ARTIGO DE REFLEXÃO
AS SOCIEDADES CIENTÍFICAS E A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
SCIENTIFIC SOCIETIES AND THE CONSTRUCTION OF KNOWLEDGE
LAS SOCIEDADES CIENTÍFICAS Y LA CONSTRUCCIÓN DEL CONOCIMIENTO
https://doi.org/10.31011/reaid-2025-v.99-n.1-art.2462
1Kátia Furtado
2Carlos
Casaquinha
1 Doutora em Ciências de
Enfermagem. Ambulatório do Hospital de Portalegre, Unidade Local de Saúde do
Alto Alentejo, Portalegre, Portugal. Centro Integrado de Investigação em Saúde
(CHRC). Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1130-3678
2 Enfermeiro Especialista em Saúde Comunitária. ELCOS Sociedade Portuguesa de Feridas. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0290-6127
Auitor correspondente
Kátia Furtado
Universidade de Évora, 7000-671 Évora, Portugal. Centro de Investigação, Inovação e Desenvolvimento em Enfermagem de Lisboa (CIDNUR), Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, Av. Prof. Egas Moniz, 1600-096 Lisboa, Portugal. E-mail: kaxfurtado@gmail.com
Submissão: 31-12-2024
Aprovado: 02-01-2025
RESUMO
As associações e Sociedades Científicas são pilares fundamentais na promoção e no avanço do conhecimento e da cooperação entre as instituições, os investigadores e a academia. Através da criação de redes humanas robustas, nacionais e internacionais, estas organizações constroem projetos, modelos, instrumentos de investigação e análise, mapeando o espaço, construindo novos saberes, facilitando a troca de ideias, a colaboração em projetos, e a disseminação de descobertas inovadoras.
ABSTRACT
Scientific associations and societies are fundamental pillars in promoting and advancing knowledge and cooperation between institutions, researchers and academia. Through the creation of robust national and international human networks, these organizations build projects, models, research and analysis tools, mapping the space, building new knowledge, facilitating the exchange of ideas, collaboration on projects and the dissemination of innovative discoveries.
RESUMEN
Las asociaciones y sociedades científicas son pilares fundamentales en la promoción y avance del conocimiento y la cooperación entre instituciones, investigadores y academia. A través de la creación de sólidas redes humanas nacionales e internacionales, estas organizaciones construyen proyectos, modelos, instrumentos de investigación y análisis, mapean el espacio, construyen nuevos conocimientos, facilitan el intercambio de ideas, la colaboración en proyectos y la difusión de descubrimientos innovadores.
INTRODUÇÃO
A associação é o centro nevrálgico de muitas atividades essenciais para uma sociedade mais rica e solidária. […], só dependendo de cada um de nós, da nossa criatividade e participação para melhorar o mundo em que vivemos (1)
As associações e Sociedades Científicas são pilares fundamentais na promoção e no avanço do conhecimento e da cooperação entre as instituições, os investigadores e a academia. Através da criação de redes humanas robustas, nacionais e internacionais, estas organizações constroem projetos, modelos, instrumentos de investigação e análise, mapeando o espaço, construindo novos saberes, facilitando a troca de ideias, a colaboração em projetos, e a disseminação de descobertas inovadoras.
De per si, este dinamismo responde-nos a uma questão: por que se juntam profissionais de sucesso, investigadores, cientistas em associações e sociedades científicas? Além do desejo de partilhar conhecimento e de influenciar positivamente a sua área de estudo e trabalho, há também um apelo intrínseco à sensação de pertença e apoio mútuo. A união em torno de interesses comuns não só estimula o crescimento profissional, mas também reforça o espírito comunitário e o entusiasmo pela investigação científica. A convergência de mentes curiosas e dedicadas cria um ambiente propício ao florescimento de novas ideias e à inovação contínua, partilhada e mutuamente alimentada, num espírito de compromisso, honestidade, cordialidade e ética.
Para além da óbvia necessidade de construção e partilha do conhecimento é o profundo sentido de comunidade e pertença que atrai os investigadores. A ciência, por natureza, é uma empreitada colaborativa; as grandes descobertas são, frequentemente, fruto de esforços conjuntos. A atividade associativa permite a convergência de mentes brilhantes, criando um ecossistema onde a curiosidade é alimentada, e o espírito crítico é encorajado.
As sociedades científicas desempenham, pois, um papel crucial na construção do conhecimento coletivo e na inovação contínua. Desde a sua conceção, estas entidades têm sido motores de progresso, fornecendo plataformas onde profissionais da área clínica, da academia e investigadores das ciências da saúde, podem partilhar descobertas, debater ideias e colaborar em projetos de pesquisa. Em complementaridade, a diversidade e a riqueza das discussões fomentadas entre as equipas e entre organizações, impulsiona avanços que dificilmente seriam alcançados nos modelos mais formais de funcionamento institucional.
O encanto destas organizações reside, não só nas oportunidades de trabalhar em rede para o desenvolvimento profissional, mas, também, no estímulo intelectual e emocional que proporcionam. Elas oferecem um espaço para o apoio mútuo, onde os desafios e as conquistas são partilhados, criando uma rede de suporte essencial para os investigadores. A sensação de fazer parte de algo maior, de contribuir para o avanço da ciência e da sociedade, constitui um poderoso elemento agregador e motivador, sendo o fortalecimento de laços humanos o suporte para o solido empreendimento científico e clínico.
As organizações por si só, não criam o conhecimento, este é um processo intimamente ligado aos indivíduos, uma vez que são as pessoas que decidem, de forma intencional como irão ensinar os outros ou compartilhar com eles o seu conhecimento (2).
As sociedades científicas não são simples grupos de estudo, são antes, comunidades vibrantes, que impulsionam o conhecimento para novos horizontes. Através do estímulo à colaboração e à inovação, elas não só moldam o futuro da pesquisa, criando novos saberes, como também transportam esse novo conhecimento para os contextos clínicos, trazendo para a prática novos modelos, processos, técnicas que criam ou aumentam ganhos em saúde para os doentes, produtividade e satisfação para as instituições e profissionais.
Enquanto construtoras do futuro, as sociedades científicas e associações são ecossistemas que fomentam o crescimento intelectual e o avanço contínuo da ciência, através de várias dimensões: promovendo e facilitando a colaboração e envolvendo pessoas e organizações através de processos formativos; criando plataformas para conferências, workshops e seminários; promovendo a colaboração entre cientistas de diferentes disciplinas e regiões geográficas; gerando novas abordagens e partejando soluções inovadoras.
Disseminando conhecimento: criando publicações científicas, revistas, guias de bolso e conferências organizadas, as sociedades científicas garantem que as mais recentes descobertas são acessíveis a toda a comunidade científica e, também, à comunidade de prática. A informação bem disseminada acelera o progresso de aquisição de conhecimentos, com o aperfeiçoamento dos modelos, processos e práticas, obtendo-se vantagens para todos.
Apoiando o desenvolvimento profissional: programas de mentoria, consultoria, criação de prémios e bolsas de estudo são promotores do desenvolvimento de jovens investigadores, estimulando novos projetos de investigação e gerando produtividade no âmbito do conhecimento. Este suporte ajuda a construir uma base sólida para futuras gerações de cientistas.
Estabelecendo normas e padrões: as sociedades científicas lideram o estabelecimento de normas e melhores práticas, tanto para a pesquisa (criando novos instrumentos), como para a clínica (estabelecendo diretrizes). Estas diretrizes asseguram a integridade, reprodutibilidade e qualidade das investigações científicas e da sua translação para a prática clínica.
Representação e proteção: muitas vezes estas entidades representam a comunidade científica perante instituições e governos, defendendo políticas que apoiem a pesquisa, a inovação e os melhores cuidados ao doente e até, criando Petições publicas para apoio aos cidadãos.
Promovendo a educação e a divulgação científica: programas de educação e formação (graduada e pós-graduada) e iniciativas de divulgação científica, aumentam a compreensão e o apoio da sociedade em geral em relação à ciência. Quanto mais informada estiver a população, maior será o apoio para investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
Dessa forma, as sociedades científicas não só sustentam o crescimento da ciência, mas também garantem que o conhecimento gerado irá enriquecer de forma permanente a humanidade.
as DINÂMICAS dA ELCOS-SOCIEDADE PORTUGUESA DE FERIDAS E O SEU CONTRIBUTO SOCIAL
A dinâmica da construção do conhecimento apresenta-se como relacional, dependente da interação entre um ou mais indivíduos, em ambientes que proporcionem um contexto de partilha para a conversão do conhecimento, por meio da rede de interações estabelecida (3).
Nos parágrafos atrás, observámos que as associações e as sociedades científicas desempenham um papel crucial na pesquisa e atualização científicas, na translação do conhecimento da evidência à prática clínica, e na inovação, detendo uma intervenção de elevado impacto, em prol da saúde. Ora a saúde não se constrói nos hospitais. Estes são equipamentos de resposta à doença. A saúde constrói-se onde as pessoas vivem e trabalham; no jardim, a brincar com os filhos; constrói-se adotando hábitos saudáveis; constrói-se com um bom equilíbrio entre o tempo de trabalho e o tempo de lazer; constrói-se com políticas de saúde, de trabalho, com políticas económicas que permitam uma distribuição equitativa da riqueza.
Para a construção da saúde, temos que convocar toda a sociedade. Nesta linha de pensamento, todas as dimensões da vida humana constituem contextos de intervenção associativa, seja ela científica (estudos epidemiológicos), sociodemográfica (propondo a criação de uma consulta especializada de úlcera de perna nas regiões onde esta patologia tem particular incidência), ou política (dinamizando petições públicas em prol do financiamento do material de penso pelo Estado, visando a proteção de populações mais desfavorecidas).
Neste enquadramento, a ELCOS-Sociedade Portuguesa de Feridas (ELCOS), sociedade científica multidisciplinar, integra médicos e enfermeiros de várias áreas da especialidade; farmacêuticos, fisioterapeutas, podologistas, nutricionistas, psicólogos, sociólogos, geógrafos da saúde, engenheiros especializados em suportes multimédia aplicados às áreas da telemedicina, professores e investigadores do ensino universitário.
Com esta riqueza multidisciplinar de competências, a ELCOS organiza-se numa Comunidade de Prática projetada de norte a sul de Portugal através dos seus Conselhos Regionais distritais.
Os Conselhos Regionais são estruturas da ELCOS que, a nível distrital, ligam, através de projetos de parceria, instituições académicas e de saúde, de solidariedade social, públicas e privadas, câmaras municipais e outras, em projetos de investigação epidemiológica. Estes projetos iniciam-se com estudos epidemiológicos destinados à identificação e compreensão da nosologia regional relacionada com as feridas, e continuam-se com a identificação dos recursos existentes, dos métodos, técnicas e práticas utilizadas a nível institucional. Identificada a problemática existente na resposta às feridas, são desenhados programas à medida, de assessoria e de formação, para responder às necessidades das instituições e dos profissionais, visando sanar a problemática identificada na investigação epidemiológica.
O ULCUS – Centro de Estudos e Investigação em Feridas, é o Departamento da ELCOS que se ocupa da investigação e da formação. No cumprimento das atividades atrás expostas, a ELCOS estabelece parcerias com instituições de ensino: Universidades, Politécnicos e Escolas privadas de Enfermagem e de Saúde, desde Braga a Faro e Ilhas, desenvolvendo com estas instituições, iniciativas nacionais de educação/formação, a nível de ensino básico e de ensino pós-graduado, adaptando e implementando os currícula da EWMA em várias Escolas públicas e privadas do País. A ELCOS tem ainda parcerias com instituições prestadoras de cuidados, assessorando Unidades Locais de Saúde (ULS), desde Guimarães a Faro. Detém ainda parcerias de colaboração científica na Europa, África e América, contando com participação e representação respetivamente na EWMA, SILAUHE e OMS.
No âmbito da formação, a ELCOS criou a REFE.PT – Rede Portuguesa de Educadores em Feridas que se destina a fazer o acompanhamento das Escolas de Saúde/Enfermagem mantendo o alinhamento curricular com a EWMA e SILAUHE. A REFE.PT permite ainda a partilha de experiência e boas práticas educativas, na área das feridas.
Nesta continuidade de criação de valor em saúde, a ELCOS criou para a sua equipa de formadores, mas alargada aos profissionais de desejem obtê-la, a Certificação Formativa por níveis/peritos, com o objetivo de manter atualizado o nível de competências formativas da sua equipa de formadores. Esta iniciativa conta com a parceria das Ordens dos principais grupos profissionais que se ocupam da área das feridas complexas.
O Departamento ELCOS Internacional dá resposta às solicitações internacionais, através de parcerias de colaboração com os países lusófonos.
Observamos assim que as associações científicas são mais do que meras entidades de pesquisa e desenvolvimento, elas são a espinha dorsal que sustenta uma atualização e evolução contínua das instituições de saúde e académicas. Ao promoverem a troca de conhecimentos, a inovação e a implementação de práticas baseadas na evidência, nos contextos clínicos, as sociedades científicas garantem um aprimoramento permanente dos cuidados de saúde, visando a melhoria da qualidade de vida das populações.
Num mundo em constante mudança, onde novos desafios para a saúde emergem de forma permanente, a colaboração e o compromisso das associações científicas é essencial para enfrentar essas adversidades com resiliência eficiência e eficácia, pois elas não só moldam o presente, como também pavimentam o caminho para um futuro mais saudável e equitativo para todos.
Assim, reconhecer e apoiar o trabalho incansável do mundo associativo é investir no bem-estar coletivo e na prosperidade das gerações futuras, pois ele tem o poder de transfrmar vidas e construir um mundo melhor para todos.
1. Mendes V. Como Construir Uma Associação. 3 Ed. Porto: Legis Editora, Lda; 2008.
2. Fernandes FR. Comunidades de prática na perspectiva de Wenger: os constructos, a trajetória, os desdobramentos e suas relações com a gestão do conhecimento. Tese apresentada ao curso de Pós-Graduação Interdisciplinar em Gestão da Informação, Setor de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Paraná; 2022.
3. Nonaka I, Takeuchi H. Criação de conhecimento na empresa: como as empresas japonesas geram a dinâmica da inovação. 6 ed. Rio de Janeiro: Campus; 1997.
Fomento e Agradecimento:
Nada a declarar.
Declaração de conflito de interesses:
Nada a declarar
Todos os autores contribuiram na composição do artigo
Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519
Rev Enferm Atual In Derme 2025;99(1): e025001