ARTIGO ORIGINAL
ANSIEDADE DE ALUNOS DE UM CURSO DE ODONTOLOGIA FRENTE AO ISOLAMENTO SOCIAL
ANXIETY OF STUDENTS IN A DENTISTRY COURSE IN THE FACE OF SOCIAL ISOLATION
ANSIEDAD DE ESTUDIANTES DE CURSO DE ODONTOLOGÍA ANTE EL AISLAMIENTO SOCIAL
https://doi.org/10.31011/reaid-2025-v.99-n.Ed.Esp-art.2467
Pamela Barbosa dos Santos¹
Gabriela Almeida Souza Leão Simonton²
Lorrayne Cesario Maria³
Luciana Faria Sanglard4
Maria Helena Monteiro de Barros Miotto5
¹Departamento de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas. Universidade Estadual de Campinas, FOP-UNICAMP. ORCID: 0000-0002-4155-7441. E-mail: pamela.es@hotmail.com.br
²Departamento de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas. Universidade Federal do Espírito Santo. ORCID: 0000-0002-5405-3402
³Departamento de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas. Universidade Federal do Espírito Santo. ORCID: 0000-0002-9150-6159
4Departamento de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas. Universidade Federal do Espírito Santo. ORCID: 0000-0002-2520-7062
5Departamento de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas. Universidade Federal do Espírito Santo. ORCID: 0000-0002-3227-7608
Autor correspondente
Pamela Barbosa dos Santos
Departamento de Clínica Odontológica, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP - Universidade Estadual de Campinas, FOP-UNICAMP, Av. Limeira, 901, Bairro Areão – Piracicaba, SP, Brasil. CEP 13414-018. telefone: +55(19) 2106-5294 – E-mail: pamela.es@hotmail.com.br
Submissão: 12-01-2025
Aprovado: 07-03-2025
RESUMO
A pandemia de COVID-19 representou uma emergência de saúde pública que gerou consequências psicológicas graves, especialmente entre estudantes da área da saúde, devido ao risco potencial de contato direto com pacientes infectados durante suas práticas clínicas. Objetivo: Analisar os níveis de ansiedade de estudantes de um curso de Odontologia durante a pandemia de COVID-19 e suas repercussões. Materiais e métodos: Este estudo transversal foi realizado com estudantes da Universidade Federal do Espírito Santo (n=170). A coleta de dados foi feita por meio de dois questionários aplicados online: um abordando aspectos sociodemográficos, de biossegurança e questões relacionadas à COVID-19, e outro utilizando o Inventário de Ansiedade de Beck. A análise estatística foi realizada por meio do teste Qui-quadrado, considerando um nível de significância de 5%. Resultados: Os níveis predominantes de ansiedade variaram de moderado (45,9%) a grave (40%). Foram observadas correlações entre níveis de ansiedade e alunos solteiros (88,1%) e aqueles matriculados entre o 6º e o 10º período (82,8%). Além disso, estudantes que conheceram indivíduos que faleceram em decorrência da COVID-19 apresentaram maior prevalência de ansiedade moderada a grave (90,1%). Conclusão: A maioria dos estudantes apresentou níveis moderados a graves de ansiedade, manifestando sintomas como medo, insegurança e inquietação.
Palavras-chave: Ansiedade; Covid-19; Estudantes; Pandemia.
ABSTRACT
The COVID-19 pandemic was a public health emergency and caused psychological
consequences, especially for students in the health field, as they could have
direct contact with infected patients during their clinical practice. Objective:
To analyze the anxiety levels of dental students during the COVID-19 pandemic
and their repercussions. Materials and methods: This cross-sectional
study was conducted with students from the Federal University of Espírito Santo
(n=170). Data collection was performed through two online questionnaires: one
involving sociodemographic, biosafety, and COVID-19-related aspects, and the
Beck Anxiety Inventory. Statistical analysis was performed using the Chi-square
test (significance level of 5%). Results: Predominant anxiety levels
ranged from moderate (45.9%) to severe (40%). Significant correlations were
observed among single students (88.1%) and those in the 6th to 10th semesters
(82.8%). Those who knew individuals who died from COVID-19 showed moderate to
severe anxiety levels (90.1%). Conclusion: The majority of students
exhibited moderate to severe levels of anxiety, including symptoms such as
fear, insecurity, and restlessness.
Keywords: Anxiety; COVID-19; Students; Pandemic.
RESUMEN
La pandemia de COVID-19 fue una emergencia de salud pública y generó
consecuencias psicológicas, especialmente para los estudiantes del área de la salud,
ya que podrían tener contacto directo con pacientes infectados durante sus
prácticas clínicas. Objetivo: Analizar los niveles de ansiedad de los
estudiantes de odontología durante la pandemia de COVID-19 y sus repercusiones.
Materiales y métodos: Este estudio transversal se realizó con
estudiantes de la Universidad Federal de Espírito Santo (n=170). La
recopilación de datos se llevó a cabo mediante dos cuestionarios en línea: uno
abarcaba aspectos sociodemográficos, de bioseguridad y cuestiones relacionadas
con la COVID-19, y el Inventario de Ansiedad de Beck. El análisis estadístico
se realizó mediante la prueba de Chi-cuadrado (nivel de significancia del 5%). Resultados:
Los niveles predominantes de ansiedad variaron de moderado (45.9%) a grave
(40%). Se observaron correlaciones significativas entre los estudiantes
solteros (88.1%) y aquellos que cursaban entre el 6.º y el 10.º semestre
(82.8%). Aquellos que conocían a personas que fallecieron debido a la COVID-19
presentaron niveles de ansiedad de moderado a grave (90.1%). Conclusión:
La mayoría de los estudiantes presentaron niveles de ansiedad de moderado a
grave, con síntomas como miedo, inseguridad e inquietud.
Palabras clave: Ansiedad; COVID-19; Estudiantes; Pandemia.
INTRODUÇÃO
No final do ano de 2019, o vírus SARS-COV-2 se propagou rapidamente e infectou a população mundialmente, com origem no continente asiático(1). A pandemia do COVID-19 constituiu uma emergência de saúde pública, devido à alta virulência, infectividade e mecanismos de transmissão do vírus, fator que gerou grandes transtornos de ansiedade nos profissionais de saúde(2). Dentre eles, destaca-se o Cirurgião-Dentista, exposto à um elevado risco de contaminação pela produção de aerossóis gerados durante os procedimentos que realiza diariamente, através do uso de peças de mão, ultrassônicas e seringas tríplice o expondo a gotículas de saliva e sangue(3). Por essa razão, a odontologia foi considerada como uma das profissões com maior risco de infecção durante a pandemia(4).
Diante da exposição ao vírus, os profissionais passaram a conviver com o medo de uma possível infecção, bem como, de ocasionarem a contaminação de outras pessoas em seu cotidiano(5). Com o decreto da pandemia, medidas de distanciamento social e uso de máscaras foram adotadas, a fim de reduzir o número de infectados e a taxa de mortalidade(6). O vírus da Covid-19 tem a capacidade de sobreviver até 72 horas, após a sua instalação, em algumas superfícies como plástico e aço inoxidável(7). Os sintomas causados pelo coronavírus envolvem tosse seca, falta de ar, dores de garganta e cabeça, congestão nasal e rinite(8). O ensino odontológico em universidades públicas foi suspenso por longo período, devido a impossibilidade de substituição das aulas práticas presenciais por ensino remoto. Diante disso, a volta às aulas e práticas clínicas presenciais tornaram-se um grande desafio, considerando o bem-estar de alunos, professores, pacientes e familiares (9-10).
Em condições normais, os estudantes de Odontologia, durante a sua formação, já apresentam níveis de estresse mais elevados que a população em geral, devido à alta exigência da prática clínica (11). Durante a pandemia, a falta de equipamentos de proteção individual (EPIs), o aumento no número de óbitos e a incerteza generalizada intensificaram o impacto psicológico nos acadêmicos (12-13). Além disso, a ausência de atividades estudantis, o atraso na conclusão do curso e longos períodos em lockdown originaram momentos de incertezas nos discentes (14). Diante do exposto, a presente pesquisa teve como objetivo avaliar os níveis de ansiedade em acadêmicos do curso de Odontologia de uma universidade pública na região Sudeste do Brasil, durante a pandemia da COVID-19.
MÉTODOS
A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) – CAAE nº 31779120.1.0000.5060. Todos os participantes tiveram acesso e assinaram eletronicamente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que foi enviado junto ao questionário. Nesse documento, foram detalhados o objetivo do estudo, suas vantagens e vantagens, além da garantia de sigilo sobre quaisquer informações pessoais.
Para o cálculo amostral, foi utilizada uma prevalência esperada de 50%, com margem de erro de 5% e intervalo de confiança de 95%, a fim de maximizar a amostra. A população estimada consistia em aproximadamente 300 alunos matriculados no período da coleta de dados, sendo que a amostra final compreendeu 170 alunos distribuídos entre o terceiro e o décimo períodos do curso.
A presente pesquisa trata-se de uma pesquisa descritiva, com abordagem quantitativa e de caráter transversal, realizada em agosto de 2020. A coleta de dados foi realizada por meio de dois questionários aplicados via plataforma Google Forms®, e distribuídos por e-mail e Whatsapp®. O critério de inclusão para participação da pesquisa era o de estar regularmente matriculado no curso de Odontologia. Foram excluídos aqueles com afastamento médico, que não responderam integralmente aos questionários ou que estavam cursando os dois primeiros períodos, pois esses estudantes ainda não possuíam experiência em atividades clínicas.
O primeiro questionário abordou aspectos sociodemográficos, considerando variáveis independentes como idade, sexo, raça/cor, estado civil, período acadêmico, local de residência, biossegurança e questões relacionadas à COVID-19. O segundo instrumento aplicado foi o Beck Anxiety Inventory (BAI), validado para a língua portuguesa e amplamente utilizado em diferentes populações, incluindo a acadêmica. Seu objetivo era avaliar o grau de ansiedade (15-16). O BAI consiste em 21 perguntas de autorrelato, cujas respostas são organizadas em uma escala Likert de 4 pontos: 0 (absolutamente nada), 1 (levemente), 2 (moderadamente) e 3 (gravemente). A pontuação total, com máximo de 63 pontos, permite classificar os níveis de ansiedade em quatro categorias: mínimo (0 a 7 pontos), leve (8 a 15 pontos), moderado (16 a 25 pontos) e grave (26 a 63 pontos).
Foi realizada análise descritiva dos dados, por meio de tabelas de frequência com número e percentual para cada um dos itens dos instrumentos de pesquisa. A relação entre as variáveis dependentes e independentes foi avaliada através do teste Qui-quadrado. O nível de significância adotado foi de 5%. O pacote estatístico IBM SPSS 20 foi utilizado para esta análise.
RESULTADOS
Um total de 170 estudantes responderam aos questionários (56,6%). A maioria dos alunos eram do sexo feminino 81,2%, 93,5% solteiros, 97,6% sem filhos, 46,5% moravam em Vitória e 30% residiam com quatro pessoas (Tabela I).
Tabela I - Dados demográficos dos participantes da pesquisa.
Característica |
Número |
Percentual |
Sexo |
|
|
Feminino |
138 |
81,2 |
Masculino |
32 |
18,8 |
Estado civil |
|
|
Solteiro |
159 |
93,5 |
Casado/União estável |
11 |
6,5 |
Tem filhos |
|
|
Sim |
4 |
2,4 |
Não |
166 |
97,6 |
Pessoas na residência |
|
|
Uma |
13 |
7,6 |
Duas |
33 |
19,4 |
Três |
50 |
29,4 |
Quatro |
51 |
30,0 |
Cinco |
21 |
12,4 |
Seis |
2 |
1,2 |
Cidade de residência |
|
|
Cariacica |
14 |
8,2 |
Serra |
21 |
12,4 |
Vila Velha |
23 |
13,5 |
Vitória |
79 |
46,5 |
Outras |
33 |
19,4 |
As disciplinas declaradas como as responsáveis por causarem mais ansiedade foram anatomia (45,9%) e cirurgia (31,2%). A maioria dos alunos estavam cursando entre o sétimo e décimo períodos (59,4%), sendo que 47,1% estavam em atividades clínicas. Quando questionados sobre o retorno às aulas, 51,2% afirmaram que teriam condições de comprar todos os EPIs e 69,4% acreditavam que a Universidade não conseguiria oferecer os itens de segurança aos alunos. Ainda, 58,2% declararam ter recebido treinamento sobre o uso correto dos EPIs (Tabela II).
Tabela II - Dados acadêmicos e de biossegurança dos participantes da pesquisa.
Característica |
Número |
Percentual |
Período do curso |
|
|
3 – 4 |
26 |
15,3 |
5 – 6 |
43 |
25,3 |
7 – 8 |
57 |
33,5 |
9 - 10 |
44 |
25,9 |
Horas semanais de atendimento clínico |
|
|
Até 4 |
12 |
7,1 |
5 – 8 |
20 |
11,8 |
9 – 12 |
21 |
12,4 |
13 – 16 |
16 |
9,4 |
17 – 20 |
6 |
3,5 |
Mais de 20 |
5 |
2,9 |
Não tenho |
90 |
52,9 |
Tem condições de comprar todo EPI |
|
|
Sim |
87 |
51,2 |
Não |
42 |
24,7 |
Não sabe |
41 |
24,1 |
EPI que oferece são suficientes |
|
|
Sim |
22 |
12,9 |
Não |
118 |
69,4 |
Não sabe |
30 |
17,6 |
Recebeu treinamento para utilizar EPI |
|
|
Sim |
99 |
58,2 |
Não |
68 |
40,0 |
Não sabe |
3 |
1,8 |
Disciplinas que causam mais ansiedade |
|
|
Anatomia |
78 |
45,9 |
Cirurgia |
53 |
31,2 |
Patologia |
19 |
11,2 |
Agressão |
13 |
7,6 |
TCC |
10 |
5,9 |
Ortodontia |
9 |
5,3 |
Histologia |
8 |
4,7 |
Odontopediatria |
8 |
4,7 |
Radiologia |
7 |
4,1 |
Endodontia |
7 |
4,1 |
Bioquímica |
6 |
3,5 |
Escultura |
6 |
3,5 |
Odontologia |
4 |
2,4 |
Trauma |
4 |
2,4 |
ORC |
3 |
1,8 |
Prótese |
3 |
1,8 |
Outras |
6 |
3,5 |
Nenhuma |
24 |
14,1 |
A grande parte dos estudantes não foi acometido pela doença (92,9%), porém tiveram amigos e familiares que adoeceram e vieram á óbito (74,1% e 47,6% respectivamente) (Tabela III).
Tabela III - Dados sobre COVID-19 dos participantes da pesquisa.
Característica |
Número |
Percentual |
Teve COVID-19 |
|
|
Sim |
12 |
7,1 |
Não |
158 |
92,9 |
Conhece alguém que adoeceu de COVID-19 |
|
|
Sim, familiares/amigos |
126 |
74,1 |
Sim, outros |
42 |
24,7 |
Não |
2 |
1,2 |
Conhece alguém que morreu de COVID-19 |
|
|
Sim, familiares/amigos |
81 |
47,6 |
Sim, outros |
40 |
23,5 |
Não |
49 |
28,9 |
Após a análise do questionário sobre ansiedade, observamos que os seguintes aspectos predominaram como nunca autopercebidos: dormência ou formigamento (74,1%), tonturas ou vertigens (61,8), mãos trêmulas (65,9%) e desmaio (97,1%). Já para a classificação moderada a maioria relatou pernas inquietas (34,7%), dificuldade em relaxar (38,8%), nervosismo ou apreensão e cansaço (34,1%), além do medo de perder o controle (31,2%). Por fim, para o nível grave 42,9% relataram insegurança ou indecisão e 36,5% medo de acontecer o pior. A tabela IV apresenta esses dados.
Tabela IV - Distribuição percentual de dados sobre ansiedade.
Característica |
Nunca |
Leve |
Moderada |
Grave |
Dormência ou formigamento |
74,1 |
16,5 |
9,4 |
0,0 |
Sensação de calor |
40,0 |
28,8 |
21,8 |
9,4 |
Pernas inquietas |
18,8 |
18,8 |
34,7 |
27,6 |
Dificuldade em relaxar |
7,6 |
21,8 |
38,8 |
31,8 |
Medo de acontecer o pior |
10,6 |
21,8 |
31,2 |
36,5 |
Tonturas ou vertigens |
61,8 |
21,2 |
6,5 |
10,6 |
Dor no peito ou palpitação |
51,2 |
26,5 |
13,5 |
8,8 |
Inseguro ou indeciso |
3,5 |
24,7 |
28,8 |
42,9 |
Amedrontado |
20,6 |
28,8 |
27,6 |
22,9 |
Nervoso ou apreensivo |
10,6 |
21,8 |
34,1 |
33,5 |
Sensação de asfixia ou “nó na garganta” |
61,2 |
18,2 |
14,1 |
6,5 |
Mãos trêmulas |
65,9 |
11,2 |
18,2 |
4,7 |
Cansaço |
17,1 |
21,8 |
34,1 |
27,1 |
Medo de perder o controle |
22,9 |
18,8 |
31,2 |
27,1 |
Dificuldade de respirar |
60,6 |
23,5 |
8,8 |
7,1 |
Medo de morrer |
55,3 |
16,5 |
11,2 |
17,1 |
Assustado |
24,7 |
41,8 |
19,4 |
14,1 |
Indigestão ou desarranjo intestinal |
51,2 |
21,8 |
17,6 |
9,4 |
Desmaio |
97,1 |
1,8 |
1,2 |
0,0 |
Rubor facial ou sensação de calor |
58,8 |
24,1 |
11,2 |
5,9 |
Sudorese (não devido ao calor) |
53,5 |
26,5 |
15,3 |
4,7 |
A partir do questionário BAI, foram determinados os níveis de ansiedade dos alunos. A maioria se enquadrou no nível moderado e grave (45,9% e 40%, respectivamente) (Tabela V).
Tabela V - Nível de ansiedade dos participantes da pesquisa.
Nível |
Número |
Percentual |
Mínimo |
9 |
5,3 |
Leve |
15 |
8,8 |
Moderado |
78 |
45,9 |
Grave |
68 |
40,0 |
Em relação a tabela VI, quando realizada a correlação entre os níveis de ansiedade e aspectos sociodemográficos, observamos relação positiva entre o estado civil solteiro e o nível moderado/grave (p=0,010).
Tabela VI - Relação entre dados sociodemográficos e nível de ansiedade.
Característica |
Mínimo/Leve |
Moderado/Grave |
p-valor |
||
N |
% |
N |
% |
||
Sexo |
|
|
|
|
|
Feminino |
17 |
12,3 |
121 |
87,7 |
0,133 |
Masculino |
7 |
21,9 |
25 |
78,1 |
|
Estado civil |
|
|
|
|
|
Solteiro |
19 |
11,9 |
140 |
88,1 |
0,010 |
Casado/União estável |
5 |
45,5 |
6 |
54,5 |
|
Filhos |
|
|
|
|
|
Sim |
0 |
0,0 |
4 |
100,0 |
0,541 |
Não |
24 |
14,5 |
142 |
85,5 |
|
Mora sozinho |
|
|
|
|
|
Sim |
1 |
7,7 |
12 |
92,3 |
0,425 |
Não |
23 |
14,6 |
134 |
85,4 |
A associação entre dados acadêmicos, biossegurança e nível de ansiedade mostrou que os alunos entre o sexto ao décimo períodos apresentaram grau moderado/grave de ansiedade (p=0,048) (Tabela VII).
Tabela VII - Relação entre dados acadêmicos, biossegurança e nível de ansiedade.
Característica |
Mínimo/Leve |
Moderado/Grave |
p-valor |
||
N |
% |
N |
% |
|
|
Período do curso |
|
|
|
|
|
3 – 5 |
3 |
6,2 |
45 |
93,8 |
0,048 |
6 – 10 |
21 |
17,2 |
101 |
82,8 |
|
Atendimento clínico |
|
|
|
|
|
Sim |
11 |
13,8 |
69 |
86,3 |
0,537 |
Não |
13 |
14,4 |
77 |
85,6 |
|
Condições comprar EPI |
|
|
|
|
|
Sim |
11 |
12,6 |
76 |
87,4 |
0,365 |
Não/Não sabe |
13 |
15,7 |
70 |
84,3 |
|
EPI fornecido é suficiente |
|
|
|
|
|
Sim |
4 |
18,2 |
18 |
81,8 |
0,377 |
Não/Não sabe |
20 |
13,5 |
128 |
86,5 |
|
Recebeu treinamento para utilizar EPI |
|
|
|
|
|
Sim |
17 |
17,2 |
82 |
82,8 |
0,129 |
Não/Não sabe |
7 |
9,9 |
64 |
90,1 |
Por fim, constatou-se associação positiva entre alunos que conheciam alguém que veio a óbito por COVID-19 e grau de ansiedade moderado/grave (p=0,015) (Tabela VIII).
Tabela VIII - Relação entre COVID-19 e nível de ansiedade.
Característica |
Mínimo/Leve |
Moderado/Grave |
p-valor |
||
N |
% |
N |
% |
||
Foi diagnosticado com COVID-19 |
|
|
|
|
|
Sim |
3 |
25,0 |
9 |
75,0 |
0,230 |
Não |
21 |
13,3 |
137 |
86,7 |
|
Conhece alguém que adoeceu de COVID-19 |
|
|
|
|
|
Sim |
23 |
13,7 |
145 |
86,3 |
0,263 |
Não |
1 |
50,0 |
1 |
50,0 |
|
Conhece alguém que morreu de COVID-19 |
|
|
|
|
|
Sim |
12 |
9,9 |
109 |
90,1 |
0,015 |
Não |
12 |
24,5 |
37 |
75,5 |
DISCUSSÃO
A maioria dos participantes desse estudo apresentaram níveis de ansiedade moderada e grave, sendo 45,9% e 40% respectivamente. Associado a esse resultado, os sintomas mais prevalentes foram pernas inquietas, dificuldade em relaxar, nervosismo ou apreensão, cansaço, insegurança ou indecisão e medo de acontecer o pior. De fato, os impactos da pandemia na saúde mental dos estudantes universitários foram achados recorrentes em demais pesquisas (11,9,17,18,19).
Corroborando com esse trabalho, na Índia, um estudo semelhante realizado também no período pandêmico que estudantes universitários sofreram impacto psicológico, sendo o maior percentual associado a depressão, ansiedade e estresse(19). Foram encontrados resultados similares em outros estudos(9) e em uma pesquisa com docentes da própria Universidade Federal do Espírito Santo, na qual, uma parcela dos participantes apresentou níveis moderados de ansiedade(20).
É possível que uma das justificativas para esses fatos esteja relacionada ao longo período de isolamento social, podendo contribuir para o aumento da percepção dos sintomas de ansiedade(21). Além disso, as inúmeras mudanças repentinas na rotina, o medo de adoecer, a frustração em relação ao atraso na formação e a incerteza sobre o retorno ao curso, informações controversas, perdas financeiras e estigma também podem ter causado impactos na saúde mental dos estudantes (20,22).
Outros achados relevantes encontrados foram a associação significativa dos níveis de ansiedade com o estado civil solteiro e períodos finais da graduação. De modo análogo, a predominância dos estudantes da Universidade Federal em Santa Catarina era de solteiros (94%), em um estudo sobre os efeitos da pandemia da Covid-19(23).
Uma justificativa provável para a associação com os últimos períodos da graduação está no fato de que esses participantes enfrentariam uma maior carga horária clínica, no semestre que viriam a cursar, aumentando assim, o contato com os aerossóis produzidos no ambiente odontológico e possíveis riscos de contaminação viral (9,10).
No que tange aos dados obtidos sobre biossegurança, cerca de 58,2% dos alunos relataram ter recebido treinamento para uso dos equipamentos de proteção individuais (EPI’s), visto que também já estavam nos períodos finais do curso e tinham finalizado as disciplinas que tratavam a respeito do tema. Os estudantes da pesquisa de Ataş & Talo Yildirim (2020) também responderam corretamente sobre medidas padrão para se proteger contra a COVID-19(5). Mesmo assim, é necessário sempre reforçar os protocolos e atitudes, tendo em vista o alto risco de infecção e transmissão do coronavírus na prática clínica odontológica(10,24).
No presente estudo e no de Almeida e colaboradores (2020), observou-se associação significativa entre os estudantes que apresentaram níveis moderados e graves de ansiedade e aqueles que conheciam indivíduos que vieram á óbito devido à Covid-19. Resultados semelhantes foram encontrados em relação aos docentes. Uma possível explicação para esse desfecho estava atrelada ao desconhecimento parcial do vírus e seus impactos, no momento em que a pesquisa foi realizada. A insegurança e o risco de óbito foram fatores capazes de interferir nos níveis de ansiedade(20).
A limitação do estudo está relacionada ao fato de que a pesquisa foi realizada em um contexto específico, que é a universidade pública. Isso pode limitar a generalização do método para outras instituições, se forem particulares. Outras pesquisas devem ser feitas a respeito das consequências emocionais nos alunos pós pandemia. Contudo, o presente trabalho disponibiliza informações importantes sobre a ansiedade e suas implicações em vários âmbitos relacionados aos universitários do curso de odontologia, permitindo a elaboração de estratégias de apoio e intervenções psicológicas.
As instituições educacionais precisam implementar medidas de suporte adequadas para desafios impostos pelo contexto pandêmico. Entre essas medidas, destacam-se ações para reduzir o medo da contaminação. Além disso, é fundamental promover o cuidado emocional dos estudantes, garantindo a oferta de assistência psicológica aos estudantes durante períodos críticos (11,5,23). Como o ocorrido na UFES, diante do contexto pandêmico e níveis altos de ansiedade, houveram atendimentos psicológicos aos alunos. Em relação ao ensino, as universidades devem buscar maneiras de fornecer também a modalidade remota, quando necessário, levando-se em consideração os avanços da tecnologia na área educacional.
CONCLUSÕES
Conclui-se que os alunos do curso de Odontologia da Universidade Federal do Espírito Santo, durante a pandemia da Covid-19, apresentaram, em sua maioria, níveis moderados a graves de ansiedade, em especial àqueles que estavam em períodos mais avançados do curso ou os que conheceram alguém que veio a óbito por causa da doença, apresentando, assim, consequências físicas e emocionais.
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Fomento e Agradecimento:
Fundação de Apoio à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES).
Declaração de conflito de interesses:
“Nada a declarar
Pamela Barbosa dos Santos: Contribuiu substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Gabriela Almeida Souza Leão Simonton: Contribuiu substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Lorrayne Cesario Maria: Contribuiu na revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Luciana Faria Sanglard: Contribuiu na revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Maria Helena Monteiro de Barros Miotto: Contribuiu substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; assim como na redação Documento assinado digitalmente conforme descrito no(s) Protocolo(s) de Assinatura constante(s) neste arquivo, de onde é possível verificar a autenticidade do mesmo. e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Editor Científico: Ítalo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447
Rev Enferm Atual In Derme 2025;99(Ed.Esp): e025050