ARTIGO ORIGINAL

 

CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMEIROS: PROMOÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA DE PESSOAS COM DOENÇAS CRÔNICAS

 

NURSES’ CLINICAL CARE: PROMOTING THE QUALITY OF LIFE OF PEOPLE WITH CHRONIC NON-COMMUNICABLE DISEASES

 

CUIDADOS DE ENFERMERÍA: PROMOCIÓN DE LA CALIDAD DE VIDA DE PERSONAS CON ENFERMEDADES CRÓNICAS

 

https://doi.org/10.31011/reaid-2025-v.99-n.supl.1-art.2269

 

1Giulia dos Santos Goulart

2Bárbara Belmonte Bedin

3Flávia Camef Dorneles Lenz

4Luana Antunes Sigaran

5Gabriely de Almeida

6Carla da Silveira Dornelles

7Claudete Moreschi

 

1Enfermeira. Mestra em Enfermagem. Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria/RS, Brasil.

2Enfermeira. Mestra em Enfermagem. Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Santiago/RS, Brasil.

3Enfermeira. Mestra em Enfermagem. Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria/RS, Brasil.

4Enfermeira. Mestranda em Enfermagem. Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria/RS, Brasil.

5Enfermeira. Especialista em Saúde do Adulto. Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria/RS, Brasil.

6Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS, Brasil.

7Enfermeira. Doutora em Ambiente e Desenvolvimento. Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Santiago/RS, Brasil.

 

Autor correspondente

Giulia Dos Santos Goulart

Avenida Roraima, 1000. Prédio do Colégio Politécnico da UFSM (70), Bloco G - Sala 322-A. Santa Maria/RS - 97105-900, Brasil. Fone: +55 51 98216-7596. E-mail: giuliagoulart@outlook.com

 

Submissão: 27-05-2024

Aprovado: 08-03-2025

 

RESUMO

Introdução: as doenças crônicas não transmissíveis apresentam-se como um crescente problema global de saúde pública. No que diz respeito ao cuidado aos usuários da Atenção Primária à Saúde, é importante que a equipe se comprometa com a realização de práticas de cuidado eficazes. Neste contexto, o enfermeiro tem um papel primordial. Objetivo: descrever a percepção de enfermeiros sobre as ações de cuidado desenvolvidas na estratégia saúde da família para promover a qualidade de vida de pessoas com doenças crônicas não transmissíveis. Método: Trata-se de pesquisa descritiva exploratória, com abordagem qualitativa, desenvolvida com 10 enfermeiros e analisada a partir da análise de conteúdo temática. Resultados: o perfil dos enfermeiros apontou maioria feminina (90%), majoritariamente com idade entre 31 e 50 anos. As ações multidisciplinares que são realizadas envolvem a utilização de grupos, interconsultas, consultas, educação permanente e visita domiciliária. Entre as sugestões para a melhoria do cuidado estão o aumento do apoio multiprofissional ao serviço e seus usuários, integração de ações entre ensino/serviço, além de maior envolvimento da gestão municipal na organização de atividades. Considerações Finais: considera-se, a partir da descrição das ações expostas, que diversas são as atividades desenvolvidas. Sugere-se, também, a realização de atividades de extensão universitária com equipes de saúde e usuários, educação permanente com a rede de atenção à saúde, além da capacitação de profissionais. Ainda, a implementação do núcleo de apoio à saúde da família e a realização de novas pesquisas que abordem a temática se faz importante.

Palavras-chave: Cuidados de Enfermagem; Promoção da Saúde; Doenças Não Transmissíveis; Atenção Primária à Saúde.

 

ABSTRACT

Introduction: chronic non-communicable diseases are a growing global public health problem. When it comes to caring for Primary Health Care users, the team must be committed to carrying out effective care practices. In this context, nurses play a key role. Objective: to describe the perception of nurses about the care actions developed in the Family Health Strategy to promote the quality of life of people with chronic non-communicable diseases. Method: exploratory, descriptive study, with a qualitative approach, carried out with 10 nurses and analyzed using thematic content analysis. Results: the profile of the nurses showed a female majority (90%), mostly aged between 31 and 50. The multidisciplinary actions that are carried out involve the use of groups, interconsultatios, consultations, continuing education, and home visits. Suggestions for improving care include increasing multi-professional support for the service and its users, integrating teaching/service activities, as well as greater involvement by the municipal administration in organizing activities. Final Considerations: based on the description of the actions described above, it can be seen that several activities have been carried out. It is also suggested that university extension activities be carried out with health teams and users, as well as continuing education with the health care network and training for professionals. It is also important to implement a family health support center and to carry out further research on the subject.

Keywords: Nursing Care; Health Promotion; Noncommunicable Diseases; Primary Health Care.

 

RESUMEN

Introducción: Las enfermedades crónicas no transmisibles se presentan como un creciente problema global de salud pública. En cuanto al cuidado de los usuarios de la Atención Primaria de Salud, es importante que el equipo se comprometa con la realización de prácticas de cuidado eficaces. En este contexto, el enfermero tiene un papel primordial. Objetivo: describir la percepción de los enfermeros sobre las acciones asistenciales desarrolladas en la Estrategia Salud de la Familia para promover la calidad de vida de las personas con enfermedades crónicas no transmisibles Método: Se trata de una investigación descriptiva exploratoria, con enfoque cualitativo, desarrollada con 10 enfermeros y analizada a partir del análisis de contenido temático. Resultados: El perfil de los enfermeros mostró una mayoría femenina (90%), mayoritariamente con edades entre 31 y 50 años. Las acciones multidisciplinarias realizadas incluyen la utilización de grupos, interconsultas, consultas, educación permanente y visitas domiciliarias. Entre las sugerencias para la mejora del cuidado están el aumento del apoyo multiprofesional al servicio y a sus usuarios, la integración de acciones entre enseñanza/servicio, además de un mayor involucramiento de la gestión municipal en la organización de actividades. Consideraciones Finales: A partir de la descripción de las acciones expuestas, se considera que se desarrollan diversas actividades. Se sugiere también la realización de actividades de extensión universitaria con equipos de salud y usuarios, educación permanente con la red de atención a la salud, además de capacitación de profesionales. Asimismo, es importante la implementación del núcleo de apoyo a la salud de la familia y la realización de nuevas investigaciones que aborden la temática.

Palabras clave: Atención de Enfermería; Promoción de la Salud; Enfermedades no Transmisibles; Atención Primária à la Salud.

 

INTRODUÇÃO

As Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) são um crescente problema global de saúde pública, contribuindo significativamente para a morbimortalidade e gerando impactos sociais e econômicos substanciais(1-2). No Brasil, a Atenção Primária à Saúde (APS) desempenha um papel crucial na gestão dessas doenças, com a Estratégia Saúde da Família (ESF) sendo o principal modelo de organização e intervenção(3). A ESF visa expandir, organizar e fortalecer a APS, promovendo uma abordagem integral e contínua ao cuidado dos pacientes(4-5).

O modelo de APS brasileiro, orientado pela ESF, conta com equipes multiprofissionais que atuam na promoção, prevenção e reabilitação em saúde, oferecendo um cuidado integral aos pacientes. Esse modelo facilita a criação de vínculos entre os profissionais de saúde, os indivíduos e suas comunidades, promovendo uma melhor qualidade de vida(4-5).

As DCNT, como diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares, exigem intervenções contínuas e estratégias de cuidado eficazes para minimizar seus impactos(2). Nesse contexto, a atuação dos enfermeiros é essencial. Eles são responsáveis pela coordenação de ações e estratégias de promoção da saúde e prevenção de doenças, além de serem fundamentais na implementação de práticas de educação em saúde(6).

Os enfermeiros são protagonistas na ESF, impulsionando e potencializando a implementação de mudanças organizadas no sistema de saúde, desenvolvendo ações com foco na qualidade de vida dos usuários com condições crônicas(7). Portanto, é fundamental que as equipes da APS se comprometam com práticas eficazes de educação em saúde para promover a saúde, prevenir agravos e mitigar os impactos das cronicidades na vida dos usuários e da comunidade(7-8).

O aumento das DCNT é impulsionado por fatores de risco como tabagismo, inatividade física, consumo de álcool e dietas inadequadas. Por isso, é fundamental que a APS, por meio da ESF, desenvolva novas abordagens que não se centrem apenas na doença, mas que promovam o autocuidado e a saúde integral(9-10).

Por fim, compete ao enfermeiro auxiliar no empoderamento crítico e construtivo dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS)(10). Portanto, tendo em vista que as DCNT são a principal causa de morbidade e mortalidade global que as ESF desempenham um papel fundamental na prevenção e gestão dessas doenças, proporcionando cuidados contínuos e integrados que são essenciais para a promoção da qualidade de vida dos usuários, descrever e analisar as estratégias de cuidado desenvolvidas por enfermeiros na ESF são fundamentais para identificar práticas eficazes e áreas que necessitam de melhorias.

Diante do exposto e da importância de explorar as estratégias de cuidado aos usuários com DCNT realizadas na APS, este estudo objetiva descrever a percepção de enfermeiros sobre as ações de cuidado desenvolvidas na ESF para promover a qualidade de vida de pessoas com DCNT.

 

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa descritiva exploratória, com abordagem qualitativa, realizada com enfermeiros atuantes em ESF de um município do sul do Brasil. Esse delineamento metodológico atua como uma abordagem fundamental para compreender fenômenos sociais em profundidade. Isto pois a pesquisa qualitativa privilegia a análise do significado das interações sociais e das experiências individuais, permitindo uma compreensão mais rica e detalhada da realidade social(11).

Os critérios de inclusão definidos para o estudo foram ser profissional da equipe que atua no serviço da APS, trabalhar com as pessoas que possuem DCNT durante o período de coleta de dados e ter no mínimo seis meses de serviço, tempo decidido para mínima criação de vínculo com os usuários e conhecimento da gestão da ESF. Foram excluídos os profissionais que estavam em período de férias ou em licença e atestado médico no período.

Antes da realização das entrevistas, foi realizada uma aproximação com a APS e os profissionais inseridos nas ESF, em busca de compreender a dinâmica de trabalho e identificar os profissionais que desenvolviam ações voltadas às pessoas com doenças crônicas. Após esta inserção no campo, deu-se início à realização da coleta dos dados com os profissionais de saúde.

A pesquisa foi desenvolvida com os enfermeiros dos serviços da APS de um município localizado na região central do Rio Grande do Sul, a coleta de dados foi realizada considerando a amostra por conveniência. Contemplou-se, no mínimo, um enfermeiro por cada ESF. Os participantes que não foram encontrados presencialmente na primeira visita às ESF, foram abordados via correio eletrônico e telefone.

A coleta de dados foi realizada no período de novembro de 2019 a março de 2020, na sala de reuniões de cada ESF, onde estavam presentes apenas o profissional entrevistado e o pesquisador entrevistador, por meio de entrevista semiestruturada, com questões norteadoras. Os participantes foram instruídos sobre o objetivo da pesquisa e questionados sobre o consentimento da repercussão dos dados.

Durante a abordagem dos profissionais não houve recusas ou desistências, porém foi excluído um profissional que estava de férias. Nenhuma entrevista foi realizada duas vezes e as entrevistas foram gravadas em áudio com aparelhos smartphones para posterior realização das notas de campo, transcrição, e análise dos dados. As entrevistas tiveram duração variada entre 10 e 30 minutos e foram conduzidas pela professora e pesquisadora responsável pela pesquisa (enfermeira, doutora em ciências e desenvolvimento) e pela sua equipe (acadêmicas de enfermagem, bolsistas de iniciação científica) após treinamento de realização de coleta de dados qualitativos.

Após a coleta, para organizar e identificar, os dados foram codificados em forma alfanumérica (Ex.: E1, E2…E10) e analisados por dois pesquisadores independentes, com suporte do software Microsoft Excel. A análise foi feita conforme proposta de Minayo(11). A Análise Temática de Conteúdo é descrita como um processo sistemático de categorização e interpretação dos dados coletados, visando identificar núcleos de sentido emergentes, que estabelecem uma comunicação sobre a frequência ou presença de um determinado significado para o objeto que está sendo analisado, e contempla três etapas: pré-análise, exploração do material e interpretação dos resultados(11).

Para garantir a validade, o estudo seguiu o modelo de apresentação de estudos qualitativos proposto pelo Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)(12), respeitando o constante na Declaração de Helsinki e o disposto Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466, de 12 de dezembro de 2012 e sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões sob parecer 3.125.713 e CAEE 03974918.9.0000.5353.

 

RESULTADOS

Participaram da pesquisa 10 enfermeiros atuantes em ESF. A caracterização dos participantes mostrou que 90% dos enfermeiros são mulheres, com 20% na faixa etária de 20 a 30 anos e 80% entre 31 e 50 anos. Todos os enfermeiros possuem pós-graduação, 10% strictu sensu e 90% lato sensu.

Em relação ao tempo de formação, 90% possuem entre cinco e 20 anos de formados, enquanto 10% têm entre 21 e 30 anos de graduado. Quanto ao tempo de atuação no cargo atual, 20% dos profissionais têm de seis meses a um ano de experiência, e 80% têm entre dois e 15 anos. Ainda, a análise das citações realizadas pelos participantes da pesquisa, permitiu significar duas categorias: “O agora: desenvolvimento de ações envolvendo pessoas com DCNT na APS” e “Vislumbrando o futuro: quais estratégias podemos desenvolver?” e uma imagem interrelacionando as ações que promovem a QV de pessoas com DCNT na ESF.

 

Figura 1 - Ações que promovem a Qualidade de Vida de pessoas com doenças crônicas na atenção primária à saúde

Fonte: Autores.

 

O agora: desenvolvimento de ações envolvendo pessoas com DCNT na APS

Os enfermeiros participantes da pesquisa destacaram que o desenvolvimento de ações voltadas à QV realizadas pela rede de saúde do município é feito tanto de forma uni, quanto multiprofissional, o que é um aspecto positivo. As principais ações mencionadas foram as interconsultas, consultas de enfermagem, a visita domiciliária, pactos com membros da família, parceria com a Rede de Atenção à Saúde (RAS), realização de grupos específicos e a educação permanente. Cita-se, também, a equipe multiprofissional como apoiadora nesse processo.

Aqui dentro do serviço da atenção básica a gente promove umas ações, algumas em conjunto com outros serviços do município, outras especificamente nas unidades de atenção básica que são os grupos de saúde que a gente discute algumas situações relacionadas às doenças crônicas, a gente utiliza também muito da ajuda dos outros profissionais como nutricionistas, farmacêuticos, educadores físicos, para tentar promover qualidade de vida para essas pessoas que possuem doenças crônicas […]. (E1)

 

Acompanhamento pela equipe multidisciplinar, visita dos agentes comunitários de saúde, grupo de saúde informativo, inserir o usuário em atividade recreativa, reeducar, orientar conforme a realidade dos usuários. (E3)

 

A partir dos depoimentos dos enfermeiros percebe-se que a realização de atividades educativas, em forma de grupos coletivos de promoção de saúde ocorre de forma eficaz. Além disso, os mesmos descrevem que os temas abordados nos encontros são diversos e, muitas vezes, trazidos pelos próprios usuários.

A gente faz os grupos mensalmente, que não é um grupo, a gente não direciona para hipertensos, diabéticos ou outra doença. A gente faz o grupo de saúde e chama todos que querem vir e discutir um tema ali, abre pra discussão o que eles querem falar… enfim […]. (E7)

 

[…] A gente tentou fazer grupos, tinha adesão a grupos propriamente para hipertensos e diabéticos, não teve uma boa adesão. Então a gente está tentando reformular essas atividades educativas. A gente tem realizado um grupo por mês, voltado a um determinado assunto. Por exemplo, mês passado foi sobre depressão. A gente combinou, todas as pessoas. Foi um grupo muito bom. Esse mês a gente vai fazer relacionado a questão da nutrição, aí vai vir a nutricionista conversar, também. Mês que vem tem a questão de saúde do idoso, então a gente está fortalecendo a atividade do grupo, uma vez ao mês […]. (E8)

 

Desenvolvemos grupo saúde mensalmente com tema que os usuários levantam […]. (E9)

 

Percebe-se que os encontros, quando destinados a grupos específicos da comunidade, não apresentaram boa adesão, principalmente por hipertensos e diabéticos. No entanto, cabe ressaltar a importância de atividades que incluam esse público. Os grupos de educação em saúde para pessoas com DCNT, na APS, se constituem a partir da troca de conhecimentos dos profissionais de enfermagem e dos participantes.

[…] hoje a gente não rotula mais o grupo, de hipertenso, diabético, a gente procura quando desenvolve um grupo é pra todas… pra comunidade… independente se for diabético, ser hipertenso, todos participam junto pra promover a saúde deles […]. (E5)

 

Além dos grupos coletivos, grupos específicos também fazem parte das ações realizadas pelos enfermeiros.

[…] Então, uma vez por mês, uma vez a cada dois meses, tem grupo para homens, grupo para mulheres, né? Então a gente procura sempre trazer esse tipo de abordagem, assim, de qualidade de vida, de alimentação saudável, a prática de alguma atividade diferenciada, assim, diversos, assim. Depende muito do público, que daí a gente procura dar para eles o que eles nos pedem, né. (E6)

 

[…] A gente tem também um grupo de mulheres, a gente achou a necessidade disso, às vezes eles vinham… vinham no grupo de saúde, dai dentro do grupo de saúde, aquelas mulheres estavam passando pelo ninho vazio, climatério, que estão entrando na maturidade, elas começavam a  trazer os anseios delas e ai não era o momento daquela discussão por que os outros acabavam não participando… achando aquilo meio  ruim, ai fizemos dois grupos, pra isso tem o grupo de mulheres pra isso, pra chorar mesmo, a ausência do filho, não sei o que.. e tem outro grupo de saúde pra discutir qualidade de vida né […]. (E7)

 

Para além dos grupos de saúde, os enfermeiros afirmam que a realização de interconsultas se faz importante, já que ela constitui uma tecnologia leve facilitadora e potencializadora da integralidade do trabalho nos serviços de saúde. É enfatizada, também, como uma estratégia que auxilia a equipe a lidar com situações complexas, por qualificar o atendimento ao usuário e auxiliar os profissionais nas abordagens e tomadas de decisões, o que também foi referido.

Ai as estratégias são… tu tem a tua oferta né.. as consultas... tanto médico quanto de enfermagem que a gente faz né…  faz interconsultas… […]. (E5)

 

[…] Mas, a nossa direção maior está sendo na consulta, no cuidado individualizado, mesmo. Que é o momento em que a gente consegue ter um maior vínculo e um maior contato com esse usuário. (E8)

 

Além de interconsultas, foi declarada a realização de consultas programadas e coletivas. No entanto, quando se fala de consultas coletivas com pacientes crônicos, emergem-se barreiras a serem rompidas.

Nós tentamos começar consulta coletiva, mas não conseguimos continuar… por exemplo, 4 pessoas diabéticas no mesmo quadro, por questões de ideias diferentes do meu colega, a gente não conseguiu continuar assim… o meu colega médico não é muito a favor da consulta coletiva… ele não tem muita paciência assim sabe, eu já adoro, eu acho que é um momento deles mesmo se verem ali, há ele faz isso… a gente não conseguiu. (E7)

 

O acompanhamento dos usuários de saúde deve ser realizado por meio do rastreamento sistemático, com a atualização e acompanhamento do quadro clínico, o que possibilita a identificação de fatores de risco, tais como, tabagismo, sedentarismo e hábitos alimentares não saudáveis, além de complicações na terapêutica. Para tal, outra estratégia utilizada pelos enfermeiros é o acompanhamento dos pacientes por meio de Visita Domiciliária (VD), somada aos pactos de cuidado realizados com os membros da família.

[…] Fazer um acompanhamento no domicílio, fazer algumas pactuações com algumas pessoas da família quando aquele cuidado é insuficiente. Só que as vezes, assim, a gente fazia pactuações verbais e as vezes não surtia muito efeito. Agora a gente começou a fazer pactuações com alguns membros da família, um suporte do familiar. Começamos a registrar e as pessoas começaram a assinar. Então, com esses pactos, como a gente começou a fazer com a assinatura, né?[…]. (E4)

 

A parceria da ESF com a RAS e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), principalmente com o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), para a realização de diversas atividades, tais como grupos, caminhadas orientadas e outras atividades recreativas foi outro ponto destacado pelos enfermeiros.

São grupos, em parceria com o CRAS. Grupos de saúde e grupos, também, relacionados a atividades de promoção da saúde […]. Então o CRAS tem alguns cursos, algumas coisas com a prefeitura. A gente faz parceria com projetos também, tipo forma e saúde, de atividade física, para promover a saúde, também. (E2)

 

[…] e o CRAS já tem grupos assim formados…toda semana ele tem…tem uma escalinha deles, cada semana é uma atividade, então o CRAS tem forma e saúde que oferta, daí a gente tenta ofertar né, direciona as pessoas né… para uma atividade física… tem trabalhos que fazem ali, os grupo de costura pra pessoa focar um pouco, trabalho, distrair né. (E5)

 

[…] Caminhadas semanais com usuários, ou 2x na semana. Nos encontramos na ESF e vamos… (E9)

 

Além do exposto, outra aliada no processo de cuidado das pessoas com DCNT, é a Educação Permanente em Saúde (EPS). Esta auxilia a sustentar a gestão do trabalho, no âmbito da enfermagem, e ocorre por meio de estratégias, pois promove o desenvolvimento contínuo do trabalho, partindo da estruturação, organização e incorporação pelo enfermeiro em seu ambiente laboral.

A gente tem fortalecido muito esse cuidado com o paciente crônico. As unidades em si, desde toda a rede de serviço têm pensado nesse paciente com maior cuidado por ser uma grande demanda das estratégias hoje. Existe muito paciente com doenças crônicas no território e a gente tem pensado nisso, no sentido de fortalecer tanto a prevenção, para que não aconteçam mais casos, mais pessoas, mais jovens sendo acometidos pela doença crônica, como também esse cuidado com a pessoa que já tem a doença instalada […]. (E8)

 

Por fim, além das ações que estão sendo desenvolvidas na ESF, os enfermeiros sinalizaram algumas estratégias que poderão ser implementadas futuramente para melhorar a QV da população com DCNT e da comunidade.

 

Vislumbrando o futuro: quais estratégias podemos desenvolver?

Organizar fluxos entre profissionais da APS, usuários e outros níveis de atenção é um dos principais desafios na coordenação do cuidado. Dessa forma, os enfermeiros da APS sinalizam, justamente como necessária para melhorar o cuidado, a importância da ampliação de utilização da RAS no município estudado.

É [preciso] cada vez mais juntar outros autores para a roda, não adianta somente enfermeiro, medico, agente comunitário dessa equipe mínima que a gente tem de atenção básica trabalhar com essas pessoas, a gente precisa de outras profissões, outros olhares, outras orientações que no caso é da psicologia, da nutrição, da farmácia, da assistência social, então a minha sugestão de estratégia e isso sempre foi uma constante aqui dentro do serviço é tentar buscar em outros serviços aquilo que pode contribuir pra a saúde dessas pessoas. (E1)

 

[…] Eu acho que ampliar, também. Começar ampliando, também, as parcerias [com outros núcleos e profissionais]. (E2)

 

Além disso, percebe-se a necessidade de ações voltadas à promoção da saúde, ampliação do acolhimento ao usuário e ainda, que se precisa de atividades que promovam o aumento da autonomia, conforme relatam os profissionais.

[…] Eu acho que a minha maior sugestão é fazer com que a pessoa se sinta capaz de planejar junto com a equipe nas unidades […]. Eu acho que é a primeira coisa para favorecer e para oportunizar essa promoção de saúde, da qualidade de vida, é trabalhar com a pessoa, com o ser humano enquanto sujeito, não enquanto usuários apenas do serviço e assim, pacientes, né?. (E2)

 

 Livre acesso do paciente à unidade. Acesso mais liberado para vir à unidade. Os nossos usuários participam bastante. (E9)

 

Frente a isso, necessita-se refletir sobra a importância da ampliação na oferta de ações de apoio na APS, de forma a expandir o cuidado para além do olhar clínico. Percebe-se, também, a importância de desenvolver um olhar positivo voltado a integração de ações apoiadas no binômio ensino-serviço, buscando a realização de atividades educativas.

Um exemplo são as atividades que a faz relacionado à saúde do idoso. Conscientizar, reeducar, ressocializar, ser produtivo. Saber o que o usuário pode fazer dentro das suas limitações. Incentivar a convivência social, as amizades, atividades que contemplam essa faixa etária. Não vitimizar. Trabalhar no todo do paciente. (E3)

 

[…] Mas são coisas que a gente também gostaria de fortalecer, de repente uma parceria com a própria graduação, enfim. Estar fortalecendo isso eu acho importante […]. (E8)

 

Associado às ideias expostas anteriormente, os enfermeiros sugerem ainda a utilização de ferramentas adaptativas e estímulo constante para fortalecer o cuidado ao usuário crônico e qualificar a APS. Essas ideias são observadas nos discursos dos profissionais.

[…] A gente sentou e conversando com a médica, assim, a gente começou a criar algumas estratégias na própria família […] Pequenas estratégias, até a pessoa pegar o hábito e conseguir tomar a medicação certa, se alimentar correto, a gente não inventou nada, né? Pegamos o que ele tinha e tentamos adaptar […] Estimular uma caminhada e fazer uma atividade física. (E4)

 

Portanto, segundo os enfermeiros, considerando a integralidade do processo do cuidado, a participação de diversos profissionais, membros da comunidade e usuários fortalece a QV, bem como possibilita ampliar a implementação de ações benéficas ao cuidado efetivo.

[...] Acho que de repente, o CRAS, por ser um centro de referência, poderia ofertar maiores atividades grupais para essas pessoas, porque a maioria deles são idosos [...] Então, fortalecer a questão de rede social deles, de sair de casa, fazer uma outra atividade. Acho que seria bem importante, a atividade em grupo é uma oportunidade. Mas mais direcionado para isso, para a questão de lazer [...]. (E8)

 

[...] Que não fiquem só nas atividades em grupo, mas que se desenvolvam práticas, técnicas e habilidades diversas, assim [..]. (E2)

 

Os participantes da pesquisa também referiram a necessidade de qualificação dos membros da equipe, principalmente os Agentes Comunitários de Saúde (ACS), já que esses possuem um papel relevante, sendo considerado como a ligação entre a ESF e a comunidade.

[…] Acredito que esse incentivo maior também da gestão, de promover mais eventos, de mais espaços, acho que, também, isso é fundamental. Proporcionar maiores condições, enfim, montar um parque nos arredores aqui, porque assim, a gente tem terreno né? Muito bom, poderia até a própria gestão organizar um parque, um ambiente para melhorar o próprio território, isso tudo melhora a qualidade de vida deles. (E10)

 

Compreender a coordenação do cuidado como responsabilidade de diferentes categorias e abordá-las como tema transversal, seja nos espaços de qualificação promovidos pela gestão ou nas reuniões de equipe, pode atribuir destaque ao tema no município.

[…] Os grupos que a gente desenvolve né… a gente desenvolve juntos, por acaso…faz convite pra grupos... a gente costuma fazer…daí quando a gente faz... geralmente a gente ocupa espaços físicos…na escola a gente se insere  não só voltada também a qualidade de vida, não só com, o adulto já, mas a gente está pegando também os adolescentes né… por que aquela questão né, a gente já vê adolescente com obesidade…isso vai afetar a qualidade de vida deles futuramente […] trabalhar com as EMEIS, daí seria imunizações né e obesidade […] medir todas as crianças, né pra ir ver se tá…for a dos parâmetros de IMC ou coisa assim… ai é solicitado já os exames e encaminhado pro nutricionista daí…[…]. (E5)

 

Nota-se a associação dos temas “Qualidade de Vida” e seus termos correlatos com pessoas idosas nos espaços de diálogos acompanhados e nos discursos dos entrevistados. A prevenção de DCNT na infância, adolescência e vida adulta também foi mencionada, porém observa-se o olhar desatento em reconhecer, neste público, a integralidade do cuidado e a possibilidade de novas tecnologias para promoção da saúde e prevenção de DCNT.

A partir do exposto, verificam-se diversas potencialidades implementadas pelos enfermeiros na APS. Ainda, evidencia-se a dificuldade dos mesmos em abordar a temática quando a mesma concerne às crianças e adolescentes. Os enfermeiros, também, apontam diversas sugestões para a melhoria da QV de pessoas com DCNT no município.

 

DISCUSSÃO

Os achados deste estudo referentes ao perfil profissional vão ao encontro de uma pesquisa que encontrou maioria dos trabalhadores da APS com sexo feminino (85,3%) e média de idade de 39,1 anos(13). Ainda, estudo sobre o processo de trabalho da enfermagem na APS corrobora estes resultados ao verificar 93,9% dos participantes sendo identificadas como mulheres e com faixa etária entre 36 e 40 anos(14).

Também, verifica-se convergência com os dados apresentados pela OMS e pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) sobre a situação da enfermagem no mundo e na região das américas, que divulga uma predominância, em 89%, de profissionais do sexo feminino na enfermagem(15). Estudo verificou a mesma porcentagem de participantes com pós-graduação atuando na APS, também em diferentes níveis(14). Quanto ao tempo de atuação, pesquisa apontou que 42,2% dos profissionais possuíam menos de quatro anos de atuação no cargo atual(14).

O presente trabalho verificou que os enfermeiros acreditam que a atuação multiprofissional, ou seja, realizado em equipe, é indispensável e constitui um dos componentes estratégicos de enfrentamento da crescente complexidade, tanto das necessidades de saúde, como da organização dos serviços e dos sistemas de atenção à saúde em rede. Essa necessidade, no que diz respeito às DCNT, deve-se ao aumento da expectativa de vida e envelhecimento da população, assim como à mudança do perfil epidemiológico, o que requer acompanhamento de grande parte da população a longo prazo(15).

Quanto ao diálogo, os enfermeiros visualizam-no como fortalecedor do cuidado ao usuário, porém relatam dificuldade de diálogo com a equipe. Estudo afirma que se necessita de melhoria nos serviços de saúde, o que se organiza com base na melhoria das equipes(16). Isso, permite que equipe e comunidade aprendam e ensinem reciprocamente, o que favorece a comunicação e o desenvolvimento de ações educativas, que devem ser dialéticas e ir ao encontro das necessidades dos usuários.

Ainda, o diálogo fortalece a cidadania, considerando o ser como singular, livre e participante ativo de suas aprendizagens(17). Assim, a organização de grupos de acordo com a demanda de cada comunidade é uma estratégia importante e faz com que enfermeiros e usuários aprendam de forma educativa. Para tal, precisa-se considerar a participação efetiva dos membros em grupos, não só enquanto recebedores de informações, mas transmissores das mesmas. Tendo em vista que o trabalho nesses grupos é permeado de desafios, conquistas e angústias(18).

Ademais, a interconsulta apresenta-se como uma ferramenta que potencializa a integralidade do cuidado, na percepção dos enfermeiros. Estudos corroboram ao exposto ao verificar que, do ponto de vista da equipe, a interconsulta diminui o número de encaminhamentos para a atenção secundária(18-19). Além disso, ela consiste na avaliação interdisciplinar do usuário visando uma compreensão integral do seu processo de saúde e/ou doença, ampliando e estruturando a abordagem e a construção de projetos terapêuticos(18).

Ao problematizar o trabalho interprofissional na APS verifica-se, pelas falas dos enfermeiros, que o clima de trabalho em equipe é essencial para o sucesso do cuidado. Ainda, a colaboração em equipe, ou seja, buscar e concretizar alternativas dentro da própria ESF, influencia na qualidade da assistência. Isso impacta diretamente, de forma positiva ou negativa, na qualidade de vida dos usuários(20).

Os enfermeiros também apontaram a VD como uma ferramenta estratégica de cuidado e para informar o paciente, seus cuidadores e familiares sobre o diagnóstico. Isto, bem como transmitir informações sobre o tratamento da doença instalada e orientações para melhor vivenciá-la, favorece a adesão ao cuidado(21). Nesse sentido, a VD acompanha o desenvolvimento da saúde pública e da enfermagem, sendo desenvolvida como ferramenta essencial de cuidado à saúde.

Afirma-se, ainda, que a VD engloba além do indivíduo, sua família e o meio de inserção social, exercendo o cuidado de forma sistemática, a fim de efetivar a proximidade com o usuário por meio do acompanhamento e vínculo, para que seja possível promover a resolutividade de demandas emergentes(22).

Fortalecendo a sistematização do cuidado, a Rede de Atenção à Saúde (RAS) surgiu, nas falas deste estudo, como uma estratégia para superar a fragmentação da atenção em saúde e aprimorar o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) no cuidado(23). O objetivo da RAS é garantir ao usuário um conjunto acesso as ações e serviços com efetividade e eficiência, pois a organização do sistema em redes promove o cuidado contínuo e integral para a população quando coordenado pela APS, prestado no tempo ideal, no lugar certo, com custo adequado, com a qualidade garantida e de modo humanizado(24).

Ainda, exalta-se, nesta pesquisa, o suporte do SUAS, liderado pelo CRAS, que oferta auxílio na organização de atividades, como exercícios físicos e convívio social, para a população. Atualmente, tais práticas encontram grande aceitação pelos usuários do SUS. Destacam-se duas principais interpretações da relação das práticas corporais e atividade física com a saúde, a atuação das mesmas como fator de proteção e prevenção para as DCNT, rivalizando com os fatores de risco, além do auxílio na melhoria da capacidade funcional, integração na sociedade, melhora na QV e maior independência(25).

Não obstante, os enfermeiros percebem que, quando realizada de forma correta, a Educação Permanente em Saúde (EPS) auxilia e fortalece o cuidado realizado na ESF. A implantação da EPS deve estar ancorada nos princípios do SUS, envolvida com a resolução dos problemas encontrados no processo de trabalho e nas particularidades que acometem os serviços de saúde(26). Dessa forma, o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) surge como estratégia de auxílio na comunicação e discussão de casos entre a RAS(27).

    Com vistas à melhora na QV das pessoas que possuem DCNT no Brasil, a inserção de ações de promoção de saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), tem sido observada como necessária pelos enfermeiros. Por meio delas se faz possível evidenciar avanços constantes e significativos no que se refere a redução dos níveis de morbimortalidade e dos fatores de risco das doenças crônicas(28). Além de assistir o usuário por meio de ações de prevenção, reabilitação e cura, é imprescindível fornecer, ao mesmo tempo, ferramentas para o aumento de sua autonomia. Isso, apoiado pela ESF, contribuirá para o fortalecimento da capacidade deste em gerir sua própria rede e suas necessidades com autonomia(29).

O apoio da universidade e dos projetos de ensino elaborados por enfermeiros também atuam como suporte para as equipes da ESF. A interação ensino-serviço se apresenta como uma estratégia de grande encontro de saberes(28). Porém, precisa-se, nesse intercurso, superar uma limitação estabelecida pela crença de que existem formas de produção distintas: a universidade produz principalmente conhecimento, enquanto as unidades de saúde realizam a produção do cuidado.

Uma parte desta estratégia é suprida pela execução de atividades de extensão universitária, organizadas a partir do movimento interdisciplinar. A extensão busca favorecer a interação entre o docente-discente e o serviço-comunidade, e corresponsabiliza as universidades na contribuição para a transformação na saúde e sociedade, bem como na formação dos profissionais da saúde(30).

Ferramentas adaptativas e estímulo constante para fortalecer o cuidado e a autonomia nas atividades também foi percebido como um fator importante para os enfermeiros. Estudo reforça esse pensamento, pois relata que trabalhar a realização das Atividades de Vida Diária (AVD) com o usuário, para atender às necessidades individuais e coletivas, promove e amplia a autonomia, para que a comunidade seja progressivamente menos dependente dos serviços de saúde(26).

Nesse contexto, afirma-se que as redes de cuidados à saúde têm sido defendidas como meio de incorporar a inteligência coletiva de usuários, familiares, profissionais e pesquisadores de forma a criar um sistema que explore suas motivações e habilidades(29). Outro fator relevante referido foi a necessidade de qualificação, principalmente para os ACS. Pois, mais do que apenas suportes para execução de ações educativas em saúde, os ACS são considerados participantes indispensáveis do trabalho no SUS(30).

A literatura sobre a contribuição desse profissional para a consolidação do SUS problematizou a existência de duas dimensões, a técnica (relativa ao atendimento, a intervenção e o monitoramento de grupos ou problemas específicos) e a política (no sentido de organização da comunidade e de transformação das condições de vida que levam aos problemas de saúde)(31).

O cuidado às crianças e adolescentes foi brevemente mencionado pelos enfermeiros, porém com desatenção. A doença crônica altera de forma significativa e negativamente a QV da criança, tendo em vista mudanças desencadeadas por internações, tratamentos, alterações nos hábitos de vida, acompanhamento médico e, por vezes, necessidade de afastamento do ambiente escolar(32). A partir da definição do diagnóstico de uma DCNT, a vida das crianças, adolescentes e seus familiares, passa a ser guiada por doença e tratamento. Isso se traduz em um percurso longo, permeado por dificuldades e um conjunto de sentimentos representados por angústia e incerteza.

Com objetivo de proporcionar educação integral e melhores índices de saúde das crianças e adolescentes, o Programa Saúde na Escola (PSE) desenvolve ações de avaliação das condições de saúde, promoção de saúde, prevenção de agravos e a formação e capacitação de profissionais. Estas atividades almejam intervir em possíveis riscos de adoecimento, relacionados a esta faixa etária e, em situações de doença já instalada, o PSE busca avaliar as condições de saúde dos escolares e encaminhar ao centro de tratamento mais adequado de acordo com a especialidade proporcionada(33).

Após o exposto, o estudo apresentou como limitação a inclusão das ESF da APS de apenas um município na pesquisa. Porém, pode-se verificar que o presente estudo contribui para a área da saúde uma vez que evidencia diversas ações de cuidado que estão sendo desenvolvidas pela APS para promover a QV de usuários com DCNTs. Vislumbra-se ainda, várias ações que podem ser desenvolvidas com esta população a partir do fomento ao SUS, empoderamento dos enfermeiros e realização de atividades que digam respeito à dignidade sociocultural e econômica dos usuários do serviço.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo evidenciou que os enfermeiros percebem diversas ações individuais e coletivas realizadas para promover a QV de pessoas com DCNT na ESF. Entre as atividades relatadas estão a utilização de promoção da saúde, interconsultas, consultas individuais, educação permanente, VD e pactuações com usuários e membros da família. Destacou-se a importância do apoio multiprofissional à ESF e seus usuários. Além das estratégias específicas utilizadas pelos profissionais no serviço de saúde, o estudo evidenciou que ações em parceria com a RAS e o SUAS do município favorecem o cuidado de enfermagem.

Ainda, os enfermeiros vislumbram possíveis estratégias a serem implementadas, como a integração de ações entre ensino e serviço, a realização de atividades educativas, a ampliação da RAS e a oferta de atividades que não dizem respeito apenas às doenças. A qualificação dos ACS, maior participação da gestão e prevenção de DCNT na infância e adolescência também foram consideradas pelos profissionais.

Portanto, sugere-se às universidades locais a realização de atividades de ensino e extensão na ESF, e aos profissionais a realização de educação permanente e continuada com as equipes que integram a RAS, além da qualificação dos profissionais de saúde, como os ACS. A (re)implementação do NASF, fortalecimento do PSE e do Primeira Infância Melhor, além da realização de novas pesquisas que abordem a saúde de pessoas com DCNT, são consideradas importantes para a continuidade e melhoria da QV de pessoas com DCNT.

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Fomento

 

Nada a declarar

 

Agradecimentos

 

Agradecemos a todos os profissionais que participaram da pesquisa.

 

Critérios de autoria (contribuições dos autores)

 

Giulia Dos Santos Goulart. Contribuiu substancialmente na concepção e no planejamento do estudo, na obtenção, na análise e interpretação dos dados, assim como na redação, revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

 

Bárbara Belmonte Bedin. Contribuiu substancialmente no planejamento do estudo, na obtenção, na análise e interpretação dos dados, assim como na revisão crítica e aprovação final da versão publicada. Flávia Camef Dorneles Lenz. Contribuiu substancialmente na concepção do estudo, na análise e interpretação dos dados, assim como na revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

 

Luana Antunes Sigaran. Contribuiu substancialmente na interpretação dos dados, assim como na redação, revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

 

Gabriely de Almeida. Contribuiu substancialmente no planejamento do estudo, na obtenção, na análise e interpretação dos dados, assim como na revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

 

Carla da Silveira Dornelles. Contribuiu substancialmente no planejamento do estudo, na análise e interpretação dos dados, assim como na revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

 

Claudete Moreschi. Contribuiu substancialmente na concepção e no planejamento do estudo, na obtenção, na análise e interpretação dos dados, assim como na redação, revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

 

Declaração de conflito de interesses

Nada a declarar.

 

Editor Científico: Ítalo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447

Rev Enferm Atual In Derme 2025;99(supl.1): e025053                  

by Atribuição CCBY