ARTIGO ORIGINAL

 

PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO, CLÍNICO E TERAPÊUTICO DOS ATENDIMENTOS APÓS TENTATIVAS DE SUICÍDIO EM UM SERVIÇO PSIQUIÁTRICO

 

SOCIODEMOGRAPHIC, CLINICAL AND THERAPEUTIC PROFILE OF CARE AFTER SUICIDE ATTEMPTS IN A PSYCHIATRIC SERVICE

 

PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO, CLÍNICO Y TERAPÉUTICO DE LAS ATENCIONES POSTERIORES A LOS INTENTOS DE SUICIDIO EN UN SERVICIO PSIQUIÁTRICO

 

https://doi.org/10.31011/reaid-2024-v.99-n.4-art.2379

 

1Ivana Cavalcante de Sousa Brussa

2Lídya Tolstenko Nogueira

3Aline Costa de Oliveira

4Giovanna Vitória Aragão de Almeida Santos

5Jefferson Abraão Caetano Lira

6Álvaro Sepúlveda Carvalho Rocha

7Lucíola Galvão Gondim Corrêa Feitosa

8Fernando José Guedes da Silva Júnior

 

1Universidade Federal do Piauí, Teresina, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0009-0002-3748-5999

2Universidade Federal do Piauí, Teresina, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4918-6531.

3Universidade Federal do Piauí, Teresina, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1738-4808

4Universidade Federal do Piauí, Teresina, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7499-2749

5Universidade Federal do Piauí, Teresina, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7582-4157

6Universidade Federal do Piauí, Teresina, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7968-9597

7Centro Universitário Uninovafapi, Teresina, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4721-2660

8Universidade Federal do Piauí, Teresina, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5731-632X

 

Autor correspondente

Giovanna Vitória Aragão de Almeida Santos

Universidade Federal do Piauí, Campus Universitário Ministro Petrônio Portella, Bairro Ininga, Teresina /PI, Brasil. CEP: 64049-550. Telefone: +55 (86) 999589496 E-mail: giovannavitoriasantos@gmail.com

 

Submissão: 05-09-2024

Aprovado: 21-10-2024

 

RESUMO

Introdução: As projeções epidemiológicas evidenciam que a incidência anual e global do suicídio corresponde a 800.000 casos, com uma taxa estimada de 6,5 mortes para cada 100 mil habitantes. Em meio a um cenário onde as taxas de suicídio continuam preocupantemente altas, serviços de emergência desempenham um papel essencial na prevenção de tragédias e no suporte imediato aos indivíduos. Objetivo: Caracterizar os atendimentos emergenciais após tentativa de suicídio quanto aos aspectos sociodemográficos, clínicos e terapêuticos. Método: Estudo transversal descritivo conduzido em um serviço de referência para assistência a urgências e emergências psiquiátricas em Teresina, no estado do Piauí, nos anos de 2019 a 2021. A população do estudo foi composta por prontuários de pessoas que receberam atendimento emergencial após tentativas de suicídio. A amostra foi não probabilística, por conveniência, totalizando 443 notificações de pacientes que buscaram atendimento emergencial para gerenciamento de comportamento de risco. Resultados: A caracterização dos indicadores epidemiológicos das tentativas de suicídio após atendimento emergencial, entre os anos de 2019 a 2021, revelou um total de 443 casos de violência autoprovocada. A maioria das tentativas ocorreu em domicílio e os métodos mais comuns foram enforcamento, uso de objetos perfurocortantes e intoxicação exógena. Houve alta recorrência de episódios e todos os casos receberam atendimento hospitalar e foram referenciados. Conclusão: Os resultados deste estudo sublinham a importância de estratégias de intervenção integradas e específicas para a prevenção do suicídio.

Palavras-chave: Atendimentos Emergenciais; Tentativa de Suicídio; Psiquiatria.

 

ABSTRACT

Introduction: Epidemiological projections show that the annual and global incidence of suicide corresponds to 800,000 cases, with an estimated rate of 6.5 deaths for every 100 thousand inhabitants. In a scenario where suicide rates remain worryingly high, emergency services play an essential role in preventing tragedies and providing immediate support to individuals. Aim: To characterize emergency care after a suicide attempt in terms of sociodemographic, clinical and therapeutic aspects. Method: Descriptive cross-sectional study conducted in a reference service for urgent care and psychiatric emergencies in Teresina, in the state of Piauí, in the years from 2019 to 2021. The study population was made up of medical records of people who received emergency care after suicide attempts. The sample was non-probabilistic, for convenience, totaling 443 notifications of patients who sought emergency care to manage risk behavior. Results: The characterization of the epidemiological indicators of suicide attempts after emergency care, between the years 2019 and 2021, revealed a total of 443 cases of self-inflicted violence. Most attempts occurred at home and the most common methods were hanging, use of sharp objects and exogenous intoxication. There was a high recurrence of episodes and all cases received hospital care and were referred. Conclusion: The results of this study highlight the importance of integrated and specific intervention strategies for suicide prevention.

Keywords: Emergency Care; Suicide Attempt; Psychiatry.

 

RESUMEN

Introducción: Las proyecciones epidemiológicas muestran que la incidencia anual y global del suicidio corresponde a 800.000 casos, con una tasa estimada de 6,5 muertes por cada 100 mil habitantes. En un escenario en el que las tasas de suicidio siguen siendo preocupantemente altas, los servicios de emergencia desempeñan un papel esencial a la hora de prevenir tragedias y brindar apoyo inmediato a las personas. Objetivo: caracterizar la atención de emergencia después de un intento de suicidio en términos de aspectos sociodemográficos, clínicos y terapéuticos. Método: estudio descriptivo transversal realizado en un servicio de referencia para atención de urgencia y emergencias psiquiátricas en Teresina, en el estado de Piauí. , en los años de 2019 a 2021. La población de estudio estuvo conformada por registros médicos de personas que recibieron atención de emergencia luego de intentos de suicidio. La muestra fue no probabilística, por conveniencia, totalizando 443 notificaciones de pacientes que buscaron atención de urgencia para gestionar conductas de riesgo. Resultados: La caracterización de los indicadores epidemiológicos de intentos de suicidio después de la atención de emergencia, entre los años 2019 y 2021, reveló un total de 443 casos de violencia autoinfligida. La mayoría de los intentos ocurrieron en el domicilio y los métodos más comunes fueron el ahorcamiento, el uso de objetos cortantes y la intoxicación exógena. Hubo una alta recurrencia de episodios y todos los casos recibieron atención hospitalaria y fueron remitidos. Conclusión:  Los resultados de este estudio resaltan la importancia de estrategias de intervención integradas y específicas para la prevención del suicidio.

Palabras clave: Atención de Emergencia; Intento de Suicidio; Psiquiatría.

 

 

INTRODUÇÃO

O suicídio é uma questão de saúde pública global que afeta milhões de pessoas todos os anos, causando sofrimento intrapessoal, como também para seus familiares e para a comunidade. Estudos têm sugerido que períodos de adversidades, como pandemias e crises econômicas, podem exacerbar problemas de saúde mental e aumentar a incidência de comportamentos suicidas(1,2).

Embora o suicídio não seja categorizado como uma doença, o comportamento suicida, que engloba tanto o suicídio quanto as tentativas, representa um desafio para a saúde global. Este fenômeno tem despertado interesse no campo científico, político e assistencial devido à sua complexidade universal, multidimensional, subestimada, progressiva e evitável. Além disso, é a décima quinta principal causa de morte globalmente e a segunda mais frequente entre adolescentes e adultos jovens(3).

A tentativa de suicídio caracteriza qualquer comportamento suicida não letal relacionado à execução de um ato intencional contra a própria vida. As estimativas epidemiológicas realizadas pela World Health Organization (WHO) confirmam a magnitude do problema, demonstrando que o risco de um desfecho fatal cresce proporcionalmente com o número de tentativas, que tendem a ser recorrentes e frequentemente indicam quadros psíquicos de maior gravidade(4).

Na mesma perspectiva, as projeções epidemiológicas evidenciam que a incidência anual e global do suicídio corresponde a 800.000 casos, com uma taxa estimada de 6,5 mortes para cada 100 mil habitantes. Além disso, projeta-se que para cada suicídio consumado, há aproximadamente mais de 20 tentativas, muitas vezes não notificadas(5).

No Piauí, os indicadores também são elevados quando comparados às projeções nacionais. Uma investigação que estimou o número de suicídios, entre 2006 e 2019, indicou aumento de 46,1% na prevalência do comportamento, passando de 41 para 58 óbitos, respectivamente. A taxa de mortalidade geral correspondeu a 6,9/100 mil habitantes e a maior concentração dos casos foi registrada entre os adolescentes e adultos jovens(6).

No cenário mundial, observou-se uma tendência crescente nos indicadores de saúde mental durante a pandemia da COVID-19. Estas medidas favoreceram o desenvolvimento ou a intensificação de sentimentos como medo, estresse, desamparo, abandono, insegurança, tédio, solidão, insônia, raiva, depressão e ansiedade. Outrossim, contribuiu para o aumento dos indicadores de estresse pós-traumático, ideação suicida, tentativas e suicídio consumado(7,8).

As unidades de assistências emergenciais em casos de tentativa de suicídio representam um ponto importante no manejo e abordagem da saúde mental. Em meio a um cenário onde as taxas de suicídio continuam preocupantemente altas, serviços de emergência desempenham um papel essencial na prevenção de tragédias e no suporte imediato aos indivíduos em crise(2).

Assim, a assistência emergencial requer a efetividade de políticas públicas e dos serviços de saúde, considerando a complexidade, o risco e a gravidade do problema. Esse nível de atendimento busca também contribuir com a edificação dos pressupostos da desinstitucionalização, humanização do cuidado e encaminhamento para seguimento terapêutico em unidades substitutivas(9).

Nesse sentido, novas investigações são essenciais para aprofundar a compreensão, subsidiar o fortalecimento de políticas públicas, a reestruturação dos serviços emergenciais e a redução de riscos. Portanto, o objetivo deste estudo é caracterizar os atendimentos emergenciais após tentativa de suicídio quanto aos aspectos sociodemográficos, clínicos e terapêuticos.

 

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal descritivo conduzido em um serviço de referência para assistência a urgências e emergências psiquiátricas em Teresina, no estado do Piauí, nos anos de 2019 a 2021. A pesquisa foi realizada em uma instituição pública integrada ao Sistema Único de Saúde, que conta com uma equipe multiprofissional que atende pessoas em situação de risco de suicídio, com o objetivo de minimizar a vulnerabilidade e reduzir a incidência de desfechos fatais(10).

A instituição tem como missão acolher pacientes portadores de transtorno mental, promovendo seu tratamento e a reintegração social. Em termos estruturais, dispõe de 167 leitos, distribuídos da seguinte forma: cinco destinados ao atendimento emergencial, dois para o isolamento de casos suspeitos ou confirmados de infecção por COVID-19 e 160 para internação voluntária, involuntária ou compulsória(10).

A população do estudo foi composta por prontuários de pessoas que receberam atendimento emergencial após tentativas de suicídio. Foram incluídos no estudo indivíduos de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos, que receberam assistência psiquiátrica e tiveram a notificação do agravo registrada nos anos de 2019 a 2021. Foram excluídos prontuários com preenchimento duplicado ou incompleto das fichas assistenciais.

A amostra foi não probabilística, por conveniência, totalizando 443 notificações de pacientes que buscaram atendimento emergencial para gerenciamento de comportamento de risco. A variável dependente considerada foi o período de atendimento emergencial à tentativa de suicídio. Além disso, foram investigados os meios de agressão, via de exposição, tipo e circunstância de exposição, tipo de atendimento recebido, classificação final, evolução e desfecho do caso.

A coleta de dados foi realizada após levantamento dos participantes que atendiam aos critérios de inclusão, certificação de diagnóstico, do tratamento e seleção da amostra. Os dados foram coletados mediante análise de prontuários e das fichas do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), não havendo contato direto com os pacientes. Para tanto, utilizou-se um formulário próprio, elaborado após levantamento bibliográfico e análise das variáveis dispostas na ficha de notificação de agravos proposta pelo SINAN(11). Os dados foram tabulados no software Microsoft Office Excel, e foi realizada uma análise descritiva que incluiu a frequência absoluta e o percentual das variáveis categóricas.

Este estudo atendeu a todas as exigências da Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde(12). A autorização institucional para análise de prontuários foi solicitada por meio do Termo de Compromisso e Utilização de Dados (TCUD). Em seguida, o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí, via Plataforma Brasil, sob o processo número 4.866.443.

 

RESULTADOS

A caracterização dos indicadores epidemiológicos das tentativas de suicídio após atendimento emergencial, nos anos de 2019 a 2021, revelou um total de 443 casos de violência autoprovocada. Os resultados indicaram uma redução significativa no número de notificações, especialmente após o ano de 2020, como ilustrado no Gráfico 1.

Gráfico 1 – Indicadores de notificação da tentativa de suicídio após atendimento emergencial. Teresina, Piauí, Brasil, 2022.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Sistema de Informação de Agravos de Notificação.

A análise descritiva revelou que, nas tentativas de suicídio, independentemente do ano de notificação, predominaram os seguintes dados sociodemográficos: sexo feminino (58,24%); faixa etária de 20 a 34 anos (44,47%); raça/cor autodeclarada parda (56,21%); situação conjugal solteiro (59,82%); e ensino médio completo (20,10%). A caracterização sociodemográfica está apresentada na Tabela 1.

Tabela 1 – Caracterização sociodemográfica dos atendimentos emergenciais após tentativa de suicídio. Teresina, Piauí, Brasil, 2022.

Variável / Ano de notificação

2019

2020

2021

TOTAL

n

%

N

%

N

%

N

%

Sexo

 

 

 

 

 

 

 

 

Masculino

103

43,45

57

40,43

25

28,46

185

41,76

Feminino

134

56,54

84

59,57

40

61,54

254

58,24

Faixa etária

 

 

 

 

 

 

 

 

10-14

9

3,80

3

0,71

-

-

12

2,71

15-19

47

19,84

28

19,86

16

24,62

91

20,54

20-34

110

46,42

62

43,97

25

38,56

197

44,47

35-49

54

22,79

36

25,53

16

24,62

106

23,93

50-64

13

5,58

12

8,51

6

9,23

31

7,00

65-79

4

1,69

-

-

1

1,54

5

1,13

80 ou mais

-

-

-

-

1

1,54

1

0,22

Raça/cor (autodeclarada)

 

 

 

 

 

 

 

 

Branca

50

21,10

28

19,86

23

35,83

101

22,80

Preta

33

13,92

21

14,89

9

13,85

63

14,22

Amarela

10

4,22

3

2,13

3

4,62

16

3,61

Parda

138

58,23

83

58,86

28

43,08

249

56,21

Indígena

1

0,42

-

-

-

-

1

0,22

Ignorado

5

2,11

6

4,26

2

3,08

13

2,93

Escolaridade

 

 

 

 

 

 

 

 

Analfabeto

8

3,38

-

 

2

3,08

10

2,26

1 a 4 série incompleto EF

12

5,06

10

7,09

1

1,54

23

5,19

4 série completa do EF

9

3,80

2

1,42

2

3,08

13

2,93

5 a 8 série incompleta do EF

33

13,42

15

10,64

5

7,69

53

11,96

EF completo

10

4,22

7

4,96

2

3,08

19

4,29

EM incompleto

52

21,44

18

12,76

10

15,38

80

18,06

EM completo

43

18,14

33

23,40

13

20,0

89

20,10

Educação superior incompleta

27

11,39

15

10,64

7

10,77

49

11,06

Educação superior completo

15

6,33

13

9,25

4

6,15

32

7,22

Não se aplica

1

0,42

1

0,71

-

-

2

0,45

Ignorado

27

11,39

27

19,15

19

29,23

73

16,48

Situação conjugal

 

 

 

 

 

 

 

 

Solteiro

148

62,45

82

58,16

35

53,85

265

59,82

Casado/união estável

59

24,89

27

19,15

14

21,54

100

22,57

Viúvo

2

0,84

3

0,71

3

4,62

8

1,80

Separado

10

4,22

8

5,67

6

9,23

24

5,42

Não se aplica

3

1,26

3

0,71

1

1,54

7

1,58

Ignorado

15

6,33

18

12,76

6

9,23

39

8,80

Total

237

100

141

100

65

100

443

100

Fonte: Autores (2022).

Legenda: EF – Ensino fundamental; EM – Ensino Médio.

 

A tabela 2 apresenta a caracterização clínica e terapêutica dos casos após tentativa de suicídio atendidos na emergência do hospital psiquiátrico em estudo e evidencia que a maioria apresentava deficiência e/ou transtorno prévio (60,27%), com predominância de desordens de mentais (49,66%) e comportamentais (25,28%).

A tentativa de suicídio ocorreu, na maioria dos casos, no ambiente domiciliar (76,98%) e os métodos de agressão utilizados apresentaram diferentes graus de lesões envolvendo majoritariamente o enforcamento (33,18%), seguido da lesão com objeto perfurocortante (30,92%) e da intoxicação exógena (24,38%).

A recorrência do episódio de violência autoprovocada (70,20%) foi expressiva e o atendimento hospitalar (100%), assim como o referenciamento para outros dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) (100%) constituíram as medidas de prevenção e controle do suicídio aplicada para todos os participantes. Ainda, destaca-se que apesar da baixa frequência, o consumo do álcool (12,41%) foi identificado na amostra estudada.

Tabela 2 – Caracterização clínica e terapêutica das tentativas de suicídio que foram notificadas em serviço de emergência psiquiátrica. Teresina, Piauí, Brasil, 2022.

Variável

2019

2020

2021

TOTAL

N

%

N

%

N

%

N

%

Deficiência/Transtorno*

150

63,29

85

60,28

32

49,23

267

60,27

Física

4

1,69

2

1,42

1

1,54

7

1,58

Mental

127

53,59

70

49,64

23

35,38

220

49,66

Comportamental

64

27,00

37

26,24

11

16,92

112

25,28

Método de agressão*

 

 

 

 

 

 

 

 

Força corporal

3

1,26

4

2,84

-

-

7

1,58

Enforcamento

84

35,44

29

20,57

34

52,31

147

33,18

Objeto contundente

4

1,69

2

1,42

1

1,54

7

1,58

Objeto perfurocortante

67

28,27

53

37,59

17

26,15

137

30,92

Intoxicação exógena

56

29,63

35

24,82

12

18,46

108

24,38

Arma de fogo

4

1,69

-

-

-

-

4

0,90

Outras formas

28

11,81

17

12,06

8

12,31

53

11,96

Local

 

 

 

 

 

 

 

 

Residência

180

75,95

108

76,60

53

81,54

341

76,98

Habitação coletiva

4

1,69

2

1,42

3

4,62

9

2,03

Escola

1

0,42

-

-

-

-

1

0,22

Prática esportiva

3

1,26

-

-

-

-

3

0,68

Via pública

27

19,39

14

9,93

5

7,64

46

10,38

Comércio

11

4,64

-

-

1

1,54

12

2,71

Outras

7

2,95

10

7,09

2

3,08

19

4,29

Atendimento Hospitalar

237

100

141

100

65

100

443

100

Recorrência do episódio

173

73,00

91

64,54

47

72,31

311

70,20

Uso de álcool

31

13,08

19

13,48

6

9,23

56

12,41

Encaminhamento

237

100

141

100

65

100

443

100

Total

237

100

141

100

65

100

443

100

Fonte: Autor (2022).

*A soma das frequências da variável é superior a 100%, tendo em vista que para alguns casos foram notificados mais de um tipo de transtorno/deficiência.

Nesse contexto, as medidas terapêuticas compreenderam, em sua totalidade (100%), a vigilância e monitorização, psicoterapia, participação familiar, assim como a abordagem interdisciplinar com atendimento especializado e individual realizado por psiquiatras, equipe de enfermagem, assistentes sociais, psicólogos e terapeutas ocupacionais.

 

DISCUSSÃO

Neste estudo, a tentativa de suicídio constituiu um fenômeno complexo, expressivo e multidimensional, exigindo para seu gerenciamento o reconhecimento precoce, assim como o atendimento emergencial em unidade especializada.

A caracterização dos participantes deste estudo foi semelhante ao perfil evidenciado por pesquisas populacionais, que apontam uma maior prevalência de casos no sexo feminino. Esse predomínio entre as mulheres pode ser atribuído a fatores como maior potencial para o estresse, carga de responsabilidades familiares, ambiente de trabalho, ausência de parceiro ou cônjuge, e idade jovem. Além disso, destaca-se a influência das fases do ciclo reprodutivo e das flutuações hormonais e neuroquímicas relacionadas ao ciclo menstrual(13,14).

Em relação à idade, houve expressiva quantidade de adultos jovens, com idade entre 20 a 34 anos. Este achado reforça a idade como um dos principais fatores nas tentativas de suicídio, tendo em vista a dificuldade característica deste grupo etário para lidar com os estressores, a busca pela formação da identidade pessoal, mudanças hormonais e a maior predisposição para o consumo de substâncias psicoativas(13).

A maior prevalência das tentativas de suicídios também ocorreu em pessoas autodeclaradas pardas e de baixa escolaridade. Na literatura, a vulnerabilidade desse segmento populacional está relacionada ao contexto neoliberal contemporâneo, uma vez que as chances para ingressar no mercado de trabalho e adquirir renda é reduzida consideravelmente. Ainda, destaca-se a realidade brasileira no ramo educacional, caracterizada por dificuldades para informações, reconhecimento dos fatores de risco e as limitações no acesso aos serviços de saúde(15).

Quanto à situação conjugal, houve uma maioria de pessoas solteiras, também reconhecido como fator de risco para a tentativa de suicídio. Uma vez que, a presença de um cônjuge representa referenciais para reestruturação de vínculos afetivos, como também para manutenção da segurança no manejo da doença, do tratamento e de incapacidades, constituindo fonte de vigilância, apoio social e emocional(16).

Os dados indicam que 60,27% dos casos apresentavam deficiência e/ou transtorno prévio. Esses achados sublinham a importância de um suporte contínuo para essas pessoas, que são um fator de risco para tentativas de suicídio. A eficácia das abordagens terapêuticas, incluindo Terapia Cognitiva-Comportamental, psicoterapia e acompanhamento psiquiátrico, é fundamental para a prevenção de tentativas de suicídio e a promoção da recuperação(17,18).

Apesar de serem registradas 443 notificações entre os anos de 2019 a 2021, evidenciou-se redução considerável dos registros clínicos, especialmente após o ano de 2020, que marca a ascensão da pandemia COVID-19. Essa redução é um potencial impacto das medidas de isolamento social e incertezas futuras impostas pela pandemia(19).

Também se observou um aumento na subnotificação de doenças devido às repercussões adversas da pandemia nos serviços de saúde. Estes serviços priorizaram o atendimento a pacientes com COVID-19, em unidades com recursos limitados, superlotadas e profissionais de saúde enfrentando esgotamento físico e psicológico. Além disso, o medo da população de contrair o SARS-CoV-2 ao buscar atendimento contribuiu com a subnotificação(20,21).

Embora a telessaúde tenha sido empregada para oferecer assistência à saúde a distância, proporcionando redução no tempo de atendimento, diminuição dos custos de deslocamento para pacientes e profissionais, e melhorias na qualidade e segurança, seu uso enfrentou desafios significativos. As restrições culturais dentro das organizações, a falta de capacitação das equipes, inseguranças jurídicas e limitações no acesso à tecnologia estão entre esses desafios(22).

A predominância das tentativas de suicídio no ambiente domiciliar (76,98%) é alarmante, pois o ambiente doméstico, muitas vezes visto como um lugar seguro, pode paradoxalmente se tornar um local de vulnerabilidade para indivíduos em crise. Nesse contexto, a prevenção ao suicídio por meio da restrição ao acesso a meios letais podem ser menos eficazes, já que esse ambiente muitas vezes oferece menos possibilidades de implementar essas medidas com sucesso(23).

Além disso, a sensação de isolamento, especialmente exacerbada durante a pandemia de COVID-19, pode intensificar sentimentos de estresse, medo, ansiedade e solidão, contribuindo para o aumento das tentativas de suicídio em casa(24). Conflitos familiares, violência doméstica e problemas financeiros familiares podem acarretar em comportamentos autodestrutivos(25).

A análise dos métodos de agressão revelou que o enforcamento é o mais prevalente (33,18%), seguido por lesões com objetos perfurocortantes (30,92%). A alta letalidade do enforcamento, aliada à facilidade de acesso aos materiais necessários e à percepção de ser um método rápido e eficaz, pode explicar sua predominância. Por outro lado, o uso de objetos perfurocortantes também é comum nas tentativas de suicídio, devido à sua fácil acessibilidade(23,26).

A alta taxa de recorrência das tentativas de suicídio (70,20%) é alarmante, uma vez que a recorrência pode indicar que os fatores de risco subjacentes não estão sendo adequadamente tratados e/ou que as intervenções podem não estar sendo suficiente a longo prazo. Estudos indicam que essa recorrência é comum entre indivíduos com transtornos mentais crônicos, históricos de abuso de substâncias, baixa autoestima e dificuldades para lidar com o estresse(27,28).

Embora o consumo de álcool tenha sido identificado em uma pequena fração da amostra (12,41%), a relação entre o uso de álcool e comportamentos suicidas é documentada. O consumo de álcool pode exacerbar sintomas de depressão, diminuir a inibição e aumentar a impulsividade, potencializando o risco para comportamentos suicidas(29,30). Mesmo que a prevalência do consumo de álcool nesta amostra específica seja relativamente baixa, é fundamental não subestimar seu impacto potencial.

É importante destacar duas limitações do estudo. A primeira refere-se ao não preenchimento adequado das fichas de notificação das tentativas de suicídio visto que a omissão de informações ou o seu respectivo registro de maneira errônea afetam diretamente os indicadores epidemiológicos necessários para a identificação, rastreio e prevenção das tentativas do suicídio. A outra limitação deste estudo é o foco em um único hospital psiquiátrico, o que pode limitar a generalização dos resultados.

 

CONCLUSÕES

A análise dos indicadores epidemiológicos das tentativas de suicídio atendidas emergencialmente entre 2019 e 2021 revelou uma redução significativa nas notificações após 2020. Predominantemente, os casos envolveram mulheres, faixa etária entre 20 e 34 anos, autodeclarados pardos, solteiros e com ensino médio completo. Clinicamente, a maioria dos pacientes tinha deficiências ou transtornos prévios.

A maioria das tentativas ocorreu em domicílio e os métodos mais comuns foram enforcamento, uso de objetos perfurocortantes e intoxicação exógena. Houve alta recorrência de episódios e todos os casos receberam atendimento hospitalar e foram referenciados a outros dispositivos da RAPS. As medidas terapêuticas incluíram vigilância, monitorização, psicoterapia, participação familiar e abordagem interdisciplinar. Apesar da baixa frequência, o consumo de álcool foi identificado em alguns casos.

Os resultados deste estudo sublinham a importância de estratégias de intervenção integradas e específicas para a prevenção do suicídio. Pesquisas futuras devem considerar a realização de estudos longitudinais para avaliar a eficácia das intervenções ao longo do tempo e identificar fatores que contribuem para a recorrência das tentativas de suicídio. Além disso, investigações adicionais em diferentes contextos e regiões podem fornecer uma visão mais ampla.

 

 

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Fomento e Agradecimento:

A pesquisa não recebeu financiamento.

 

Critérios de autoria (contribuições dos autores)

 

Ivana Cavalcante de Sousa Brussa: 1. contribuiu substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

Lídya Tolstenko Nogueira: 1. contribuiu substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

Aline Costa de Oliveira: 1. contribuiu substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

Giovanna Vitória Aragão de Almeida Santos: 1. contribuiu substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

Jefferson Abraão Caetano Lira: 1. contribuiu substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

Álvaro Sepúlveda Carvalho Rocha: 1. contribuiu substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

Lucíola Galvão Gondim Corrêa Feitosa: 1. contribuiu substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

Fernando José Guedes da Silva Júnior: 1. contribuiu substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

 

Declaração de conflito de interesses

Nada a declarar.

Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519

Rev Enferm Atual In Derme 2024;99(4): e024406                  

 Atribuição CCBY