink-colored edge, as well as reduction of edema and pain in both limbs; and the lesion on the right leg was healed. Conclusion: photobiomodulation and photodynamic therapy, as adjuvant treatments, showed significant contribution to the healing of pyoderma gangrenosum lesions. Multidisciplinary follow-up was essential for the success of care strategies.
Keywords: Pyoderma Gangrenosum; Nursing; Laser Therapy; Low-Level Light Therapy.
RESUMEN
Objetivo: informar sobre la evolución clínica y el tratamiento de un adulto con lesiones por piodermia gangrenosa, utilizando fotobiomodulación y fotodinámica como terapias adyuvantes. Método: informe de caso sobre el tratamiento de una persona con lesiones por piodermia gangrenosa, atendida como paciente ambulatorio en un Hospital Universitario del Sur de Brasil. Para la organización del estudio se siguieron las directrices del guía Case Report Guidelines. Resultados: Masculino, 38 años, con historial de hipertensión arterial sistémica, artritis reumatoide y síndrome de Klinefelter. En 2019, comenzó el tratamiento con enfermería y cirugía plástica debido a lesiones en ambas piernas, con quejas de dolor intenso, siendo diagnosticado con piodermia gangrenosa. Continuó con el tratamiento para la enfermedad autoinmune, analgesia y antibioticoterapia. Estuvo hospitalizado debido a un cuadro infeccioso en cinco ocasiones y mantuvo seguimiento semanal para cambios de apósitos. En febrero de 2021, comenzó el tratamiento con fotobiomodulación y fotodinámica, aplicados en las lesiones una vez por semana. Después de 41 sesiones de fotobiomodulación y 20 de fotodinámica, la lesión en la pierna izquierda se redujo de 34,5cm x 17,5cm a 3,5cm x 0,8cm, con una evidente reducción del exudado, mayor área de tejido de granulación, borde plano y de color rosado, así como reducción del edema y del dolor en ambas extremidades; y la lesión en la pierna derecha se cicatrizó. Conclusión: la fotobiomodulación y la terapia fotodinámica, como tratamientos adyuvantes, mostraron una importante contribución en la cicatrización de las lesiones por piodermia gangrenosa. El seguimiento multidisciplinario fue fundamental para el éxito de las estrategias de cuidado.
Palabras clave: Piodermia Gangrenosa; Enfermería; Terapia por Láser; Terapia por Luz de Baja Intensidad.
INTRODUÇÃO
O pioderma gangrenoso (PG) é uma condição cutânea rara e ulcerativa caracterizada por uma apresentação clínica distintiva. Classificado entre as dermatoses neutrofílicas das doenças inflamatórias da pele, o PG frequentemente está correlacionado com outras condições sistêmicas, como doença inflamatória intestinal, artrite reumatoide, além de várias condições inflamatórias, autoimunes, malignidades hematológicas e tumores sólidos(1,2).
As características distintivas do PG incluem úlceras dolorosas com margens violáceas bem definidas. Ademais, outras manifestações da doença, como as variantes bolhosa, pustulosa e vegetativa/granulomatosa, também podem surgir. O diagnóstico do pioderma é baseado em critérios que englobam a apresentação típica, morfologia da lesão cutânea, análises histopatológicas e exclusão de outras possíveis etiologias(1,2).
Além disso, é relevante destacar o fenômeno da patergia, que descreve uma condição de resposta tecidual exacerbada diante de traumas mínimos. Isso pode resultar no desenvolvimento de novas lesões ou na progressão de lesões já existentes, o que é comumente observado em casos de PG(3).
O tratamento do PG no contexto clínico apresenta desafios significativos, e a escolha da terapia adequada é influenciada por vários fatores, como a localização, número e tamanho das lesões, a natureza do curso da doença e a presença de comorbidades associadas. A estratégia terapêutica a ser adotada varia conforme a extensão e o tipo das lesões, podendo incluir tratamentos tópicos, intralesionais e anti-inflamatórios sistêmicos, como corticosteroides ou imunossupressores. Terapias direcionadas, como os agentes biológicos anti-fator de necrose tumoral (TNF) α (alfa), têm sido incorporadas recentemente, e novas abordagens terapêuticas têm contribuído significativamente para o manejo do PG(1,2,4).
No que tange ao tratamento das lesões, a fotobiomodulação (FBM) é uma abordagem terapêutica amplamente utilizada em diversas condições patológicas, com ênfase notável na cicatrização de lesões. A FBM envolve a aplicação de lasers de baixa potência nos tecidos lesionados, visando promover efeitos benéficos, como a aceleração da cicatrização, alívio da dor e redução da inflamação(5-7).
No que diz respeito aos comprimentos de onda utilizados, a luz vermelha é eficaz na ativação de enzimas e mitocôndrias celulares, resultando em maior energia para as células e promovendo a recuperação dos tecidos. Além disso, ela estimula o aumento do fluxo sanguíneo, a produção de colágeno e o fluxo linfático. Já, a terapia com luz infravermelha, de espectro não visível, embora não seja absorvida pelas organelas celulares, a luz afeta a membrana celular, excitando elétrons e desencadeando vibrações e rotações moleculares que, por sua vez, aumentam a síntese de adenosina trifosfato (ATP), um importante fator para a recuperação tecidual(5-7).
Outra ferramenta significativa no tratamento de lesões é a terapia fotodinâmica (PDT), que implica na combinação do uso da FBM com fotossensibilizadores, como o azul de metileno a 1% de concentração. Essa abordagem é especialmente útil na redução de carga microbiana, pois a luz reage com as partículas fotossensíveis ao oxigênio nos tecidos, produzindo efeito antimicrobiano e resultando em um efeito citotóxico que leva à morte das células ou microorganismos presentes no tecido(5-7).
A identificação dessas terapias como elementos adjuvantes relevantes no tratamento de lesões cutâneas, especialmente aquelas decorrentes de PG, enfatiza a contínua necessidade de pesquisa e aprimoramento dessas abordagens. Em conjunto com um tratamento multidisciplinar, essas terapias têm o potencial de acelerar a recuperação, reduzir a dor e proporcionar uma melhor qualidade de vida. Além disso, é importante ressaltar que ainda há uma escassez de estudos in vivo sobre a aplicabilidade da FBM e fotodinâmica PDT no tratamento do PG. Portanto, estudos como este não apenas fornecem insights valiosos, mas também reforçam a necessidade de mais pesquisas sobre o assunto e demonstram a aplicabilidade clínica dessas terapias no manejo do PG.
Dada a relevância da temática em questão, o objetivo principal deste estudo é relatar o caso de uma pessoa adulta com lesão por PG, e a evolução clínica empregando a FBM e a PDT como terapias adjuvantes. Com a intenção de contribuir para o conhecimento científico e aprimorar as abordagens terapêuticas na esfera do PG, propõe-se a seguinte questão de pesquisa: como os efeitos combinados da FBM e PDT, utilizadas como terapias adjuvantes, influenciam o tratamento de um paciente com lesões por PG?
MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo do tipo relato de caso. Para a apresentação dos dados, foram seguidas as recomendações do guia Case Report Guidelines (CARE)(8).
O estudo foi realizado a partir da avaliação da utilização da FBM e PDT como terapias adjuvantes no tratamento de lesões por PG de uma pessoa atendida em ambiente ambulatorial. Esse acompanhamento foi realizado entre 20 de março de 2020 a 20 de janeiro de 2023 pelas equipes de enfermagem, cirurgia plástica, endocrinologia e reumatologia do Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago da Universidade Federal de Santa Catarina, administrado pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (HU-UFSC/Ebserh), em Florianópolis, Santa Catarina (SC).
Os dados foram coletados por meio de uma ficha de acompanhamento do caso, utilizando informações disponíveis no prontuário do paciente. Registros fotográficos da lesão foram feitos em cada atendimento, utilizando a câmera de 12 megapixels do aparelho celular iPhone 13 da Apple®. A presente pesquisa forma parte do projeto intitulado “Pessoas em condição crônica de saúde – e seus cuidadores – que requerem cuidados com lesões cutâneas: desafios do cuidado domiciliar”. A pesquisa foi aprovada pela Gerência de Ensino e Pesquisa (GEP) do HU-UFSC/Ebserh e pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (CEPSH-UFSC) sob CAAE: 51541721.0.0000.0121.
Por fim, respeitou-se integralmente os princípios éticos estabelecidos na Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e no Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, conforme estabelecido na Resolução nº 564/2017 do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), em relação ao sigilo, privacidade e consentimento do participante.
RESULTADOS
Relato de caso de um adulto jovem, sexo masculino, 38 anos, comerciante, reside no município de São José - Santa Catarina, autodeclarado branco e possui ensino fundamental completo. Apresenta histórico de hipertensão arterial sistêmica diagnosticada há sete anos, artrite reumatoide identificada há quatro anos e seis meses, e síndrome de Klinefelter diagnosticada há dois anos. Nega etilismo, porém é tabagista, fazendo uso de 5 cigarros por dia. Faz o uso das seguintes medicações: prednisona 5 mg; losartana 50 mg; hidroclorotiazida 25 mg; ciclosporina 100 mg; colchicina 0,5 mg; carbonato de cálcio 500 mg + vitamina D; alendronato sódico 70 mg; omeprazol 20 mg; fluoxetina 20 mg; clorpromazina 25 mg; alopurinol 300 mg; atorvastatina 20 mg; adalimumab 40 mg (a cada 15 dias); cipionato de testosterona 200 mg (a cada 15 dias); e refere que, quando necessário devido à intensa dor, faz o uso de cloridrato de tramadol e paracetamol + fosfato de codeína.
As lesões surgiram em 2019, após trauma cutâneo, descrito como pústulas superficiais hemorrágicas. Em 2020, evoluíram para lesões ulceradas, predominantemente com tecido de necrose, bordas irregulares eritêmato-violáceas e intenso processo inflamatório. Essa condição exigiu cinco internações para desbridamento cirúrgico. Inicialmente, as necessidades da doença autoimune foram abordadas farmacologicamente com o uso de infliximabe, posteriormente substituído por adalimumabe devido a uma resposta alérgica. Além disso, foi administrado cloridrato de tramadol e paracetamol + fosfato de codeína, devido à queixa de dor intensa, e instituída antibioticoterapia de amplo espectro.
Na primeira avaliação, realizada em 20 de março de 2020, a lesão na face anterior da perna esquerda apresentava 34,5 cm de comprimento x 17,5 cm de largura (Imagem A da Figura 1), enquanto na face anterior da perna direita apresentava 14 cm de comprimento x 8 cm de largura (Imagem B da Figura 1). Ambas as lesões apresentavam exsudato abundante (≥ 70%) e sanguinolento, com bordas irregulares e planas de coloração violácea, acompanhadas de edema de 3/4+ em ambos membros inferiores. A pele perilesional exibia dermatite ocre, estava hiperemiada, sensível ao toque e também havia tecido cicatricial de queimadura prévia na área da lesão na perna esquerda.
Figura 1 - Lesões em primeira avaliação realizada dia 20 de março de 2020
Fonte: arquivo pessoal dos autores (2024).
Legenda: A - lesão em face anterior da perna esquerda; B - lesão em face anterior da perna direita.
Após os períodos de internação, sendo a última em dezembro de 2020, o participante compareceu semanalmente para avaliação e realização de curativos pela equipe de enfermagem e cirurgia plástica. Além disso, manteve consultas quinzenais ou mensais, conforme necessidade, com as equipes de reumatologia e dermatologia.
O procedimento de limpeza seguiu a abordagem padrão para cuidados com lesões aplicada a todos os pacientes atendidos na cirurgia ambulatorial. Consistiu na limpeza com soro fisiológico 0,9%, aquecido a 36 ºC, seguida pela aplicação de solução aquosa de polihexanida e betaina (PHMB) embebida em gaze estéril, que permaneceu em contato com a lesão por 15 minutos. Além do mais, foram realizados cuidados gerais, incluindo a aplicação de creme barreira nas bordas das lesões e a hidratação da pele perilesional.
Desde o início do acompanhamento, após o primeiro desbridamento, as lesões foram avaliadas, apresentando inicialmente tecido de granulação (cerca de 80% em perna esquerda e 90% em perna direita) e superfícies planas (Figura 1). Nesse período, foram utilizadas coberturas primárias, como hidrofibra com prata e alginato com prata. Contudo, o paciente apresentou sensações de ardência e queimação, levando à necessidade frequente do uso de analgésicos e, em alguns momentos, entre os meses de abril e julho, à retirada precoce da cobertura.
Em fases menos exsudativas, com moderada quantidade (de 25% a 70%), a membrana de celulose foi introduzida. Apesar de sua notável porosidade, observou-se o acúmulo de resíduos celulares e exsudato em 24 horas, demandando trocas frequentes de curativos. A cobertura de espuma com prata de borda aderente, embora tenha proporcionado conforto, revelou baixa capacidade de absorção para a quantidade de exsudato presente, resultando em aumento da umidade local e necessidade de trocas frequentes.
Assim, no decorrer de 2020, optou-se pela aplicação de papaína 5% e 10% juntamente com uma cobertura absorvente não aderente com filme de poliéster. Mesmo diante de um exsudato de intensidade média a abundante, essa abordagem foi escolhida devido à evolução da lesão, que apresentava necrose úmida (cerca de 90% em ambas as pernas) (Figura 2), e à necessidade de desbridamento sem estímulos mecânicos ou cirúrgicos intensos no leito da lesão. Durante o uso do agente desbridante, observou-se uma melhora significativa, destacando-se a redução do tecido necrótico e uma maior exposição do tecido de granulação. O paciente e sua esposa receberam orientações sobre a realização dos curativos diários e a observação de sinais de infecção.
Figura 2 - Lesões com presença de necrose em avaliação realizada no mês de agosto de 2020
Fonte: arquivo pessoal dos autores (2024).
Legenda: A - lesão em face anterior da perna esquerda; B - lesão em face anterior da perna direita.
Em 5 de fevereiro de 2021 foi iniciado o tratamento com terapia de FBM - 100 mw, terapia combinada de 1 Joule infravermelho (808 nm) e 1 Joule vermelho (660 nm), a cada 1 cm nas bordas e no tecido de granulação. Após a FBM foi realizada a técnica de PDT, com a utilização de azul de metileno a 1% de concentração, com exposição e impregnação por 3 minutos, irradiado inicialmente com 9 Joules de luz vermelha em toda lesão, posteriormente foi alterado para placa de LED (Light Emitting Diode) vermelho por 15 minutos, permitindo o contato direto, apenas com proteção de um filme plástico e fita elástica externa para fixação (Figura 3). Neste momento, com o retorno à utilização de espuma com prata de borda aderente, observaram-se resultados notáveis: redução significativa do exsudato, do edema local e da queixa de dor. A lesão na face anterior da perna esquerda diminuiu para 21 cm x 6 cm, enquanto na face anterior da perna direita, a medida passou a ser de 8 cm x 5,5 cm.
Figura 3 - Aplicação de terapia fotodinâmica nas lesões em fevereiro de 2021
Fonte: arquivo pessoal dos autores (2024).
Legenda: A - lesão em face anterior da perna esquerda com aplicação de azul de metileno a 1% de concentração e irradiação com 9 Joules de luz vermelha; B - lesão em face anterior da perna direita com a placa de LED e fita elástica para uma fixação. C - modelo da placa de LED utilizada, com 36 pontos de LEDs acompanhada da fita elástica.
Ao longo do ano, com início em maio de 2021, outras coberturas foram utilizadas, como o PHMB em gel, visando promover limpeza, desbridamento, remoção de odores, bactérias e promover a quebra de biofilme, conforme avaliação das características das lesões e tempo de tratamento. Além disso, houve a indicação de colagenase 0,6U + cloranfenicol 0,01g, para dar continuidade ao desbridamento enzimático, reduzindo a umidade local.
Em 26 de agosto de 2022, a lesão na perna esquerda media 14,8 cm x 2,8 cm, enquanto a lesão na perna direita estava cicatrizada (Imagens A e B da Figura 4). Durante o ano de 2022, as coberturas primárias incluíram papaína 5% e 10%, posteriormente substituída por colagenase 0,6U + cloranfenicol 0,01g, mantida por cerca de quatro meses, até o final do ano.
Figura 4 - Evolução das lesões entre agosto de 2022 e janeiro de 2023
Fonte: arquivo pessoal dos autores (2024).
Legenda: A e B - lesão em face anterior da perna esquerda e lesão em face anterior da perna direita, respectivamente, em agosto de 2022; C e D - lesão em face anterior da perna esquerda e lesão em face anterior da perna direita, respectivamente, em janeiro de 2023.
Em janeiro de 2023, a pessoa continuava com o acompanhamento quinzenal no ambulatório para realização dos cuidados com as lesões. Ao término de 41 sessões de FBM e 20 sessões de PDT, em 20 de janeiro de 2023, a lesão na perna esquerda apresentou dimensões de 3,5 cm x 0,8 cm, evidenciando uma redução expressiva de tamanho (Tabela 1) e do exsudato (cerca de 25%), a presença de tecido de granulação brilhante no leito da lesão e uma borda plana de coloração rósea. A lesão na perna direita encontrava-se completamente cicatrizada. Adicionalmente, observou-se uma significativa diminuição do edema (1/4+) e da dor em ambos os membros, dispensando a necessidade de nova internação ou intervenção cirúrgica (Imagens C e D da Figura 4).
Tabela 1 - Variação do comprimento e largura das lesões
Data |
Lesão na perna esquerda |
Lesão na perna direita |
||
Comprimento (cm) |
Largura (cm) |
Comprimento (cm) |
Largura (cm) |
|
20/3/2020 |
34,5 |
17,5 |
14,0 |
8,0 |
5/2/2021 |
21,0 |
6,0 |
8,0 |
5,5 |
27/18/2022 |
14,8 |
2,8 |
- |
- |
20/1/2023 |
3,5 |
0,8 |
- |
- |
Fonte: elaborado pelos autores (2024).
Legenda: -* momentos em que a lesão na perna direita estava cicatrizada.
DISCUSSÃO
O tratamento das lesões por PG se torna notavelmente complexo quando associado a outras condições, como a artrite reumatoide. A principal hipótese patogênica para o PG é de origem autoimune, com defeitos na imunidade mediada por células, disfunção de neutrófilos e monócitos, e alterações na imunidade humoral(9). É importante destacar que cerca de 50% a 70% dos casos de PG estão relacionados a doenças sistêmicas, como doença inflamatória intestinal, artrite reumatoide, síndromes mieloproliferativas e gamopatias(1,9), como observado na correlação deste caso com a presença de artrite reumatoide.
Ademais, a predisposição genética nesses casos, pode desencadear a ativação anormal de complexos imunes inatos conhecidos como inflamassomas, resultando em uma resposta imunológica exacerbada com o aumento dos níveis de citocinas cutâneas e infiltração de tecido por neutrófilos(1,9).
O tratamento do PG demanda uma abordagem farmacológica abrangente, que desempenha um papel crucial, combinando anti-inflamatórios, imunossupressores, antibióticos para tratar possíveis infecções secundárias, medicamentos tópicos, além de estratégias específicas para o tratamento das lesões. Essa abordagem integrada visa não apenas controlar os sintomas, mas também promover a cicatrização eficaz das lesões associadas ao PG(1,9).
A intrincada relação entre o PG e as condições sistêmicas apresenta desafios clínicos significativos e exerce uma influência direta sobre as estratégias terapêuticas adotadas. Nesse cenário, torna-se imperativo explorar abordagens que efetivamente contribuam para o tratamento(1,9).
A FBM promove a estimulação e melhoria da microcirculação, a proliferação de fibroblastos, a formação de tecido de granulação, a síntese de colágeno e a modulação do sistema imunológico. Quando associada à PDT, essa abordagem não apenas potencializa a redução da carga microbiana, mas também se consolida como uma estratégia segura e eficaz para a cicatrização de lesões(5-7).
A implementação de terapias adjuvantes, como a FBM e PDT, demonstra benefícios notáveis no gerenciamento das lesões decorrentes do PG, como evidenciado pela evolução das características das lesões ao longo do período de tratamento descrito neste estudo: aumento do tecido de granulação brilhante, redução do exsudato, alívio da dor local e subsequente redução do tamanho da lesão devido ao processo de cicatrização.
Outrossim, a abordagem multidisciplinar favorece a colaboração interprofissional, contribuindo para aprimorar a qualidade dos cuidados. A integração e cooperação entre profissionais possibilitam uma compreensão mais abrangente e uma gestão mais eficaz dos casos, quando direcionados para a pessoa em foco, com um propósito comum(10). No caso em questão, essa abordagem revelou-se essencial, dada a complexidade dos fatores associados à situação da pessoa, exigindo a participação conjunta das equipes de enfermagem, cirurgia plástica, endocrinologia e reumatologia para atender às suas necessidades de forma abrangente.
Este relato de caso oferece contribuições significativas ao apresentar os efeitos da aplicação da FBM e PDT como terapias adjuvantes no tratamento de lesões por pioderma gangrenoso. No entanto, dada a complexidade intrínseca das lesões causadas pelo PG, e considerando que a cicatrização pode ser influenciada pela presença de doenças de base, pelos hábitos de vida e pela influência de medicamentos, torna-se imperativo conduzir estudos mais amplos e abrangentes. Isso inclui uma amostra significativamente maior de casos de PG, a fim de fornecer uma compreensão mais abrangente dos fatores que impactam o tratamento e a cicatrização dessas lesões. Essa abordagem se faz necessária para validar de maneira mais robusta a eficácia e os resultados obtidos com essas terapias, fornecendo assim uma base sólida para sua aplicação clínica.
CONCLUSÃO
A aplicação das terapias adjuvantes, como a FBM e PDT, demonstrou efeitos promissores no tratamento e subsequente cicatrização das lesões associadas ao PG, conforme evidenciado neste estudo. Os resultados destacam um impacto significativamente positivo na qualidade de vida da pessoa afetada, com uma notável redução dos sintomas ao longo do tratamento, contribuindo para a cicatrização das lesões. Esse impacto se estende além do aspecto físico, influenciando positivamente a esfera social e o desempenho ocupacional, fortalecendo a autoestima e a autoimagem da pessoa.
Destarte, ressalta-se também a importância crucial do acompanhamento multidisciplinar, que permitiu a elaboração de estratégias personalizadas para o cuidado do paciente. Essa abordagem colaborativa resultou em planos terapêuticos que apresentaram notáveis melhorias no estado clínico do paciente e um progresso efetivo no processo de cicatrização das lesões. Portanto, destaca-se que um tratamento eficaz e resolutivo pode evitar longos períodos de afastamento do trabalho, resultar em cicatrizes sem sequelas graves, prevenir complicações severas e reinternações, preservando assim a autonomia da pessoa.
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Fomento e Agradecimento
Declaramos que a presente pesquisa não recebeu financiamento.
Agradecemos sinceramente pela valiosa colaboração e participação voluntária do participante deste estudo. Expressamos nossa gratidão à Universidade Federal de Santa Catarina e ao Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago pelo contínuo apoio e incentivo à pesquisa científica.
Critérios de autoria (contribuições dos autores)
Concepção e/ou no planejamento do estudo: Silva GM; Echevarría-Guanilo ME; Silva AM; Gomes SD; Silva LGF; Sangalli M; Schmitz GLP.
Obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados: Silva GM; Echevarría-Guanilo ME.
Redação e/ou revisão crítica: Silva GM; Echevarría-Guanilo ME.
Aprovação final da versão publicada: Silva GM; Echevarría-Guanilo ME; Silva AM; Gomes SD; Silva LGF; Sangalli M; Schmitz GLP.
Declaração de conflito de interesses
Nada a declarar.
Editor Científico: Ítalo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447
Editor Associado: Edirlei Machado dos-Santos. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1221-0377