EDITORIAL

  HORA DE UM DIÁLOGO BASEADO EM FORÇAS SOBRE AS NECESSIDADES DAS PESSOAS QUE VIVEM EM CIRCUNSTÂNCIAS DE VIDA COMPLEXAS

 

 TIME FOR A STRENGTHS-BASED DIALOGUE ON THE NEEDS OF PEOPLE LIVING IN COMPLEX LIFE CIRCUMSTANCES

 

 TIEMPO PARA UN DIÁLOGO BASADO EN LAS FORTALEZAS SOBRE LAS NECESIDADES DE LAS PERSONAS QUE VIVEN EM SITUACIONES DE VIDA COMPLEJAS

 

https://doi.org/10.31011/reaid-2025-v.99-n.Ed.Esp-art.2494

Sithokozile Maposa1

Francisca Tereza Galiza2

José Diego Marques Santos3

Lívia Carvalho Pereira4

 

1 Enfermeira, Doutora em Filosofia. Professora de Enfermagem da Universidade de Saskatchewan. Prince Albert, SK, Canadá. ORCiD: https://orcid.org/0000-0001-7045-8883

 

2 Enfermeira, PhD. Doutora em Atendimento Clínico. Professora de Enfermagem da Universidade Federal do Piauí. Teresina, PI, Brasil. ORCiD: https://orcid.org/0000-0001-5217-7180

 

3 Enfermeiro. Mestre em Ciências. Pesquisador Associado da Universidade de Saskatchewan. Saskatoon, SK, Canadá. ORCiD: https://orcid.org/0000-0001-7973-7678

 

4 Enfermeira, Doutora em Saúde Comunitária. Professora de Enfermagem da Universidade Federal do Piauí. Teresina, PI, Brasil. ORCiD: https://orcid.org/0000-0003-2324-107X

 

O QUE SÃO AS CIRCUNSTÂNCIAS DE VIDA COMPLEXAS? UM CONTEXTO GLOBAL

No Brasil, no Canadá e em outras partes do mundo, há uma necessidade urgente de compreender melhor as circunstâncias de vida complexas, as necessidades únicas e os desafios de certos grupos populacionais. Frequentemente, indivíduos com desafios de saúde, econômicos e socioculturais sobrepostos encontram inúmeras barreiras.

Apesar do compromisso das Nações Unidas (ONU) de 'não deixar ninguém para trás,' as preocupações das pessoas com circunstâncias de vida complexas muitas vezes permanecem sem resposta.1 Os ojetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU para a justiça social fundamentam nossa parceria acadêmica internacional entre Brasil e Canadá, uma oportunidade para compartilhar e investigar as sobre circunstâncias de vida complexas. Juntos, promovemos um diálogo baseado em forças para contextualizar circunstâncias de vida complexas dentro dos ODS ao nível regional/global. Nossa equipe de enfermagem do Brasil e do Canadá colabora e se associa com pessoas que vivem em circunstâncias complexas e que são mais suscetíveis a danos associados a desvantagens de saúde, sociais e climáticas.2

 Com complexidades como instabilidade habitacional, insegurança alimentar, doenças crônicas concomitantes, HIV, uso de substâncias, preocupações com a segurança, trauma, violência e necessidades de saúde mental, a capacidade do indivíduo de manter uma vida estável e gerenciar suas circunstâncias e acessar necessidades como comida e abrigo frequentemente diminui. Populações afetadas, como mulheres, jovens e idosos, podem enfrentar desigualdades de gênero, disparidades raciais e pobreza, limitando seu acesso a serviços ou apoios integrados. Os idosos frequentemente lidam com isolamento social, solidão e problemas de saúde. A instabilidade habitacional agrava ainda mais esses desafios assustadores. Explorar circunstâncias de vida complexas em níveis local e global deve considerar os ODS da ONU para saúde e prosperidade.

O CONTEXTO DAS CIRCUNSTÂNCIAS COMPLEXAS NO BRASIL

De acordo com a coleção "Mais SUS em Evidências," módulo 4 sobre Condições de Vida e Saúde, as complexas circunstâncias de vida no Brasil estão ligadas a vários determinantes sociais da saúde.3 Por exemplo, o agravamento das taxas de renda e desemprego entre a população, conforme demonstrado em pesquisas recentes, é preocupante. Houve um aumento considerável na taxa de desemprego, enquanto a renda média permaneceu estagnada de 2012 a 2022. Entre os grupos étnicos, o racismo é notável, com a população negra brasileira enfrentando taxas de homicídio mais altas, especialmente entre as mulheres, e níveis mais baixos de educação e emprego.3

 As condições de vida e saúde da população negra brasileira; as populações do campo, da floresta e das águas (PCFAs) e os Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs); a população LGBTQIAPN+; e a população com deficiência merecem atenção especial ao estudar as complexas condições de vida no Brasil.3 Com altas taxas de exposição à violência e baixos níveis de educação e emprego, a população negra brasileira pode enfrentar condições de vida complexas, refletidas em indicadores de saúde geralmente baixos. As mulheres negras brasileiras podem ter uma taxa mais alta de pior cuidado pré-natal e mortalidade materna em comparação com as mulheres brancas. PCFAs e PCTs constituem outros grupos que merecem atenção no estudo das circunstâncias de vida complexas no Brasil.

 Com indicadores de saúde inferiores aos da população geral, esses grupos enfrentam problemas resultantes do racismo, barreiras geográficas para o acesso aos serviços de saúde, condições de trabalho e riscos ambientais. Outro grupo prioritário é a população LGBTQIAPN+, que enfrenta desafios no acesso aos serviços de saúde devido à discriminação, estigma e preconceito dentro dos serviços de saúde, falta de preparo entre os profissionais de saúde, negligência e omissão.

 Finalmente, a população com deficiência também pode enfrentar condições de vida complexas devido à falta de acomodações baseadas em suas necessidades. Por exemplo, essa população carece de cobertura de saúde adequada, apesar de enfrentar altas taxas de desemprego e baixa renda.3

O CONTEXTO DAS CIRCUNSTÂNCIAS COMPLEXAS DE VIDA NO CANADÁ

No Canadá, a instabilidade habitacional é um fator sistêmico que pode aumentar a vulnerabilidade, com quase 1 em cada 10 (11,2%) pessoas experimentando a falta de moradia ao longo da vida. Embora a dependência e o uso de substâncias sejam as razões mais comuns para a perda de moradia no Canadá (25,1%), a falta de moradia pode agravar as dificuldades com o uso de substâncias.4 Como identificado em uma pesquisa nacional de 2020-2022, 61% das pessoas com instabilidade habitacional relataram ter problemas de uso de substâncias, e 60% tinham problemas de saúde mental.5

Outra circunstância complexa da vida que aumenta a experiência de vulnerabilidade é o HIV. O HIV não está distribuído uniformemente entre os grupos nas províncias. Em 2022, a alta carga das estimadas 65.270 pessoas no Canadá vivendo com HIV foi encontrada na província de Saskatchewan.6 Entre esses indivíduos, 51% eram gays, bissexuais e outros homens que fazem sexo com homens, 25% eram mulheres e 13% eram impulsionados pelo uso de drogas injetáveis.6 Consequentemente, são necessárias intervenções pragmáticas para reduzir a escala no Canadá e além.

Da mesma forma, as complexas circunstâncias de vida brasileiras estão entrelaçadas com condições estigmatizadas. Por exemplo, pessoas idosas, como os idosos LGBTQIAPN+, cujos obstáculos podem não ser compartilhados por outros grupos etários, tendem a enfrentar mais desafios. Na área da saúde, uma compreensão limitada ou a falta de sensibilidade entre os profissionais em relação às necessidades específicas dessa população, incluindo a falta de treinamento adequado para lidar com questões relacionadas à identidade de gênero e à sexualidade dos idosos LGBTQIAPN+, pode levar à negligência, discriminação ou até mesmo ao medo de procurar serviços de saúde.7 Portanto, é necessário um diálogo baseado em pontos fortes com pessoas com experiência vivida para avançar em suas necessidades.

Além disso, os povos indígenas e outros grupos populacionais racializados carregam o fardo de circunstâncias de vida complexas que intersectam os impactos da colonização e do trauma contínuo, bem como a instabilidade habitacional e as desigualdades de saúde relacionadas.8 Por exemplo, em 2017/2018, as mulheres indígenas tinham cinco vezes mais chances de serem encontradas em abrigos em comparação com outras mulheres canadenses.8 Vendo que os Povos Indígenas representam aproximadamente 4% da população canadense, sua participação de 29% nas admissões à custódia federal durante o mesmo período é preocupante.8 Lacunas nos serviços de saúde/sociais que afetam significativamente o grande e crescente número de pessoas racializadas urbanas com necessidades complexas destacam ainda mais por que examinar as desigualdades é vital.

PAPEL DOS ENFERMEIROS

Acreditamos que os enfermeiros desempenham um papel essencial na contribuição para uma abordagem baseada em forças para avançar as conversas em parceria com pessoas que vivem em circunstâncias de vida complexas em todas as faixas etárias. Por exemplo, jovens, mulheres e idosos em situações complexas podem se beneficiar de serviços de redução de danos baseados em evidências, promoção da saúde, habitação, cuidados perinatais e intervenções educativas. Apoios abrangentes, como ter um lar seguro e serviços relacionados que ajudam a fortalecer o vínculo entre mães e bebês, podem preparar as mães para navegar ou superar circunstâncias desafiadoras. Para as populações adultas e idosas, entre outras, os enfermeiros desempenham papéis importantes ao colaborar e implementar estratégias inovadoras para a triagem precoce de problemas de saúde mental, uso de substâncias e risco de quedas, melhorar o acesso a cuidados seguros para grupos LGBTQA+, maior estabilidade habitacional e encaminhamento para apoios abrangentes para minimizar a solidão.

 

CONCLUSÃO

Para superar os grandes desafios impostos pelas circunstâncias ou necessidades complexas que cercam a vida humana, a sociedade deve primeiro reconhecer os direitos humanos, a equidade social, a justiça e as políticas públicas como delineadores da conscientização e aceitação das diferenças históricas, geográficas e sociais entre indivíduos e suas comunidades. Através da educação contínua, é possível prestar assistência com base em uma equipe multidisciplinar que enfatiza o cuidado interdisciplinar e intersetorial na prevenção, promoção e manutenção da saúde das populações vulneráveis. Alternativamente, trabalhar colaborativamente entre nações, como Brasil e Canadá, permite que nossa equipe aprenda uns com os outros e avance nas conversas internacionais sobre circunstâncias de vida complexas, utilizando uma perspectiva baseada em forças e parcerias.

 

REFERÊNCIAS

1.      UN Office for Partnerships. Sustainable developmental goals: briefing book 2023 [Internet]. 2023. Available from: https://unpartnerships.un.org/sites/default/files/publications/2024-01/SDG%20Briefing%20Book_2023.pdf

2.      Nonet GAH, Gössling T, Van Tulder R, Bryson JM. Multi-stakeholder Engagement for the Sustainable Development Goals: Introduction to the Special Issue. J Bus Ethics [Internet]. 2022 Nov [cited 2024 Dec 3];180(4):945–57. Available from: https://link.springer.com/10.1007/s10551-022-05192-0

3.      Agenda Mais SUS. Volume 4: Condições de Vida e Saúde [Internet]. 2023. Available from: https://agendamaissus.org.br/downloads/

4.      Government of Canada. Homelessness: How does it happen? [Internet]. 2023 [cited 2024 Nov 25]. Available from: https://www.statcan.gc.ca/o1/en/plus/5170-homelessness-how-does-it-happen

5.      Government of Canada. Housing, Infrastructure and Communities Canada - Homelessness data snapshot: Mental health, substance use, and homelessness in Canada [Internet]. 2024 [cited 2024 Nov 25]. Available from: https://housing-infrastructure.canada.ca/homelessness-sans-abri/reports-rapports/mental-health-substance-use-sante-mentale-consom-substances-eng.html

6.      Government of Canada. Estimates of HIV incidence, prevalence and Canada’s progress on meeting the 90-90-90 HIV targets, 2020 [Internet]. 2022 [cited 2024 Nov 25]. Available from: https://www.canada.ca/en/public-health/services/publications/diseases-conditions/estimates-hiv-incidence-prevalence-canada-meeting-90-90-90-targets-2020.html

7.      Almeida GMD, Alves MEM, Bastos RR, Silva PBD, Nascimento LSD, Silva ÉQ. Forms of LGBTQIAPN+ vulnerability in Brazil. Rev Bioét [Internet]. 2023 [cited 2024 Dec 3];31:e3470PT. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-80422023000100533&tlng=pt

8.      Statistics Canada. Impacts on Indigenous Peoples [Internet]. 2021 [cited 2024 Nov 25]. Available from: https://www150.statcan.gc.ca/n1/pub/11-631-x/2020004/s7-eng.htm

 Declaração de conflito de interesses

 Nada a declarar

Editor Científico: Ítalo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447

Rev Enferm Atual In Derme 2025;99(Ed.Esp): e025029                 

 Atribuição CCBY