PERCEPÇÃO DAS PESSOAS DIANTE À REALIZAÇÃO DA COLONOSCOPIA
PERCEPTION OF PEOPLE REGARDING COLONOSCOPY
PERCEPCIÓN DE LAS PERSONAS SOBRE LA COLONOSCOPIA
https://doi.org/10.31011/reaid-2024-v.98-n.4-art.2173
1Larissa Oliveira de Carvalho
2Angélica de Cássia Bitencourt
3Daisy Moreira Gomes
4Bianca Aparecida Brito da Silva
5Silvana Maria Coelho Leite Fava
6Fábio de Souza Terra
7Eliza Maria Rezende Dázio
1Universidade Federal de Alfenas, Alfenas, Minas Gerais, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2076-3780
2Universidade Federal de Alfenas, Alfenas, Minas Gerais, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3516-9688
3Universidade Federal de Alfenas, Alfenas, Minas Gerais, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4334-8256
4Universidade Federal de Alfenas, Alfenas, Minas Gerais, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8954-7616
5Universidade Federal de Alfenas, Alfenas, Minas Gerais, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3186-9596
6Universidade Federal de Alfenas, Alfenas, Minas Gerais, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8322-3039
7Universidade Federal de Alfenas, Alfenas, Minas Gerais, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9216-6283
Autor correspondente
Angélica de Cássia Bitencourt
Rua Professor Oswaldo Lopes, 99, bairro Vista Verde, Itajubá/MG, Brasil. CEP: 37503-026. Telefone: +55 (35) 99989-0403. E-mail: angelicacbitencourt@gmail.com
Submissão: 14-02-2024
Aprovado: 18-11-2024
RESUMO Introdução: A colonoscopia é um procedimento diagnóstico e terapêutico que pode ser considerado como um exame desconfortável, capaz de provocar às pessoas dor, sensações de insegurança, medo, constrangimento e estresse. Objetivo: Identificar por meio de relatos a percepção da pessoa diante à realização da colonoscopia. Métodos: Estudo qualitativo, exploratório e descritivo, desenvolvido em um Centro de Endoscopia de um município do sul de Minas Gerais. Os participantes foram 40 pessoas que seriam submetidas ao exame colonoscópico. Foram coletados dados relacionados às informações sociodemográficas e clínicas e a percepção por entrevista semiestruturada gravada. As entrevistas gravadas foram transcritas na íntegra e analisadas por meio da Análise de Conteúdo Categorial. Resultados: Da análise dos dados foram construídas três categorias: “Sentimentos em relação ao preparo e procedimento”, “Vivenciar a espera do resultado do exame” e “Conhecimento relacionado ao exame”. Considerações finais: Sentimentos de ansiedade, medo e preocupação foram recorrentes entre os participantes, principalmente em relação à espera pelo resultado do exame. Compete à equipe de enfermagem suporte e orientações para amenizar o sofrimento e proporcionar conhecimentos acerca do exame no período pré, trans e pós colonoscopia. Palavras-chave: Colonoscopia; Neoplasia Colorretal; Enfermagem; Pesquisa Qualitativa.
ABSTRACT
Introduction: Colonoscopy is a diagnostic and therapeutic procedure that can be considered an uncomfortable examination, capable of causing people pain, feelings of insecurity, fear, embarrassment and stress. Objective: To identify, through reports, the person's perception of colonoscopy. Methods: Qualitative, exploratory and descriptive study, developed in an Endoscopy Center in a city in the south of Minas Gerais. The participants were 40 people who would undergo colonoscopic examination. Data related to sociodemographic and clinical information and perception were collected through recorded semi-structured interviews. The recorded interviews were transcribed in full and analyzed using Category Content Analysis. Results: From the data analysis, three categories were constructed: “Feelings regarding the preparation and procedure”, “Experience waiting for the exam result” and “Knowledge related to the exam”. Final considerations: Feelings of anxiety, fear and worry were recurrent among participants, especially in relation to waiting for the exam results. The nursing team is responsible for providing support and guidance to alleviate suffering and provide knowledge about the exam in the pre, trans and post colonoscopy periods. Palavras-chave: Colonoscopy; Colorectal Neoplasia; Nursing; Qualitative Research.
RESUMEN
Introducción: La colonoscopia es un procedimiento diagnóstico y terapéutico que puede considerarse un examen incómodo, capaz de provocar en las personas dolor, sentimientos de inseguridad, miedo, vergüenza y estrés. Objetivo: Identificar, a través de relatos, la percepción de la persona sobre la colonoscopia. Métodos: Estudio cualitativo, exploratorio y descriptivo, desarrollado en un Centro de Endoscopia de una ciudad del sur de Minas Gerais. Los participantes fueron 40 personas que se someterían a un examen colonoscópico. Los datos relacionados con la información y la percepción sociodemográfica y clínica se recopilaron mediante entrevistas semiestructuradas grabadas. Las entrevistas grabadas fueron transcritas en su totalidad y analizadas mediante Análisis de Contenido por Categoría. Resultados: A partir del análisis de los datos se construyeron tres categorías: “Sentimientos respecto a la preparación y procedimiento”, “Experiencia en espera del resultado del examen” y “Conocimientos relacionados al examen”. Consideraciones finales: Los sentimientos de ansiedad, miedo y preocupación fueron recurrentes entre los participantes, especialmente en relación a la espera de los resultados de los exámenes. El equipo de enfermería es responsable de brindar apoyo y orientación para aliviar el sufrimiento y brindar conocimiento sobre el examen en los períodos pre, trans y post colonoscopia. Palavras-chave: Colonoscopia; Neoplasia Colorrectal; Enfermería; Investigación Cualitativa.
INTRODUÇÃO
A colonoscopia é um procedimento diagnóstico e terapêutico que permite ao médico especialista na área a visualização da mucosa do íleo terminal, dos cólons e do reto e possibilita a coleta de material para estudo histológico, composição e funcionalidade dos tecidos vivos, além de remover as lesões pré-malignas(1).
Embora represente uma ferramenta de diagnóstico e de potencial terapêutico, para as pessoas que se submetem a esse exame, pode ser considerado um exame desconfortável, capaz de provocar sensações de insegurança, medo, constrangimento e estresse. Os estressores mais comuns estão relacionados ao preparo intestinal, à posição anatômica do corpo, ao receio da dor durante o exame e à espera pelo resultado. Em geral, aqueles que já submeteram à colonoscopia demonstravam menor ansiedade em comparação com aqueles que não a experienciaram. Acredita-se que informações inadequadas sobre o preparo para o exame e o procedimento em si possam gerar medo e insegurança na pessoa(2).
Desse modo, as orientações oferecidas pelos profissionais de saúde sobre o procedimento são fundamentais e incluem, principalmente, as relacionadas ao preparo adequado. Isso porque o preparo inadequado pode resultar em estresse da equipe multiprofissional, dos pacientes e dos familiares, diagnósticos inconsistentes, necessidade de repetir o exame e gastos desnecessários com materiais e medicações(3).
Neste contexto, em algumas instituições, compete ao enfermeiro a gestão do cuidado no centro de endoscopia(4), que contempla dentre as suas atribuições, as ações de educação em saúde(5). Essas ações desenvolvidas pela equipe de enfermagem podem contribuir para gerar confiança e, consequentemente, a redução da ansiedade, evitando reações negativas na pessoa que se submeterá a este procedimento(6).
Nessa perspectiva, é necessário identificar por meio de relatos a percepção dessas pessoas para entender as suas necessidades de cuidado com vistas a minimização do sofrimento e a realização adequada do exame.
Estudos dessa natureza ainda são escassos(7,8,9) o que torna este estudo uma importante contribuição para a ciência, principalmente no que se refere ao preparo adequado do intestino, ao acolhimento e à minimização do medo e de incertezas.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo qualitativo, exploratório e descritivo, desenvolvido em um centro de endoscopia de um município do sul de Minas Gerais, que oferta serviço diagnóstico e terapêutico. O estudo seguiu o guia de recomendações para estudos qualitativos Consolidated Criteria For Reporting Qualitative Research (COREQ)(10).
Os participantes foram 40 pessoas que seriam submetidas ao exame colonoscópico, sendo selecionados por amostragem intencional. Os critérios de elegibilidade foram: pessoas a serem submetidas à colonoscopia, com 18 anos ou mais, residentes no referido município ou região e que apresentassem condições para responder ao formulário e às questões norteadoras para a entrevista. Foram excluídas as que se autodeclararam debilitadas em decorrência do preparo para o exame.
Os dados foram coletados nos meses de janeiro e fevereiro de 2020, no próprio centro de endoscopia. Umas das autoras deste estudo fez o primeiro contato com as pessoas, até então desconhecidas, que se submeteriam à colonoscopia na sala de espera, momento no qual houve o esclarecimento quanto ao objetivo do estudo e o convite a participação voluntária. Aquelas que apresentaram condições físicas e responderam corretamente o nome, a idade e a cidade de procedência foram encaminhadas a uma sala reservada disponibilizada pela gerência do local, sem a presença do acompanhante, para a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e a realização da coleta de dados. Os nomes dos participantes foram substituídos por nomes fictícios, a escolha do pesquisador
Utilizou-se um formulário constituído por informações de caracterização sociodemográfica e clínicas que incluíram: idade, sexo, estado civil, escolaridade, crença religiosa, exame pelo Sistema Único de Saúde (SUS), convênio, se já realizou o exame anteriormente, tempo transcorrido entre o pedido médico e a realização do exame, principal queixa, problemas de saúde e, história familiar de doença(s) intestinal(is). E pelas seguintes questões norteadoras: Fale como é para você a realização deste exame de colonoscopia. Fale como foi a preparação para o exame. Como tem sido a sua vida aguardando a realização dessa colonoscopia?
As entrevistas foram gravadas, mediante a permissão dos participantes, utilizando um Smartphone Android do modelo Motorola Moto G6 Play e tiveram em média 15 minutos de duração. Com cada participante foi realizada uma entrevista. Imediatamente após a realização de cada entrevista, procedeu-se a transcrição na íntegra, por uma das pesquisadoras, sendo usado o processador de texto Microsoft Word 2016®.
Os dados referentes à caracterização sociodemográfica e clínica foram analisados por meio da estatística descritiva simples e as falas pela Análise de Conteúdo Categorial proposta por Bardin(11).
Assim, na fase de pré-análise, os dados foram organizados para permitirem a leitura flutuante, que objetiva analisar, formular hipóteses e objetivos que proporcionaram a interpretação. Na segunda fase, de exploração do material, foram selecionadas as unidades de codificação e na terceira, fase de tratamento dos resultados, foram realizadas as inferências e a interpretação, uma vez que os resultados foram explorados para serem significativos e válidos(11).
O estudo seguiu os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466 de 2012 e iniciou-se após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o parecer consubstanciado nº 3.759.356. Para viabilizar o sigilo, os participantes receberam nomes fictícios, escolhidos pelos pesquisadores.
RESULTADOS
Dentre os 40 participantes do presente estudo, 55,0% eram do sexo feminino, 82,5% na faixa etária acima de 50 anos com média da idade de 56,9 anos, 75,0% eram casados(as) e 37,5% possuíam ensino fundamental incompleto. Todos referiram uma crença religiosa, sendo 80,0% católicos(as).
A solicitação do exame deu-se a pedido de médicos(as) de diversas especialidades, sendo 45,0% pelo clínico geral de Estratégia de Saúde da Família, de hospitais e de ambulatórios. Quanto à realização, 52,5% efetuaram o exame pelo SUS, sendo 55,0% (n=22) estavam sendo submetidos pela primeira vez ao exame.
Dentre os principais motivos para a realização do exame destacaram-se: presença de sangue oculto nas fezes, cólica/dor 30,0% e para prevenção do câncer colorretal (CCR) 30,0%, diarreia 15,0% e acompanhamento de CCR 12,5%. O tempo transcorrido entre o pedido médico(a) e a realização do exame variou de um dia até 48 semanas.
Em relação à história familiar de doença intestinal, 50,0% negaram histórico e da outra metade, 7,5% alegaram, pelo menos, um parente com histórico de pólipo intestinal e 25,0% com CCR. Constatou-se que 67,5% dos participantes informaram pelo menos uma comorbidade, dentre elas diabetes mellitus 17,5% e hipertensão arterial sistêmica 40,0%.
A análise dos dados, de acordo com o referencial metodológico adotado e mencionado anteriormente, possibilitou a construção de três categorias: “Sentimentos em relação ao preparo e procedimento”, “Vivenciar a espera do resultado do exame” e “Conhecimento relacionado ao exame”.
Sentimentos em relação ao preparo e procedimento
Antes da realização da colonoscopia os participantes relataram medo, ansiedade e preocupação em relação a dor, ao procedimento e as complicações, como evidenciado nos depoimentos a seguir:
[...] Estou com medo de doer, alguma coisa assim, e depois ficar desconfortável, essas coisas (Marta, 51 anos).
[...] Eu preocupo porque tudo é um risco, igual, por exemplo, eu assinei um termo que fala que se perfurar o intestino. É o único medo que eu tenho. (Joana, 62 anos).
A vergonha e o constrangimento também foram citados como fatores predisponentes de desconforto, que podem ser justificados pela idade avançada, pelo sexo, pela cultura e via de inserção do colonoscópio, representados nas seguintes falas:
[...] A gente vai ficando mais velha, a gente vai ficando com vergonha [...] Aí o meu medo é só esse, é vergonha, sem jeito de fazer (Alessandra, 60 anos).
[...] A gente que é mulher tem vergonha também, né! (Sara, 51 anos).
[...] Se fosse por aqui [aponta para a boca] tudo bem, mas por baixo não é agradável não, mas não tem outra opção, né! [...] (Felipe, 54 anos).
O tempo de espera devido a fila para a realização do exame constituíram motivo de ansiedade e de insatisfação. O participante Felipe, como demonstrado na fala abaixo, relatou que deu entrada no pedido de colonoscopia com antecedência de um ano, em virtude desta grande fila, pois necessita de acompanhamento anual.
[...] Foi ruim, eu tive muitas crises, ia lá [secretaria de saúde do município] e não sabia quando ia chamar, tem muita gente na frente [...] (Debora, 34 anos).
[...] Me falaram que se eu não levar um ano antes, tem muita gente na fila, e ia demorar muito para me chamar. Aí já corri lá e deixei. (Felipe, 54 anos).
O depoimento da Amélia, diagnosticada com Doença de Crohn, revelou que em uma situação de urgência precisou entrar com o pedido de demissão do trabalho, como forma de prover recursos para pagar e realizar o exame em um tempo mais curto.
[...] Porque esse exame é caro, já teve vez de eu estar ruim, não conseguir, e
eu tenho que pagar. Uma vez eu até saí de um emprego meu para conseguir fazer o
acerto para pagar, porque ele é muito caro, hoje ele deve estar uns mil reais
(Amélia, 43 anos).
Constatou-se que revelaram desconforto quanto ao preparo para a colonoscopia decorrente do uso da medicação indicada para o preparo colônico. Afirmaram ainda, como destacado nos depoimentos a seguir, que o preparo é mais desagradável que o próprio procedimento, o que causou medo e preocupação nos dias que antecederam o exame.
[...] tomar aquele líquido lá, manitol [...] vomitei bastante, foi muito desagradável, uma dor de cabeça chata que dá, fica aquele trem muito enjoativo. Se tivesse outra coisa para tomar seria melhor (Andressa, 62 anos).
[...] O preparo é muito pior que o exame (Odete, 51 anos).
Além dos efeitos da medicação laxativa, os participantes também mencionaram que se sentiram desconfortáveis com o jejum prolongado. Apesar disso, um participante declarou que mesmo encontrando-se em jejum desde o dia anterior, é melhor estar devidamente preparado do que repetir o exame.
[...] Estou com fome e com sede, mas não pode tomar água, nem comer nada né (Rafael, 54 anos).
[...] Desde ontem fazendo isso, desde às sete e meia sem comer. Bom né! Porque vim preparado é melhor do que voltar depois (Marcos, 54 anos).
Vivenciar a espera do resultado do exame
Os participantes relataram em seus depoimentos que as suas preocupações também relacionavam ao resultado da colonoscopia e ao desfecho para a indicação do tratamento. Essas preocupações foram motivadas pelo histórico pessoal e familiar de neoplasia e por estarem repetindo o tratamento.
[...] Ah, eu penso que se tem algum problema, se precisa operar, morro de medo! Nossa Senhora, porque meu pai morreu de câncer no estômago. Mas morro de medo, morro de medo de ser cortada, nossa! (Judite, 50 anos).
[...] Fico ansiosa para chegar no dia do exame por causa do exame e do resultado, e se for pra fazer biópsia vou assustar muito [...] A gente só pensa no que não presta, né! Daí a gente pensa, e se for câncer?! Meu Deus, e se for isso, eu não quero passar por outra cirurgia (Rafaela, 59 anos).
[...] Estou com medo de acusar alguma coisa, porque já tive câncer e já é a segunda vez né, depois foi voltando, voltando. Tenho medo de quando faço exame assim, medo do resultado (Sara, 51 anos).
Por outro lado, alguns participantes relataram uma visão mais otimista quanto ao procedimento e ao resultado, e talvez isso esteja relacionado à espiritualidade e à fé, manifestadas durante a entrevista.
[...] Eu estou tranquila, tenho fé que vai dar nada, e vai ser simples, mas Deus é que sabe [...] (Lucimara, 51 anos).
[...] Eu penso que Deus sabe certinho o que faz, se tiver alguma coisa vamos tratar, se não tiver, graças a Deus (Rafael, 54 anos).
Conhecimento relacionado ao exame
Constatou-se, em alguns depoimentos a seguir, o conhecimento deficiente acerca da colonoscopia, como também, quanto ao preparo e as recomendações para a realização do exame.
[...] É uma palavra [colonoscopia] difícil demais, eu não sei o que é isso não (Joana, 62 anos).
[...] fui no hospital sozinho, fizeram a colonoscopia [...] voltei sozinho dirigindo [...] eu e Deus (Pedro, 63 anos).
[...] da outra vez que eu fiz eu comi muita carne e o preparo não foi correto [...] aí o exame não teve cem por cento de sucesso (João, 71 anos).
Por outro lado, outros participantes revelaram a necessidade e a importância do exame para o rastreamento de doenças intestinais, que está representado nos depoimentos abaixo.
[...] Eu acho que é uma prevenção né. Pra você ver, meu pai faleceu disso [...] Se ele [pai] tivesse a chance que a gente tem hoje, nossa, ele poderia estar aqui com a gente, né [...] Saiu agora, nossa, eu agradeço muito pela chance que eu tive de fazer (Isabel, 46 anos).
[...] É um exame que eu sei que preciso fazer [...] porque é da rotina, é minha idade, 46 anos, entendeu?! Já tive câncer de mama, então a gente tem que estar vigiando (Lucia, 46 anos).
[...] É uma observação do funcionamento do intestino [...] se está com pólipo, se não tem, né! (Lucas, 54 anos).
[...] Acho válido, muito. Porque a pessoa às vezes acaba morrendo por desconhecimento ou falta de interesse em fazer (Gabriel, 69 anos).
DISCUSSÃO
De modo semelhante ao constatado neste estudo, outros autores também identificaram uma maior frequência de mulheres que se submeteram ao exame(12,13), o que pode estar relacionado à crença social de que o cuidado não é uma prática masculina. Com isso, a procura por consultas e exames passa a ser menor entre os homens(14).
Em relação à faixa etária dos entrevistados, a média de idade foi de 56,9 anos. Recomenda-se que o rastreamento do CCR seja realizado entre 50 a 75 anos por meio dos métodos de exame oculto nas fezes e colonoscopia. No entanto, diante da carência de evidências que respaldam a eficácia custo-efetiva e a sustentabilidade desses métodos, sugere-se dar prioridade a ações voltadas para o diagnóstico precoce e a abordagem personalizada em situações de alto risco(15).
Os pedidos de exames colonoscópicos, em sua grande parte, foram solicitados pelo médico(a) clínico geral da Estratégia da Saúde da Família, realizados pela primeira vez e pelo SUS. Esses dados podem indicar que as pessoas procuram pela Atenção Básica de Saúde e dependem do SUS para resolverem os seus problemas de saúde.
Os resultados evidenciaram que os participantes apresentaram sentimentos que expressam medo, ansiedade e preocupação frente ao procedimento e possíveis complicações. Ao encontro desses achados, estudo realizado na Inglaterra também identificou níveis de ansiedade em relação à colonoscopia, especialmente no caso de pessoas que nunca tinham sido submetidas a esse exame(7).
Os relatos de incerteza e o tempo de espera para realização do exame contribuíram com os sentimentos de ansiedade. A situação do participante Felipe também foi revelada em uma pesquisa nacional sobre a saúde pública, em que as críticas mais frequentes da população estavam relacionadas à demora no acesso a exames especializados(16).
Não obstante, as longas filas de espera fazem com que algumas pessoas optem pela procura do exame particular, mas devido ao custo elevado, poucos podem arcar com os dispendiosos valores(17). O depoimento de Amélia diagnosticada com Doença de Crohn revelou que em uma situação de urgência precisou entrar com o pedido de demissão do trabalho como forma de prover recursos para pagar e realizar o exame, em um tempo mais curto.
Considera-se, mediante aos depoimentos apresentados, que o conhecimento incipiente acerca da obtenção de autorização do exame pelo SUS ou convênio particular, do preparo e do procedimento provoca imaginações e receios diante da apreensão e sensação de perigo frente ao exame.
Verificou-se entre os participantes o relato de desconforto, de medo e de preocupação com o preparo intestinal, e se sentiram desconfortáveis com o jejum prolongado. Corroborando com estudo realizado na Inglaterra, foram obtidos relatos de pessoas que consideraram o preparo intestinal mais desagradável do que o próprio exame(7).
Nesse sentido, estudo realizado com as pessoas que já se submeteram à colonoscopia trouxe que os participantes consideraram o preparo desagradável e alguns deles tiveram dificuldades em ingerir a quantidade adequada da medicação laxativa devido ao sabor, à textura e/ou ao volume(8). Além do preparo da colonoscopia, também são citados como motivos de apreensão, a mudança na dieta e a necessidade de jejum(18).
E ainda, a depender dos fármacos prescritos para o preparo colônico, alguns podem ocasionar sintomas como náuseas e vômitos, sendo importante o esclarecimento à pessoa que irá se submeter à colonoscopia e ao familiar cuidador sobre essas possíveis reações para que tenham uma visão mais otimista e segura no momento pré-colonoscópio(19).
O preparo para a colonoscopia inicia no dia anterior ao exame, sendo necessário jejum e medicamentos para o preparo colônico. Devem ser evitados alimentos e bebidas com a coloração vermelha ou escura, uma vez que durante o exame podem ser confundidos com resíduos de sangue(3). O preparo intestinal constitui-se como um dos principais motivos pelos quais as pessoas têm medo de se submeter a esse exame, seja devido ao sabor e volume necessário das formulações de preparo intestinal(20), como também pelos efeitos.
As preocupações dos participantes deste estudo também relacionavam ao resultado da colonoscopia, com possibilidades de diagnóstico para o câncer e procedimentos cirúrgicos, principalmente pelo fato de apresentarem histórico pessoal e familiar de neoplasia.
A espera pelo resultado do exame pode suscitar sentimentos de incertezas(9), ansiedade e o medo de ter câncer(7). Embora exista a cura para alguns tipos de câncer ele ainda continua sendo uma doença estigmatizante associada ao sofrimento, a dor, a tristeza e a morte; com isso, instiga ao medo e ao desespero frente a possibilidade de um diagnóstico de neoplasia maligna(21).
Ressalta-se ainda que a pessoa que anteriormente vivenciou uma neoplasia manifesta mais estresse frente a possibilidade de uma recidiva, pois essa é considerada como um sinal de agravamento da doença(22).
Assim, para amenizar o sofrimento as pessoas buscaram apoio na espiritualidade e na fé, na perspectiva de que há um ser maior que zela pelo melhor e que tem o total controle de suas vidas.
A espiritualidade auxilia na vivência de situações atuais, reduzindo os níveis de ansiedade e de estresse por promover ao paciente, conforto e consolo, de modo a transferir seus medos, inseguranças e receios à Deus. Os profissionais de saúde, incluindo a equipe de enfermagem, acreditam que as pessoas que possuem uma crença religiosa ou tenham uma espiritualidade apresentam mais resiliência e procuram compreender as circunstâncias motivadas pela fé(23).
O conhecimento dos participantes foi deficiente em relação ao preparo, ao procedimento e aos cuidados pós-colonoscopia, talvez por falta de orientações ou dificuldade na compreensão das informações. A pessoa que irá se submeter à colonoscopia deve ser esclarecida acerca do objetivo e do procedimento técnico do exame, bem como, dos possíveis incômodos que possam ocorrer no período pré, trans e pós colonoscópio, além da instrução de suas vantagens e de seus potenciais diagnósticos.
As ações de educação em saúde devem ser realizadas e serem iniciadas no momento de solicitação do exame. O(a) enfermeiro(a) do Serviço de Endoscopia e sua equipe devem realizar a anamnese para o levantamento de dados referentes às comorbidades, medicações de uso contínuo, tais como anticoagulantes, antiagregantes plaquetários, anti-hipertensivos e hipoglicemiantes, aos fatores que poderão influenciar no preparo inadequado do cólon e, a partir daí, realizar as orientações verbais pertinentes e entrega de documento impresso para melhor entendimento no domicílio(3).
Vale salientar que os melhores resultados advêm da educação em saúde individualizada e pautada em tecnologias educacionais, como folhetos e cartilhas(20). Também se reconhece a importância da educação aprimorada, que inclui a combinação de orientações verbais e escritas(24) e recursos como chamadas telefônicas, vídeos e aplicativos(20).
Considera-se de suma importância também a participação da família em todas as fases da colonoscopia, uma vez que representa o apoio e o porta-voz das informações necessárias para um efetivo cuidado(19).
Os relatos apresentados neste estudo evidenciaram a necessidade de aprimorar a interação entre os profissionais de saúde envolvidos na colonoscopia e o paciente, em especial a equipe de enfermagem que tem as relações humanas como o seu centro na prática profissional. É fundamental o estabelecimento de estratégias de comunicação para ampliar o conhecimento sobre o preparo para o exame e, de monitoramento, para minimizar o desconforto e evitar as complicações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os participantes deste estudo relataram medo, ansiedade e preocupação em relação à dor, ao procedimento, às possíveis complicações, ao resultado relacionado ao diagnóstico de câncer. Compete à equipe de enfermagem suporte e orientações para amenizar o sofrimento e proporcionar conhecimentos acerca do exame no período pré, trans e pós colonoscopia
Este estudo instiga a produção de novas pesquisas com a implementação de estratégias e de intervenções que reduzam as lacunas do conhecimento da pessoa que será submetida à colonoscopia, visto que, além da efetividade do procedimento, poderá avançar no conhecimento da área e contribuir para amenizar a ansiedade, o medo e a preocupação das pessoas submetidas a este exame. O(a) enfermeiro(a) e sua equipe desempenham importante papel nos períodos pré, trans e pós-colonoscopia.
Apresenta-se como limitações a coleta de dados ter sido feita em apenas um serviço de colonoscopia de um estado brasileiro, o que dificulta a generalização das informações aos demais locais do país; além disso, os dados foram coletados apenas no período pré-colonoscópico, pois imediatamente após o exame os participantes encontravam-se sob efeito de sedação. Ademais, muitos eram de outros municípios e não dispuseram de tempo para participar da coleta de dados após o exame, uma vez que faziam uso de transporte do município e tinham horário determinado para retorno. Mas, destaca-se que, mesmo com estas limitações, o presente estudo permitiu conhecer a percepção da pessoa diante à realização da colonoscopia.
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Critérios de autoria (contribuições dos autores)
1. contribui substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo: Larissa Oliveira de Carvalho, Angélica de Cássia Bitencourt, Daisy Moreira Gomes, Bianca Aparecida Brito da Silva, Silvana Maria Coelho Leite Fava, Fábio de Souza Terra, Eliza Maria Rezende Dázio.
2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados: Larissa Oliveira de Carvalho, Angélica de Cássia Bitencourt, Daisy Moreira Gomes, Bianca Aparecida Brito da Silva, Silvana Maria Coelho Leite Fava, Fábio de Souza Terra, Eliza Maria Rezende Dázio.
3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada: Larissa Oliveira de Carvalho, Angélica de Cássia Bitencourt, Daisy Moreira Gomes, Bianca Aparecida Brito da Silva, Silvana Maria Coelho Leite Fava, Fábio de Souza Terra, Eliza Maria Rezende Dázio.
Agradecimento: Não se aplica.
Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316- 2519
Rev Enferm Atual In Derme 2024;98(4): e024291