ARTIGO DE OPINIÃO

 

AVANÇOS DA TECNOLOGIA DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO CUIDADO DE ÚLCERAS NO PÉ DIABÉTICO

 

THE ADVANCES OF ARTIFICIAL INTELLIGENCE TECHNOLOGY IN THE CARE OF DIABETIC FOOT ULCERS

 

LOS AVANCES DE LA TECNOLOGÍA DE INTELIGENCIA ARTIFICIAL EN EL CUIDADO DE LAS ÚLCERAS DEL PIE DIABÉTICO

 

https://doi.org/10.31011/reaid-2024-v.98-n.3-art.2326

 

1Priscila Peruzzo Apolinario

2Flávia Cristina Zanchetta

3Camila Quinetti Paes Pittella

4Maria Helena Melo Lima

 

1Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Faculdade de Enfermagem. Campinas, SP, BR. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5134-6963

2Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Faculdade de Enfermagem. Campinas, SP, BR. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5934-9683

3Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF, Faculdade de Enfermagem. Juiz de Fora, MG, BR. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3431-5927

4Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Faculdade de Enfermagem. Campinas, SP, BR. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6521-8324

 

Autor correspondente

Priscila Peruzzo Apolinario

Universidade Estadual de Campinas - Unicamp Rua Tessália Vieira de Camargo, 126. Cidade Universitária Campinas/SP CEP: 13083-887 - +55 (19) 3521-8833 - E-mail: priscilapolinario@gmail.com

 

INTRODUÇÃO

O diabetes mellitus (DM) é uma condição metabólica crônica caracterizada pela falta de produção de insulina ou pela não utilização deste hormônio de forma eficiente pelo corpo, resultando em hiperglicemia(1). A Federação Internacional de Diabetes estima que em 2021 morreram mais de 6,7 milhões de pessoas por problemas relacionados ao DM e prevê que em 2030 haverá no mundo 643 milhões de pessoas com DM, estimando que os custos financeiros relacionados a este irão ultrapassar um trilhão de dólares(1). No Brasil, o número de pessoas vivendo com DM é de aproximadamente 20 milhões de pessoas, o que representa 10% da população brasileira(2). Sabe-se ainda que essa estimativa sofre um aumento gradativo a cada ano, devido a determinantes de saúde relacionados a hábitos de vida e as consequências dele(1), assim como pelo envelhecimento populacional(2). Por fim, temos que a úlcera de pé diabético (UPD) é a complicação mais prevalente relacionada ao DM e é resultado de dano microvascular com neuropatia e/ou dano macrovascular na forma de doença arterial periférica(3). Na UPD o reparo tecidual é desordenado o que ocasiona maior tempo de cicatrização, maiores custos no tratamento e menor qualidade de vida(3).

Paralelamente a este cenário, ocorre uma revolução tecnológica mundial associada à inteligência artificial (IA) caracterizada por soluções digitais com potencial para impactar os sistemas de saúde, o comportamento humano e as relações de cuidado nesta área. Atualmente, aplicações de IA estão sendo desenvolvidas no cuidado de feridas para prevenção, detecção precoce, estratificação e análise de fatores de risco, diagnóstico, tratamento, previsão de resultados e avaliação de prognóstico de feridas(4–7).  Além disso, a IA tem sido empregada em sistemas de monitoramento remoto, permitindo o acompanhamento contínuo de pacientes com condições crônicas, e na automação de tarefas administrativas, liberando os profissionais de saúde para se concentrarem no cuidado direto ao paciente. Deste modo, considerando o potencial tecnológico do uso da IA no cuidado de feridas, este artigo abordará o uso colaborativo da IA no ensino, na prevenção, na detecção precoce, no diagnóstico e no tratamento das UPD por meio de uma discussão estruturada em 4 eixos, conforme a Figura 1.

     

Figura 1  - Eixos de cuidado de UPD e IA.

Fonte: Elaborado pelos autores. 2024

 

Eixo 1. Ensino e Informação

Por meio da utilização de IA, é possível favorecer o raciocínio clínico e tomada de decisão de profissionais de saúde no cuidado de UPD. Em 2022, Bender e colaboradores(8) desenvolveram um protótipo de sistema de aprendizagem  baseado em evidências e operado por algoritmo  que calcula uma pontuação de similaridade entre casos novos e casos armazenados na base de casos de UPD (em relação a seis variáveis: necrose, tamanho da ferida, granulação, esfacelo, pele seca e idade), pautando o protótipo na estratégia de raciocínio baseado em casos e aplicando o conhecimento de casos previamente resolvidos para resolver novos problemas, simulando o que ocorre na prática clínica quando é realizado a discussão de casos entre profissionais de saúde.  Do mesmo modo, é possível construir estratégias de ensino com IA para favorecer a literacia em saúde. Em 2024, Mashatian(9) construiu um modelo de IA baseado em linguagem com o objetivo de oferecer informações sobre diabetes e cuidados com os pés de pessoas com diabetes para leigos com nível de alfabetização de até oito anos e alcançou 98% de precisão nas respostas do algoritmo para perguntas sobre o tema.

 

Eixo 2. Prevenção

A termografia infravermelha é um método rápido, não invasivo e sem contato que permite a visualização da distribuição da temperatura plantar do pé. Em condições anormais, a circulação sanguínea nos membros inferiores estará significativamente reduzida, indicando menor aporte circulatório, o que afetará o padrão da temperatura plantar(10). Em UPD a associação de sistemas de diagnósticos auxiliados por computador com termografia infravermelha mostra-se promissora para superar limitações como a percepção visual humana, a falta de conhecimento e a falta de recursos humanos(10–12). Outras possibilidades de IA para prevenção estão sendo realizadas, como o uso de Rede Neural Artificial para predição do risco de pacientes com DM2 desenvolverem UPD, pautado na ausência ou presença de haplótipos do gene TLR4(13)  Smartphonebased wound assessment system for patients with diabetes; uso de aprendizado de máquinas não supervisionado para rastrear pacientes com DM e com potencial para desenvolverem UPD, direcionando esses indivíduos de alto risco para acompanhamento prioritário na prevenção do pé diabético(14).

 

Eixo 3. Detecção Precoce e Diagnóstico

O diagnóstico e a detecção de feridas em membros inferiores de pessoas com diabetes requer habilidade e conhecimento científico, no entanto, esses conhecimentos e experiência profissional não estão presentes em todas as regiões do mundo. Dentre as contribuições potenciais da IA para o atendimento ao paciente com diabetes está o reconhecimento e a análise de UPD. Usando métodos computadorizados como visão computacional e redes neurais é possível realizar o diagnóstico de UPD por meio de fotografias de lesões dos membros inferiores por dispositivos móveis em aplicativos com algoritmos avançados de IA(15,16). Do mesmo modo, já é possível avaliar a presença de infecção e isquemia em UPD, fatores de risco para amputação e a necessidade de revascularização de membros inferiores em pessoas com DM (17,18).

 

Eixo 4. Tratamento

Para avaliar os diversos fatores envolvidos no processo de cicatrização de UPDs, tais como questões físicas, fisiológicas e bioquímicas de feridas, várias tecnologias de biossensor inteligente relacionadas à IA têm sido utilizadas. A maioria dos curativos in situ desenvolvidos baseia-se na detecção visual, movimento, odor, pH, umidade, temperatura, pressão, oxigênio, glicose, ácido úrico e colonização bacteriana(19). Como exemplo, foi desenvolvido com IA um hidrogel condutor com nanopartículas nomeado de PDA@Ag NPs/CPHs com atividade antibacteriana e monitoramento de movimentos em grande escala do corpo humano em tempo real. Além disso, os PDA@Ag NPs/CPHs têm um efeito terapêutico significativo em feridas de pés de pessoas com diabetes, promovendo a angiogênese, modulando a deposição de colágeno, inibindo o crescimento bacteriano e controlando a infecção da ferida(20). Outra possibilidade de tratamento, relaciona-se com o cuidado dos pés. Devido às alterações causadas pela neuropatia, os membros inferiores estão sujeitos a formação de calos, perda sensorial e a deformidade física do pé, o que favorece gradualmente a formação de úlcera. Assim, palmilhas e sapatos personalizados são itens fundamentais para o tratamento e a prevenção de lesões, e estes podem ser personalizados por sistemas de computador baseados em IA(21), oferecendo cuidado individualizado e de qualidade com impacto direto na qualidade de vida.

 

Conclusão

A IA tem um futuro promissor no ensino e informação, na prevenção, na detecção precoce da lesão, no diagnóstico e no tratamento de UPD, com benefícios diretos para os sistemas de saúde, para os pacientes e para os profissionais que prestam assistência às feridas de pessoas com diabetes. Contudo, ressalta-se que será necessário adaptação e empenho coletivo pelos membros da sociedade para o uso dos potenciais benefícios da IA e deste modo ocorrer uma real melhoria no cuidado de UPD favorecida pela IA.

REFERÊNCIAS

  1.      International Diabetes Federation. IDF Diabetes Atlas. 10 edição. Bruxelas, Bélgica; 2021.

 2.       Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2022. Rio de Janeiro: IBGE; 2023.

 3.       Waibel FWA, Uçkay I, Soldevila-Boixader L, Sydler C, Gariani K. Current knowledge of morbidities and direct costs related to diabetic foot disorders: a literature review. Front Endocrinol (Lausanne). 2024; 17;14:1323315.

 4.       Sarp S, Kuzlu M, Wilson E, Cali U, Guler O. The Enlightening Role of Explainable Artificial Intelligence in Chronic Wound Classification. Electronics (Basel). 2021;10(12):1406.

 5.       Barakat‐Johnson M, Jones A, Burger M, Leong T, Frotjold A, Randall S, et al. Reshaping wound care: Evaluation of an artificial intelligence app to improve wound assessment and management amid the COVID-19 pandemic. Int Wound J. 2022;19(6):1561–77.

 6.       Tehsin S, Kausar S, Jameel A. Diabetic wounds and artificial intelligence: A mini-review. World J Clin Cases. 2023;11(1):84–91.

 7.       Cross K, Harding K. Risk profiling in the prevention and treatment of chronic wounds using artificial intelligence. Int Wound J. 2022;19(6):1283–5.

 8.       Bender C, Cichosz SL, Malovini A, Bellazzi R, Pape-Haugaard L, Hejlesen O. Using Case-Based Reasoning in a Learning System: A Prototype of a Pedagogical Nurse Tool for Evidence-Based Diabetic Foot Ulcer Care. J Diabetes Sci Technol. 2022;16(2):454–9.

 9.       Mashatian S, Armstrong DG, Ritter A, Robbins J, Aziz S, Alenabi I, et al. Building Trustworthy Generative Artificial Intelligence for Diabetes Care and Limb Preservation: A Medical Knowledge Extraction Case. J Diabetes Sci Technol. 2024; 20:19322968241253568.

 10.     Adam M, Ng EYK, Tan JH, Heng ML, Tong JWK, Acharya UR. Computer aided diagnosis of diabetic foot using infrared thermography: A review. Comput Biol Med. 2017;91:326–36.

 11.     Liu C, van Netten JJ, van Baal JG, Bus SA, van der Heijden F. Automatic detection of diabetic foot complications with infrared thermography by asymmetric analysis. J Biomed Opt. 2015;20(2):026003.

 12.     Faus Camarena M, Izquierdo-Renau M, Julian-Rochina I, Arrébola M, Miralles M. Update on the Use of Infrared Thermography in the Early Detection of Diabetic Foot Complications: A Bibliographic Review. Sensors. 2023;24(1):252.

 13.     Singh K, Singh VK, Agrawal NK, Gupta SK, Singh K. Association of Toll-Like Receptor 4 Polymorphisms with Diabetic Foot Ulcers and Application of Artificial Neural Network in DFU Risk Assessment in Type 2 Diabetes Patients. Biomed Res Int. 2013;2013:1–9.

 14.     Ferreira ACBH, Ferreira DD, Oliveira HC, Resende IC de, Anjos A, Lopes MHB de M. Competitive neural layer-based method to identify people with high risk for diabetic foot. Comput Biol Med. 2020;120:103744.

 15.     Yap MH, Chatwin KE, Ng CC, Abbott CA, Bowling FL, Rajbhandari S, et al. A New Mobile Application for Standardizing Diabetic Foot Images. J Diabetes Sci Technol. 2018;12(1):169–73.

 16.     Wang L, Pedersen PC, Strong DM, Tulu B, Agu E, Ignotz R. Smartphone-Based Wound Assessment System for Patients With Diabetes. IEEE Trans Biomed Eng. 2015;62(2):477–88.

 17.     Goyal M, Reeves ND, Davison AK, Rajbhandari S, Spragg J, Yap MH. DFUNet: Convolutional Neural Networks for Diabetic Foot Ulcer Classification. IEEE Trans Emerg Top Comput Intell. 2020;4(5):728–39.

 18.     Yap MH, Cassidy B, Pappachan JM, O’Shea C, Gillespie D, Reeves ND. Analysis Towards Classification of Infection and Ischaemia of Diabetic Foot Ulcers. In: 2021 IEEE EMBS International Conference on Biomedical and Health Informatics (BHI). IEEE; 2021. p. 1–4.

 19.     Kaur D, Purwar R. Nanotechnological advancement in artificial intelligence for wound care. In: Nanotechnological Aspects for Next-Generation Wound Management. Elsevier; 2024. p. 281–318.

 20.     Zhao Y, Li Z, Song S, Yang K, Liu H, Yang Z, et al. Skin‐Inspired Antibacterial Conductive Hydrogels for Epidermal Sensors and Diabetic Foot Wound Dressings. Adv Funct Mater. 2019;29(31).

 21.     Germani M. Shoes Customization Design Tools for the “Diabetic Foot.” Comput Aided Des Appl. 2011;8(5):693–711.

Fomento e Agradecimento: Nada a declarar

 

Contribuição dos autores

 

Priscila Peruzzo Apolinario: Contribuiu substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão submetida;

 

Flávia Cristina Zanchetta: contribuiu na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão submetida;

 

Camila Quinetti Paes Pittella: contribuiu na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão submetida;

 

Maria Helena Melo Lima: Contribuiu substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão submetida.

 

Declaração de conflito de interesses: Nada a declarar

Editor Científico: Ítalo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447

Rev Enferm Atual In Derme 2024;98(3): e024377                        

    Atribuição CC BY