IMPACTOS PSICOSSOCIAIS EM FILHOS DE MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA POR PARCEIROS: UMA REVISÃO INTEGRATIVA
PSYCHOSOCIAL IMPACTS ON CHILDREN OF WOMEN VICTIMS OF PARTNER VIOLENCE: AN INTEGRATIVE REVIEW
IMPACTOS PSICOSOCIALES EN HIJOS DE MUJERES VÍCTIMAS DE VIOLENCIA DE PAREJA: UNA REVISIÓN INTEGRATIVA
https://doi.org/10.31011/reaid-2024-v.98-n.3-art.2246
1Nivea Carolina Tavares Araújo
2Ana Vitoria Dias Ribeiro Gonçalves
3Amailis Luisa Loiola Costa
4Sophia Carolline Camargo Macedo Faustino Estrela
5Andressa Luzia Feitosa Paiva
6 Ítalo Rafael Costa Silva
7Hayla Nunes da Conceição
1Faculdade de Ciências da Saúde Pitágoras de Codó, Codó, Maranhão, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0009-0001-7312-5467
2Faculdade de Ciências da Saúde Pitágoras de Codó, Codó, Maranhão, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0009-0004-7027-5613
3Faculdade de Ciências da Saúde Pitágoras de Codó, Codó, Maranhão, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0009-0002-4401-612X
4Faculdade de Ciências da Saúde Pitágoras de Codó, Codó, Maranhão, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0009-0005-7834-9792
5Faculdade de Ciências da Saúde Pitágoras de Codó, Codó, Maranhão, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0009-0001-8872-3873
6Faculdade de Ciências da Saúde Pitágoras de Codó, Codó, Maranhão, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0009-0009-8412-7933
7Universidade Federal do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil: ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6035-8280.
Autor correspondente
Hayla Nunes da Conceição
Faculdade de Ciências da Saúde Pitágoras de Codó. Av. Santos Dumont, 5132 - São Sebastião, Codó - MA, Brasil. CEP: 65400-000
Email: haylanunes_cx@hotmail.com
Submissão: 27-04-2024
Aprovado: 25-08-2024
RESUMO
Introdução: As vítimas de violência por parceiro íntimo enfrentam uma gama alarmante de consequências físicas e emocionais decorrentes dessas agressões, impactando não apenas as vítimas, mas também as pessoas em seu entorno, especialmente os filhos. Objetivo: Explorar, através da análise de literatura especializada, os impactos psicossociais sobre filhos de mulheres que foram vítimas de violência por parte de seus parceiros. Método: Trata-se de uma revisão integrativa da literatura. As buscas na literatura foram conduzidas por meio descritores constantes no MeSH e no DeCS, combinados com os operadores booleanos AND e OR, realizadas na Biblioteca Virtual de Saúde, Medline via Pubmed, Web of Science e Consensus. Resultados: Foram incluídos 10 artigos. Os estudos analisados abordam principalmente a exposição na infância e na adolescência à violência por parceiro íntimo (VPI) e suas consequências, variando de impactos no desenvolvimento físico e cognitivo até questões de saúde mental e ajustamento social. Conclusão: A análise sistemática dos artigos revelou que em círculos familiares com a presença de VPI, é notório os impactos negativos no desenvolvimento psicológico e comportamental das crianças.
Palavras-chaves: Crianças; Adolescente; Impactos Psicossociais e Violência por Parceiro Íntimo.
ABSTRACT
Introduction: Victims of intimate partner violence face an alarming range of physical and emotional consequences resulting from these attacks, impacting not only the victims, but also the people around them, especially their children. Objective: To explore, through the analysis of specialized literature, the psychosocial impacts on children of women who have been victims of violence by their partners. Method: This is an integrative literature review. Literature searches were conducted using descriptors contained in MeSH and DeCS, combined with the Boolean operators AND and OR, carried out in the Virtual Health Library, Medline via Pubmed, Web of Science and Consensus. Results: 10 articles were included. The studies analyzed mainly address exposure in childhood and adolescence to intimate partner violence (IPV) and its consequences, ranging from impacts on physical and cognitive development to issues of mental health and social adjustment. Conclusion: The systematic analysis of the articles revealed that in family circles with the presence of IPV, the negative impacts on the psychological and behavioral development of children are notable.
Keywords: Children; Adolescent; Psychosocial Impacts and Intimate Partner Violence.
RESUMEN
Introducción: Las víctimas de violencia de pareja enfrentan una gama alarmante de consecuencias físicas y emocionales como resultado de estos ataques, que afectan no solo a las víctimas, sino también a las personas que las rodean, especialmente a sus hijos. Objetivo: Explorar, a través del análisis de la literatura especializada, los impactos psicosociales en los hijos de mujeres que han sido víctimas de violencia por parte de sus parejas. Método: Se trata de una revisión integradora de la literatura. Las búsquedas bibliográficas se realizaron utilizando descriptores contenidos en MeSH y DeCS, combinados con los operadores booleanos AND y OR, realizadas en la Biblioteca Virtual en Salud y Medline vía Pubmed, Web of Science y Consensus. Resultados: Se incluyeron 10 artículos. Los estudios analizados abordan principalmente la exposición en la infancia y la adolescencia a la violencia de pareja (VPI) y sus consecuencias, que van desde impactos en el desarrollo físico y cognitivo hasta cuestiones de salud mental y adaptación social. Conclusión: El análisis sistemático de los artículos reveló que en los círculos familiares con presencia de VPI, los impactos negativos en el desarrollo psicológico y conductual de los niños son notables.
Palabras clave: Niños; Adolescente; Impactos Psicosociales y Violencia de Pareja.
INTRODUÇÃO
A violência praticada por parceiro íntimo (VPI) representa uma forma de agressão caracterizada pelo emprego intencional de força física, abuso sexual e o exercício coercitivo de poder sobre o companheiro(a). Estima-se que entre 15 a 71% das mulheres sejam afetadas por esta problemática em algum momento de suas vidas, acarretando consequências adversas significativas para a saúde. Além de elevar os níveis de estresse, a VPI desencadeia uma série de efeitos socioeconômicos prejudiciais, impactando não apenas as vítimas, mas também o tecido social como um todo(1).
As vítimas de violência por parceiro íntimo (VPI) enfrentam uma gama alarmante de consequências físicas e emocionais decorrentes dessas agressões. Elas podem ser submetidas a espancamentos e sofrer lesões agudas, incluindo traumatismo cranioencefálico (TCE), que compromete a função cerebral devido a impactos na cabeça. Adicionalmente, enfrentam o risco de gravidezes indesejadas resultantes de relações sexuais forçadas e desprotegidas. A VPI também pode levar a uma série de condições crônicas, como dores de cabeça persistentes, insônia, dor pélvica, disfunção sexual, sintomas de síndrome do intestino irritável, além de graves impactos psicológicos, como depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), refletindo a profundidade e a complexidade do trauma vivenciado(2).
Nas famílias onde ocorrem violência conjugal, perpetrada por um ou ambos os membros do casal, a exposição a VPI está intrinsecamente relacionada a consequências negativas no comportamento e no desenvolvimento dos filhos. Esses prejuízos decorrem dos múltiplos estressores associados à convivência em um ambiente marcado pela violência. Além de enfrentarem tais estressores, crianças que crescem em contextos familiares violentos frequentemente se encontram em situações de negligência. Esta vulnerabilidade não apenas impacta seu bem-estar imediato, mas também pode ter repercussões de longo prazo sobre sua saúde mental e física, seu desenvolvimento emocional e suas competências sociais(3).
Pesquisas recentes destacam que crianças expostas a episódios de violência enfrentam adversidades significativas em seu desenvolvimento cerebral, manifestando alterações tanto nas funções quanto na estrutura de suas capacidades cerebrais. Estas alterações podem resultar em uma série de consequências comportamentais preocupantes, incluindo dificuldades na autorregulação emocional, comprometimento da memória, uma atenção exacerbada para a detecção de ameaças, aumento da reatividade a estímulos e um estado de hiperexcitação. Tais efeitos não apenas evidenciam o impacto direto da violência no desenvolvimento neurológico infantil, mas também sugerem uma predisposição aumentada dessas crianças para se tornarem, elas próprias, vítimas ou perpetradoras de violência no futuro, refletindo uma compreensão distorcida das relações interpessoais e a reprodução de comportamentos violentos observados em seu ambiente familiar(4,5).
As explicações para a origem do comportamento violento são controversas, no entanto a teoria da aprendizagem social postula que a observação e vivência da violência perpetrada entre seus responsáveis durante a infância é um dos fatores que condicionam essas crianças a serem adultos agressivos. Dessa maneira, essa teoria tenta explicar a relação cíclica e co-ocorrência de violência praticada por parceiros íntimos e violência dirigida a crianças(6).
A convivência em lares disfuncionais, além de desencadearem alterações biológicas, afetam o desempenho acadêmico das crianças, uma vez que compromete a concentração e a capacidade cognitiva. Além disso a forma que as crianças reagem a constante observação e consequências da VPI são variadas, há crianças e adolescentes que expressam seus sentimentos de forma desordenada, por outro lado há crianças que desenvolvem quadros psíquicos de ansiedade e depressão(7).
A relevância desta revisão emerge das vastas ramificações que a VPI engendra, transcendendo as fronteiras do impacto imediato sobre as vítimas diretas. De forma particularmente insidiosa, a violência em contextos familiares disfuncionais exerce uma influência profunda sobre os filhos, perpetuando os efeitos psicossociais desde a infância até a vida adulta. Estes efeitos têm o potencial de moldar consequências de longo alcance a nível individual e social, contribuindo para a perpetuação do ciclo de violência em relações conjugais subsequentes. Portanto, este estudo visa explorar, através da análise de literatura especializada, os impactos psicossociais sobre filhos de mulheres que foram vítimas de violência por parte de seus parceiros.
MÉTODOS
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura. Esse tipo de estudo que possibilita a análise e a síntese de pesquisas pelos métodos qualitativos e quantitativos. Além disso, permite avaliar as pesquisas realizadas sobre um determinado tema e as lacunas que as publicações anteriores não conseguiram sanar.
A revisão foi realizada seguindo um caminho metodológico: identificação do problema de pesquisa; pesquisa na literatura, organização dos achados qualitativos; análise e interpretação dos dados e apresentação da discussão gerada. A elaboração da pergunta de pesquisa seguirá o acrônimo PICo (P-população; I- fenômeno de interesse e Co-contexto). Dessa forma, a pesquisa será norteada pela seguinte pergunta: Quais os impactos psicossociais para os filhos de mulheres vítimas de violência por parceiro íntimo (VPI)?
A busca na literatura foi realizada entre dezembro de 2023 e fevereiro de 2024, nas plataformas Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e na base de dados Medline via PubMed, Web of Science e Consensus. Utilizou-se os operadores booleano AND e OR, em combinação com os descritores em Ciências da Saúde (DeCS): “Violência por parceiro íntimo”, “Efeitos psicossociais da doença”, “Criança”, “Adolescentes” e seus correspondentes em inglês, conforme Medical Subject Heading (Mesh): “Intimate Partner Violence”, “Cost of Illness”, “Child”, “Adolescent” (Quadro 1).
Quadro 1. Estratégias PICo utilizada para a busca nas bibliotecas, buscadores e bases de dados
BVS |
Criança OR Child OR Niño AND Adolescente OR Adolescent OR Adolescente AND efeitos psicossociais da doença OR Cost of Illness OR Costo de Enfermedad AND Violência por parceiro íntimo OR Intimate Partner Violence OR Violencia de Pareja |
Medline/PUBMED |
Child OR Adolescent OR Niño AND Cost of Illness OR Costo de Enfermedad AND Intimate Partner Violence OR Violencia de Pareja |
CONSENSUS |
Child OR Adolescent OR Niño AND Cost of Illness OR Costo de Enfermedad AND Intimate Partner Violence OR Violencia de Pareja |
WEB OF SCIENCE |
Child OR Adolescent OR Niño AND Cost of Illness OR Costo de Enfermedad AND Intimate Partner Violence OR Violencia de Pareja |
Foram incluídos artigos originais, publicados nos idiomas português, espanhol e/ou inglês, publicados no período entre 2019 e 2023. Foram excluídos teses, dissertações, monografias, livros, artigos incompletos e estudos que não contribuem para responder à pergunta de pesquisa.
Para auxiliar na triagem e seleção dos estudos foi utilizado o aplicativo Rayyan QCRI.A extração dos dados dos estudos elegíveis, foi realizada mediante utilização de instrumentos de coleta de dados e contempla as seguintes informações: ano de publicação, país, tipo de estudo, nível de evidência, objetivo e principais resultados.
RESULTADOS
A revisão inicial identificou 196 artigos, dos quais 8 foram removidos por serem duplicatas. Além disso, 19 estudos publicados antes de 2019 e 43 por falta de acesso livre foram excluídos. Após a triagem inicial para leitura de títulos e, quando necessário, de resumos, 70 artigos adicionais foram descartados por não atenderem aos objetivos do estudo. Consequentemente, 41 artigos foram selecionados para análise completa. Destes, 11 foram escolhidos para compor a base de análise detalhada no fluxograma do estudo (Figura 1).
Figura 1 – Fluxograma de seleção dos artigos incluídos na revisão
O Quadro 2 apresenta a síntese dos estudos incluídos. Notou-se que a maior parte das publicações foram realizadas em 2022 (n=5; 50%) e no idioma em inglês (n=10; 100,0%). Os estudos analisados abordam principalmente a exposição na infância e na adolescência à violência por parceiro íntimo (VPI) e suas consequências, variando de impactos no desenvolvimento físico e cognitivo até questões de saúde mental e ajustamento social. Os estudos ressaltam a importância de abordagens integradas para compreender e intervir nas complexas dinâmicas que envolvem a exposição infantil à VPI, enfatizando a necessidade de considerar diversos fatores contextuais e individuais no desenvolvimento e bem-estar infantil.
Quadro 2 - Artigos sobre impactos psicossociais em filhos de mulheres vítimas de VPI
DISCUSSÃO
A revisão da literatura especializada revela um consenso emergente sobre o impacto abrangente da VPI em contextos familiares, destacando que suas repercussões se estendem além das vítimas diretas para afetar significativamente os filhos inseridos em ambientes familiares disfuncionais. A pesquisa conduzida em Santiago, no Chile, em 2021, ilustra de forma incisiva como a VPI permeia o tecido familiar, ressaltando a complexidade das dinâmicas familiares e o papel crucial que desempenham no desenvolvimento de crianças e adolescentes. O entendimento atual, endossado por uma vasta gama de acadêmicos, reconhece que o desenvolvimento infanto-juvenil é profundamente modelado por uma série de fatores interconectados, que incluem, mas não se limitam ao ambiente familiar, às figuras de cuidado e ao contexto social mais amplo(8).
Esses elementos são encapsulados no conceito dos determinantes sociais da saúde, que engloba uma variedade de fatores, desde o acesso a direitos básicos até a situação socioeconômica, influenciando diretamente a saúde física e psicossocial das crianças. A saúde mental materna, incluindo aspectos como depressão e o uso de substâncias, emerge como um fator crítico dentro desse espectro, ressaltando a interdependência entre o bem-estar da mãe e o desenvolvimento saudável da criança. Um estudo qualitativo realizado em Uganda revelou que mulheres vítimas de VPI possuem maior propensão a exercerem maternidade agressiva, uma vez que, às vezes, essas mães usam da violência contra os seus filhos como uma forma de canalizar os traumas e a impotência que sentem em relação aos seus companheiros. Este panorama evidencia a necessidade imperativa de abordagens holísticas e integrativas que considerem a complexidade dos ambientes familiares e sociais no desenvolvimento e bem-estar infantil, destacando a importância de intervenções multidisciplinares para mitigar os efeitos adversos da VPI(10,11).
Em pesquisa realizada na Austrália, em 2019, com 615 mães e seu primeiro filho, foi verificado que os 4 primeiros anos de vida das crianças que convivem com a VPI em seus lares foram marcados por atrasos no neurodesenvolvimento, principalmente na área de comunicação e linguística. Além disso, foi constatado que a cada 4 crianças, 1 convive com a VPI em casa. Isso demonstra uma alta taxa de violência e de consequências para mães e filhos(12).
Conforme apontado em estudos, a VPI afeta crianças de modo que muitos externalizam comportamentos e internalizam sentimentos. Foi comprovado que o estresse pós-traumático, ansiedade, depressão e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) afetam as crianças em proporções igualitárias. No entanto, os meninos tendem a apresentarem comportamentos agressivos e as meninas a internalizar os sentimentos, podendo desenvolver ansiedade e depressão(7). Além disso, foi constatado que mais da metade das crianças que convivem com a VPI precisa de alguma intervenção, seja um tratamento específico ou ajuda profissional. Entretanto, isso é um obstáculo, visto que a detecção dessas crianças e a forma de abordagem eficaz para ajudá-los ainda é uma problemática (7).
Em outro estudo, realizado nos Estados Unidos da América (EUA) em 2022, é enfatizado que a exposição infantil à VPI pode ter efeitos negativos duradouros no bem-estar da criança, como sinais de irritabilidade, histórico de trauma e comportamentos internalizantes e externalizantes mostrou que a intenção de tratar esses indivíduos não apresentou resultados significativos, mas que os participantes das 8 sessões terapêuticas, apresentaram menos problemas de internalização de sentimentos(9).
Pesquisa existente demonstra de maneira robusta como a VPI exerce impactos profundos e multifacetados no desenvolvimento psicológico e comportamental de crianças. É bem documentado que a exposição a tal violência precipita uma gama de respostas adaptativas e mal adaptativas em menores, onde muitos tendem a externalizar comportamentos através da agressividade, enquanto outros internalizam sentimentos, levando a quadros de ansiedade e depressão(7).
É importante elucidar que o estresse pós-traumático, a ansiedade, a depressão e o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) são prevalentes entre crianças expostas à VPI, afetando ambos os gêneros, porém com manifestações distintas: meninos inclinam-se a comportamentos agressivos enquanto meninas tendem a internalizar emoções, potencialmente culminando em ansiedade e depressão. A constatação de que mais da metade dessas crianças necessita de intervenções específicas—tratamentos ou suporte profissional—salienta a urgência de desenvolver mecanismos eficazes de detecção e abordagem terapêutica para mitigar esses impactos adversos(7).
Há diversos fatores que influenciam na exposição à VPI na infância, dentre eles a OMS expõe que em muitas situações se trata de uma hereditariedade vindo de um ciclo de violência, sendo que um quarto de todos os adultos no mundo foram sujeitos a maus-tratos físicos por seus ascendentes durante a infância, e, por isso, há maior probabilidade de seus descendentes serem vítimas de negligências e ficarem expostas à violência interparental(14).
A exposição da criança a VPI vai além dos efeitos deletérios no seu bem estar, como o seu desenvolvimento cognitivo e socioemocional, mas se propaga interferindo em comportamentos adultos. Exemplo seria, meninos e meninas que sofrem violência doméstica contra a mãe correm maior risco de perpetuar essas atitudes agressivas, bem como serem vítimas de violência doméstica no futuro, o que demonstra a ação da perpetuação intergeracional da violência(16).
Uma das consequências sociais mais visíveis na VPI durante a adolescência, se dá pela violência no namoro entre adolescentes, onde ambas as partes na relação desempenham papéis duplos de perpetrador e vítima, já que há presença de impacto cumulativo dos maus-tratos físicos e da VIP na infância. Assim, observa-se que essa violência na adolescência está associada a testemunhar interações violentas entre cuidadores em suas casas, de forma que aprendem a replicar essa dinâmica perpetradora e vítima em suas próprias relações românticas(14).
No estudo realizado no Instituto de Saúde Materna e Infantil de Trieste, Itália, em um hospital universitário pediátrico de terceiro nível, de fevereiro de 2020 a janeiro de 2021, observou-se uma maior frequência de alteração do estado psicológico-emocional e de distúrbios do sono, no momento do atendimento ao PS pediátrico nas crianças que foram triadas positivas para exposição à violência em comparação ao grupo negativo(16).
Estudos também enfatizam que, além de aspectos psicossociais, a exposição à VPI na infância também está relacionada a influências deletérias no bem estar físico das crianças expostas a tal contexto de vulnerabilidade, em vista do potencial de influenciar no estado nutricional das vítimas e no desenvolvimento físico das crianças, acarretando danos que perduram durante toda à vida(13,15).
A análise comparativa conduzida com os objetivos de quantificar a incidência de baixa estatura infantil em 137 países de baixa/média renda causada por fatores de risco psicossociais e estimar os custos econômicos relacionados a essas circunstâncias, demonstrou que cerca de 7 milhões de ocorrências de baixa estatura infantil nesses países podem ser atribuídas, de forma conjunta, à baixa escolaridade das mães, à presença de violência na primeira infância (VPI) e à depressão materna. Ainda, esse estudo salienta que parte do efeito da depressão materna sobre a restrição no desenvolvimento físico dessas crianças é atribuível a um contexto de VPI, colocando esse fator como uma peça chave nesse panorama(13).
No estudo realizado na Nigéria de associação entre a exposição à violência por parceiro íntimo e o estado nutricional de mulheres e crianças, observou-se no resultado que a exposição materna à VIP durante toda a vida foi associada ao baixo peso e ao sobrepeso/obesidade. Durante o estudo, das 2.145 crianças analisadas, 14,78% apresentavam baixa estatura, 14,47% estavam abaixo do peso e 4,63% foram desperdiçados de acordo com as classificações da OMS. De forma geral, pelo menos 21,57% das crianças apresentavam uma forma de desnutrição infantil(14). Além disso, em estudo realizado na Etiópia, visualiza-se que a VIP diminui em 65% a ingestão alimentar das crianças, aumentando, portanto, a possibilidade de desnutrição(15).
A exposição precoce à violência entre parceiros íntimos (VPI), seja direta ao presenciar a violência ou indireta por meio dos agravos à saúde da mãe ou cuidador(a), coloca as crianças em risco de dificuldades emocionais contínuas, incluindo problemas de autorregulação e elevados níveis de sintomas de internalização(17).
A exposição a ambientes estressantes na infância pode ter impacto no funcionamento emocional, fisiológico e neurológico das crianças devido a este ser um período de desenvolvimento e pode resultar em consequências como níveis elevados de comportamento externalizantes, sintomas de trauma, atrasos neurológicos e de linguagem, reatividade ao conflito verbal, regulação emocional mais deficiente e níveis mais baixos de segurança de apego. Em bebês pode ocorrer a desregulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, problemas de internalização, problemas de externalização e baixo desempenho acadêmico entre crianças na meia-infância, bem como menor regulação vagal(17).
Além disso, foi apontado que o comportamento das crianças vítimas da exposição de VPI reflete diretamente uma desregulação emocional dos pais resultando em uma diminuição da capacidade de ajudar seus filhos a regular suas emoções, assim como aumento da monitorização de erros nos seus filhos resultando em uma menor tolerância o que pode levá-los a responder de forma inadequada à comissão de erros das crianças. De modo geral, a exposição à perpetração materna de VPI é um melhor preditor de problemas internalizantes que a paterna devido ao fato de as mães serem cuidadoras principais e figuras de apego das crianças (17).
Durante a pesquisa dos estudos que compõem a revisão sistemática, as principais limitações foram encontrar artigos que relacionassem a VPI com as consequências para os filhos do casal. Outras limitações se referem a utilização de um tamanho de amostra relativamente pequeno e o foco na perpetração masculina de violência contra parceiras, abordando pouco o ponto de vista feminino ou do cuidador principal. Por fim, a principal limitação encontrada se refere à falta de perspectiva das crianças e dos adolescentes sobre as consequências da VPI nas suas vidas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste artigo, exploramos os impactos psicossociais para os filhos de vítimas de VPI em detalhes, examinando que as crianças que vivem em ambiente disfuncional sofrem diferentes repercussões a curto e a longo prazo. A análise sistemática revelou que em círculos familiares com a presença de VPI, é notório os impactos no desenvolvimento psicológico e comportamental das crianças.
A exposição a esse tipo de violência está relacionada com alterações adaptativas e mal adaptativas em menores, podendo desencadear diferentes padrões de comportamento. Alguns externalizam, por meio de reações enérgicas e agressividade, outros internalizam os sentimentos, podendo desenvolver quadros ansiosos e depressivos. É importante destacar que embora a maioria dos artigos concentre sua discussão em torno da VPI contra parceiras femininas, homens e mulheres contribuem para a continuidade desse comportamento, por vezes podendo ser violento e negligente por meio de estratégias disciplinares rígidas, hiper vigilância de erros e maus tratos.
Além disso, alguns estudos demonstraram que os efeitos da VPI sobre os filhos das vítimas podem ser deletérios durante toda a vida da criança exposta, uma vez que os comportamentos vinculados a esse cenário de violência podem ser perpetuados na vida adulta, ocasionando círculos viciosos que colocam as vítimas da infância como adultos que continuam a sofrer como vítimas em outros cenários de abuso ou então como os próprios perpetradores desse tipo de violência ou de outras relacionadas, além dos impactos sobre as condições de saúde das vítimas expostas à VPI na infância - como déficit nutricional e déficit cognitivo - que podem refletir nas condições socioeconômicas da vida adulta.
Como demonstrado, as crianças expostas ao contexto da vulnerabilidade, como a baixa escolaridade familiar, à violência entre parceiros íntimos VPI, bem como outros fatores socioeconômicos interferem diretamente no desenvolvimento biológico, de forma que leva à uma quantidade significativa de crianças de baixa estatura. Logo, observa-se que a exposição à VPI influencia no estado nutricional das vítimas, de forma que possa suscitar a desnutrição, conforme evidenciado nos estudos citados.
Outrossim, a intervenção terapêutica às vítimas de VPI podem auxiliar na melhora do comportamento e no desenvolvimento psicossocial na infância, de forma que proporcione estabilidade emocional e redução de estresse. Além disso, as intervenções nutricionais, com auxílio de profissionais da saúde, podem auxiliar no monitoramento da nutrição dessas vítimas submetidas ao estado de vulnerabilidade.
A baixa escolaridade materna, além da desigualdade de renda e gênero associado à exposição de riscos psicossociais, pode contribuir para a permanência em relações abusivas. Aumentar o acesso à educação, implementar programas sociais de incentivo de renda a mulheres e fornecer serviços de prevenção e tratamento da depressão perinatal são iniciativas que podem promover segurança econômica e ajudar na qualidade de vida das mães e seus filhos. Dessa forma, estratégias de psicoeducação e políticas relacionadas à prevenção e intervenção da violência também podem colaborar para a diminuição das taxas de VPI.
REFERÊNCIAS
2. A Lutgendorf M. Intimate Partner Violence and Women's Health. Obstet Gynecol[Internet]. 2019;134(3):470-480. doi: https://doi.org/10.1097/AOG.0000000000003326.
12. Conway LJ, Cook F, Cahir P, Brown S, Reilly S, Gartland D, et al. Children’s language abilities at age 10 and exposure to intimate partner violence in early childhood: Results of an Australian prospective pregnancy cohort study. Child Abuse Negl [Internet]. 2021; 111, 104794. Doi: https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2020.104794.
Fomento e Agradecimento:
A pesquisa foi financiada pela Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular (FUNADESP) através da bolsa de pesquisa para iniciação cientifica. A FUNADESP fica localizada na SRTVS Qd. 701, Conjunto L, Bloco 01, nº 38, 2º andar - sala 213. Ed. Centro Empresarial Assis Chateaubriand Asa Sul - Brasília - Distrito Federal
Critérios de autoria (contribuições dos autores)
Araújo NCT, Gonçalves AVDR; Costa ALL, Estrela SCCMF; Paiva ALF e Nunes HN contribuíram substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada
Declaração de conflito de interesses
Nada a declarar
Editor Científico: Ítalo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447
Rev Enferm Atual In Derme 2024;98(3): e024379