ARTIGO ORIGINAL

 

CONHECIMENTO DE ENFERMEIROS DA ALTA COMPLEXIDADE SOBRE VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

 

KNOWLEDGE OF HIGHLY COMPLEX NURSES ON VIOLENCE AGAINST CHILDREN AND ADOLESCENTES

 

CONOCIMIENTO DE ENFERMEROS DE LA ALTA COMPLEJIDAD SOBRE VIOLENCIA CONTRA NIÑOS Y ADOLESCENTES

 

https://doi.org/10.31011/reaid-2024-v.98-n.3-art.2337

 

1Edite Beatriz Alves Santos

2Kalyne Araújo Bezerra

3Igor de Sousa Nóbrega

4Tamires Paula Gomes Medeiros

5Gleicy Karine Nascimento de Araújo-Monteiro

6Renata Clemente dos Santos-Rodrigues

7Emanuella de Castro Marcolino

 

1UNIFACISA – Centro Universitário, Campina Grande – PB, Brasil. ORCID: 0000-0002-0125-9079

2Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal – RN, Brasil. ORCID: 0000-0001-8108-9980

3Universidade de Pernambuco (UPE), Recife – PE, Brasil. ORCID:0000-0002-8669-0537

4Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa – PB, Brasil. ORCID: 0000-0002-8222-8257

5Universidade de Pernambuco (UPE), Recife – PE, Brasil. ORCID: 0000-0002-4395-6518

6Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Campina Grande – PB, Brasil. ORCID: 0000-0003-2916-6832

7Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Cuité – PB, Brasil. ORCID: 0000-0002-6135-8853

 

Autor correspondente

Igor de Sousa Nóbrega

Rua Doutor Genaro Guimarães, 194. Casa Amarela. Recife – PE. Brasil. CEP: 52070-040. Telefone: +55 (83)98640-6423, E-mail: igordsn25@gmail.com

 

Submissão: 27-07-2024

Aprovado: 13-09-2024

 

RESUMO

Objetivo: analisar o conhecimento e a prática profissional de enfermeiros da alta complexidade sobre violência contra crianças e adolescentes, antes e após intervenção educativa. Método: estudo observacional, do tipo transversal, desenvolvido com 44 enfermeiros. A intervenção ocorreu individualmente através de vídeo explicativo. Aplicou-se um questionário do tipo antes e depois, visando dimensionar a eficácia da intervenção. Os dados foram tabulados e analisados no Statistical Package for the Social Science, mediante estatística descritiva e inferencial (Teste de Wilcoxon para amostras pareadas e Teste de Correlação de Spearman). Resultados: verificou-se melhora estatisticamente significativa entre as variáveis conhecimento sobre a temática, estatuto da criança e do adolescente, aptidão para discussão do tema, encaminhamento da vítima, consulta de enfermagem e receio de abordar a situação. Conclusão: o nível de conhecimento dos enfermeiros se apresentou melhor após intervenção educativa, reforçando a imprescindibilidade de medidas educacionais no combate à violência contra a criança e ao adolescente.

Palavras-chave: Educação Continuada; Violência; Criança; Adolescente; Cuidado de Enfermagem.

 

ABSTRACT

Objective: to analyze the knowledge and professional practice of highly complex nurses regarding violence against children and adolescents, before and after educational intervention. Method: observational, cross-sectional study, developed with 44 nurses. The intervention took place individually through an explanatory video. A before and after questionnaire was applied, aiming to measure the effectiveness of the intervention. The data were tabulated and analyzed in the Statistical Package for the Social Science, using descriptive and inferential statistics (Wilcoxon test for paired samples and Spearman correlation test). Results: there was a statistically significant improvement between the variables knowledge on the topic, status of children and adolescents, ability to discuss the topic, referral of the victim, nursing consultation and fear of approaching the situation. Conclusion: nurses' level of knowledge improved after educational intervention, reinforcing the indispensability of educational measures in combating violence against children and adolescents.

Palabras clave: Continuing Education; Violence; Kid; Teenager; Nursing Care.

 

RESUMEN

Objetivo: analizar el conocimiento y práctica profesional de enfermeros de alta complejidad sobre la violencia contra niños y adolescentes, antes y después de la intervención educativa. Método: estudio observacional, transversal, desarrollado con 44 enfermeras. La intervención se desarrolló de forma individual a través de un vídeo explicativo. Se aplicó un cuestionario de antes y después, con el objetivo de medir la efectividad de la intervención. Los datos fueron tabulados y analizados en el Paquete Estadístico para las Ciencias Sociales, utilizando estadística descriptiva e inferencial (prueba de Wilcoxon para muestras pareadas y prueba de correlación de Spearman). Resultados: hubo mejora estadísticamente significativa entre las variables conocimiento sobre el tema, situación de niños y adolescentes, capacidad para discutir el tema, derivación de la víctima, consulta de enfermería y miedo a abordar la situación. Conclusión: el nivel de conocimientos de los enfermeros mejoró después de la intervención educativa, reforzando la indispensabilidad de las medidas educativas en el combate a la violencia contra niños y adolescentes.

Keywords: Educación Continua; Violencia; Niño; Adolescente; Atención de Enfermería.

 

INTRODUÇÃO

A violência é definida como o uso de qualquer força física, poder real ou ameaça de uso intencional que venha resultar em lesão, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento, privação ou morte contra qualquer indivíduo, grupo ou comunidade(1). Esse fato pode gerar, na vítima, contenção da capacidade cognitiva, problemas no desenvolvimento biopsicossocial, alcoolismo, uso de drogas ilícitas, depressão, comportamento suicida, gravidez precoce, problemas escolares e déficits nos relacionamentos interpessoais(2).

A ocorrência desse fenômeno no público infantojuvenil, geralmente, baseia-se na relação de poder exercida por adultos que detêm papel protetor, muitos dos incidentes acontecem dentro da família, o que dificulta a revelação dos fatos. As vítimas podem negar as acusações por medo de perder o contato com seus familiares ou por receio das consequências após a denúncia(3).

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no atlas de violência destaca que entre 2012 e 2022, ocorreram 2.153 assassinatos de bebês e crianças pequenas (0 a 4 anos), 7.000 assassinatos de crianças (5 a 14 anos) e 94.970 assassinatos de adolescentes (15 a 19 anos). Estes dados refletem a realidade trágica de milhares de jovens que foram impedidos de iniciar ou concluir sua educação e de começar a trilhar um caminho profissional(4), seja através da negligência, que consiste na omissão de cuidados; do abuso físico, caracterizado pelo uso da força física e representa a tipologia mais comum no público infantojuvenil; e abuso sexual, caracterizado por estimulação e manipulação sexual(5).

Considerando essa problemática, os serviços e os profissionais de saúde se tornam elementos estratégicos na identificação e na assistência a crianças e adolescentes em situação de violência, constituindo portas de entrada para uma assistência qualificada e centrada na vítima(6). Entretanto, a isenção da responsabilidade de notificação dos casos, sejam eles suspeitos ou confirmados, e o encaminhamento das vítimas a outros setores ou serviços representam grandes fragilidades no enfrentamento ao fenômeno(7).

Os enfermeiros, embora sejam os profissionais de maior contato com as vítimas de violência nos serviços de saúde, demonstram dificuldades em abordar casos de violência com crianças e adolescentes, principalmente no que se refere à utilização de instrumentos legais, como método de identificação de ocorrências, no manejo e no atendimento às vítimas, e na percepção dos diferentes tipos de violência, com ênfase às que não deixam marcas visíveis(8).

As dificuldades que esses profissionais apresentam refletem, portanto, as fragilidades de formação e de domínio técnico científico(9). As intervenções educativas em saúde demonstram potencial para proteção e promoção da saúde de crianças em risco ou em situações de violência, proporcionando atendimentos em grupo, tanto de forma presencial tornando suas práticas mais seguras, eficientes e resolutivas ao acolher essas vítimas(7).

Estudos relacionados a intervenções educativas voltadas aos profissionais de enfermagem, no que tange à violência contra a criança e o adolescente, são escassos, principalmente nos serviços de saúde de nível terciário. Por esta razão, reitera-se a imprescindibilidade de capacitação voltada a esse público, de modo a qualificar sua assistência e torná-la mais específica, conforme as necessidades da sua prática profissional(10).

Dessa forma, o presente estudo adotou a seguinte questão norteadora: Qual conhecimento de enfermeiros de alta complexidade sobre violência com crianças e adolescentes, antes e após intervenção educativa?

Frente ao anteposto, adotou-se como hipótese nula que a intervenção educativa realizada com enfermeiros da alta complexidade não apresentaria impacto positivo no conhecimento dos enfermeiros e como hipótese alternativa que a intervenção educativa realizada com enfermeiros da alta complexidade apresentaria impacto positivo no conhecimento destes profissionais. Logo, definiu-se como objetivo: analisar o conhecimento e a prática profissional de enfermeiros da alta complexidade sobre violência contra crianças e adolescentes, antes e após intervenção educativa.

 

MÉTODO

 

Consiste em um estudo observacional, do tipo transversal, realizado no período de março a abril de 2019, em um hospital de referência estadual para atendimento de traumas, considerado pólo da 2ª macrorregião de saúde do Estado da Paraíba.

A população-alvo da pesquisa correspondeu aos 62 enfermeiros que atuavam prestando assistência a crianças e adolescentes em situação de violência nos setores Acolhimento, Sala Vermelha, Observação Pediátrica, Internação Pediátrica e Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica, nos três turnos de trabalho. A amostra do estudo foi do tipo não probabilística, por conveniência, de acordo com aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, finalizando em 44 enfermeiros.

Estabeleceu-se como critérios de inclusão os enfermeiros que já haviam atendido crianças e adolescentes em situações de violência nos setores preestabelecidos para a pesquisa e aqueles que atuavam por no mínimo seis meses em seu respectivo setor predeterminado pela pesquisa. Atribuiu-se como critérios de exclusão aqueles enfermeiros em período de férias, licenças ou atestados; e mais de três abordagens ao mesmo profissional sem sucesso.

Os instrumentos de coleta de dados consistiram em dois questionários autoaplicáveis, um para o momento pré-intervenção e o outro pós-intervenção com as mesmas questões, construídos com base em estudo desenvolvido na mesma região da presente pesquisa(11). No primeiro, foram solicitadas as informações referentes a dados sociodemográficos, como sexo, formação e área de atuação.

Além disso, os enfermeiros foram questionados quanto ao nível de conhecimento e a prática profissional voltadas a aspectos das crianças e adolescentes vítimas de violência; conhecimento e a presença da Ficha de Notificação de Violências Interpessoais do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) no ambiente de trabalho, bem como a necessidade de preenchê-la;  debate sobre essa temática; encaminhamento dos casos de violência; envolvimento legal nos casos de violência; conhecimento sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a consulta de enfermagem, o exame físico, o acolhimento e o enfrentamento.

 Enquanto o questionário empregado pós-intervenção, contava apenas com as questões direcionadas ao conhecimento do enfermeiro sobre violência, a saber: SINAN, encaminhamento, discussão sobre violência no ambiente de trabalho, envolvimento legal nos casos de violência, ECA, consulta de enfermagem, exame físico, acolhimento e enfrentamento, a fim de avaliar a autopercepção de aquisição de novas informações pós-intervenção.

  Dessa forma foi possível realizar uma comparação diante do nível de conhecimento da temática violência como todo, conhecimentos estes necessários e essenciais, sobretudo os mais específicos como as definições de violência dispostas no estatuto da criança e do adolescente. As questões sobre sexo, formação e área de atuação eram de característica dicotômicas, com opções para respostas de sim ou não, e as perguntas destinadas à avaliação do conhecimento foram distribuídas em escalas do tipo Likert.

 Esse recurso viabiliza uma série de escolhas a uma determinada questão, aumentando a margem de possibilidades de respostas por meio de categorias, sendo possível graduar as respostas dos participantes, na perspectiva de avaliar o conhecimento auto apontado pelos enfermeiros sobre violência. No presente estudo, as escalas contaram com opções de 1 a 10, sendo considerado 1 para nenhum conhecimento e 10 para muito conhecimento relacionado à categoria indagada.

A intervenção foi realizada em cada setor de atuação dos enfermeiros. Cada profissional da enfermagem foi abordado individualmente, conforme a escala de trabalho. Iniciou-se, portanto, através do convite e da abordagem aos enfermeiros em seus setores de atuação; nesse momento, esses foram questionados quanto aos critérios de inclusão.

Após atendidos os critérios de elegibilidade, os profissionais foram convidados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e, em seguida, iniciar o processo de intervenção. Os instrumentos foram autoaplicáveis com tempo médio de duração de 7 minutos. Já o processo de intervenção ocorreu em três momentos. No primeiro foi aplicado o instrumento de pré-intervenção, a fim de obter o nível de conhecimento prévio dos participantes, bem como questões voltadas à prática profissional sobre a temática.

No segundo momento houve aplicação da intervenção compreendida pela exibição de um vídeo educativo de oito minutos e 46 segundos, abordando a temática de violência com crianças e adolescentes, e a Linha de Cuidado para a Atenção Integral a crianças e adolescentes e suas respectivas famílias em situação de violência, baseada nos eixos promoção da saúde, acolhimento, notificação, assistência e seguimento. Associado à exibição do vídeo, os pesquisadores se dispuseram ao esclarecimento de possíveis dúvidas(12).

O terceiro momento consistiu na aplicação do questionário pós-intervenção, a fim de avaliar os aspectos de conhecimento e a abordagem profissional sobre a temática após a atividade educativa. Por fim, foi disponibilizado o Manual do Ministério da Saúde “Linha de Cuidado para Atenção Integral à Saúde de Crianças, Adolescentes e suas Famílias em Situação de Violências”, para que os enfermeiros participantes se apoderassem dos mecanismos de abordagem a crianças e adolescentes em situação de violência.

Todas as etapas do processo de intervenção ocorreram no mesmo momento de abordagem, correspondendo em média 20 minutos de duração nos três momentos, evitando possíveis vieses entre o antes e depois da intervenção e sendo possível controlar o acesso à informação do participante em todo o processo de intervenção.

Os dados foram analisados em um software estatístico, mediante estatística descritiva (frequência absoluta e relativa) e inferencial (Teste de Wilcoxon para amostras pareadas, Teste de Correlação de Spearman). O teste não paramétrico foi escolhido devido ao resultado do teste de Kolmogorov Smirnov, em que os dados apresentaram uma tendência à não normalidade. Foi adotado o valor de significância de 5% (p<0,05) para todos os testes.

Para avaliação da força da correlação, foi utilizado o seguinte critério: r=1(perfeita); 0,80<r<1 (muito alta); 0,60<r<0,80 (alta); 0,40<r<0,60 (moderada); 0,20<r<0,40 (baixa); 0<r<0,20 (muito baixa); r=0 (nula), sendo a interpretação idêntica para os valores negativos de coeficiente.

O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ensino Superior e Desenvolvimento/Faculdade de Ciências Médicas (CEP/CESED/FCM) para análise e apreciação e, após sua aprovação sob parecer n.º 3.159.668/2019 e CAAE 03987418.3.0000.5175, a pesquisa em campo foi desenvolvida, seguindo todos os padrões éticos preconizados pelas resoluções n.º 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

 

RESULTADOS

 

A análise dos dados sociodemográficos e dos enfermeiros entrevistados permitiu identificar o predomínio de enfermeiros do sexo feminino (37; 84,1%), que atuam no setor de acolhimento (12; 27,3%) e que fizeram pós-graduação (39; 88,6%) em áreas não relacionadas ao escopo de assistência do serviço de saúde analisado (23; 59,0%).

No tocante às variáveis que investigaram o conhecimento sobre violência contra criança e adolescente, identificou-se que a maior parte dos participantes nunca havia recebido treinamento e/ou capacitação (31; 70,5%), mas tinha conhecimento sobre a ficha de notificação compulsória de violência interpessoal (29; 65,9%); porém, não a tinha no setor laboral (29; 65,9%) e não indicou o não preenchimento dela no trabalho (39; 88,6%).

Ademais, a maioria indicou que a temática da violência contra criança e adolescente não era discutida no setor de atuação (27; 61,4%); no entanto, fazia leitura sobre a problemática (40; 90,9%), conhecia alguma instituição e/ou órgão para encaminhamento da vítima (25; 56,8%) e tinha medo de envolvimento legal com as situações de violência (23; 52,3%).

O Quadro 1 exibe a comparação dos dados nos momentos pré e pós-intervenção com os profissionais. Verifica-se que os enfermeiros apresentaram uma média maior após intervenção para todas as variáveis, destacando as que apresentaram diferença estatística significativa: conhecimento sobre a temática (p<0,001) e o estatuto da criança e do adolescente (p=0,001); aptidão para discussão do tema (p=0,042), encaminhamento da vítima (p<0,001) e consulta de enfermagem (p<0,001); e receio de abordar a situação (p=0,032).

 

Quadro 1 - Comparação das informações sobre o manejo da violência contra criança e adolescente, antes e após a intervenção. Campina Grande, PB, Brasil, 2020

Variáveis

Pré-intervenção

Pós-intervenção

p-valor

Mediana

II*

Mediana

II

Conhecimento sobre o assunto da violência contra criança e adolescentes

7,0

5,0 - 8,0

8,0

6,0 - 8,0

<0,001

Conhecimento sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente

6,0

4,25 - 8,0

7,0

5,0 - 8,0

0,001

Aptidão para discutir o tema da violência contra criança e adolescentes

6,0

5,0 - 8,0

6,0

5,0 - 8,0

0,042

Aptidão para encaminhar a criança e o adolescente em situação de violência

6,0

4,0 - 7,0

7,0

5,0 - 8,0

<0,001

Aptidão para consulta de enfermagem direcionada à criança e ao adolescente em situação de violência

6,0

4,25 - 8,0

7,0

5,0 - 8,0

<0,001

Aptidão para exame físico direcionado à criança e ao adolescente em situação de violência

5,5

4,0 - 8,0

6,0

4,0 - 8,0

0,096

Aptidão para acolher a criança e o adolescente em situação de violência

7,0

5,0 - 8,0

7,0

5,0 - 8,0

0,110

Dificuldade para enfrentar situação de violência contra criança e o adolescente

6,5

5,0 - 8,0

7,5

5,0 - 8,0

0,288

Confiança para abordar situação de violência contra criança e o adolescente

5,5

5,0 - 8,0

6,5

5,0 - 8,0

0,345

Receio em abordar situação de violência contra criança e o adolescente

5,0

3,0 - 7,0

6,0

5,0 - 8,0

0,032

Preparo para abordar situação de violência contra criança e o adolescente

6,0

5,0 - 8,0

6,0

5,0 - 8,0

0,346

*II: Intervalo Interquartil; †Teste de Wilcoxon para amostras pareadas.

Na análise de correlação dos níveis sobre o manejo da violência observa-se, mediante o Quadro 2, que as variáveis que apresentam correlação significativa exibem maior coeficiente de correlação no período após a intervenção. Ainda, verifica-se que quanto maior o nível de conhecimento dos enfermeiros sobre a violência, maior conhecimento apresenta sobre o estatuto, sente-se mais apto para discutir a temática, realizar a consulta de enfermagem, o exame físico e o acolhimento, e mais confiante e preparado se sente para abordar a temática.

Quadro 2 – Correlação acerca das informações sobre o manejo da violência contra criança e adolescente, antes e após a intervenção. Campina Grande, PB, Brasil, 2020

Variáveis

Nível de conhecimento

Pré-intervenção

Pós-intervenção

Coeficiente de correlação

p-valor*

Coeficiente de correlação

p-valor*

O quanto conhece o Estatuto da Criança e do Adolescente

0,759

<0,001

0,630

<0,001

Sente-se apto para discutir a temática

0,808

<0,001

0,643

<0,001

Sente-se apto para encaminhamento dos casos

0,534

<0,001

0,682

<0,001

Sente-se apto para realizar a consulta de enfermagem

0,593

<0,001

0,651

<0,001

Sente-se apto para realizar o exame físico

0,430

<0,001

0,458

0,002

Sente-se apto para realizar o acolhimento

0,631

<0,001

0,640

<0,001

Sente dificuldades para enfrentar as situações

0,200

0,193

-0,004

0,979

Sente-se confiante para abordar o caso

0,503

0,001

0,646

<0,001

Sente-se receoso para abordar um caso de violência

-0,007

0,964

-0,220

0,151

Sente-se preparado para abordar a temática

0,599

<0,001

0,678

<0,001

*Teste de Correlação de Spearman.

 

DISCUSSÃO

A enfermagem assume papel crucial na assistência às crianças e aos adolescentes em situação de violência, haja vista que dispõe de posição privilegiada dentro da equipe multidisciplinar. Por isso, quando se trata de violência, é imprescindível que o enfermeiro analise e conheça não somente os sinais clínicos evidentes, mas também as suas tipologias e respectivas nuances(8).

Todavia, no que concerne ao preparo dos enfermeiros envolvidos no presente estudo, verificou-se que antes da intervenção a maioria nunca havia recebido treinamento e/ou capacitação para lidar com casos de violência contra a criança e o adolescente, corroborando com achados na literatura que revelam fragilidades estruturais, despreparo e dificuldades dos profissionais de saúde em atuar frente a casos de violência(8,13-18).

Sugere-se, então, que a falta de qualificação dos enfermeiros, atrelada à inexistência de capacitações específicas no âmbito de trabalho e à inexpressiva abordagem dessa temática durante a graduação, representa um dos principais reveses na assistência aos casos de violência infantojuvenil, contribuindo para o negligenciamento da perspectiva de assistência integral ao indivíduo e para o aumento do quadro de subnotificação do fenômeno(8,9,13).

Em estudo que objetivou conhecer as barreiras inibitórias do processo de notificação de suspeitas de maus-tratos infantis pela enfermagem, foi visto que o despreparo educacional, a desconfiança sobre o andamento das investigações de abuso infantil, o receio de abalar a relação enfermeiro-paciente e a insegurança quanto sua capacidade profissional de identificar e/ou seguir o protocolo para notificar casos de violência infantil se configuraram como algumas das barreiras enfrentadas pelos enfermeiros no que tange à notificação desses casos(14).

Semelhantemente, durante a realização da presente pesquisa, verificou-se que receios e dificuldades, como o medo de envolvimento legal, a dificuldade de lidar com familiares e uma ausência de protocolo de notificação efetiva, dificultam a ação dos enfermeiros. Acrescido a isso, viu-se que o nível de aptidão desses profissionais se mostrou baixo em alguns pontos.

Ademais, o presente estudo também constatou que antes da intervenção a maioria dos enfermeiros nunca havia preenchido a ficha de notificação compulsória de violência interpessoal e não a possuíam no setor em que trabalhavam, ratificando estudos que sugerem que apesar dos avanços para garantir a obrigatoriedade da notificação, essa prática ainda se manifesta como um fenômeno invisível na rotina dos profissionais de saúde(14).

Assim, torna-se evidente a necessidade de capacitação por parte dos enfermeiros para lidar com crianças e adolescentes em situação de violência. Sendo notória a existência de déficits de conhecimento relacionados à abordagem e à condução da vítima, e às alternativas institucionais e multiprofissionais de enfrentamento do fenômeno por parte dos profissionais envolvidos na assistência(13).

Em um estudo iraniano que explorou os desafios do cuidado de enfermagem frente a vítimas de violência infantil, foi possível identificar que os profissionais careciam de treinamento, estruturas institucionais claras e recursos apropriados para desempenharem suas funções adequadamente(15). Outro estudo, desta vez realizado com 62 profissionais de saúde, revelou que esses demonstraram desejo e inquietude em receber treinamento para a identificação de determinados tipos de violência e seus mecanismos, bem como apontou para a necessidade de inserção dessas informações na formação profissional(16).

Ressalta-se, no entanto, que apesar da existência de diversos manuscritos revelando que os enfermeiros não se sentem aptos para atuar perante casos de violência, existem pouquíssimas pesquisas com metodologias direcionadas a intervenções educativas como ferramenta de capacitação profissional.

Por esse motivo, tem-se sugerido educação e treinamento para formação adequada dos profissionais de saúde acerca da abordagem de crianças e adolescentes vítimas de violência, sendo imprescindível a inclusão desse componente na grade curricular de cursos de graduação, pós-graduação e de formação continuada(13).

Em intervenção educativa realizada na Carolina do Norte (EUA), voltada a enfermeiros escolares, observou-se um aumento significativo no conhecimento, na confiança, e na eficácia da prática desses enfermeiros perante as crianças em risco de violência, reforçando a importância da formação técnica e científica para uma abordagem de qualidade dos enfermeiros às crianças e aos adolescentes vítimas de violência(17).

Após realizada a intervenção educativa do presente estudo, por sua vez, constatou-se um aumento no nível de conhecimento dos enfermeiros sobre a temática violência e sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, refletindo no aumento da percepção destes sobre a aptidão para discutir o tema, realizar a consulta de enfermagem, o exame físico e o acolhimento. Além disso, viu-se a diminuição do receio de abordar a situação de violência.

Esses dados, portanto, reforçam a necessidade de capacitação continuada dos profissionais de enfermagem, com vistas ao aprimoramento e à qualificação das práticas desses na assistência às crianças e aos adolescentes vítimas de violência. Além disso, sugere-se o desenvolvimento de novos estudos sobre violência infantojuvenil com foco nas necessidades dos enfermeiros.

Estudo italiano realizado com 175 discentes do último ano da graduação em enfermagem enfatiza a graduação como um momento decisivo de instrução profissional e destaca a necessidade permanente de intervenções educativas com os enfermeiros para a garantia de um plano seguro de abordagem das vítimas(18).

Logo, nota-se que os programas e as iniciativas voltadas à formação profissional e à discussão dessa temática constituem alternativas promissoras para mudanças efetivas na assistência à criança e ao adolescente vítimas de violência(17,18).

Destaca-se que os resultados obtidos a partir do presente estudo podem contribuir para compreensão de uma possível tendência de déficit de conhecimento sobre violência contra a criança e ao adolescente por parte de enfermeiros que atuam na alta complexidade. Não menos importante, permite evidenciar a necessidade de ação educativa enquanto estratégia capaz de reverter esse indicador.

Pode-se mencionar como limitação a inexistência de instrumento de coleta de dados validado na literatura nacional com foco no objetivo do estudo para aplicação do pré e pós teste. Além disso, aponta-se a inexistência de um grupo de controle de comparação, o caráter regional de realização da pesquisa e a dinâmica de trabalho específica de um serviço de saúde hospitalar voltado à urgência e emergência como agentes limitantes para a coleta de dados do estudo e realização de possíveis generalizações.

 

CONCLUSÕES

Conclui-se que antes da intervenção educativa o conhecimento dos enfermeiros se mostrava incipiente e, consequentemente, apresentavam uma prática assistencial repleta de fragilidades. Todavia, após ação educativa, observou-se um impacto positivo nesses indicadores, revelado em todas as variáveis investigadas, com ênfase no conhecimento sobre a temática da violência e o estatuto da criança e do adolescente; na aptidão para discussão do tema; no encaminhamento da vítima; na consulta de enfermagem e na diminuição do receio de abordar a situação.

Além disso, foi visto que o nível de conhecimento desses profissionais sobre a violência infantojuvenil reflete proporcionalmente no conhecimento acerca do estatuto da criança e do adolescente, assim como na aptidão para discutir a temática, realizar a consulta de enfermagem, o exame físico e o acolhimento. Verifica-se, portanto, que a intervenção educativa realizada impactou positivamente no conhecimento e na qualificação para a prática dos enfermeiros que atuam na alta complexidade, confirmando a hipótese alternativa.

 

REFERÊNCIAS

1.                  Carlos DM, Campeiz AB, Oliveira WA, Silva JL, Wernet M, Ferriani MGC. “I don´t have it, I didn´t have it”: experiences of families involved in violence against children and adolescents. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 4):e20190195. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0195

 

2.                  Nunes ACP, Silva CC, Carvalho CTC, Silva FG, Fonseca PCSB. Violência infantil no Brasil e suas consequências psicológicas: uma revisão sistemática. Braz J Develop [Internet]. 2020;6(10):79408-41. Available from: https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/18453

 

3.                  Silva SM, Andrade ACS, Melanda FN, Oliveira LR. Factors associated with the recurrence of violence against 1 children and adolescents. Mato Grosso-Brazil, 2013 to 2019. Ciênc. saúde coletiva. 2024;29(7). doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232024297.02912024

 

4.                  Cerqueira D, Bueno S. Atlas da violência 2024 [Internet]. Brasília: Ipea; FBSP; 2024. Available from: https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/14031

 

5.                  Paungartner LM, Moura JQ, Fernandes MTC, Paiva TS. Análise epidemiológica das notificações de violência contra crianças e adolescentes no Brasil de 2009 a 2017. REAS. 2020;12(9):e4241. doi: https://doi.org/10.25248/reas.e4241.2020

 

6.                  Carlos DM, Pádua EMM, Ferriani MGC. Violence against children and adolescents: the perspective of Primary Health Care. Rev Bras Enferm. 2017;70(3):511-518. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0471

 

7.                  Santos LF, Carvalho LPAO, Silva JB, Barbosa MT, Claro LC, Evangelista DR. Educação em saúde como estratégia de enfrentamento à violência infantil em tempos de COVID-19. Singular Sociais Humanidades. 2024;1(5). doi: https://doi.org/10.33911/singularsh.v1i5.164

 

8.                  Silva MS, Milbrath VM, Santos BA, Bazzan JS, Gabatz RIB, Freitag VL. Nursing care for child/adolescent victims of violence: integrative review. R Pesq Cuid Fundam. Online. 2020;12:115-123. doi: https://doi.org/10.9789/2175-5361.rpcfo.v12.7102

 

9.                  Alves MR, de Lima SS, Souza BC. Nursing care of children and adolescents living with domestic violence from graduating nursing students' perspective. Av Enferm. 2017;35(3):293-302. doi: https://doi.org/10.15446/av.enferm.v35n3.61453

 

10.              Marques DO, Monteiro KS, Santos CS, Oliveira NF. Violence Against Children and Adolescents: Nursing Performance. Rev Enferm UFPE on line. 2021;15:e246168. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963.2021.246168

 

11.              Luna GLM, Ferreira RC, Vieira LJES. Notificação de maus-tratos em crianças e adolescentes por profissionais da Equipe Saúde da Família. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(2):481-491. doi: https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000200025

 

12.              Ministério da Saúde (BR). Linha de cuidado para atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias [Internet]. 2012 [cited Jan 28, 2022]. Video: 8min46seg. Available from: https://www.youtube.com/watch?v=_a0YoTPzra0&t=87s

 

13.              Silva PLN, Veloso GS, Queiroz BC, Ruas EFG, Alves CR, Oliveira VV. Desafios da atuação do enfermeiro frente à violência sexual infanto-juvenil. J. Nurs. Health. 2021;11(2):e2111219482. doi: https://doi.org/10.15210/jonah.v11i2.19482

 

14.              Green M. Nurses’ adherence to mandated reporting of suspected cases of child abuse. J Pediatr Nurs. 2020;54:109-113. doi: https://doi.org/10.1016/j.pedn.2020.06.007

 

15.              Vosoghi N, Fallahi-Khoshknab M, Hosseini M, Ahmadi F. Nursing Care Challenges of Child Violence Victims: A Qualitative Study. Iran J Nurs Midwifery Res. 2021;26(5):430-6. doi: https://doi.org/10.4103/ijnmr.IJNMR_151_20

 

16.              Martins-Júnior PA, Ribeiro DC, Peruch GSO, Paiva SM, Marques LS, Ramos-Jorge ML. Physical abuse of children and adolescents: do health professionals perceive and denounce? Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(7):2609-2616. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018247.19482017

 

17.              Jordan KS, MacKay P, Woods SJ. Child Maltreatment: Optimizing Recognition and Reporting by School Nurses. NASN School Nurse. 2017;32(3):192-9. doi: https://doi.org/10.1177/1942602X16675932

 

18.              Lupariello F, Mattioda G, Di Vella G. Knowledge of child abuse and neglect in nursing students: Assessment and perspectives. J Forensic Sci. 2023;68:2012–20 doi: https://doi.org/10.1111/1556-4029.15361

 

 

Critérios de autoria (contribuições dos autores)

Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e no planejamento do estudo; na obtenção, na análise e na interpretação dos dados; na redação, revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

Declaração de conflito de interesses

Nada a declarar

 

Editor Científico: Ítalo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447

 

Rev Enferm Atual In Derme 2024;98(3): e024383                       

 Atribuição CCBY