USO DE SOFTWARE PARA ANÁLISE DE DADOS EM PESQUISAS QUALITATIVAS: ABORDAGEM DAS FERRAMENTAS NVIVO, MAXQDA E IRAMUTEQ
USE OF SOFTWARE FOR DATA ANALYSIS IN QUALITATIVE RESEARCH: APPROACH TO NVIVO, MAXQDA, AND IRAMUTEQ TOOLS
USO DE SOFTWARE PARA EL ANÁLISIS DE DATOS EN INVESTIGACIONES CUALITATIVAS: ENFOQUE DE LAS HERRAMIENTAS NVIVO, MAXQDA E IRAMUTEQ
https://doi.org/10.31011/reaid-2024-v.99-n.4-art.2415
João Vitor Andrade1
Deíse Moura de Oliviera2
Juliana Cristina Martins de Souza3
Amanda Morais Polati4
1Doutorando em Enfermagem. Universidade Federal de Alfenas. Alfenas, Brasil. ORCiD: https://orcid.org/0000-0003-3729-501X
2Doutora em Ciências. Professora associada na Universidade Federal de Viçosa. ORCiD: https://orcid.org/0000-0003-3804-7413
3Doutoranda em Enfermagem. Universidade Federal de Alfenas. Alfenas, Brasil. ORCiD: https://orcid.org/0000-0002-1941-2262
4Doutoranda em Medicina de Família e Cuidados Primários. McGill University, Montreal, Canadá. https://orcid.org/0000-0003-3713-681X
Submissão: 28-10-2024
Aprovado: 28-10-2024
A pesquisa qualitativa explora experiências humanas que não podem ser quantificadas ou adequadamente representadas apenas por números(1). A visão tradicional de que a abordagem quantitativa, baseada no paradigma positivista, é superior já não é suficiente para explicar a complexidade dos fenômenos sociais e individuais(2).
Não se trata de uma competição entre métodos, mas do reconhecimento de que ambas as abordagens têm valor e lugar nas ciências da saúde. Cabe ressaltar que a qualidade de uma pesquisa não está na escolha de um método em detrimento do outro, mas em como a investigação é conduzida (rigor) e em como as questões são compreendidas e abordadas (relevância e clareza)(3).
Dentre os três aspectos relacionados à qualidade de uma pesquisa – rigor, relevância e clareza–, o que é constantemente questionado no contexto da pesquisa qualitativa é o "rigor", principalmente no que diz respeito à análise de dados(2). No entanto, é importante ressaltar que o rigor na pesquisa qualitativa se dá pela profundidade da análise e pela consistência na interpretação dos dados, o que não significa seguir os mesmos padrões das pesquisas quantitativas, porém garantir que a análise seja feita de forma sistemática e fundamentada(1-2).
Nesse contexto, a integração de tecnologias no processo de análise qualitativa tem sido uma das soluções mais eficazes para minimizar a subjetividade envolvida na interpretação dos dados(2). Embora o uso de softwares para análise de dados qualitativos seja, por vezes, questionado, é essencial entender que essas ferramentas não substituem o papel do pesquisador na interpretação dos dados, mas otimizam processos como organização, codificação e gerenciamento de grandes volumes de informações. A responsabilidade pela interpretação contextualizada dos dados permanece com o pesquisador, que deve relacioná-los à experiência e à vivência dos sujeitos estudados(2,4).
Com o desenvolvimento tecnológico, a análise de dados qualitativos evoluiu consideravelmente. O uso de softwares como o NVivo, o MAXQDA e o Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRaMuTeQ) dentre outros(5), representa um importante avanço, permitindo que os pesquisadores organizem, analisem e interpretem dados de maneira mais eficiente e ágil(4-5). Antes, a análise qualitativa demandava muito tempo e esforço manual(1), mas essas ferramentas agora permitem uma abordagem mais precisa e sistemática(4-5). Cada um desses softwares tem suas particularidades que os tornam adequados para diferentes tipos de análises (Quadro 1).
Quadro 1 - Especificidades dos softwares NVivo, MAXQDA e IRaMuTeQ, São Paulo, 2024.
Logo/Nome [Ano] |
Usabilidade [País] |
Tipos de Análises |
Formatos aceitos |
Suporte para Transcrição de Áudio |
NVivo [1999] |
Alta [Austrália] |
Análise de conteúdo, temática, categórica, de rede, de matriz e de cluster. |
Texto: .doc, .docx, .txt, .rtf e .pdf; Áudio: .mp3, .wav e .wma; Vídeos: .mp4, .avi, .wmv e .mov; Imagens: .jpg, .bmp, .gif e .png; Planilhas: .xls e .xlsx |
Sim, com transcrição automática e manual. |
MAXQDA [1989] |
Média [Alemanha] |
Análise de conteúdo, de dados mistos, de discurso, de frequência de palavras. |
Texto: .doc, .docx, .txt, .rtf e .pdf; Áudio: .mp3, .wav e .wma; Vídeos: .mp4, .avi, .wmv e .mov; Imagens: .jpg, .bmp, .gif e .png. |
Sim, com transcrição automática e manual. A transcrição automática de de áudio e vídeo possui recurso AI Assist. |
IRaMuTeQ [2009] |
Média [França] |
Estatísticas textuais clássicas, pesquisa de especificidades de grupos, classificação hierárquica descendente, análises de similitude, nuvem de palavras. |
Texto: .txt e .csv; Planilhas: .xls e .xlsx |
Não possui suporte para transcrição. |
Fonte: Elaborado pelos autores, com base em informações dos softwares(2,6-7).
Em relação aos prós dos softwares, destaca-se que o NVivo possui alta capacidade de integração com outros softwares. É excelente para análise multimodal (texto, áudio, vídeo) e possui uma interface amigável para iniciantes(6). No que se refere ao MAXQDA, ele oferece análise mista (quantitativa e qualitativa), visualizações interativas e recursos gráficos avançados, além de ampla compatibilidade com diferentes formatos de dados(7). Já o IRaMuTeQ se destaca por ser um software gratuito que permite verificar a saturação dos dados, aspecto essencial na pesquisa qualitativa e que, por muito tempo, carecia de uma forma prática para ser confirmado. Essa verificação ocorre quando a hapax (termos que aparecem uma única vez) atinge um valor ≤ 5%(2).
Quanto aos contras, tanto o NVivo quanto o MAXQDA apresentam custo elevado e requerem um aprendizado inicial para aproveitar todas as funcionalidades avançadas. O MAXQDA é menos intuitivo para quem busca realizar apenas análise qualitativa. Em relação ao IRaMuTeQ, o principal ponto negativo é que ele não suporta análise multimodal (áudio e vídeo), possui uma interface menos intuitiva, com uma curva de aprendizado mais acentuada, e oferece menos recursos gráficos em comparação com o NVivo e o MAXQDA.
Apesar dos avanços que esses softwares trouxeram para a pesquisa qualitativa, os pesquisadores ainda enfrentam desafios, como a dificuldade em compreender e usar as ferramentas, o que pode atrasar o processo de análise. Por exemplo, o NVivo e MAXQDA possuem uma ampla gama de funcionalidades(6-7), o que, apesar de positivo, pode ser intimidante para iniciantes. A interface, embora intuitiva, requer tempo e prática para ser utilizada de forma eficiente.
Outro desafio está relacionado à integração de dados. Muitos pesquisadores que utilizam dados multimodais, como entrevistas em vídeo ou áudios gravados, podem enfrentar problemas na compatibilidade de formatos ou na organização dos arquivos dentro do software. Além disso, existe a questão da subjetividade residual: mesmo com o uso de softwares, a interpretação dos dados continua sendo uma responsabilidade humana(1-2), e a maneira como os dados são codificados e interpretados pode variar de pesquisador para pesquisador(2).
Diante desses desafios, torna-se cada vez mais importante a formação de pesquisadores para o uso adequado dessas tecnologias. A falta de familiaridade com as ferramentas tecnológicas pode resultar na subutilização dos recursos disponíveis ou em erros na análise(2,5).
Dessa forma, é essencial que os currículos acadêmicos na área da saúde, sobretudo na pós-graduação, incluam a utilização de softwares nas disciplinas qualitativas, da mesma forma que os softwares quantitativos (SPSS, R, Stata, Jamovi) são utilizados em disciplinas quantitativas. Essa introdução no período formativo garantirá que os futuros pesquisadores desenvolvam competências tecnológicas desde o início de suas carreiras(2,4).
O impacto dessa formação será duplo: por um lado, garantirá maior eficiência na condução de pesquisas qualitativas; por outro, fortalecerá a aceitação da abordagem qualitativa no meio científico, ao trazer mais rigor e estruturação ao processo de análise(2,5). As universidades e centros de pesquisa que adotarem essa abordagem promoverão uma pesquisa mais robusta, integrando metodologias e ferramentas tecnológicas que otimizam o processo de produção de conhecimento.
A análise qualitativa, com o suporte de softwares como NVivo, MAXQDA e IRaMuTeQ, vem se consolidando nas ciências da saúde(5). Embora existam desafios associados ao uso dessas ferramentas, a formação adequada de pesquisadores e a integração dessas tecnologias no ambiente acadêmico podem superar esses obstáculos(2,4-5).
O uso dessas ferramentas destaca-se por promover maior precisão, rigor e transparência na análise de dados qualitativos(2). Assim, espera-se que elas contribuam para a (r)evolução da pesquisa qualitativa, oferecendo subsídios para o desenvolvimento de políticas e práticas de saúde baseadas em uma compreensão minuciosa das experiências humanas.
REFERÊNCIAS
1. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª edição. São Paulo: Hucitec Editora, 2014.
2. Costa AP, Reis LP, Moreira A, (Edi.). Computer supported qualitative research. Berlim: Springer International Publishing; 2020. https://doi.org/10.1007/978-3-030-31787-4
3. Pitanga ÂF. Pesquisa qualitativa ou pesquisa quantitativa: refletindo sobre as decisões na seleção de determinada abordagem. Rev. Pesqui. Qual. (Online). 2020 Oct 1;8(17):184-201. https://doi.org/10.33361/RPQ.2020.v.8.n.17.299
4. Bryda G, Costa AP. Qualitative research in digital era: innovations, methodologies and collaborations. Soc Sci. 2023 Oct 12;12(10):570. https://doi.org/10.3390/socsci12100570
5. Salvador PT, Chiavone FB, Bezerril MD, Martins JC, Fernandes MI, Santos VE. Quality data analysis software used in nursing research. Texto contexto - enferm. 2019 Nov 4;28:e20180304. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0304
6. Alves D, Figueiredo Filho D, Henrique A. O poderoso NVivo: uma introdução a partir da análise de conteúdo. Rev Polit Hoje. 2015;24(2):119-34. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/politicahoje/article/view/3723
7. Gizzi MC, Rädiker S, editors. The Practice of Qualitative Data Analysis. Research Examples Using MAXQDA. MAXQDA Press; 2021. https://doi.org/10.36192/978-3-948768058.
Declaração de conflito de interesses
Nada a declarar.
Editor Científico: Ítalo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447
Rev Enferm Atual In Derme 2024;99(4): e024410