ARTIGO DE REVISÃO
FATORES DE RISCO ASSOCIADOS À REINFECÇÃO DE SÍFILIS: UMA REVISÃO INTEGRATIVA
RISK FACTORS ASSOCIATED WITH SYPHILIS REINFECTION: AN INTEGRATIVE REVIEW
FACTORES DE RIESGO ASOCIADOS A LA REINFECCIÓN DE SÍFILIS: UNA REVISIÓN INTEGRADORA
https://doi.org/10.31011/reaid-2024-v.98-n.3-art.2339
1Nara Emily Knopp Bayer
2Viviane dos Santos Vaccaro Lima
3Maria Fernanda Alves Scalon
4Francisco Mayron Moraes Soares
5Marcus Vinicius Pimenta Rodrigues
6Elaine Cristina Negri
1Docente. Enfermeira. Especialista em Saúde da Criança e do Adolescente. Faculdades Pequeno Príncipe. FPP, Curitiba - PR, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0891-5518.
2Enfermeira. Universidade do Oeste Paulista. UNOESTE, Pres. Prudente - SP, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2007-363X.
3Enfermeira. Universidade do Oeste Paulista. UNOESTE. Pres. Prudente - SP, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0009-0005-4635-3682.
4Docente. Enfermeiro. Doutor em Enfermagem. Universidade Federal do Maranhão. UFMA, Imperatriz, MA, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519.
5Docente. Biomédico. Doutor em Doenças Tropicais. Universidade Estadual Paulista. UNESP, Nova Iguaçu, RJ, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3997-369X.
6Docente. Enfermeira. Doutora em Ciências da Saúde. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo. USP, Ribeirão Preto - SP, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8665-1936.
Autor correspondente
Nara Emily Knopp Bayer
R. José Bongiovani, 700 - Cidade Universitária, Pres. Prudente - SP, Brasil. CEP: 19050-920. Fone: +55(18) 3229-1000. Email: emily_knopp@hotmail.com.
Submissão: 29-07-2024
Aprovado: 15-08-2024
RESUMO
Este estudo objetivou avaliar as evidências acerca dos fatores de risco para reinfeção de sífilis. Esta é uma revisão integrativa, conduzida pelo protocolo PRISMA, por meio das bases de dados: Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) via Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), US National Library of Medicine/National Institutes of Health (PubMed/MEDLINE), Web of Science, Scopus, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e EMBASE, onde foram rigorosamente selecionados treze artigos. Os principais fatores associados a reinfecção por sífilis foram coinfecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e Homens que fazem Sexo com Homens (HSH). Outros fatores, também foram indicados, porém, em menor frequência, como sífilis latente (assintomática), idade entre 20 a 40 anos, múltiplos parceiros sexuais, entre outros. Considerando o papel crucial de populações específicas como fatores fortemente associados aos casos de reinfecção por sífilis, são necessárias ações de educação em saúde de qualidade nas instituições de saúde, por profissionais de saúde qualificados. Esta revisão identifica dados decisivos para elaboração de estratégias públicas em torno da temática. Os resultados elucidam a indispensável busca por estratégias eficazes de prevenção da reinfecção de sífilis por parte das autoridades de saúde pública.
Palavras-chave: Reinfecção; Sífilis; Fatores de Risco; Infecções Sexualmente Transmissíveis.
ABSTRACT
This study aimed to evaluate the evidence on risk factors for reinfection of syphilis. This is an integrative review, conducted using the PRISMA protocol, through the following databases: Latin American and Caribbean Health Sciences Literature (LILACS) via the Virtual Health Library (VHL), US National Library of Medicine/National Institutes of Health (PubMed/MEDLINE), Web of Science, Scopus, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) and EMBASE, where thirteen articles were rigorously selected. The main factors associated with syphilis reinfection were co-infection with the Human Immunodeficiency Virus (HIV) and Men who have Sex with Men (MSM). Other factors were also indicated, but less frequently, such as latent (asymptomatic) syphilis, age between 20 and 40, multiple sexual partners, among others. Considering the crucial role of specific populations as factors strongly associated with cases of syphilis reinfection, quality health education actions are needed in health institutions, by qualified health professionals. This review identifies decisive data for drawing up public strategies on the subject. The results elucidate the essential need for public health authorities to seek effective strategies to prevent re-infection with syphilis.
Keywords: Reinfection; Syphilis; Risk Factors; Sexually Transmitted Infection.
RESUMEN
Este estudio tuvo como objetivo evaluar la evidencia sobre los factores de riesgo de reinfección por sífilis. Se trata de una revisión integradora, realizada siguiendo el protocolo PRISMA, a través de las siguientes bases de datos: Latin American and Caribbean Health Sciences Literature (LILACS) vía Virtual Health Library (VHL), US National Library of Medicine/National Institutes of Health (PubMed/MEDLINE), Web of Science, Scopus, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) y EMBASE, donde se seleccionaron rigurosamente trece artículos. Los principales factores asociados a la reinfección por sífilis fueron la coinfección por el Virus de la Inmunodeficiencia Humana (VIH) y los Hombres que practican Sexo con Hombres (HSH). También se indicaron otros factores, pero con menor frecuencia, como sífilis latente (asintomática), edad entre 20 y 40 años, múltiples parejas sexuales, entre otros. Considerando el papel crucial de poblaciones específicas como factores fuertemente asociados a los casos de reinfección por sífilis, son necesarias acciones de educación sanitaria de calidad en las instituciones de salud, a cargo de profesionales de salud calificados. Esta revisión identifica datos decisivos para la elaboración de estrategias públicas sobre el tema. Los resultados elucidan la necesidad esencial de que las autoridades de salud pública busquen estrategias eficaces para prevenir la reinfección por sífilis.
Palabras-clave: Reinfección; Sífilis; Factores de Riesgo; Enfermedades de Transmisión Sexual.
INTRODUÇÃO
O panorama alarmante da crescente incidência de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), representa, persistentemente, um desafio para a saúde pública, em âmbito global (1). No cenário brasileiro, a sífilis, gonorreia, clamídia, o herpes genital, papilomavírus humano (HPV) e o vírus da imunodeficiência humana (HIV) são as mais prevalentes (2).
Em 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou uma incidência diária de mais de um milhão de infecções por ISTs, sendo que, anualmente, 4,5 milhões de casos, correspondem às infecções por HIV e hepatites B e C (1). Os dados tornam-se ainda mais alarmantes, quando comparados com a espécie bacteriana Treponema pallidum (T. pallidum), causadora da infecção sistêmica “Sífilis” (3). Anualmente, essa infecção afeta 12 milhões de pessoas em todo o mundo, um número quase três vezes maior do que o relacionado às doenças mencionadas anteriormente. (4).
No Brasil, embora a incidência de sífilis esteja em franca ascensão, haja vista que ainda é uma IST negligenciada, dificultando, consequentemente, o diagnóstico, tratamento e a prevenção da doença (5). Entre 2011 a 2021, o Ministério da Saúde registrou 1.035.942 casos de sífilis adquirida, dos quais, 167.523 casos corresponderam ao ano de 2021, quantitativo maior em relação a 2020, quando foram notificados 115.371 casos (6).
A sífilis, causada pelo Treponema pallidum, é transmitida principalmente por contato sexual por relações vaginais, anais ou orais, mediante contato direto com lesões visíveis. As transmissões, vertical da mãe para o feto e, mais raramente, por transfusão sanguínea contaminada, também são possíveis. Outrossim, a infecção é categorizada em sífilis precoce (primária, secundária e latente precoce) e tardia (latente, tardia e terciária). Lesões cutâneas, ósseas, cardiovasculares e neurológicas (neurossífilis) caracterizam a sífilis terciária. A sífilis latente é assintomática e subdividida em precoce e tardia (8).
Um aspecto relevante no contexto da sífilis é a reinfecção, destacada pelos impactos negativos tanto na saúde individual como coletiva. A reinfecção por sífilis ocorre quando indivíduos previamente diagnosticados com a doença e com tratamento adequado, apresentam uma soroconversão, de negativa para positiva ou aumento de título em quatro vezes. A reinfecção não apenas sugere falhas potenciais nas estratégias de prevenção, diagnóstico e tratamento, mas corrobora para um problema mundial de saúde pública (9).
Uma coorte (10), realizada no México apontou como principais fatores relacionados a reinfecção por sífilis, a coinfecção por HIV, homens que fazem sexo com homens (HSH), ser assintomático e falha no acompanhamento dos casos. Achados semelhantes foram encontrados na Itália (9) e Bélgica (11). A particularidade assintomática da reinfecção por sífilis ratifica maior tempo de transmissão da doença, além de grande probabilidade de diagnósticos tardios (12).
No Brasil, é dificultoso realizar um apanhado geral do monitoramento epidemiológico da reinfecção, tendo em vista que, todos os casos são notificados como casos novos através do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Destarte, é possível conhecer o monitoramento em regiões específicas, por meio de estudos isolados, como uma análise quantitativa (13), realizada em Porto Alegre, que identificou, entre 2013 à 2017, 745 casos de reinfecção por sífilis em um total de 7.929 notificações.
Apesar da relevância clínica e epidemiológica da reinfecção por sífilis, nossa pesquisa se justifica por existirem lacunas no conhecimento sobre dados epidemiológicos e consequências em termos de saúde pública, tornando determinante a compreensão dos fatores associados à reinfecção para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e controle mais eficazes (13).
Frente ao exposto, a síntese de conhecimento produzido sobre os fatores de risco à reinfecção de sífilis, auxiliará na compreensão das equipes na melhoria da assistência prestada aos pacientes, em especial, os enfermeiros da atenção básica. Assim, o objetivo delimitado para a presente revisão foi avaliar as evidências acerca dos fatores de risco para reinfeção de sífilis.
MÉTODOS
Trata-se de uma revisão integrativa como método de síntese de conhecimento. Para sua realização, as etapas percorridas foram: elaboração da pergunta de pesquisa, busca na literatura dos estudos primários, avaliação dos estudos primários, análise dos dados e apresentação da revisão (14).
No que antecede o estudo, foi realizada uma busca prévia na base de dados PubMed, para identificação dos principais descritores e palavras-chave utilizados em estudos com a temática. Posteriormente, os descritores foram selecionados para consulta no DECs (Descritores em Ciências da Saúde) e MeSH (Medical Subject Headings).
A elaboração da questão de pesquisa procedeu a partir da estratégia “PECO”, sendo: P (população): adultos; E (exposição): fatores de risco e O (desfecho): reinfecção de sífilis. A letra C (comparação) não foi aplicada, tendo assim, como pergunta da revisão: "quais são as evidências disponíveis na literatura sobre os fatores de risco associados à reinfecção de sífilis em adultos?".
O período de condução do estudo ocorreu de dezembro de 2023 a junho de 2024. Por meio da busca e seleção foram filtrados artigos publicados no período entre os anos 2017 e 2024, em seis bases de dados selecionadas, a saber: Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) via Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), US National Library of Medicine/National Institutes of Health (PubMed/MEDLINE), Web of Science, Scopus, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e EMBASE.
Foram empregados três componentes do acrônimo PECO em diferentes combinações de descritores controlados, palavras-chave e operadores booleanos AND e OR (busca de estudos primários). Em três bases de dados (PubMed/Medline, SCOPUS e EMBASE) utilizou-se um padrão de descritores delimitados no MeSH e as estratégias de busca utilizadas foram: ((("reinfect"[All Fields] OR "reinfecting"[All Fields] OR "reinfection"[MeSH Terms] OR "reinfection"[All Fields] OR "reinfected"[All Fields] OR "reinfections"[All Fields] OR "reinfects"[All Fields] OR ("reinfection"[MeSH Terms] OR "reinfection"[All Fields] OR ("re"[All Fields] AND "infection"[All Fields]) OR "re infection"[All Fields])) AND ("syphilis"[MeSH Terms] OR "syphilis"[All Fields])) OR ("treponema pallidum"[MeSH Terms] OR ("treponema"[All Fields] AND "pallidum"[All Fields]) OR "treponema pallidum"[All Fields])) AND (("factor"[All Fields] OR "factor s"[All Fields] OR "factors"[All Fields]) AND ("associate"[All Fields] OR "associated"[All Fields] OR "associates"[All Fields] OR "associating"[All Fields] OR "association"[MeSH Terms] OR "association"[All Fields] OR "associations"[All Fields])). Nas demais bases de dados foram utilizadas estratégias semelhantes por meio de descritores controlados, ou seja, CINAHL Headings (CINAHL) e Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) (LILACS e Web of Science).
Foram considerados os seguintes critérios de elegibilidade: estudos primários cujos autores verificaram os fatores de risco para a reinfecção de sífilis em adultos; publicados em português, inglês ou espanhol; no período de janeiro de 2017 a março de 2024. Foram excluídos da amostra de revisão: informações de livros e/ou capítulos, descrição de estudos de revisões integrativas, sistemáticas da literatura e/ou metanálises, bem como artigos de reflexão, artigos que citassem fatores de risco para infecção por sífilis e artigos relacionados a sífilis gestacional.
O recorte temporal foi estabelecido para limitar o escopo da revisão para um número gerenciável de estudos a fim de garantir a qualidade e relevância dos dados analisados.
Utilizou-se o gerenciador de referências Mendeley para eliminar duplicatas das publicações exportadas das seis bases de dados. O aplicativo da web Rayyan foi usado para auxiliar na organização e seleção dos artigos.
Dois pesquisadores independentes, mascaradamente, conduziram a seleção dos artigos para leitura conforme o título e resumo dos artigos encontrados. Em seguida procedeu-se à leitura na íntegra dos artigos selecionados na primeira etapa. Para extração dos dados, elaborou-se uma planilha no programa Microsoft Excel 2019®, onde foram inseridas as informações: título do artigo, base de dados, autores, ano, país, idioma, delineamento do estudo, nível de evidência, objetivos, população do estudo e fatores associados a reinfecção por sífilis. Vale ressaltar que possíveis discordâncias entre os dois pesquisadores na seleção dos artigos, foram resolvidas com o auxílio de um terceiro pesquisador. Para análise dos dados, foram elaborados dois quadros analíticos com as principais informações dos artigos selecionados. Os mesmos foram apresentados de maneira descritiva. Em abril de 2024, dois revisores conduziram esta etapa de maneira independente. Quaisquer divergências identificadas foram resolvidas mediante discussões até que um consenso fosse alcançado, em reuniões para tal fim.
A análise dos níveis de evidência foi realizada a partir da denominação atribuída pelos autores das pesquisas incluídas na revisão. A qualidade metodológica dos estudos primários foi pautada na Prática Baseada em Evidências (PBE) (15), conforme as seguintes classificações: I (evidência obtida de revisão sistemática ou metanálise de ensaios clínicos randomizados e controlados relevantes); II (derivada de ensaio controlado, aleatório e com indivíduos randomizados de um grupo de tratamento ou controle); III (proveniente de ensaio controlado sem randomização, não aleatório a um grupo de tratamento/controle); IV (obtida de estudo de caso-controle ou coorte); V (derivada de revisão sistemática de estudos qualitativos ou descritivos); VI (procedente de estudo qualitativo e descritivo) e VII (derivada do parecer ou consenso de comitê de especialistas).
RESULTADOS
Foram localizados 1537 artigos utilizando-se os descritores mencionados. Após análise de todos os artigos seguindo os critérios de inclusão e exclusão descritos, foram selecionados 13 artigos. O fluxograma do processo de seleção dos estudos primários incluídos na revisão integrativa está representado na Figura 1 conforme o protocolo Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analyses (PRISMA) de 2020 (16).
Figura 1 - Fluxograma do processo de identificação, seleção e inclusão dos artigos primários incluídos na revisão integrativa conforme o Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analyses (PRISMA).
As publicações selecionadas eram provenientes, em sua maioria, do continente europeu (9/69%). As demais foram escritas nos continentes americano (3/23%) e Ásia Oriental (1/8%). A distribuição percentual conforme os artigos selecionados nas bases de dados, seguiu a seguinte proporção, PubMed/MEDLINE (8/62%), Web of Science (4/30%) e Scielo (1/8%).
A descrição dos artigos incluídos nesta revisão acerca do número (Nº) do artigo, título, base de dados, autores, ano, país, idioma, delineamento do estudo, nível de evidência, objetivos e população do estudo seguem descritos na Tabela 1.
Tabela 1 - Descrição dos estudos analisados conforme título, base de dados, autores, ano, país, idioma, delineamento, nível de evidência, objetivos e população do estudo.
Título |
Base de Dados |
Autores, Ano, País e Idioma |
Delineamento e Nível de Evidência |
Objetivos |
População do Estudo |
PubMed. |
Pastuszczak, Bociaga-Jasik, Sitko e Wojas-Pelc, 2018, Polônia, Inglês (17). |
Estudo de coorte. IV. |
Estabelecer as características sociodemográficas de HSH com sífilis, avaliar a incidência de reinfecção por sífilis entre HSH e identificar os fatores associados ao risco de reinfecção por sífilis. |
54 pacientes HSH, com sífilis primária ou secundária, em tratamento na clínica Departamento de Dermatologia da Escola de Medicina da Universidade Jaguelônica em Cracóvia, Polônia. |
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PubMed. |
Di Tullio, Mandel, Cuomo, Coppini, Guaraldi, Mussini, et al., 2022, Itália, Inglês (18). |
Estudo de coorte. IV. |
Analisar a taxa de incidência de coinfeção por HIV e sífilis, bem como a reinfeção por sífilis, em uma coorte de pacientes recém-diagnosticados com HIV. |
500 pacientes recém-diagnosticados com HIV, sendo 71,2% do sexo masculino e 28,8% do sexo feminino. |
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PubMed. |
Dolan, Chauhan, Foster, Basta, Bushby, White, et al., 2018, Inglaterra, Inglês (19). |
Estudo de caso-controle. IV. |
Identificar fatores associados à reinfecção de sífilis entre indivíduos que frequentam clínicas de medicina geniturinária (GUM) no Nordeste da Inglaterra, com o intuito de informar e melhorar as oportunidades de prevenção e controle local da doença. |
66 casos (indivíduos diagnosticados com múltiplos episódios de sífilis, 65 homens e 1 mulher) e 235 controles (indivíduos diagnosticados com um único episódio de sífilis, 204 homens e 31 mulheres). |
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PubMed. |
Pinho-Bandeira, Peixoto, Dias e Machado, 2020, Portugal, Inglês (20). |
Estudo transversal analítico. VI. |
Identificar os fatores associados à coinfecção e reinfecção por clamídia, gonorreia e sífilis em Portugal, com o intuito de informar estratégias de prevenção. |
6506 casos confirmados de clamídia (CT), gonorreia (NG) e sífilis (TP) notificados em Portugal no sistema nacional de vigilância epidemiológica (SINAVE®) entre 1 de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2018, totalizando. Destes, 858 (13,2%) foram coinfecções e 204 (3,1%) foram reinfecções. |
|
PubMed. |
Marchese, Tiecco, Storti, Antoni, Calza, Gulleta, et al., 2022, Itália, Inglês (9). |
Estudo retrospectivo. VI. |
Descrever os dados demográficos, a apresentação clínica e os resultados do tratamento de pacientes com sífilis tratados no Departamento de Doenças Infecciosas na Brescia, Itália de 2013 a 2021 e avaliar possíveis fatores associados à resposta sorológica ao tratamento para reinfecções de sífilis. |
1032 pacientes homens e mulheres registrados como reinfectados por sífilis pelo Departamento de Doenças Infecciosas na Brescia, Itália de 2013 a 2021. |
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Web of Science. |
Mischler-gornostaeva, Glatz, Fehr e Bosshard, 2022, Suíça, Inglês e Francês (21). |
Estudo de coorte. IV. |
Obter informações sobre a apresentação clínica e sorológica de homens infectados por sífilis, diagnosticados previamente com HIV e avaliar critérios diagnósticos para reinfecção por sífilis. |
259 homens HIV positivos diagnosticados com sífilis entre janeiro de 1999 e setembro de 2015 no Hospital Universitário de Zurique. |
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Web of Science. |
Roth, Franzeck, Balakrishna, Lautenschlager, Thurnheer, Trellu, et al., 2020, Suíça, Inglês (22). |
Estudo de coorte multicêntrico. IV. |
Identificar fatores de risco para a incidência de sífilis e, em particular, para episódios repetidos de sífilis. |
HSH que tiveram seu primeiro teste de sífilis não treponêmico e treponêmico com resultado negativo realizado após 1º de janeiro de 2004, e que tiveram pelo menos dois testes de sífilis consecutivos registrados no banco de dados. |
|
Web of Science. |
Kenyon, Osbak, Crucitti, Kestens, 2018, Bélgica, Inglês (11). |
Estudo de coorte observacional. IV. |
Determinar se a
resposta clínica e imunológica à reinfecção por sífilis difere da resposta na
sífilis inicial e verificar se os resultados podem ajudar na elaboração de
estratégias eficazes de triagem da sífilis e no desenho vacinal. |
120 pacientes, homens e mulheres, com diagnóstico inicial de sífilis durante um período de acompanhamento de 24 meses. |
|
Web of Science. |
Newman, Matthias, Rahman, Brantley e Peterman, 2021 Estados Unidos, Inglês (23). |
Estudo de coorte. IV. |
Avaliar as taxas de reinfecção de sífilis a fim de verificar se a reavaliação frequente poderia levar a um tratamento precoce e prevenir reinfecções. |
Homens e mulheres com idade entre 15 a 70 anos com registros de sífilis em todos os estágios (precoce, secundário, duração desconhecida ou tardia). |
|
Rates and Correlates of Syphilis Reinfection in Men Who Have Sex with Men. |
PubMed. |
Jain, Santos, Scheer, Gibson, Crouch, Kohn, et al., 2017, Estados Unidos, Inglês (24). |
Estudo observacional. VI. |
Examinar as taxas e os fatores correlacionados à reinfecção por sífilis em HSH em São Francisco, de 2012 a 2015. |
323 homens que fazem sexo com homens (HSH) que receberam tratamento inicial para sífilis em São Francisco entre 2012 e 2015. |
Scielo. (pesquisa de citações). |
Almeida, Donalisio e Cordeiro, 2017, Brasil, Inglês (25). |
Estudo de coorte. IV. |
Analisar a distribuição temporal da sífilis entre adultos e adolescentes atendidos em dois centros de referência em IST/Aids e estudar as variáveis sociodemográficas, clínicas e epidemiológicas associadas à recorrência da sífilis, entre 2004 e 2012. |
3106 casos de IST notificados na base de dados do SINDST e atendidos em centros de referência para IST e HIV/Aids em Campinas, sendo a sífilis responsável por 1009 casos. Destes, 117 indivíduos foram identificados como reinfecção. |
|
PubMed. |
Luo, Zhu, Ding, Yuan, Li, Wu, et al., 2017, China, Inglês (26). |
Estudo de coorte. IV. |
Detectar as taxas de falha do tratamento e reinfecção após o tratamento da sífilis e explorar os potenciais fatores associados. |
1133 pacientes triados para sífilis entre 2011 a 2016, dos quais, 510 foram inclusos no estudo. |
|
PubMed. |
Kenyon, Osbak e Aspers, 2018, Bélgica, Inglês (27). |
Estudo de coorte. IV. |
Avaliar se pacientes reinfectados por sífilis no Instituto de Medicina Tropical da Bélgica, entre 2000 e 2007, tinham maior probabilidade de serem assintomáticos. |
45 pacientes com 4 ou mais episódios de sífilis identificados no Instituto de Medicina Tropical da Bélgica, entre 2000 e 2007. |
Fonte: autores, 2024.
Na Tabela 2, são apresentados os fatores de risco associados à reinfecção por sífilis na população adulta encontrados na literatura analisada, sendo os prevalentes, a coinfecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e homens que fazem sexo com homens (HSH).
Tabela 2 - Frequência absoluta e relativa dos artigos sobre os fatores associados à reinfecção de sífilis.
f (frequência)/% (n=13) |
|
Coinfecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e Homens que fazem sexo com homens (HSH) (9,11,17-27) |
13/100% |
Sífilis latente (assintomática) (9,11,17,21,22,25,27) |
7/53% |
Idade entre 20 a 40 anos (9,17,21,23,26,27) |
6/46% |
Múltiplos parceiros sexuais (17,19,22,25) |
4/31% |
Sexo anal desprotegido (17-19) |
3/23% |
Sexo oral (17,18,25) |
3/23% |
Elevações baixas ou nulas de citocinas plasmáticas (IL-10, IFNα, CCL4 e IP-10) (11,21,22) |
3/23% |
Titulações de VDRL mais elevadas em relação a primeira infecção por sífilis (11,21,27) |
3/23% |
Relações sexuais sem uso de preservativo (22,26) |
2/15% |
Sexo em clubes de sexo (17,19) |
2/15% |
Uso de álcool e drogas para intensificar o sexo (17,24) |
2/15% |
Uso de sites e aplicativos com objetivo de conhecer parceiros sexuais (19,23) |
2/15% |
Níveis de TPPA mais elevados e IGM (EIA) mais baixos em relação a primeira infecção por sífilis (21) |
1/8% |
Fonte: autores, 2024.
DISCUSSÃO
Esta revisão evidenciou como principais fatores associados a reinfecção por sífilis, a coinfecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e homens que fazem sexo com homens (HSH) (9,11,17-27). Outros fatores, também foram indicados, porém, em menor frequência.
Os estudos, em geral, demonstraram frequências divergentes na identificação dos fatores associados à sífilis. Tal fato pode ser parcialmente explicado, pelas diferentes definições de reinfecção da sífilis ao redor do mundo, o que pode gerar interpretações clínicas e sorológicas equivocadas, resultando em subnotificações ou excesso das mesmas (17). Além disso, alguns locais enfrentam dificuldades na obtenção de informações completas sobre os casos de reinfecção (25) e sobre os comportamentos sexuais dos diferentes grupos de indivíduos. Em contrapartida, alguns países (17,19), após a conclusão do tratamento, são solicitados ao paciente a repetição dos testes sorológicos, facilitando a identificação dos casos de reinfecção.
Grande parte dos estudos (69%) foram realizados em países europeus (9,11,17-22,27). Um estudo realizado na Suíça (21), delibera grande responsabilidade para o continente europeu na investigação dos casos de reinfecção de sífilis, tendo em vista, que os estudos já realizados, embora proponham intervenções eficazes de saúde pública e contribuam para os dados epidemiológicos e demográficos, ainda seriam escassos ou incompletos. Nesta revisão, alguns estudos europeus realmente procuraram demonstrar fatores associados a reinfecção de sífilis através de um quantitativo pequeno, como por exemplo, 11 (11), 12 (17) e 37 (18) indivíduos, corroborando, portanto, para a necessária ascensão de estudos desta temática no continente.
A probabilidade de reinfeção da sífilis é mais alta em adultos com faixa etária entre 20 a 40 anos, idade considerada “reprodutiva”, conforme observado em diversos estudos dessa análise (9,17,21,23,26,27). Os dados são consistentes com a tendência mundial, demonstrando que o maior número de novos casos de ISTs ocorre nesta faixa etária populacional, sendo, portanto, necessárias estratégias de prevenção direcionadas especialmente a esse grupo demográfico, considerando suas características e necessidades específicas.
A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), é um fator de risco significativo para a reinfecção por sífilis, conforme apontado em 100% dos estudos analisados (9,11,17-27). A literatura evidencia que a coinfecção pelo HIV não apenas aumenta a vulnerabilidade à reinfecção de sífilis, mas também pode indicar comportamentos sexuais de risco. Alguns artigos (17-19,22,25), evidenciam um comportamento comum entre os indivíduos infectados pelo HIV, o serosorting ou comportamento seroadaptativo, onde os mesmos procuram parceiros sexuais com o mesmo status de infecção por HIV, pela sensação enganosa de segurança durante a relação sexual, possibilitando a transmissão de outras ISTs, como a sífilis.
Estudo (17) realizado na Polônia identificou que todos os pacientes reinfectados por sífilis e coinfectados com HIV estavam previamente em terapia antirretroviral, associando aos mesmos a redução do uso de preservativos durante as relações sexuais, relacionando-os também com a falsa segurança de não transmitir (e não ser infectado) mediante a terapia medicamentosa, emitindo a falta de preocupação com a possibilidade de transmissão de outras ISTs. Resultados semelhantes foram vistos na Bélgica (11).
Alguns autores (19,25) sugerem que o Tratamento Antirretroviral Altamente Eficaz (HAART) para HIV está associado a reinfecção de sífilis devido a modulação imunológica, no entanto, são necessárias mais provas. Além disso, o tratamento também estaria associado a diminuição da carga viral de HIV, predispondo nos indivíduos imunocomprometidos, comportamentos sexuais de risco devido ao enganoso pensamento de segurança no sexo desprotegido e também pela diminuição das medidas preventivas contra outras ISTs por profissionais de saúde despreparados.
Neste mesmo cenário inserem-se as profilaxias de pré-exposição (PrEP) e pós-exposição (PEP), associadas a segurança errônea de sexo protegido em indivíduos HIV positivos e ao aumento do surgimento de ISTs (23). PrEP e PEP também se relacionam as reinfecções por sífilis tendo em vista que seus usuários são rotineiramente testados para as demais ISTs, incluindo a sífilis e, portanto, sendo identificados de forma precoce os casos de infecção e reinfecção (24). A detecção precoce dos casos de reinfecção é fortemente associada a coinfecção pelo HIV em estudos na Polônia (17), Estados Unidos (23) e Brasil (25). Alguns países adotam como cuidados rotineiros, o rastreio periódico de outras ISTs em indivíduos HIV positivos, além do acompanhamento clínico contínuo, favorecendo, consequentemente, o aumento de diagnósticos de infecções e reinfecções de sífilis (17,23,25).
Assim como as profilaxias, nos mesmos meados temporais marcam-se como potenciais fatores associados às reinfecções de sífilis, o uso de sites e aplicativos que objetivam conhecer parceiros sexuais. Tais tecnologias são relacionadas principalmente à coinfecção por HIV, pois favorecem o comportamento serosorting, através da divulgação facilitada do status HIV positivo (19,23).
A literatura elucida que sífilis e HIV podem ter associações mais aprofundadas. De acordo com Di Tullio et al. (18), há um sinergismo biológico entre as duas infecções. As úlceras da sífilis teriam capacidade de causar danos às células epiteliais e mucosas aumentando as chances de transmissão do HIV, assim como a característica imunocomprometida da coinfecção por HIV seria relacionada à maior propensão de úlceras maiores e lesões mais profundas na sífilis primária, além de evolução rápida do curso da sífilis para as formas secundária e terciária, com maior risco para neurossífilis (18,26).
Uma coorte (25) comparativa, realizada no Brasil identificou que a probabilidade de indivíduos HIV positivos apresentarem reinfecções de sífilis era quase cinco vezes maior do que em indivíduos HIV negativos. O estudo associou o achado ao fato de as duas doenças compartilharem as mesmas formas de transmissão e representarem comportamentos sexuais de risco como contato com múltiplos parceiros sexuais. O comportamento sexual de procura por múltiplos parceiros sexuais foi citado como fator de risco para reinfecção por sífilis em outros estudos (17,19,22).
Nota-se que a combinação entre a falta de adesão a práticas sexuais seguras e o engajamento em atividades de alto risco, além da imunossupressão nos casos de coinfecção pelo HIV contribuem para a recorrência da sífilis. Todavia, tais fatores se intensificam em homens que fazem sexo com homens (HSH), apontados na presente revisão como um importante grupo central na gênese dos atuais surtos de sífilis em todos os estudos analisados (9,11,17-27). HSH correm maior risco de serem reinfectados por sífilis, especialmente aqueles simultaneamente infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) (11,17,18,20,22,25).
O aumento da vulnerabilidade está relacionado principalmente a comportamentos sexuais de risco, fortemente correlacionados a HSH e coinfectados pelo HIV, mas também relatados como fatores de risco associados a reinfecção de sífilis, de forma independente, tais quais, relações sexuais sem uso de preservativo (22,26), sexo anal desprotegido (17-19), sexo em clubes de sexo (17,19), uso de álcool e drogas para intensificação do sexo (17,24) e sexo oral na presença de lesões sifilíticas (17,18,25).
As relações sexuais sem uso de preservativo têm sido profundamente associadas a falhas de tratamento nas infecções de sífilis e recorrências da doença (26). A relação anal desprotegida vem sendo assumida com alta frequência em indivíduos com sífilis e em relações sexuais de indivíduos serodiscordantes (HIV positivo com HIV negativo), principalmente na forma insertiva (quando o indivíduo não infectado penetra o pênis no ânus de um indivíduo contaminado) em vez da forma receptiva (quando o indivíduo não infectado recebe a penetração do pênis de um indivíduo contaminado), prática chamada de “posicionamento estratégico” e constatada erroneamente como crença de que haverá diminuição no risco de transmissão das ISTs (18,19).
O uso de álcool e drogas recreativas ilícitas (metanfetamina, mefedrona, cetamina, cocaína, ecstasy, etc.) e lícitas sob prescrição (sildenafil, entre outras) tem sido associado como fator para reinfecção de sífilis, na forma de comportamento sexual de risco, a fim do indivíduo proporcionar a si mesmo desinibição social e performances sexuais prolongadas (17,18). Indivíduos que tiveram relações sexuais sob o uso de cetamina apresentaram uma taxa de reinfecção de sífilis quase três vezes maior em relação a indivíduos que não utilizaram drogas (24).
Relações sexuais em clubes ou casas de sexo foram citadas (19) como fator de risco para reinfecção por sífilis. Um estudo de coorte realizado na Polônia entre 2013 a 2016 identificou que dentre os indivíduos reinfectados com a IST, 78% relataram ter praticado apenas relações sexuais orais nas casas de sexo (17). Este dado corrobora com uma coorte (18) realizada na Itália, onde os indivíduos reinfectados por sífilis e coinfectados pelo HIV apontavam a falsa crença de que o sexo oral era mais seguro em relação a transmissão.
Embora o sexo oral seja caracterizado como baixo fator de risco para transmissão de HIV, é um alto fator de risco na transmissão de sífilis, principalmente na presença de lesões sifilíticas orais que são altamente infecciosas (17). Estudo (25) realizado no Brasil identificou que indivíduos reinfectados por sífilis, substancialmente HSH, associaram concomitantemente o sexo oral com uso de drogas recreativas, principalmente as metanfetaminas.
As evidências demonstram que a resposta clínica e imunológica da primeira infecção de sífilis difere da resposta da reinfecção, caracterizando o fator assintomático (sífilis latente) nas reinfecções por sífilis (9,11,17,21,22,25,27). A característica assintomática não somente dificulta o controle, mas também o diagnóstico precoce (11,17).
Um estudo (11) realizado na Bélgica relacionou a fase latente destes casos à resposta imunológica atenuada. O mesmo indicou, através da análise de 11 pacientes reinfectados com sífilis, que estes apresentavam a partir do segundo episódio da doença, elevações baixas ou nulas de citocinas plasmáticas como Interleucina (IL-10), Interferon Alpha (IFNα), Receptor de Quimiocina (CCL4) e Quimiocina 10 (IP-10), sugerindo que cada episódio adicional de sífilis resultaria em uma resposta imune mais atenuada do que o(s) episódio(s) anterior(es). Os mesmos achados foram encontrados na Suíça (21,22).
Kenyon, Osbak e Aspers (27) atribuem a particularidade assintomática das reinfecções de sífilis ao rastreio serológico frequente, evento comum em indivíduos previamente infectados com a doença e/ou infectados com HIV, o que favoreceria o diagnóstico precoce de casos subsequentes de sífilis antes que pudessem apresentar sintomas. Outros estudos aplicaram hipóteses semelhantes, tendo em vista que em seus países (17, 21) o rastreio teria seguimento protocolado de retestagem aos 03, 06 e 09 meses após o tratamento do primeiro episódio de infecção.
Almeida, Donalisio e Cordeiro (25) elucidam a hipótese de que a prevalência de sífilis seja muito maior na população em geral do que realmente é apontado pelos dados, justamente por conta do fator assintomático. Além disso, os autores explanaram em seu estudo que em alguns casos, os indivíduos apresentavam sintomas de IST (secreções, úlceras ou verrugas) e recebiam tratamento sem realização de nova sorologia para sífilis.
Outros fatores associados aos casos de reinfecção por sífilis foram citados em menor frequência como, titulações mais elevadas de Veneral Disease Research Laboratory (VDRL) (21,27) e de Treponema Pallidum Particle Agglutination Assay (TPPA) (21) e níveis mais baixos de IgM (EIA) (21) em relação a primeira infecção por sífilis.
O diagnóstico laboratorial da sífilis pode ser realizado através de testes treponêmicos e não treponêmicos, Os testes treponêmicos comumente utilizados no Brasil são Fluorescent Treponemal Antibody Absorption (FTA-abs), Microhemaglutinação para Treponema pallidum (MHA-TP), TPPA, Enzyme-linked Immunossorbent Assay (ELISA), Ensaio Imunológico Quimioluminescente Magnético (CMIA), Testes Rápidos (TR) e PCR, enquanto os não treponêmicos incluem VDRL, Rapid Test Reagin (RPR), Unheated Serum Reagin (USR), Toluidine Red Unheated Serum Test (TRUST), TR e ELISA (28).
Os testes treponêmicos são realizados exclusivamente de forma qualitativa, empregando como antígeno o Treponema pallidum e detectando, portanto, anticorpos antitreponêmicos (29). Nesta revisão aponta-se como fator associado a reinfecção de sífilis, níveis elevados em testes treponêmicos TPPA (21). O estudo de coorte em questão, realizado na Suíça, relatou que os pacientes reinfectados com a IST apresentavam níveis mais elevados de TPPA em relação à quando foram infectados pela primeira vez, considerando um aumento de 4 a 9 níveis de diluição em cada episódio recorrente de sífilis. É importante ressaltar que no Brasil (28), os testes de aglutinação como o TPPA são interpretados de forma diferente por meio dos resultados “Reagente”, “Não Reagente” e “Inconclusivo”.
Os testes não treponêmicos podem ser realizados de forma qualitativa e quantitativa. Eles detectam anticorpos não treponêmicos, ou seja, não específicos para o Treponema pallidum, porém presentes nas infecções de sífilis. Tais testes são os mais indicados para o acompanhamento durante o tratamento da doença (29). De acordo com estudos realizados na Bélgica (11,27) e Suíça (21), há uma elevação nas titulações do VDRL em pacientes reinfectados com sífilis, em relação aos infectados pela primeira vez. A literatura citada postula situações contraditórias à característica assintomática das reinfecções por sífilis.
Kenyon, Osbak e Aspers (27) sugerem ser implausível que os pacientes não apresentem sintomas, uma vez que as titulações de VDRL em pacientes reinfectados caracterizam na maioria das vezes, elevações ao longo dos meses. Os autores atribuem esse fato possivelmente a imunidade parcial adquirida pelos indivíduos no(s) episódio(s) anterior(es), mas também associam a provável desregulação imunológica nos casos de coinfecção por HIV, que causaria um declínio mais lento dos títulos de VDRL. Achados semelhantes foram encontrados por Mischler-Gornostaeva, Glatz, Fehr e Bosshard (21), ao identificarem na maioria dos casos de reinfecção, titulações de VDRL ≥1:8 e comumente 1:32.
A literatura (21) aponta que os anticorpos IgM identificados através do Imunoensaio Enzimático Treponêmico (EIA) apresentaram níveis mais baixos nas reinfecções, em relação ao primeiro episódio de infecção por sífilis. O EIA é um teste alternativo que combina o teste não treponêmico VDRL com o teste treponêmico Treponema pallidum Haemagglutination Assay (TPHA) (30). O estudo conduzido por Mischler-Gornostaeva, Glatz, Fehr e Bosshard (21) apontou valores significativamente mais baixos ou nulos de IgM (1,27 nas reinfecções versus 3,5 na primeira infecção; p<0,001) em 43,6% das reinfecções, especulando que o contato repetido com antígenos treponêmicos durante o(s) episódio(s) de reinfecção provocaria uma resposta de anticorpos menos intensa.
As razões e fatores associados ao aumento dramático na incidência das infecções e reinfecções de sífilis nos últimos anos continuam a ser debatidas. Os dados apontam que durante a pandemia de Covid-19 houve um grande aumento das atividades sexuais de risco e das relações sexuais desprotegidas, apesar das medidas de contenção coletiva e distanciamento social (9). As taxas crescentes de infecção e reinfecção representam uma grande preocupação para as autoridades de saúde pública. Neste exposto, verifica-se a necessidade de estratégias efetivas de prevenção da reinfecção de sífilis na população adulta (9,11,17-27).
Considerando o risco de interpretação errônea dos casos de reinfecção, haja vista a premência por definições claras e internacionais da reinfecção por sífilis, a fim de que sejam evitadas as subnotificações ou excesso destas (19). Considerando o papel crucial de populações específicas como indivíduos HSH e infectados por HIV como fatores fortemente associados aos casos de reinfecção por sífilis, são necessárias ações de educação em saúde de qualidade nas instituições de saúde, por profissionais de saúde qualificados (24).
O Reino Unido, por exemplo, chama a atenção para suas ações de prevenção de ISTs nos últimos 20 anos através da implementação do atendimento individualizado de pacientes infectados por HIV, além da disponibilização de clínicas especializadas dedicadas ao atendimento de indivíduos HIV positivos e outras infecções sexualmente transmissíveis, favorecendo o encaminhamento, triagem e acompanhamento deste grupo social conforme as especificidades (19). Newman, Matthias, Rahman, Brantley e Peterman (23) recomendam, além da supressão viral, o estabelecimento de métricas de triagem para populações de alto risco predispostas às reinfecções por sífilis.
A mudança no comportamento sexual de HSH pode estar relacionada à falta de conhecimento de que as IST’s e a infecção pelo HIV são tratáveis, levando a uma diminuição das medidas de prevenção (17,20). Isso ressalta a necessidade de estratégias educacionais e de saúde pública que enfatizem o tratamento, mas não elimina a necessidade de prevenção contínua. Os profissionais de saúde desempenham um papel crucial ao fornecer aconselhamento sobre redução de riscos sexuais no controle das epidemias de sífilis e HIV entre HSH. Abordagens inovadoras poderiam inserir as tecnologias móveis e outros produtos educativos para otimizar o tratamento e a prevenção da sífilis (24-26).
É importante que os profissionais de saúde estejam atualizados em relação às evidências científicas atualizadas sobre as reinfecções de sífilis. Ressalta-se, que, na maioria dos casos de reinfecção, a característica assintomática está presente. Além disso, os profissionais precisam estar cientes sobre outras especificidades encontradas nos casos de reinfecção, como por exemplo, manifestações diferenciadas na sífilis primária, secundária e terciária (26).
CONCLUSÕES
Este estudo é resultado da preocupação necessária em torno do aumento dramático de sífilis nos últimos anos e, portanto, identifica dados cruciais para elaboração de estratégias públicas em torno da temática. Esta revisão evidencia os principais fatores associados a reinfecção por sífilis, ou seja, a coinfecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e homens que fazem sexo com homens (HSH), além de levantar outros fatores menos frequentes.
Os resultados elucidam a indispensável busca por estratégias eficazes de prevenção da reinfecção de sífilis por parte das autoridades de saúde pública. Pesquisas futuras devem explorar outros aspectos da reinfecção da doença, como por exemplo, investigar possíveis falhas sorológicas na coinfecção por HIV, procurar distinguir se a reinfecção ocorre por falha na prevenção e tratamento ou se está relacionada à exposição ao Treponema pallidum. Em termos de saúde pública, também se sugerem novos estudos sobre a efetividade de programas de orientação à população sobre comportamentos de risco e métodos de prevenção da infecção, reinfecção e transmissão da doença.
Este estudo colabora com a aplicabilidade prática para a saúde pública brasileira por meio de dados coletados pautados na Prática Baseada em Evidências (PBE), estratégias de buscas rigorosas e utilização de bases de dados representativas.
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Fomento e Agradecimento: Nada a declarar.
Declaração de conflito de interesses: Nada a declarar.
A designação de autoria deve ser baseada nas deliberações do ICMJE, que considera autor aquele que: 1. contribui substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada. Em estudos institucionais (de autoria coletiva) e estudos multicêntricos, os responsáveis devem ter seus nomes especificados e todos considerados autores devem cumprir os critérios anteriormente mencionados.
Critérios de autoria (contribuições dos autores)
Nara Emily Knopp Bayer. 1, 2 e 3.
Viviane dos Santos Vaccaro Lima. 1, 2 e 3.
Maria Fernanda Alves Scalon. 1 e 2.
Francisco Mayron Moraes Soares. 2 e 3.
Marcus Vinicius Pimenta Rodrigues. 1.
Elaine Cristina Negri. 1, 2 e 3.
Editor Científico: Ítalo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447