ARTIGO ORIGINAL
RASTREAMENTO DO CÂNCER DE COLO DO ÚTERO: PERSPECTIVA DOS ENFERMEIROS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
CERVICAL CANCER SCREENING: PERSPECTIVES OF NURSES IN PRIMARY HEALTH CARE
DETECCIÓN DE CÁNCER DE CUELLO UTERINO: PERSPECTIVA DE LOS ENFERMEROS EN ATENCIÓN PRIMARIA DE SALUD
https://doi.org/10.31011/reaid-2024-v.99-n.4-art.2376
1Júlio Sérgio Brito dos Santos
2Márcia Vieira dos Santos
3Patrícia dos Santos Vigário
1Mestre em Desenvolvimento Local. Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM). Bonsucesso, Rio de Janeiro, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8720-8661
2Doutora em Enfermagem. Universidade Federal Fluminense (UFF). Niterói, Rio de Janeiro, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1488-7314
3Doutora em Ciências. Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM). Bonsucesso, Rio de Janeiro, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6097-1456
Autor correspondente
Júlio Sérgio Brito dos Santos
Av. Paris, 84 - Bonsucesso, Rio de Janeiro - RJ, Brasil. 21041-020. Tel.: +55 (21) 96419-8130. Email: enfo.julio@hotmail.com
Submissão: 13-08-2024
Aprovado: 07-10-2024
RESUMO
Introdução: O câncer de colo de útero é o terceiro tipo de câncer mais comum entre mulheres no Brasil. Esse tipo de câncer está fortemente associado à infecção crônica pelos subtipos cancerígenos do Papilomavírus Humano (HPV), sendo o HPV-16 e o HPV-18 responsáveis por cerca de 70% dos casos. A detecção precoce da doença é crucial para reduzir sua gravidade e, nesse sentido, a Atenção Primária à Saúde desempenha um papel fundamental com destaque para os enfermeiros. Objetivo: Compreender a prática da enfermagem no rastreamento do câncer de colo de útero na Atenção Primária à Saúde, no Município de Itaguaí no Estado do Rio de Janeiro. Método: Participaram do estudo 17 enfermeiros atuantes no município, responsáveis pela coleta de esfregaço cérvico-vaginal. Os dados foram coletados através de questionário de perfil sociodemográfico e entrevistas semiestruturadas. Resultados: O estudo evidenciou a importância do papel dos enfermeiros na captação de mulheres para o rastreamento do câncer de colo uterino, na realização da consulta de enfermagem ginecológica e no acompanhamento das pacientes com exames alterados. No entanto, os desafios enfrentados pelos profissionais, como a falta de estrutura adequada e a insuficiência de recursos humanos, limitam a qualidade do serviço prestado. Conclusão: Investir na capacitação dos enfermeiros responsáveis pela realização do rastreamento do câncer de colo uterino, na melhoria da infraestrutura das unidades de saúde e na ampliação da equipe de profissionais é fundamental para aprimorar o cuidado com as mulheres e contribuir para o diagnóstico precoce do câncer do colo do útero.
Palavras-chave: Detecção Precoce de Câncer; Educação em Saúde; Enfermagem; Neoplasias do Colo Uterino
ABSTRACT
Introduction: Cervical cancer is the third most common type of cancer among women in Brazil. This kind of cancer is strongly associated with chronic infection by oncogenic subtypes of Human Papillomavirus (HPV), with HPV-16 and HPV-18 responsible for approximately 70% of cases. Early detection of the disease is crucial for reducing its severity, and in this regard, Primary Health Care plays a fundamental role, with nurses being particularly highlighted. Objective: To understand nursing practices in CC screening within Primary Health Care in the municipality of Itaguaí, Rio de Janeiro State. Method: The study involved 17 nurses working in the municipality, responsible for cervical cytology collection. Data were collected through a sociodemographic profile questionnaire and semi-structured interviews. Results: The study highlighted the importance of nurses in recruiting women for preventive examinations, conducting gynecological nursing consultations, and monitoring patients with abnormal results. However, challenges such as inadequate infrastructure and insufficient human resources constrain the quality of the service provided. Conclusion: Investing in the training of nurses conducting preventive examinations, improving health facility infrastructure, and expanding the professional team is essential for enhancing women's care and contributing to the early detection of cervical cancer.
Keywords: Cervical Neoplasms; Early Detection of Cancer; Health Education; Primary Care Nursing
Resumen
Introducción: El cáncer de cuello uterino es el tercer tipo de cáncer más común entre las mujeres en Brasil. El cáncer de cuello uterino está fuertemente asociado con la infección crónica por subtipos oncogénicos del Virus del Papiloma Humano (VPH), siendo el VPH-16 y el VPH-18 responsables de aproximadamente el 70% de los casos. La detección temprana de la enfermedad es crucial para reducir su gravedad y, en este sentido, la Atención Primaria en Salud desempeña un papel fundamental, destacando especialmente a los enfermeros. Objetivo: Comprender la práctica de la enfermería en el rastreo del cáncer de cuello uterino en la Atención Primaria en Salud, en el municipio de Itaguaí, Estado de Río de Janeiro. Método: Participaron en el estudio 17 enfermeros que trabajan en el municipio, responsables de la toma de citología cervical. Los datos se recopilaron mediante un cuestionario de perfil sociodemográfico y entrevistas semiestructuradas. Resultados: El estudio evidenció la importancia del papel de los enfermeros en la captación de mujeres para el examen preventivo, en la realización de la consulta de enfermería ginecológica y en el seguimiento de las pacientes con resultados anormales. Sin embargo, desafíos como la falta de infraestructura adecuada y la insuficiencia de recursos humanos limitan la calidad del servicio prestado. Conclusión: Invertir en la capacitación de los enfermeros responsables de realizar el examen preventivo, en la mejora de la infraestructura de las unidades de salud y en la ampliación del equipo de profesionales es fundamental para mejorar la atención a las mujeres y contribuir al diagnóstico temprano del cáncer de cuello uterino.
Palabras clave: Detección Precoz del Cáncer; Educación en Salud; Enfermería; Neoplasias del Cuello Uterino
INTRODUÇÃO
O Câncer de Colo de Útero (CCU), também conhecido como câncer cervical ou neoplasia do colo uterino, destaca-se como o terceiro tipo de câncer mais prevalente entre as mulheres no Brasil(1). Estima-se que no triênio 2023-2025 sejam registrados cerca de 17.010 novos casos, representando uma incidência de 13,25 casos a cada 100 mil mulheres(1). O CCU está fortemente associado à infecção crônica pelos subtipos cancerígenos do Papilomavírus Humano (HPV), sendo o HPV-16 e o HPV-18 responsáveis por cerca de 70% dos casos desse tipo de câncer(2). Além disso, fatores de risco como múltiplos parceiros sexuais, multiparidade, uso de contraceptivos orais, tabagismo e obesidade também contribuem para o seu desenvolvimento(3). Embora a maioria das infecções por HPV regrida espontaneamente em mulheres com menos de 30 anos, sua persistência é mais comum em mulheres acima dessa idade(4).
A detecção precoce do CCU facilita o tratamento, diminui a morbimortalidade pela doença e aumenta as chances de cura(5). Isso inclui a identificação de sinais e sintomas potencialmente perigosos, ou seja, sangramento vaginal anormal, menstruação mais prolongada que o habitual, secreção vaginal incomum com traços de sangue, sangramento após a menopausa, sangramento após a relação sexual, dor durante o ato sexual, dor na região pélvica, inchaço nas pernas, problemas urinários ou intestinais e sangue na urina(6) e o rastreamento por meio do exame citopatológico(7).
No contexto da Atenção Básica (AB) e da Atenção Primária à Saúde (APS) os profissionais de enfermagem atuam na prevenção e detecção do CCU por meio de ações que incluem (i) coleta, interpretação e encaminhamento ao médico, quando necessário, de exames de citopatologia oncótica; (ii) identificação da população alvo e recrutamento de mulheres ausentes no rastreamento; (iii) acolhimento e escuta qualificada; e (iv) ações educativas em saúde sexual(8). Neste último, cabe ao profissional de enfermagem proporcionar às mulheres educação em saúde de forma abrangente, esclarecendo dúvidas sobre o CCU, apresentar seus riscos, sinais e sintomas, com o objetivo de promover mudanças de comportamento e atitudes em relação à prevenção da doença(9).
Embora as funções dos profissionais de enfermagem estejam bem estabelecidas, exercê-las nem sempre é tarefa simples devido a barreiras como a falta de materiais e equipamentos, falta de local e/ou falta de apoio para a realização de ações educativas, baixa adesão ao recrutamento para a realização do exame de rastreamento, entre outros(10-11). Além disso, outras questões, como o estresse ocupacional, a sobrecarga de trabalho e a falta de reconhecimento profissional, contribuem para que a atuação do profissional de enfermagem seja, por vezes, desafiadora(12).
Nesse contexto, este estudo teve como objetivo compreender a prática da enfermagem no rastreamento do CCU, na APS, no Município de Itaguaí, no Estado do Rio de Janeiro, especificamente em relação (i) à captação das mulheres para a realização do exame citopatológico; (ii) à consulta ampliada e ações de educação em saúde; e (iii) ao conhecimento sobre o respaldo legal para a consulta em enfermagem ginecológica.
Ao compreender como esses profissionais atuam no rastreamento do CCU, os achados podem subsidiar políticas e ações com o intuito de reforçar as boas práticas já realizadas e implementar melhorias no serviço de saúde oferecido à população.
MÉTODOS
Foi realizado um estudo qualitativo com a participação de 17 enfermeiros atuantes na APS do município de Itaguaí, RJ, Brasil. O município possui uma população estimada de 116.841 pessoas(13) e 12 unidades de Estratégia de Saúde da Família (ESF) que realizam o rastreamento do câncer de colo uterino de CCU. Os critérios de inclusão para a participação no estudo foram: ser enfermeiro atuante na APS e estar realizando a coleta de esfregaço cérvico-vaginal há mais de seis meses. Os enfermeiros que estavam afastados de suas atividades profissionais, independentemente do motivo, foram excluídos do estudo. Os participantes foram selecionados pessoalmente, por sorteio, em duas clínicas de saúde e em um evento de capacitação para o rastreamento do câncer de colo uterino, realizado pela Secretaria de Saúde de Itaguaí. Os enfermeiros que aceitaram o convite e que se enquadravam nos critérios de inclusão e exclusão foram entrevistados.
A coleta de dados ocorreu prospectivamente entre os meses de agosto e setembro de 2023 por meio da aplicação de dois instrumentos elaborados especificamente para este estudo por três pesquisadores, sendo dois profissionais de enfermagem, de modo que os objetivos traçados pudessem ser alcançados: a) Questionário de perfil sociodemográfico, com o objetivo de coletar informações como idade, sexo, tempo de formação na graduação em enfermagem, e tempo de trabalho na APS; e b) Entrevista semiestruturada, com o objetivo de obter informações específicas sobre os procedimentos que os profissionais adotavam junto às pacientes tendo em vista a detecção precoce do CCU. Na entrevista, as seguintes perguntas norteadoras foram feitas aos participantes do estudo: “Como as mulheres são captadas para a realização do exame preventivo?”; “Como você realiza/atua durante a consulta ginecológica?”; “Existe algum instrumento que respalde a consulta de enfermagem ginecológica?”; “Como é realizado o atendimento para as mulheres que possuem resultados com diagnósticos alterados no exame preventivo de CCU?”; “Quais são as principais barreiras/dificuldades encontradas para a sua atuação profissional?”; “Considerando-se a realidade do município de Itaguaí-RJ, você tem alguma sugestão para a melhoria do trabalho no que se refere ao exame preventivo de CCU?”.
Os dados foram analisados e interpretados da entrevista com os profissionais mediante a técnica de análise de conteúdo(14), que compreendeu nas seguintes fases: apreensão dos dados, pré-análise do conteúdo com sistematização das ideias iniciais, construção de categorias de análise; exploração do material das entrevistas transcritas, com leitura exaustiva, tratamento e interpretação dos resultados.
Logo, os dados da pesquisa foram agrupados por convergência de conteúdo e identificadas as seguintes unidades temáticas: (1) Estratégias para captação das mulheres para a realização do exame citopatológico; (2) Consulta ampliada e educação em saúde; (3) Respaldo legal para consulta em enfermagem ginecológica; (4) Desafios enfrentados frente à atuação profissional; e (5) Sugestões para melhoria do serviço.
Por sua vez, os dados numéricos foram apresentados por meio de média e valores mínimo e máximo (Microsoft Excel versão 2402). O estudo seguiu os protocolos éticos estabelecidos na Resolução 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para pesquisas envolvendo seres humanos e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM) sob n.º CAEE: 72839423.1.0000.5235. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido antes de serem incluídos no estudo. Foi utilizada a letra P (participante) para preservar o sigilo e o anonimato dos participantes.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os participantes foram em sua maioria (94,18%; n = 16) mulheres, com média de idade de 42,17 anos (mínimo = 25; máximo = 63) anos e 13,33 (mínimo = 4; máximo = 23) anos de formação.
Em relação à captação das mulheres para a realização do rastreamento do câncer de colo uterino, as principais estratégicas identificadas foram a busca ativa pelos agentes comunitários de saúde (88,24%, n = 15), livre demanda (58,82%, n = 10), agendamento (23,53%, n = 4), campanhas (11,76%, n = 2), sala de espera (17,64%, n = 3) e acolhimento (23,53%, n = 4).
Estratégias na captação das mulheres para realização do exame citopatológico
Busca Ativa
De acordo com os participantes do estudo, os agentes comunitários de saúde (ACSs) desempenham um papel significativo na captação das mulheres para a realização do rastreamento do câncer de colo uterino, o que se dá por meio de visitas domiciliares quando fornecem orientação adequada a elas levando-se em conta sua faixa etária, conforme apresentado abaixo:
Elas são captadas pelos agentes comunitários, (...) a maioria da busca ativa é feita pelos agentes comunitários (Participante 7).
(...) quando eles (ACSs) fazem a visita domiciliar, eles já orientam, já perguntam há quanto tempo que as mulheres não estão fazendo o preventivo (Participante 2).
(...) elas são captadas pela faixa etária. De 25 a 64 anos, a gente capta essas mulheres através da visita domiciliar, orientação (Participante 8).
A importância da busca ativa e do papel dos ACSs é discutida na literatura, como “um dos grandes responsáveis pelas buscas ativas das mulheres que não comparecem as unidades para realização do rastreamento do câncer de colo uterino regularmente”(15). Esses profissionais se constituem como “peça fundamental na prevenção do câncer de colo do útero” (15). Destaca-se, no entanto, que a realização de busca ativa não deve ser responsabilidade exclusiva dos ACSs, mas de todos os profissionais da equipe de saúde da família, os quais devem estabelecer um vínculo com a população(16).
A fala do participante 2 destaca um papel fundamental dos ACSs, que é a realização das visitas domiciliares a mulheres de sua microárea visando facilitar o acesso à unidade de saúde e orientar sobre a importância do rastreamento do câncer de colo uterino(16). Do mesmo modo, o participante 8 destaca a visita familiar e a orientação, embora não mencione a participação dos ACSs.
Livre demanda
Dez participantes mencionaram a livre demanda das mulheres, quando procuram espontaneamente a unidade de saúde para realizar o exame:
(...) muitas estão procurando mesmo a unidade. Por livre demanda! E aqui também, tipo, você chega, a gente colhe (Participante 4).
Lá é por livre demanda. Antes era toda sexta-feira, agora é toda quinta. Mas é por livre demanda. A gente dá uns 15 números, aí vão aparecendo e a gente não agenda... A gente simplesmente vai fazendo (Participante 9).
Então, elas chegam por demanda espontânea ou através dos ACS que vão nas casas das pessoas (Participante 13).
Realizo toda sexta-feira, demanda livre, pacientes da minha unidade, do meu território, ou do bairro... O atendimento é de manhã e de tarde, 10 números de manhã e 10 números à tarde. (Participante 15).
A livre demanda é uma estratégia importante para o acesso das mulheres ao exame de prevenção do CCU, pois permite a elas acessarem o serviço sem a necessidade de agendamento prévio, o que facilita especialmente para aquelas que têm dificuldade de deslocamento ou de encontrar tempo para realizar o rastreamento do câncer de colo uterino em horários específicos(17, 18). Nesse sentido, o Ministério da Saúde destaca que as mulheres devem estar orientadas sobre como e onde buscar o atendimento, bem como sobre as manifestações clínicas sugestivas do CCU e a superação de medos e estigmas relacionados a esse exame(18).
Vale destacar que a livre demanda por si não é suficiente para uma cobertura eficaz do exame citológico; deve-se investir em ações educativas e abordar as mulheres sempre que comparecerem às unidades de saúde, buscando sempre o estreitamento de seu vínculo com os profissionais de saúde(19).
Campanhas e sala de espera
Algumas unidades também realizam campanhas específicas e utilizam salas de espera para captar mulheres. Ao indicar campanhas e salas de espera, novamente os participantes ressaltam a importância dos ACS nesse processo:
A gente faz campanha também, tem um dia D (Participante 2).
Através da visita dos agentes comunitários de saúde e também as salas de espera que a gente faz durante o atendimento (Participante 10).
Através de sala de espera, busca ativa dos agentes comunitários de saúde, buscando a faixa etária que é preconizada... (Participante 5).
A atenção para o fato de que o sucesso em relação a uma campanha preventiva está atrelado à promoção de ações de prevenção mais próximas das crenças das mulheres, de sua cultura e do meio no qual estão inseridas(20). Ademais, a sala de espera propicia o estreitamento da relação entre o serviço de saúde e as usuárias, sendo um ambiente favorável para orientação das pacientes antes da realização das consultas(21).
No que diz respeito às ações durante a realização das consultas de enfermagem ginecológica, as respostas mais frequentes foram o acolhimento (29,41%, n = 5), a anamnese e história ginecológica (49,06%, n = 8), o exame físico geral (23,53%, n = 4), a consulta ampliada e educação em saúde (23,53%, n = 4), e a logística do atendimento (17,64%, n = 3). Nessa perspectiva, a consulta, o acolhimento e a escuta qualificada são fundamentais para a prevenção e a detecção precoce do CCU, pois permitem que as mulheres com exames alterados sejam abordadas adequadamente, que aquelas em falta com o rastreamento sejam recrutadas, e que ações de educação em saúde sexual sejam realizadas(8).
Acolhimento
A participante 10 destacou o acolhimento antes de realizar o exame em sua consulta de enfermagem.
Então, primeiro de tudo, eu as recebo, as acolho na unidade, faço uma entrevista com elas, uma avaliação, e depois sigo com o exame. Examino as mamas e depois o exame do colo do útero (Participante 10).
O acolhimento é uma ferramenta poderosa que amplia o acesso das mulheres aos serviços de saúde, promove o estabelecimento de vínculos, possibilita uma avaliação abrangente e intervenções potencialmente mais eficazes, alinhadas às diretrizes do Sistema Único de Saúde – SUS(22-23). Trata-se, pois, de uma estratégia essencial, na medida em que possibilita às mulheres se descobrirem como seres integrais e merecedoras de cuidados, inclusive de saúde; ademais, o acolhimento pode oferecer a elas a oportunidade de desenvolver comportamentos preventivos(24). Em outras palavras, o acolhimento é uma ação com o potencial de corresponsabilizar a usuária no processo de produção da saúde(25). Por outro lado, quando o acolhimento é ineficaz, há uma propagação maior da doença, pois as mulheres podem ter dificuldade em “conversar sobre aspectos íntimos de suas vidas e questões relacionadas à sexualidade”(26).
Destaca-se que, nesse contexto de busca ativa, livre demanda e campanhas/sala de espera para prevenção do câncer do colo do útero, o enfermeiro desempenha um papel de destaque em sua assistência, sendo responsável por realizar ações educativas, executar o exame Papanicolau, interpretar os resultados, encaminhar a mulher para outros serviços quando necessário, agendar o retorno conforme a rotina da Unidade de Saúde, além de organizar as buscas ativas da população em conjunto com a equipe multidisciplinar (8).
Anamnese e história ginecológica
A anamnese com a história ginecológica foi citada pelos participantes como uma estratégia empregada durante a consulta ginecológica. Em suas palavras:
A gente primeiro faz pergunta com as pacientes, história sexual, se tem muitos parceiros, se usa método contraceptivo, quanto às gestações, se tem caso de câncer de colo útero ou de mama na família (Participante 3).
(...) a gente faz uma anamnese com elas, né? Colhe o histórico delas através da anamnese (Participante 12).
Fazendo perguntas relacionadas à parte ginecológica da mulher, informações sobre partos, gestações anteriores e queixas atuais (Participante 13).
Essa estratégia vai ao encontro do que diz a literatura, a qual destaca que a consulta ginecológica deve possibilitar, por meio da anamnese, a coleta de informações que auxiliem no entendimento da saúde da mulher, como histórico familiar e antecedentes menstruais, sexuais, obstétricos e ginecológicos(22). Nesse sentido, é importante que o enfermeiro tenha uma escuta sensível e atenta àquilo que as mulheres dizem, e à maneira como dizem, buscando compreender a causa de seu sofrimento(26).
Consulta ampliada e educação em saúde
A participante 6 destacou em sua entrevista que em sua consulta de enfermagem ginecológica emprega uma abordagem holística, que vai além da coleta do preventivo ginecológico. Ela menciona que realiza uma avaliação mais abrangente, considerando diversos aspectos da saúde da mulher:
Na verdade, eu faço uma consulta além só da coleta do preventivo, né? Que a gente vê muito por aí. Você chega no consultório, faz a coleta, mas não avalia a mama, não avalia o abdômen. Não vê nenhuma outra queixa da mulher. Eu faço assim um geralzão, desde a hiperdia até a parte ginecológica (Participante 6).
No excerto acima, “hiperdia” refere-se um programa de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos, em vigor desde 2002. Nessa mesma linha, participante 12 afirma que “(...) faz o exame das mamas, colhe o preventivo, orienta... A gente aproveita e faz a orientação sobre as infecções sexualmente transmissíveis, planejamento familiar, e orienta a busca de resultado”. Ou seja, também realiza uma consulta ampliada e trabalha a educação em saúde com as mulheres, o que está de acordo com a literatura ao destacar a consulta ampliada e a educação em saúde são como abordagens fundamentais no cuidado ginecológico oferecido por enfermeiros a fim de prevenir o CCU e alcançar resultados positivos e efetivos(25). Além disso, a participante 11 destaca a importância de se explicar como o procedimento é realizado:
Então, a consulta é realizada através das apresentações; eu explico todo o procedimento que vai ser realizado, preencho todas as fichas, documentação necessária, e faço a examinação das mamas até a coleta do preventivo (Participante 11).
A participante 1 diz que inicia a consulta em enfermagem ginecológica com a exploração das queixas das pacientes e, quando necessário, solicita exames complementares:
A paciente chega, né, ela senta e aí eu pergunto se tem alguma queixa e aí elas desenvolvem a consulta. Se ela necessita e se ela está dentro da faixa etária pra solicitar mamografia, solicito mamografia, eu solicito também transvaginal, exames complementares... (Participante 1)
Em outras palavras, a consulta deve ir além da simples resolução da queixa momentânea da mulher(22). Para esses autores, embora o exame pélvico seja imprescindível, ele não deve ser efetuado isoladamente; os enfermeiros devem, sim, buscar assegurar que as demandas biológicas, sociais e psicológicas das usuárias sejam atendidas e resolvidas, levando sempre em consideração a autonomia, as singularidades, as especificidades e os ciclos de vida das pacientes.
Respaldo legal para consulta em enfermagem ginecológica
Na investigação do respaldo adotado para a consulta de enfermagem ginecológica, os participantes mencionaram a orientação proveniente de protocolos do Ministério da Saúde, resoluções do Conselho Regional de Enfermagem (Coren) e normativas locais, especialmente aquelas da Prefeitura de Itaguaí. Nesse sentido, alguns entrevistados destacaram:
Existe um protocolo. Nós temos um protocolo no município (Participante5).
Sim, tem protocolos. E também, se não me engano, tem a resolução do Coren, né? (Participante 6).
Sim, a gente tem documento do Coren... No município, que eu saiba, não, mas a gente utiliza do Ministério da Saúde e do Coren. (Participante 12).
Sim, tem o COFEN, a Constituição. (Participante 15).
Um instrumento estruturado, autorizado pelo município? Padronizado? Não, a gente tem um formulário de solicitação do exame do citopatológico que é um formulário fornecido pelo laboratório (Participante 17).
Nós temos as normas da Prefeitura de Itaguaí, que ela respalda a gente, do município (Participante 14).
No entanto, desconhecimento ou dúvida em relação a existência de protocolos também foi apresentado. A participante 1 afirmou que não conhece nenhum protocolo local que respalde a consulta de enfermagem ginecológica. Por sua vez, A participante 3 afirmou que não sabe se existe um protocolo local que respalde a consulta de enfermagem ginecológica. A participante 9 afirmou que acredita que exista um protocolo local, mas que não tem muito costume de fazer a coleta do exame citopatológico. Já A participante 16 afirmou que existe um protocolo local, mas que não lembra qual é.
Ah, que eu saiba, no município eu não conheço. (Participante 1)
Que respalde? Não, não que eu saiba. (Participante 3)
Acredito que sim. Eu não tenho muito costume de fazer a coleta. (Participante 9)
Existe, só não lembro o que é. (Participante 16)
Diante disso, ressalta-se que existe um amplo amparo legal para a consulta de enfermagem ginecológica no Brasil. Diversas leis e resoluções reconhecem e regulamentam a atuação do enfermeiro nesse âmbito, garantindo a autonomia profissional e a qualidade do cuidado prestado à mulher. São exemplos de tais amparos legais: (a) Lei do Exercício Profissional da Enfermagem (Lei n.º 7.498/1986): Art. 8º, inciso II: Prescreve a consulta de enfermagem como atividade privativa do profissional; (b) Resolução COFEN n.º 358/2009: Dispõe sobre o cuidado integral à saúde da mulher. Reconhece a consulta de enfermagem ginecológica como um componente essencial desse cuidado; (c) Resolução COFEN n.º 429/2012: Aprova as normas para a Sistematização da Assistência de Enfermagem. Define a consulta de enfermagem como um processo sistematizado de cuidado individualizado; (d) Resolução COFEN n.º 564/2016: Dispõe sobre a atuação do enfermeiro na prescrição de medicamentos. Amplia a autonomia do enfermeiro na consulta de enfermagem ginecológica; e (e) Resolução COFEN n.º 690/2022: Normatiza a atuação do enfermeiro no planejamento familiar e reprodutivo.
Ademais, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher – PNASIM(27) reconhece a importância da consulta de enfermagem ginecológica na promoção da saúde da mulher. Por fim, as Diretrizes Nacionais para a Atenção à Saúde da Mulher orientam a atuação dos profissionais de saúde na consulta de enfermagem ginecológica(28).
Em síntese, a consulta de enfermagem ginecológica é uma prática legal e respaldada por diversas leis e resoluções. Todavia, conforme informações obtidas junto à Secretaria Municipal de Saúde de Itaguaí, o município não dispõe de um protocolo próprio para o atendimento voltado ao rastreamento do câncer de colo uterino de CCU, como afirmou o Participante 5.
Diante disso, é importante que o Coren, por exemplo, promova ações de capacitação e esclarecimento sobre o respaldo legal para a consulta de enfermagem ginecológica, o que poderia incluir palestras, workshops e cursos de curta duração.
Quando os exames mostram alteração, os participantes afirmaram se utilizar de ações diversas. A primeira delas é o encaminhamento, por meio do Sistema de Regulação (SISREG), das pacientes para uma médica especialista, a médica ginecologista responsável pelo polo de patologia cervical:
Colocamos as pacientes no SISREG para garantir o acesso rápido ao polo de patologia cervical com a médica ginecologista responsável. (Participante 1).
Encaminhamos para a médica ginecologista responsável através do SISREG, garantindo a regulação para as consultas necessárias. (Participante 3)
Usamos o SISREG para agendar consultas e assegurar que as pacientes sejam atendidas pela especialista. (Participante 8)
O SISREG é o Sistema Nacional de Regulação, um sistema online desenvolvido para administrar o Complexo Regulatório, abrangendo desde a atenção básica até a internação hospitalar. Sua finalidade é promover a humanização dos serviços, aprimorar o controle do fluxo e otimizar a utilização dos recursos(29). Esses autores ressaltam a essencialidade da regulação no sentido de organizar, direcionar, definir e otimizar a utilização dos recursos na atenção à saúde, visando assegurar o acesso pleno da população a ações e serviços de saúde em tempo oportuno e de maneira acessível.
Ainda segundo os participantes, a médica especialista “faz consultas detalhadas e realiza exames como colposcopia para um acompanhamento mais especializado" (Participante 5). A colposcopia é um procedimento utilizado para examinar diversas superfícies epiteliais do trato genital inferior, podendo ser indicada como ferramenta de triagem primária, além de facilitar diferentes modalidades de tratamento(30). Embora não seja altamente eficaz como ferramenta de triagem primária, a colposcopia é frequentemente usada para examinar o colo do útero em casos de suspeita de lesões pré-cancerosas(30).
Participante 6 afirmou que "dependendo do resultado, realizamos visitas na casa da paciente, mantendo um acompanhamento semestral ou conforme necessário" e Participante17 que faz “busca ativa rotineira para mulheres”. Nesse sentido, a participante 15 afirma: "Realizamos busca ativa para casos específicos, como NIC1, NIC2, NIC3, garantindo o acompanhamento e os cuidados necessários."
Por fim, os participantes destacaram que fazem um controle de registros internos na unidade de saúde:
Mantemos registros detalhados na unidade, incluindo informações sobre coleta, resultados, encaminhamentos e datas importantes. (Participante 17).
Cada mulher que faz o preventivo tem seu prontuário registrado, permitindo um acompanhamento preciso de cada caso. (Participante 2).
Utilizamos um caderno amarelo para casos específicos, com diretrizes de busca ativa para garantir um acompanhamento contínuo. (Participante 7).
Acerca dessas ações tomadas pelos enfermeiros, pode-se afirmar que esses profissionais são capacitados para interpretar os resultados e fazer o encaminhamento quando necessário, acompanhando os casos de CCU suspeitos ou confirmados(8).
Desafios enfrentados frente à atuação profissional
Na análise dos desafios enfrentados frente à atuação profissional, a falta de espaço adequado para a realização do rastreamento do câncer de colo uterino foi destacada por três participantes (17,64%). Como observado pela participante 1: "Se tivesse uma sala só para coleta de preventivo, a gente poderia ter a coleta mais vezes por semana." De fato, a falta de uma infraestrutura apropriada, como salas adequadas para consultas e procedimentos, pode prejudicar a qualidade do atendimento e a realização eficiente dos exames, impactando negativamente no cuidado prestado às pacientes.
A participante 3 enfatizou essa questão ao mencionar: "Eu acho que falta estrutura. Tem enfermeiro que não tem nem sala aqui. Então, é difícil você ter um certo tipo de conversa em um ambiente aberto." Pode-se compreender a partir da fala da participante que esse problema pode comprometer a privacidade das pacientes, dificultando a comunicação eficaz entre profissionais e pacientes, prejudicando a qualidade do cuidado oferecido.
Além da falta de espaço adequado para a realização do rastreamento do câncer de colo uterino, os participantes também destacaram a carência de estrutura adequada em algumas unidades de saúde como um obstáculo enfrentado por eles. Como observado pela participante 3:
A gente aqui na Clínica da Família tem uma estrutura boa, mas nem todas as UBSs têm essa mesma estrutura. Nem todos os enfermeiros têm essa estrutura que a gente tem de uma sala, de marcar o preventivo e ter esse tempo de conversar com a paciente.
Isso posto, pode-se afirmar que a disparidade na disponibilidade de recursos e infraestrutura entre diferentes UBS pode impactar a qualidade do atendimento e a realização dos exames preventivos, limitando o acesso das pacientes a um cuidado de saúde adequado e digno.
Por fim, os participantes também enfrentam o desafio da insuficiência de profissionais para realizar o rastreamento do câncer de colo uterino. Como mencionado por um entrevistado:
Acho que é pouco médico, é uma médica só. Acho que deveria ser mais, ou então, essa demanda tem um treinamento com nossos médicos da unidade para isso, pra essa paciente não precisar sair daqui e pra outro lugar." (Participante 4).
Esse relato destaca a sobrecarga de trabalho enfrentada pelos profissionais de saúde, com uma equipe médica muitas vezes insuficiente para atender à demanda de exames preventivos(31, 17). Essa escassez de profissionais pode resultar em atrasos nos cuidados de saúde e na necessidade de encaminhar as pacientes para outras unidades, impactando negativamente na continuidade do cuidado.
Sugestões para melhoria do serviço
Os participantes quando questionados sobre sugestões para a melhoria do serviço enfatizaram a importância de programas regulares de capacitação para garantir aos enfermeiros habilidades essenciais na execução e interpretação do rastreamento do câncer de colo uterino.
Mais atualização, mais capacitação. (...) É crucial estabelecer programas regulares de capacitação, garantindo que as habilidades para a realização e interpretação do exame estejam sempre atualizadas (Participante 2).
Destaca-se, aqui, a importância da qualificação profissional dos enfermeiros, a qual deve-se atentar à sensibilização sobre a importância do exame e do cuidado integral, o que lhes proporcionaria mais autonomia na realização de suas práticas(22).
Outro ponto destacado é a necessidade de se criar um espaço dedicado para a coleta do preventivo:
Recomendo a criação de salas exclusivas para coleta de preventivo, permitindo maior flexibilidade de horários e ampliando o alcance nas comunidades (Participante 1).
A criação de salas dedicadas à coleta de preventivo pode oferecer diversos benefícios às pacientes. Em primeiro lugar, proporcionam privacidade às mulheres durante um procedimento muitas vezes delicado e constrangedor. Isso é essencial para encorajar as mulheres a realizarem o exame regularmente, reduzindo, assim, as barreiras psicológicas e culturais que possam desencorajar a busca pelo cuidado de saúde(32). Ademais, essas salas devem ser projetadas de forma a garantir o conforto das pacientes, com assentos confortáveis, iluminação adequada e uma atmosfera calma e tranquila. Um ambiente acolhedor contribui para reduzir a ansiedade e o desconforto associados ao exame, tornando a experiência mais positiva para as mulheres.
A criação de equipes especializadas, semelhantes a um NASF, que ofereçam suporte, especialmente consultoria rápida em casos mais complexos detectados durante a coleta foi outra sugestão citada pelos participantes.
Sugiro a criação de equipes especializadas, semelhantes a um NASF, que ofereçam suporte, especialmente consultoria rápida em casos mais complexos detectados durante a coleta (Participante 7).
Chama a atenção para a necessidade de apoio especializado, como ginecologistas de plantão, para lidar com casos mais complexos (Participante 13).
Além disso, uma participante expressou a necessidade de uma equipe de apoio, algo que deixou de existir. Segundo ela:
Uma coisa que facilitava muito, que tinha anteriormente, era uma equipe que funcionava tipo um NASF [Núcleo de Apoio à Saúde da Família]... Não era um NASF (...), mas uma equipe que funcionava como um apoio para a gente. Nessa equipe tinha uma ginecologista obstetra muito boa que com a qual a gente conseguia ter um link com ela, fácil e rápido, que dava um apoio muito grande para a gente nessas consultas. Às vezes a gente pegava algum colo alterado, alguma coisa que às vezes não dava alterado no exame, mas que era uma situação preocupante, e ela conseguia. A gente enviava foto, enviava imagem, os exames e ela conseguia fazer esse link com a gente. Muitas vezes a gente encaminhava para ela e ela fazia um atendimento, depois contra-referenciava para a gente. Então era um facilitador ter uma ginecologista de apoio. Tanto para a enfermeira quanto para o médico, facilitava muito (Participante 7).
Essa observação ressalta a importância da presença de uma equipe de apoio para otimizar os serviços de saúde, melhorando o acesso e a qualidade do cuidado prestado às pacientes.
A extensão do horário de coleta em algumas unidades e a realização do serviço aos sábados foi outra questão abordada.
(...) eu acho que algumas unidades poderiam oferecer o serviço num horário mais avançado, por conta de quem trabalha. E algumas unidades podiam ter serviço dia de sábado (Participante15).
A importância de horários acessíveis para que as mulheres possam buscar o serviço de saúde é crucial para que se possa aumentar a cobertura do serviço de rastreamento, possibilitando, assim, o aumento da sobrevida das pacientes(33, 34).
Além de um horário expandido para facilitar o atendimento a mais mulheres, houve também a sugestão de ações sobre saúde ginecológica nas escolas, para incentivar a procura pelo preventivo desde cedo:
(...) a gente tinha que pensar também, especificamente, na saúde ginecológica, já dentro da escola (Participante 17).
Nesse sentido, ressalta-se a importância de o enfermeiro promover a educação em saúde e orientar adequadamente as mulheres acerca dos fatores de risco para o CCU e os meios para preveni-lo, o que reforça a visão da participante 17(20).
Participante 3 e participante 11, por sua vez, propuseram mais ações de conscientização para garantir maior adesão da população, destacando a importância de uma abordagem diferenciada:
(...) é necessário investir em campanhas de divulgação sobre a importância do preventivo (Participante 3).
(...) mais ações para atrair mais a população (Participante 11).
Por fim, a participante 10 propôs a necessidade de criação de protocolos locais para permitir maior autonomia à enfermagem:
Primeiro de tudo, acho que deve haver um protocolo para que a enfermeira tenha uma maior autonomia para poder estar fazendo o acompanhamento dessa mulher de uma forma melhor (Participante 10).
De fato, ressalta-se que, segundo informações obtidas junto à Secretaria Municipal de Saúde de Itaguaí, o município não dispõe de um protocolo próprio para o atendimento voltado ao rastreamento do câncer de colo uterino de CCU. Um protocolo local do município seria importante, tendo em vista que cada município possui suas próprias características socioeconômicas e de saúde, as quais podem influenciar as necessidades e prioridades em termos de atenção à saúde da população.
O estudo apresenta como limitações a participação de profissionais de enfermagem atuantes em apenas duas ESF sorteadas de um total de 19 existentes no município de Itaguaí, no Estado do RJ. Além disso, a participação no estudo ocorreu de forma voluntária e espontânea após o convite, fato este que aumenta a possibilidade de ocorrência viés de seleção. Por fim, sendo um estudo com coleta de informações por meio de entrevista e questionário, não se pode deixar de considerar a possibilidade de viés de resposta dos participantes. A despeito dessas limitações, o estudo é de extrema relevância considerando a urgência de aprimorar as práticas de prevenção e detecção precoce do CCU, que impacta tantas mulheres no Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados destacaram o papel essencial desempenhado pelos enfermeiros na captação de mulheres para o rastreamento do câncer de colo uterino, na condução da consulta de enfermagem ginecológica e ações de educação em saúde, e no acompanhamento das pacientes com exames alterados. No que diz respeito ao conhecimento sobre o respaldo legal para a consulta em enfermagem ginecológica, no entando, alguns profissionais desconhecem a existência de protocolos como do Ministério da Saúde, resoluções do Coren e normativas locais. Esses achados sinalizam a necessidade de ampliação de oferta de capacitações para os enfermeiros, de modo a garantir um atendimento de qualidade aos pacientes. Esse é um passo importante para assegurar o acesso das mulheres a um cuidado de saúde adequado e contribuir efetivamente para a redução da mortalidade pelo CCU.
REFERÊNCIAS
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Agradecimentos
Agradecemos à Secretaria de Saúde de Itaguaí-RJ e aos enfermeiros e enfermeiras que gentilmente participaram desta pesquisa.
Critérios de autoria (contribuições dos autores)
Júlio Sérgio Brito dos Santos
Redação da primeira versão do artigo, obtenção e análise dos dados.
Márcia Vieira dos Santos
Revisão crítica da análise dos dados.
Patrícia dos Santos Vigário
Revisão crítica do texto e orientação da pesquisa.
Declaração de conflito de interesses
Nada a declarar.
Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519
Rev Enferm Atual In Derme 2024;99(4): e024392